Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
253/11.9TBOHP.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: TRANSACÇÃO
TERMO DE TRANSACÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 10/09/2012
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.293 Nº2, 299 Nº1, 300 Nº3, 668 Nº1 D) CPC
Sumário: 1. O uso da expressão “termo de transacção”, em acta de audiência de julgamento onde as partes pretenderam submeter a homologação judicial o acordo a que chegaram, não implica que o mesmo tenha de ser assinado pelas partes, nem que o juiz cometa nulidade ao homologá-lo por aquele dever ter sido apresentado na secretaria.
2. A transacção é um negócio jurídico que consiste na manifestação de vontade das partes com vista à auto-composição do litígio, com o efeito jurídico de pôr cobro a um processo pendente, independentemente do regime jurídico aplicável à situação que levaram a juízo e subtraindo ao tribunal o poder de decidir a causa (arts. 293.º, n.º 2, 299.º, n.º 1 e 300.º, n.º 3 do CPC).
3. Assim, a sentença homologatória de transacção que não se referiu a um dos pedidos formulados pelos Autores na petição inicial, não enferma de nulidade por omissão de pronúncia.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I – RELATÓRIO

1. L (…) e mulher R (…), instauraram contra J (…) e mulher, B (…) a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, pedindo que a mesma seja julgada procedente por provada, condenando-se os RR. a:

A) Reconhecerem os AA. como legítimos donos e proprietários do prédio identificado na petição inicial;

B) Reconhecerem como terreno público o terreno que circunda a sua casa, abstendo-se de qualquer acto que iniba a utilização do mesmo pelo público em geral, condenando-se, ainda, os mesmos a demolirem o muro, vedação e retirarem a armação e portão em referência nos autos;

C) Ordenar-se o cancelamento no registo predial e na matriz predial urbana, referente ao prédio dos RR., da área aí inscrita como área descoberta ou logradouro; e

D) Reconhecerem a Servidão de Vistas, ar e luz dos AA., abstendo-se de edificar qualquer construção que ultrapasse o limite inferior da janela da casa dos AA., mantendo a distância de três metros abaixo desse limite.

2. Contestaram os RR., por impugnação, pugnando pela improcedência da acção.

3. Designada data para a realização de tentativa de conciliação das partes e eventual fixação dos factos assentes e controvertidos, não foi possível obter o primeiro fim da diligência, tendo os autos sido conclusos para elaboração do despacho saneador, seguido da fixação dos factos assentes e daqueles que passaram a constituir a base instrutória.

4. Notificadas as partes de tal despacho, vieram os AA. apresentar reclamação, integralmente desatendida.

5. Os autores apresentaram articulado superveniente que foi admitido depois de sujeito a contraditório, tendo, em consequência, sido efectuada uma alteração à redacção do artigo 14.º da base instrutória.

6. Designada data para a audiência de discussão e julgamento, conforme da respectiva acta que faz fls. 184 a 186 consta, as partes solicitaram e foi-lhes concedido algum tempo para conversarem, por perspectivarem ser possível uma solução consensual para o presente litígio.

7. «Após terem discutido as posições das partes e encontrando-se presentes os autores L (…) e R (…) acompanhados do ilustre mandatário Dr. (…), os réus J (…) e B (…) acompanhados do ilustre mandatário Dr. (…), foi aberta a audiência por parte do Mmo. Juiz de Direito, tendo as partes pedida a palavra e sendo a mesma concedida disseram pretender submeter a homologação o seguinte termo de transacção.


PRIMEIRA

Autores e réus reconhecem mutuamente as propriedades que alegaram na acção, bem como as respectivas áreas, confrontações, aberturas (janelas e portões) e implantações das respectivas habitações, tal como existente no local e na presente data, de que se consideram respectivamente donos e legítimos donos.

SEGUNDA

Declaram ainda respeitar doravante os direitos de propriedades nos termos referidos no ponto 1).

TERCEIRA

Os réus reconhecem que os autores podem aceder (apenas) à área da sua propriedade que se mostra retratada a folhas 43 (pequeno logradouro), quando vindos da propriedade destes últimos (restrito a este local), sem que careçam de autorização prévia e comprometem-se a fornecer-lhes uma chave do portão ai existente, e os autores, por sua vez, a não perturbar o descanso dos réus e a exercer o direito que lhe é reconhecido com bom senso, ponderação e adequação.

QUARTA

Os réus comprometem-se a tomar todos os cuidados e precauções se e quando sulfatarem a videira em latada, que também se mostra melhor retratada a folhas 43, e a limparem e/ou a repor a parede (confinante) dos autores ao estado em que a mesma se encontrava antes.

QUINTA

As custas em dívida a juízo serão suportadas em partes iguais, prescindindo desde já as partes, mutuamente, de procuradoria e custas na parte disponível.

De seguida, pelo Mmo. Juiz de Direito foi proferido a seguinte:


DECISÃO

Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 293º, nº 2; 294º; 299º; e 300º do Código do Processo Civil, declaro válido o termo de transacção que antecede, atenta a idoneidade das partes e a disponibilidade do objecto da presente acção, e em consequência homologo-o por sentença, condenando e absolvendo as partes nos seus precisos termos.

Custas devidas a juízo conforme o acordado (art.º 451º do C. P. Civil e 22º, nº 2 do Regulamento das Custas Judiciais).

Valor da acção o fixado a fls.97.

Registe.

Após trânsito em julgado comunique a presente sentença à CRPredial de Oliveira do Hospital (fls.177/8)».

8. Da acta de audiência de julgamento decorre que a mesma teve início pelas 10.00horas e foi encerrada pelas 12.30horas, e que após a sentença homologatória do acordo, o Mm.º Juiz mandou entrar as testemunhas na sala de audiências e após explicar que não haveria julgamento por as partes terem chegado a acordo, desconvocou-as.

9. Por requerimento apresentado em 2 de Março de 2012, os AA. vieram expor que o termo de transacção lavrado em acta e a sentença que o homologou são omissos quanto ao ponto D), primeira parte, do pedido deduzido na Petição Inicial, sendo que a sentença que homologa a transacção põe fim ao litígio, requerendo ao Tribunal o esclarecimento desta situação.

10. Em 16 de Março de 2012, os AA. apresentaram recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«1º Vem o presente recurso da sentença proferida nos autos, que homologou a transacção aí referida, pondo fim ao processo.

2º Desde logo, ao consignar-se na acta da audiência de julgamento de 27.2.2012 que as partes pretenderam submeter a homologação o termo de transacção e, na sentença, declarar-se válido o termo de transacção, tal decisão conheceu de uma questão que não podia.

3º Com efeito, a transacção foi lavrada em acta, nos termos do artigo 300 n.º 4 do CPC, e não por termo.

4º Aliás, para o termo ser válido, teria de ser lavrado na secretaria e assinado pelas partes, nos termos dos artigos 164 n.º 1 e 300 n.º 1 e 2 do C.P.C., o que não aconteceu, estando, assim a sentença eivada de nulidade, nos termos do artigo 668 n.º 1 alínea D) do CPC.

5º Por outro lado, a transacção é omissa quanto ao ponto D) do pedido da P.I., em que se requeria o reconhecimento por parte dos RR. da servidão de vistas, ar e luz e consequente inibição de actos que colocassem em causa a mesma servidão.

6º Ora, assim sendo, a decisão recorrida não podia homologar a transacção sem incluir o acordo relativamente a esta matéria ou não podia pôr fim ao litígio sem que esta matéria tivesse sido incluída na transacção.

7º Consequentemente, a decisão recorrida, a este propósito, padece de nulidade nos termos do artigo 668 n.º 1 alínea d) do C.P.C».

Termina pedindo que seja revogada ou declarada a nulidade da sentença recorrida, prosseguindo os autos, como é de Justiça.

11. Não foram apresentadas contra-alegações.

12. Por despacho proferido em 5 de Junho de 2012, o Mm.º Juiz a quo admitiu o recurso e aduziu quanto às nulidades arguidas o seguinte:

“Uma vez que os recorrentes assacam à sentença homologatória do contrato de transacção que outorgaram uma nulidade decorrente da ausência de pronúncia sobre matéria suscitada pela parte (art.1248.º do CC, 300.º e 668.º n.º 1, al. d) do CPC) e que o valor da acção permite a interposição de recurso ordinário por força do seu valor, não há lugar a sustentação ou à reparação do decidido (art. 680.º n.º 4 do CPC). Razão pela qual não se conheceu do requerimento formulado nos autos pelos autores em 02.03.2012 (fls.189 a 192). (…)

 Não podemos deixar de consignar e de lamentar, porque não reconhecê-lo, que num processo caracterizado pelo tema do «conflito de vizinhança» como este e face à «construção jurídico» recursório dos autores, com o qual não nos identificamos, não obstante a resposta pronto – e V. Exc.ªs avaliarão da sua bondade – deste tribunal e a potenciação de espaços de conciliação que logrou a final a composição judicial da lide – que as partes quiseram (!) – se mostrar, ainda assim, na tese dos autores, a sentença homologatória – que reconhece a vontade disponível das partes (!) – ferida de nulidade (penalidade capital), frustrando-se as expectativas de quem na acção pretendia resolver o seu litigio.”

Portanto, apesar do primeiramente afirmado, acabou por se pronunciar – e podia fazê-lo ao invés do que inicialmente afirmara[2] -, manifestando que a sentença homologatória reconhece a vontade disponível das partes, razão pela qual se entendeu desnecessário determinar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para dar cumprimento ao disposto no artigo 670.º, n.º 1, do Código de Processo Civil[3].


*****

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 707.º, n.º 4, do CPC, cumpre decidir.

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II. O objecto do recurso[4].

As questões a apreciar no presente recurso de apelação são as de saber se a sentença homologatória do acordo celebrado entre as partes é nula, por violação do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC:

- por ter declarado válido termo de transacção que não foi lavrado na secretaria e assinado pelas partes;

- por ter omitido pronúncia quanto ao ponto D) do pedido formulado pelos autores.


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III – Fundamentos

III.1. – De facto

São os constantes do relatório supra produzido.


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III.2. – O mérito do recurso

III.2.1. – A nulidade da sentença prevista no artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

Os Apelantes sustentam a sua pretensão de declaração de nulidade da sentença proferida e consequente revogação da mesma, com fundamento, em ambas as situações que referem, na respectiva nulidade nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.

Dispõe este preceito legal, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”, que:

“É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Esta causa de nulidade da sentença consiste, portanto, na omissão de pronúncia, sobre as questões que devia conhecer; ou na pronúncia indevida, quanto a questões de que não podia tomar conhecimento[5].

É entendimento pacífico que esta nulidade está em correspondência directa com o preceituado no artigo 660.º, n.º 2, do CPC, que impõe ao juiz a resolução de todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras, não podendo, porém ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes (salvo as de conhecimento oficioso), constituindo, portanto, a sanção prevista na lei processual para a violação do estabelecido no referido artigo[6].

É também pacífico o entendimento de que as questões a que alude o preceito não se confundem com todas as considerações ou argumentos expendidos pelas partes em defesa da orientação preconizada[7].

“São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para a sua pretensão”[8].

“O dever imposto no artigo 660.º, n.º 2 do CPC diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado. E para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes (sujeitos), e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir, e a questão resolvida pelo juiz, identificada por estes mesmos elementos. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito. E é por isto mesmo, que já não o são os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos”[9].

Enquadrado o regime da nulidade arguida, e vindo o presente recurso de apelação interposto da sentença proferida nos autos, que homologou a transacção aí referida, pondo fim ao processo (conclusão 1.ª), vejamos se a sentença homologatória da transacção, enferma das nulidades que os Apelantes lhe assacam.


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III.2.2. A nulidade adveniente da referência a termo de transacção.

Pretendem os Apelantes nas conclusões 2.ª a 4.ª do respectivo recurso, que ao consignar-se na acta da audiência de julgamento de 27.2.2012 que as partes pretenderam submeter a homologação o termo de transacção e, na sentença, declarar-se válido o termo de transacção, tal decisão conheceu de uma questão que não podia, porquanto a transacção foi lavrada em acta, nos termos do artigo 300.º n.º 4 do CPC, e não por termo; e para o termo ser válido, teria de ser lavrado na secretaria e assinado pelas partes, nos termos dos artigos 164.º, n.º 1, e 300.º n.º 1 e 2 do CPC, o que não aconteceu, estando, assim a sentença eivada de nulidade, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

A sua falta de razão é evidente.

Na verdade, a acta espelha com clareza que o Mm.º Juiz a quo, em obediência ao disposto no artigo 652.º, n.º 2, do CPC, estando a causa nos poderes de disposição das mesmas, tentou a respectiva conciliação, na sequência do que, a solicitação dos respectivos mandatários, lhes concedeu algum tempo para conversarem em face da informação que estas lhe prestaram de perspectivarem ser possível uma solução consensual para o presente litígio.

Mais resulta da acta que, “após terem discutido as posições das partes e encontrando-se presentes os autores L (…) e R (…) acompanhados do ilustre mandatário Dr. (…), os réus J (…) e B (…) acompanhados do ilustre mandatário Dr. (…), foi aberta a audiência por parte do Mmo. Juiz de Direito, tendo as partes pedida a palavra e sendo a mesma concedida disseram pretender submeter a homologação o seguinte termo de transacção”.

E, após a transcrição das cláusulas respectivas, consta:

“De seguida, pelo Mmo. Juiz de Direito foi proferido a seguinte:


DECISÃO

Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 293º, nº 2; 294º; 299º; e 300º do Código do Processo Civil, declaro válido o termo de transacção que antecede, atenta a idoneidade das partes e a disponibilidade do objecto da presente acção, e em consequência homologo-o por sentença, condenando e absolvendo as partes nos seus precisos termos”.

Portanto, dúvidas não existem de que a transacção a que as partes chegaram no âmbito dos presentes autos, não foi lavrada por termo no processo, nos termos previstos no artigo 300.º, n.ºs 1, in fine, e 2, perante a secretaria, mas sim, na modalidade prevista no n.º 4 do mesmo preceito: foi efectuada em acta, porque resultou de conciliação obtida na sequência da tentativa de conciliação realizada pelo juiz, no início da audiência de julgamento.

Ora, nestes casos, conforme decorre do disposto no artigo 300.º, n.º 4, in fine, o juiz limitar-se-á a homologá-la por sentença ditada para a acta, condenando nos respectivos termos. E foi isto que aconteceu, sendo a acta assinada apenas pelo juiz e funcionário respectivo, nos termos do artigo 164.º, n.º 1, 1.ª parte do CPC.

Na verdade, a assinatura das partes só seria necessária se no acto não tivesse tido intervenção o juiz, uma vez que, nesse caso, sendo lavrado o termo perante funcionário, e exprimindo o mesmo a manifestação de vontade das partes, teria que ser assinado pelas mesmas ou pelos seus representantes, em face do que dispõe a 2.ª parte do referido artigo 164.º, n.º 1, do CPC. Portanto, não se verifica no caso em apreço qualquer nulidade decorrente da falta de assinatura das partes[10].

Pretendem os Apelantes que referência a termo de transacção não é correcta porque a mesma ocorreu em acta perante juiz.

Dir-se-á: ainda que assim fosse – e não é, como veremos -, tal imprecisão não configuraria qualquer nulidade. Quando muito, seria um erro material passível de rectificação ao abrigo do disposto nos artigos 249.º do Código Civil[11] e 667.º, n.º 1, do CPC, como o podem ser as imprecisões de escrita que a mesma contém e que deliberadamente transcrevemos, por exemplo, “foi proferido a seguinte decisão”.

Porém, como se disse, nem se verifica, no caso, a necessidade de qualquer rectificação.

Efectivamente, os artigos 163.º e 164.º referem-se a «autos» e «termos» mas não nos habilitam a distinguir estas duas espécies de actos[12].

“Se percorrermos os vários lugares do Código em que se fala de autos e termos, também não descobrimos critério seguro que permita estabelecer a linha de diferenciação entre uns e outros. O exame dos textos legais mostra-nos que o «termo» é empregado:

I.º Para exprimir a vontade das partes, quer na esfera de direito processual (termo de desistência da instância, arts. 300.º e 301.º), quer na esfera de direito substancial (termo de confissão, de desistência do pedido, de transacção, art. 305.º.

(…) A excursão que fizemos através do Código revela duas coisas:

I.ª que o auto e termo são empregados em parte para os mesmos fins e em parte para fins diferentes;

2.ª que quando se empregam para os mesmos fins, há uma razão justificativa de se preferir nuns casos o termo e noutros o auto”.

Portanto, como é bom de ver, o uso da expressão «termo de transacção» não quer dizer que o mesmo se aplique apenas aos actos praticados na secretaria, porquanto é usado para exprimir a vontade das partes, mormente na acta de audiência onde se consubstanciou o acordo a que as partes chegaram.

Assim, a expressão «termo de transacção» tanto pode ser usado para a manifestação de vontade expressada pelas partes na secretaria, como para a manifestada perante o juiz e formalizada em acta. A diferença essencial reconduz-se à necessidade de assinatura de tal manifestação de vontade pelas partes ou seus representantes quanto o juiz não está presente, a qual é afastada nos actos presididos pelo juiz que atesta a manifestação de vontade ali ocorrida.

Nestes termos, não tendo o Mm.º Juiz a quo emitido pronúncia sobre matéria que não pudesse conhecer em virtude de o termo de transacção não ter sido lavrado na secretaria, como pretendem os Apelantes, não se verifica a arguida nulidade por pronúncia indevida. De facto, não se resiste a afirmar: e se o termo fosse lavrado na secretaria, não incumbia, da mesma sorte ao juiz, examiná-lo nos termos previstos no artigo 300.º, n.º 3, do CPC?

Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, improcede a nulidade arguida nas conclusões 2.ª a 4.ª do recurso.


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III.2.3. A nulidade adveniente da omissão na transacção quanto a parte do pedido.

Aduzem os Apelantes neste segmento do recurso constituído pelas conclusões 5.ª a 7.ª que a transacção é omissa quanto ao ponto D) do pedido da P.I., em que se requeria o reconhecimento por parte dos RR. da servidão de vistas, ar e luz e consequente inibição de actos que colocassem em causa a mesma servidão; por isso, a decisão recorrida não podia homologar a transacção sem incluir o acordo relativamente a esta matéria ou não podia pôr fim ao litígio sem que esta matéria tivesse sido incluída na transacção.

Também nesta arguição, a razão não está do lado dos apelantes.

Efectivamente, a transacção encontra-se prevista no artigo 287.º alínea d) do CPC como uma das causas de extinção da instância, encontrando-se o respectivo efeito previsto no artigo 294.º da referida codificação, de harmonia com o qual a confissão e a transacção modificam o pedido ou fazem cessar a causa, nos precisos termos em que se efectuam, apenas estando excluída a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis (artigo 299.º, n.º 1, do CPC).

Daí que, o juiz se limite a homologá-la por sentença, condenando nos respectivos termos – artigo 300.º, n.ºs 3 e 4, do CPC.

Efectivamente, de acordo com o disposto no artigo 1248.º do Código Civil, a “transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões” (n.º 1), podendo as concessões das partes envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do controvertido (n.º 2).

Trata-se, pois, de um negócio jurídico (um verdadeiro contrato porque bilateral e consensual) que pode ser celebrado judicialmente – por termo tomado pela secretaria e homologado posteriormente pelo juiz; ou perante o juiz quando resulte de conciliação por si obtida (n.ºs 2 a 4 do artigo 300.º do CPC) -; ou ainda extrajudicialmente, por documento autêntico ou particular, consoante a forma exigida pela lei substantiva para o efeito – n.º 1, do referido artigo 300.º, mas que, sem sombra de dúvida, resulta (na parte que ora importa), na composição dum litígio mediante recíprocas concessões, podendo as mesmas envolver a constituição, modificação ou extinção, inclusivamente de direitos diversos do controvertido.

Considerada como um contrato, a transacção está sujeita à disciplina dos contratos prevista nos artigos 405.º e segs. do CC, e evidentemente ao regime geral dos negócios jurídicos (artigos 217.º e segs. do CC)[13], consistindo na manifestação de vontade actuante das partes com vista à auto-composição do litígio, com o efeito jurídico de pôr cobro a um processo pendente, independentemente do regime jurídico aplicável à situação que levaram a juízo e subtraindo ao tribunal o poder de decidir a causa (arts. 293.º, n.º 2, 299.º, n.º 1 e 300.º, n.º 3 do CPC).

Tal acto positivo das partes afecta os seus direitos na concreta medida em que implica a solução do litígio (art. 293.º do CPC), sendo uma forma de auto-composição da causa: o conflito de interesses, traduzido na relação substancial em litígio, objecto da causa, fica resolvido e arrumado mediante esse acto e nos seus precisos termos[14].

Assim, a sentença que homologa a transacção não conhece da substância da causa e a sua função é apenas a de fiscalizar a regularidade e validade do acto celebrado pelas partes (artigo 300.º, nºs 3 e 4 do CPC)[15], “ de maneira que a verdadeira fonte da solução do litígio é o acto de vontade das partes e não a sentença do juiz”[16].

Ou seja, a sentença que homologa a transacção limita-se a apreciar e validade e regularidade do negócio celebrado pelas partes e, concluindo pela sua validade, confirma os termos e efeitos desse contrato, absolvendo ou condenando nos termos que resultam da transacção, o mesmo é dizer da auto-composição do litígio, porquanto são as próprias partes que “compõem ou resolvem a lide segundo a sua vontade, sem terem que se preocupar com o regime jurídico aplicável. (…)

Daí vem que nada importa, no caso de auto-composição que o litígio obtenha ou não solução conforme ao direito. Uma confissão, uma desistência, uma transacção não deixa de ser válida ou eficaz pelo facto de traduzir uma composição da lide contrária à respectiva ordem jurídica, isto é, contrária à que o tribunal haveria de pronunciar, se fosse chamado a decidir”[17].

Desta sorte, estamos perante sentença que, apenas se assemelha à sentença de mérito quanto à função: ambas são actos de composição da lide; porém, a sentença homologatória diverge daquela quanto ao modo e ao critério de composição, porquanto a sentença de mérito a que se referem os artigos 659.º a 661.º, é “obra do juiz” que “compõe a lide em conformidade com as determinações do direito adjectivo”, sendo considerada um meio de hetero-composição, ou seja a lide é composta de fora para dentro porque o acto de composição procede do juiz[18].

Ora, atenta a distinta estrutura formal de ambas as sentenças que vimos de expor, fácil é concluir que a nulidade por omissão ou por excesso de pronúncia a que alude o artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC, está configurada para a decisão de mérito do juiz que lavra a sentença sem decidir todas as questões que as partes lhe colocaram para resolução, ou decidindo questões que as mesmas não submeteram à respectiva apreciação.

O seu conteúdo e alcance não se enquadra na sentença homologatória de transacção relativa a direitos disponíveis, na qual as partes têm o direito de dispor da relação jurídica substancial como bem lhes aprouver, independentemente da solução que o tribunal ditaria ou daquela que a aplicação da lei implicaria, não podendo negar-se-lhes o poder de findarem o litígio segundo a sua vontade ou os seus interesses mais imediatos.

De facto, “a auto-composição da lide é um acto de licitude indiscutível, qualquer que seja o seu conteúdo, visto que é um acto de disposição do direito material, objecto da lide”[19].

Posto isto, e com a clareza destes ensinamentos, é tempo de volver ao caso dos autos para concluir.

Apresentada ao juiz, após a concessão de algum tempo para chegarem a acordo a transacção efectuada pelas partes cujas cláusulas supra se transcreveram, para ser submetida a homologação, e nada ali tendo sido referido pelas mesmas relativamente aos pedidos inicialmente formulados, mormente ao constante da alínea D) da petição inicial, nomeadamente que chegavam a acordo apenas nesta parte, inexiste qualquer nulidade da sentença homologatória que se limitou a sindicar a validade formal do acordo, a idoneidade das partes e a disponibilidade do objecto dos autos, condenando e absolvendo nos precisos termos da vontade das partes ali expressa, não tendo que apreciar se a mesma abrangia ou não todos os pedidos formulados, nem se consagrava direitos e obrigações para além deles, porquanto tal é legalmente admissível por estar na disponibilidade das partes.

Desta sorte, a sentença sob recurso apenas homologou aquilo que as partes, na presença do juiz a quo, declararam em transacção ser as respectivas vontades, manifestação com a qual, fizeram cessar a causa nos precisos termos em que efectuaram a transacção (artigo 294.º do CPC), não tendo consequentemente a mesma que prosseguir para apreciar qualquer um dos pedidos formulados na petição e que ali não foram objecto de referência, porquanto a transacção levada a homologação judicial é que definiu os termos da conciliação das partes, modificando e extinguindo os direitos das partes em conformidade com tal declaração.

Consequentemente, não existe qualquer omissão de pronúncia a assacar à sentença meramente homologatória de transacção onde o referido pedido da alínea D) da petição inicial não foi mencionado.

A transacção e a sentença homologatória, poderão porém ser declaradas nulas, nos termos que se mostram previstos no artigo 301.º do CPC, caso se verifiquem os respectivos pressupostos, situação que os ora Apelantes, não se revendo na auto-composição que efectuaram nestes autos, terão que demonstrar em acção própria, e que não se confunde com a nulidade assacada à sentença nesta sede recursória.

Assim, não se verificando as nulidades apontadas à sentença recorrida, soçobram também as “conclusões” 5.ª a 7.ª da alegação de recurso, inexistindo válido fundamento para a pretendida declaração de nulidade da mesma, e para o prosseguimento dos autos.

De facto, estando as partes presentes e devidamente representadas pelos respectivos mandatários, caso a respectiva intenção fosse a de que a transacção a que chegaram definisse apenas parcialmente a respectiva vontade e não pretendesse pôr termo ao litígio, pretendendo tão-somente definir os pontos que propuseram à homologação judicial, e querendo que o processo prosseguisse apenas para apreciação do pedido formulado na alínea D) da petição inicial, deveriam ter no momento em que apresentaram o seu acordo quanto ao objecto do litígio para homologação judicial manifestado tal vontade.

Não o tendo feito, e em face do disposto nos artigos 287.º, alínea d), 294.º e 299.º, do CPC, e 1248.º do CC, não se estando no caso dos autos no domínio dos direitos indisponíveis, a interpretação pelo Mm.º Juiz a quo da manifestação de vontade das partes, não podia ser outra senão a de que as mesmas, nos termos das referidas disposições legais, pretenderam pôr fim ao litígio, nos moldes que preveniram na transacção efectuada.

Nestes termos, improcede in totum o presente recurso de apelação.


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III.3. - Síntese conclusiva

I – O uso da expressão “termo de transacção”, em acta de audiência de julgamento onde as partes pretenderam submeter a homologação judicial o acordo a que chegaram, não implica que o mesmo tenha de ser assinado pelas partes, nem que o juiz cometa nulidade ao homologá-lo por aquele dever ter sido apresentado na secretaria.

II – A transacção é um negócio jurídico que consiste na manifestação de vontade das partes com vista à auto-composição do litígio, com o efeito jurídico de pôr cobro a um processo pendente, independentemente do regime jurídico aplicável à situação que levaram a juízo e subtraindo ao tribunal o poder de decidir a causa (arts. 293.º, n.º 2, 299.º, n.º 1 e 300.º, n.º 3 do CPC).

III – Assim, a sentença homologatória de transacção que não se referiu a um dos pedidos formulados pelos Autores na petição inicial, não enferma de nulidade por omissão de pronúncia.


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IV - Decisão

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação, mantendo-se a sentença homologatória recorrida.

Custas do recurso a cargo dos Apelantes.

Notifique.


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Coimbra, 9 de Outubro de 2012

Albertina Pedroso  [20] ( relatora )

Virgílio Mateus ( junto voto de vencido )

Carvalho Martins

Voto vencido:

Quanto à homologação da transacção, parece-me que a 1ª instância não trilhou os melhores caminhos para dar por findo o litígio.

Parece-me que o Ex.mo Sr. Juiz, ao apreciar a questão da nulidade, entendeu que a transacção estava na inteira disponibilidade das partes, de modo que estas podiam celebrar uma transacção como bem entendessem, e não é be

[1] Relatora: Albertina Pedroso;

1.º Adjunto: Virgílio Mateus;

 2.º Adjunto: Carvalho Martins.

[2] De facto, atenta a data de entrada em juízo da presente acção – 9 de Maio de 2011 – em conformidade com o que dispõem os artigo 11.º e 12.º da reforma processual civil, operada pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto, aplicam-se a este processo as disposições processuais com a nova redacção ali prevista, mantendo o juiz poder jurisdicional para conhecer das questões a que alude o n.º 4 do artigo 668.º e o artigo 669.º, ambos do CPC, mesmo quando as primeiras são arguidas em sede de alegações de recurso. Ora, a omissão de pronúncia constitui uma incompletude da decisão que pode ser sanada pela integração, no acto decisório, da apreciação, pelo tribunal que a proferiu, da questão que a sentença omitiu – cfr. Ac. STJ de 24-04-2012, processo n.º 497/07.8TBODM-A.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do CPC, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
[5] Cfr. José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, págs. 142 e ss; e Ac. STJ de 19-04-2012, processo n.º 9870/05.5TBBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Cfr. neste sentido, exemplificativamente, Ac. STJ de 12-01-2010, processo n.º 630/09.5YFLSB; Ac. TRL de 20-12-2010, processo n.º 1650/10.2TBOER-A.L1-1; e Ac. TRC de 29-02-2012, processo n.º 144732/10.9YIPRT.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Este entendimento jurisprudencial pacífico estriba-se na doutrina já defendida por José Alberto dos Reis, na obra e local citados, que a propósito do correspondente normativo, afirmava que se impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, resultando a nulidade, precisamente, da infracção pelo juiz desse dever que lhe está legalmente cometido. Mais recentemente, cfr. no mesmo sentido, Jorge Augusto Pais de Amaral, in Direito Processual Civil, 7.ª edição, Almedina 2008, pág. 391.

[7] Cfr. Jorge Augusto Pais de Amaral, ob. e loc. cit., pág. 392; e Acs. STJ, de 09-02-2012, processo n..º 47/07.6TBSTB-A.E1.S1; e de 24-04-2012, processo n.º 497/07.8TBODM-A.E1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[8] Cfr. José Alberto dos Reis, ob. e loc. cit., pág. 143.
[9] Ac. STJ de 24-04-2012, processo n.º 497/07.8TBODM-A.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Cfr. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol II, Coimbra Editora, 1945, págs. 203 e 204.
[11] Doravante abreviadamente designado CC.
[12] Cfr. José Alberto dos Reis, ob. cit. págs. 198 a 201, cujos ensinamentos seguiremos de perto, sendo destas páginas as citações efectuadas.

[13] Cfr. Ac. STJ de 30-10-2001, Processo n.º 01A2924, disponível em www.dgsi.pt.

[14] Cfr. Ac. STJ de 14-07-2009, Processo n.º 115/06.1TBVLG.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[15] Cfr. Ac. STJ de 03-07-2008, processo n.º 08B1345, disponível em www.dgsi.pt.
[16] Cfr. Alberto dos Reis, Comentário, vol. III, pág. 499.
[17] Cfr. Alberto dos Reis, ob. e loc. cit, págs 464 e 465.
[18] Cfr. Autor, obra e loc. cit.
[19] Cfr. autor, obra e loc. cit. págs. 465 e 466.
[20] Texto elaborado e revisto pela Relatora.