Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1038/08.5TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SILVIA PIRES
Descritores: PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
SUBSÍDIO DE ASSISTÊNCIA
UNIÃO DE FACTO
REQUISITOS LEGAIS
CASAMENTO DE DUAS PESSOAS QUE VIVIAM HÁ MAIS DE DOIS ANOS EM UNIÃO DE FACTO
Data do Acordão: 01/28/2009
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE AVEIRO – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTºS 3º E 6º DA LEI Nº 7/2001, DE 11/05; DL Nº 322/90, DE 18/10; 2020º DO C.CIV.
Sumário: I – O Estado Português assegura a protecção por morte dos beneficiários abrangidos por regime de segurança social, mediante a concessão aos familiares próximos dos falecidos de prestações continuadas, embora não necessariamente vitalícias – as pensões de sobrevivência e os subsídios de assistência – e de uma prestação única – o subsídio por morte.

II – O pagamento de pensões de sobrevivência às pessoas que vivam com o falecido em condições análogas às dos cônjuges, mas que não sejam casadas, foi introduzido pelo DL nº 191-B/79, de 25/09, que alterou a redacção dos artºs 40º e 41º do DL nº 142/73, de 31/03, mantendo-se, posteriormente, no DL nº 322/90, de 18/10, o qual uniformizou, relativamente ao regime geral da segurança social, as regras relativas às mencionadas prestações sociais.

III – Com a Lei nº 7/2001, de 11/05, regulou-se a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há mais de dois anos, reconhecendo-lhe protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei – artº 3º .

IV – É requisito para o sobrevivo poder beneficiar desta protecção, no que aos unidos de facto respeita, que reúna as condições constantes do artº 2020º do C. Civ., efectivando-se o correspondente direito àquelas prestações mediante acção proposta contra a instituição competente para a respectiva atribuição – artº 6º, nºs 1 e 2, da Lei nº 7/2001, de 11/05.

V – Os unidos de facto por período superior a dois anos, com o seu casamento não perderam a força da ligação que justificava a atribuição das referidas prestações sociais.

VI - O casamento de duas pessoas que viviam há mais de dois anos em união de facto na véspera da morte do cônjuge marido, não é impeditivo de que o cônjuge mulher veja reconhecida judicialmente a verificação da situação prevista no artº 2020º do C.Civ., para efeitos de atribuição de prestações sociais por morte do beneficiário da segurança social, com fundamento na união de facto.

Decisão Texto Integral:
Autora: A…

Réu: B…

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Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

A Autora intentou a presente acção, pedindo a condenação do Réu a reconhecer que a Autora goza, com todos os efeitos legais, da qualidade de titular do direito às prestações por morte do referido C..., nomeadamente a pensão de sobrevivência, pagando o montante da respectiva prestação, nos termos análogos ao disposto nos artigos 3º, alínea e), e 6º da Lei 7/2001, de 11 de Maio, ou suspendendo-se o período de carência de um ano desde a celebração do casamento, nesta situação em concreto, em homenagem aos espírito das leis em causa.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese:
 Ø Viveu em união de facto, desde o ano de 2002, com C..., então divorciados, tendo contraído casamento civil, um com o outro, no dia anterior à morte deste, por imperativo moral, ético e emocional do casal.
Ø Não tem outros rendimentos além do seu vencimento de € 1.300,00 mensais, com o que tem de fazer face a todas as suas despesas e ainda suportar as despesas de alimentação dos seus netos e filha, pagando ainda a roupa e despesas médicas dos netos, bem como parte da prestação da casa que a filha adquiriu, por esta não ter meios para o fazer, restando-lhe mensalmente não mais de € 300,00 para si.
Ø Ainda tem que sustentar a sua mãe que vive em sua casa.
Ø A herança do falecido marido C... é constituída por prédios urbanos sem valor patrimonial de relevo e móveis de despiciendo valor, pelo que não tem rendimento suficientes para o seu sustento e da filha e netos.
Ø O pedido de concessão de pensão de sobrevivência, por óbito do marido C..., que exerceu medicina na função pública, foi indeferido, por não se encontrar casada com este há mais de um ano.
Ø Tem direito a obter do Réu pensão por esta via, sendo que outra inter­pretação dos preceitos aplicáveis viola os princípios da igualdade e da proporciona­lidade plasmados na Constituição da República Portuguesa.

Citado o Réu apresentou contestação, na qual invocou o erro no valor atribuído à acção e na forma de processo, impugnando parte dos factos alegados na petição, designadamente quanto à invocada união de facto e vivência em comum de ambos, concluindo pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho a corrigir o valor da acção e a forma de processo.

Considerando-se que o processo reunia todos os elementos para conhecer de mérito foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o Réu dos pedidos formulados.

                                              *

Inconformada com esta decisão recorreu a Autora, apresentando as seguintes conclusões:
1 – A Autora considera ter direito a usufruir da qualidade de titular do direito à pensão de sobrevivência, por óbito do seu marido C…, com quem estava casada há menos de um ano mas com quem vivia em união de facto, partilhando cama, casa e vida em comum, há mais de 4 anos seguidos e ininterruptos.
2 – Considera a Autora que foi feita, nos articulados, prova documental da sua união de facto com o falecido marido, em atestado autêntico da Junta de Freguesia de Aradas, que não foi especificamente impugnado pela demandada na sua contestação, o que será suficiente para, sendo um documento autêntico ema­nado da autoridade pública, fazer prova, pelo que o juiz a quo deveria ter feito constar essa união de facto dos factos provados. – Questão de Facto, art.º 685º-B, n.º 1, alínea b), em que o Juiz do Tribunal recorrido não valorou correctamente o concreto meio de prova que é o documento n.º 1 da PI, que impunha decisão dife­rente, com a inclusão desse facto como provado.
3 – Com a sentença agora recorrida, o Exmo Juiz não aplicou nem inter­pretou correctamente os artigos 3º alínea e) e 6º, 7º, 8º e 9º da Lei 7/2001 de 11 de Maio, assim como o artigo 3º, nº 1, 4º e 8º do DL 322/90 de 18/10, o mesmo se dizendo do artigo 2020º, nº 1 e 2 do CC (art.º 685º-A, nº 2 e b do CPC).
4 – Na verdade tem que se agregar e somar ao período de tempo de casamento o período de anos vividos em comum, e que merecem, só por si, tutela do direito, por bom senso, justiça e equidade, e em homenagem aos princípios legais e constitucionais da igualdade, proporcionalidade que de outra forma serão violados (Ver, neste sentido, o Acórdão nº 233/05 do Tribunal Constitucional, de 5 de Maio de 2005, publicado na 2ª série do D. R., de 4-8-05) o assim como por analogia com a aplicação do regime legal do DL nº 322/90 e da Lei nº 7/2001 (Neste exacto sentido, ver o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no processo nº 772/05).
5 – E essa agregação deverá, inclusive, merecer a aplicação directa e sem condições de que beneficiam os cônjuges sobrevivos casados há mais de um ano, por ser inútil a aplicação ao caso concreto do período de carência de um ano.
6 – E diz-se ser violados os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade esta interpretação feita na sentença agora recorrida, das normas legais acima referidas, por levar a que, assim, o regime para um casal em união de facto que acabe por contrair matrimónio seja menos vantajoso e menos tutelado que o regime, agora existente por extensão da legislação original, do casal que viveu em união de facto e não acabe por se casar – Interpretação cuja inconstitucionalidade se alega, para todos os efeitos legais.
7 – No caso concreto a ligação entre a autora/recorrente e o falecido fora reforçada e “qualificada” no dia anterior à morte deste, com a celebração do contrato de casamento, sendo que a boa interpretação das normas legais tem que ser a de que estas pretendem valorar e incentivar a existência de uma ligação entre o beneficiário e o necessitado da pensão, ligação quer de facto, quer de direito.
8 – Com a elaboração destas normas a preocupação do Legislador foi dar apoio económico a pessoas ligadas a falecidos que tenham sido beneficiários da segurança social, preocupação que se manifestou no correr dos anos de forma diferente, primeiro para o casamento, depois alargada à união de facto. Não se pode agora, alegando as limitações legais da união de facto, cercear os casos de casamento, como o da autora, em que já se vivia em conjunto há mais de um ano, nem aplicar cegamente a limitação do regime do casamento para este caso, em que comprovadamente já as pessoas estavam ligadas, merecendo a tutela da lei.
Conclui pela revogação da decisão recorrida.

O Réu apresentou contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso.

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1. Do objecto do recurso

Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­gações da recorrente, cumpre apreciar as seguintes questões:
a) Considerando a natureza do documento emitido pela Junta de Fregue­sia de Aradas, deve ser considerado provado que A..., viveu em comunhão de cama mesa e habitação com C…, desde Junho de 2001 até Julho de 2006?
b) A Autora é titular do direito às prestações sociais por morte do seu marido C…?

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2. Os Factos

Pretende a Autora que seja considerado provado que a mesma, à data do óbito de C…, vivia com o mesmo em união de facto, partilhando cama, casa e vida em comum, há mais de 4 anos seguidos e ininterrup­tos.
Fundamenta esta pretensão no facto de ter junto aos autos documento emanado pela junta da freguesia da área da sua residência, onde aquele facto foi atestado, alegando ainda que o documento em causa não foi impugnado pelo Réu.
O atestado emanado pela Junta de Freguesia da área da residência da recorrente, preenchendo os requisitos exigidos pelos art.º 363º n.º 2, 369º, n.º1, e 370º, n.º1, todos do C. Civil, reveste a natureza de documento autêntico.
No entanto, o art.º 371º, n.º 1, do C. Civil, dispõe, quanto à força probató­ria dos mesmos:
Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como os factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.
Daqui resulta que a sua força probatória material se reconduz aos factos praticados ou percepcionados pela autoridade ou oficial público de que emanam os documentos, não abrangendo, porém, a sinceridade, a veracidade e a validade das declarações emitidas perante essa mesma autoridade ou oficial público[1].
O atestado que constitui fls. 16 é completamente omisso sobre a razão de ciência do que dele consta quanto à situação que descreve, não tendo, deste modo força probatória que permita considerar provado o facto impugnado.
Assim, improcede a impugnação da matéria de facto feita pela Autora.

                                             *

Foram considerados provados os seguintes factos:
I – A Autora é funcionária do Instituto de Segurança Social, IP, exer­cendo as funções de técnica superior da Secção do Fundo de garantia Salarial, no Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Aveiro.

II – A Autora casou civilmente com C... no dia 13 de Julho de 2006, tendo esse casamento sido celebrado na Clínica D…, onde este se encontrava a receber cuidados paliativos.

III – C... faleceu no dia 14 de Julho de 2006.

IV – A Autora vive do seu ordenado, que é de cerca de € 1.3000,00 men­sais, 14 vezes no ano. 

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3. O Direito Aplicável

A sentença recorrida, alicerçada nestes factos, indeferiu a pretensão da Autora, por ter entendido que sendo esta casada com C... à data da sua morte não beneficiava da protecção concedida pelo sistema de segurança social aos unidos de facto, aquando da morte de um seu beneficiário, além de que o circunstancialismo fáctico alegado não revelava uma situação de carência da Autora.
Como expressão de um Estado – Providência este assegura, no nosso sistema, a protecção por morte dos beneficiários abrangidos por regime de segurança social, mediante a concessão aos familiares próximos dos falecidos de prestações continuadas, embora não necessariamente vitalícias – as pensões de sobrevivência e os subsídios de assistência – e de uma prestação única – o subsídio por morte.
O pagamento de pensões de sobrevivência às pessoas que vivam com o falecido em condições análogas às dos cônjuges, mas que não sejam casadas, foi intro­duzido pelo DL 191-B/79, de 25 de Junho, que alterou a redacção dos art.º 40º e 41º, do DL 142/73, de 31 de Março, que regulava a atribuição de pensões de sobrevivência do funcionalismo público, mantendo-se, posteriormente, no DL 322/90, o qual uniformizou, relativamente ao regime geral da segurança social, as regras relativas às mencionadas prestações sociais.
Fortemente pressionados por uma realidade social alargada, estes diplo­mas estenderam o direito às prestações acima referidas às pessoas que se encontrem na situação prevista no art.º 2020º, do C. Civil.
A situação prevista neste dispositivo é a daqueles que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, viviam com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges.
No n.º 2, do art.º 41º, do DL 142/73, o legislador fixou como condição-regra para a atribuição daquelas prestações sociais a existência de uma sentença judicial que reconhecesse o direito a alimentos da herança do falecido nos termos do art.º 2020º, do C. Civil.
Veio a Lei 7/2001, de 11 de Maio, que substituiu a Lei 135/99 de 28.8, conforme consta do n.º 1, do art.º 1º, regular a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há mais de dois anos, reconhecendo-lhe protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplica­ção do regime geral da segurança social e da lei – art.º 3º.   
É requisito, conforme claramente decorre do art.º 6, n.º1, para o sobre­vivo poder beneficiar desta protecção, no que aos unidos de facto respeita que reúna as condições constantes do artigo 2020º do Código Civil, efectivando-se o corres­pondente direito àquelas prestações, mediante acção proposta contra a instituição competente para a respectiva atribuição – n.º 2, do art.º 6º.
A sentença recorrida negou desde logo provimento à pretensão da Autora, com o fundamento de que as condições para a atribuição desta pensão se devem verificar à data da morte do beneficiário, conforme dispõe o artigo 15.º, do DL 322/90, e a Autora, à data do óbito de C... já não vivia em situação de união de facto, uma vez que na véspera tinha casado com ele.
Ora, não tendo a Autora direito a prestações sociais por morte do C..., na qualidade de cônjuge deste, por não se mostrar verificado o requisito da duração do casamento pelo período mínimo de 1 ano, exigido pelos art.º 7º, n.º 1, e 9º, n.º 1, do DL 322/90, e 40º do DL 142/73, não pode excluir-se o direito a essas prestações pelo facto de, ao cabo de 4 anos de vida em comum, se ter casado com o dito beneficiário.
Refira-se que não parece viável afastar o requisito da duração do casamento, como defende a recorrente, nos casos em que os cônjuges tenham anteriormente vivido em união de facto por período superior a dois anos, uma vez que tal requisito também visa impedir precisamente a celebração de casamentos com fim fraudulento, quando o unido de facto sobrevivo não reúne todas as condições exigidas pelo artigo 2020º, do C. Civil, para beneficiar das prestações sociais por morte do companheiro, nomeadamente a necessidade de alimentos.
Na verdade, se o legislador entendeu conceder protecção social àqueles  que viviam há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, no caso de morte do companheiro, e que se encontravam na situação de necessitados de alimentos, não será o facto de terem contraído matrimónio que lhes poderá retirar o direito a essa protecção, enquanto não beneficiem de igual protecção decorrente do seu estatuto de casados.
Os unidos de facto por período superior a dois anos, com o casamento, não perderam a força da ligação que justificava a atribuição das referidas prestações sociais. Pelo contrário reforçaram-na, constituindo uma relação matrimonial, pelo que, na impossibilidade terem direito a essas prestações, por força do recém-criado vínculo conjugal, atenta a sua curta duração, devem manter esse direito, fundamentado na situação de união de facto anterior ao casamento, uma vez que a razão justificativa da atribuição dessas prestações aos unidos de facto não deixou de se verificar com o casamento [2].
Por estes motivos, ao contrário do que concluiu a sentença recorrida, o facto da Autora se encontrar casada com C... não é impeditivo de que judicialmente se reconheça que a Autora reúne as condições exigidas pelo artigo 2020º do Código Civil.
A decisão recorrida invocou ainda para o julgamento negativo da acção que a situação económica da Autora não configurava uma situação de necessidade, pelo que sempre improcederia a sua pretensão.
Ora, relendo todos os factos invocados pela Autora na p.i., descritivos da sua situação económica, não se concorda que se possa desde logo excluir uma situação de carência que justifique que a mesma beneficie das prestações sociais em causa, uma vez que a Autora invoca diversos encargos e despesas que a provarem-se reduzirão severamente o seu rendimento disponível.
Todo o circunstancialismo fáctico alegado pela Autora necessita de ser objecto de prova de modo a apurarem-se as reais condições da sua situação, de modo a poder concluir-se, com a necessária segurança, sobre a verificação dos requisitos exigidos pelo art.º 2020º, do C. Civil.
Assim, ao ter-se decidido no despacho saneador pela improcedência da acção, decidiu-se prematura­mente, devendo o processo prosseguir para apuramento dos factos integrantes da causa de pedir invocados pela Autora e impugnados pelo Réu.
Por estas razões deve ser revogada a decisão proferida, determinando-se o prosseguimento da acção, organização dos factos assentes e base instrutória, com vista ao apuramento da situação prevista no artigo 2020º, do C. Civil.
                                             *         

Sumário
Nos termos do art.º 713º, n.º7, do C. P. Civil, é o seguinte o sumário do pre­sente acórdão:
O casamento de duas pessoas que viviam há mais de dois anos em união de facto na vés­pera da morte do cônjuge marido, não é impeditivo de que o cônjuge mulher veja reconhecida judicial­mente a verificação da situação prevista no art.º 2020º, do C. Civil, para efeitos de atribuição de presta­ções sociais por morte do beneficiário da segurança social, com fundamento na união de facto.

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Decisão
Nos termos expostos julga-se procedente o presente recurso, determi­nando-se o prosseguimento do processo com organização dos factos assentes e base instrutória, com vista ao apuramento da situação prevista no artigo 2020º, do C. Civil.

                                             *

Custas do recurso pelo Réu.

                                             *
                                            
                                                                     Coimbra, 28 de Janeiro de 2009.


[1]  Manual de Processo Civil, de Antunes Varela, M. Bezerra e S. e Nora, página 522).
[2] No mesmo sentido já decidiram os acórdãos:
   do S. T. J., de 27.5.03, relatado por Moreira Alves, proc. n.º 03ª927, acessível em www.dgsi.pt .
   do T. R. C., de 7.6.05, relatado por Rui Barreiros, recurso de apelação n.º 772/05.




DECLARAÇÃO de VOTO

Votei vencido por discordar do fundamento do acórdão que o sumário resume.

A esta discordância é inteiramente ameia a controvérsia sobre a essência da união de facto e a discutida existência de uma analogia estrutural entre esse instituto e o do casamento[1]. O motivo da divergência decorre, antes, da consideração do casamento como estado, quero dizer, dos efeitos do casamento: o estado do casamento define-se precisamente em função dos efeitos que o casamento opera.

O princípio geral é o de que a vontade de contrair casamento importa a aceitação de todos os efeitos legais do matrimónio (art° 1618, 1ª parte, do Código Civil). Os nubentes não podem casar, declarando que aceitam apenas alguns dos efeitos do casamento, excluindo outros. E os efeitos do casamento que a lei envolve na vontade de casar, são tantos os efeitos pessoais como os patrimoniais. Ora, um dos efeitos legais e pessoais do casamento é a dissolução da união de facto (art° 8 n° 1 c) da Lei n° 7/2001, de 11 de Maio).

O estado de casado, como qualquer estado da pessoa, além de unitário é indivisível. O estado de casado, como situação eminentemente pessoal, existe em relação a toda a gente, contra quem só podem ser exercidos os direitos ou exigido o cumprimento dos deveres que derivam desse estado.

Assim, não me parece possível invocar o estado de casado para, por exemplo, reclamar a qualidade de herdeiro do cônjuge falecido, e, em simultâneo, recusar esse estado para obter um efeito jurídico que esse estado exclui. Caso contrário, temos um estado pessoal a la carte: para um efeito (favorável) sou casado para outro efeito (favorável) sou unido de facto.

Se a lei supõe, como pressuposto da prestação social, a ausência do vínculo do casamento, a existência deste vínculo deve obstar à obtenção dessa prestação (art° 2020 do Código Civil).

Com o casamento, a relação dos companheiros ou unidos de facto passou, por inteiro, a ser regida pelo Direito Matrimonial[2]. O fundamento do acórdão que o sumário resume admite uma ultractividade da união de facto que a alternatividade dos institutos do casamento e da união de facto abertamente contraria: casamento e união de facto, por razões que se compreendem por si, excluem-se reciprocamente.

A autora terá direito a todas as prestações sociais que a lei associa ao facto do casamento; com a contracção do casamento, a autora (auto)perimiu os direitos a prestações sociais positivas que lei funda na união de facto.



09.01.28
Henrique Antunes


 

[1] Sobre o problema, cfr., v.g., Carlos Pamplona Corte-Real e José da Silva Pereira, Direito da Família, Tópicos para uma Reflexão Crítica, AAFDL,
Lisboa 2008, págs.45 e ss. e Telma Carvalho, A União de Facto: a sua
Eficácia Jurídica, Comemorações dos 45 anos do Código Civil e dos 25 Anos
da Reforma de 1977, vol. 1, Direito da Família e das Sucessões, FDUC,
Coimbra Editora, 2004m págs. 221 e ss.


[2] Jorge Duarte Lima Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, Reimpressão, AAFDL. 2008, pág. 667.