Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
697/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. FERNANDES DA SILVA
Descritores: DEVER DE FUNDAMENTAR DA SENTENÇA EM CASO DE REVELIA DO RÉU
Data do Acordão: 05/20/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: ANULAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA
Legislação Nacional: ARTº 57ºDO CPT ; 659º, Nº 2, DO CPC .
Sumário:

I – Nos termos do artº 57º do CPT, não tendo o réu contestado e tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor, sendo logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito .
II – O actual CPT instituiu uma única forma de processo declarativo, com tramitação simplificada, consagrando o efeito cominatório semi-pleno .
III – O artº 659º, nº 2, do CPC tem aplicação em tais situações, pelo que é necessário discriminar os factos que o juiz considera como provados .
IV – Caso a sentença proferida não acate tal regra sobre a fundamentação da decisão de facto, sofre do vício de nulidade , nos termos do artº 668º, nº 1, al. b), do CPC .
Decisão Texto Integral:

1

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

1 - BB, solteira, com os demais sinais dos autos, demandou, no Tribunal do Trabalho de Viseu, a R. «CC», pedindo a final a sua condenação no pagamento da quantia de 6.570,93 Euros, conforme discriminadamente fez constar do item 64º do petitório, acrescida da indemnização por despedimento ilícito e restantes importâncias, também discriminadas, tudo com os devidos juros de mora à taxa de 7%.
Pretextou para o efeito, em síntese útil, que foi admitida ao serviço da R. em Maio de 1999, por tempo indeterminado, para o exercício das funções de escriturária, tendo sido despedida sem fundamento em justa causa em 21.3.2003.

2 – Frustrada a tentativa de conciliação a que se procedeu na audiência de partes, e notificada a R. para contestar, sob a cominação de se considerarem confessados os factos articulados pela A., a R. não contestou, tendo sido proferida sentença, nos termos do art. 57º do C.P.T., a condená-la no pagamento à A. da quantia global de 10.151,29 Euros, conforme fls. 46, cujos termos se têm aqui por inteiramente reproduzidos.

3 – Veio a seguir o Exm.º mandatário constituído pela R. alegar, como justificativo do decurso do prazo para a apresentação da contestação, sem que a tenha apresentado, um problema surgido no agendamento efectuado na SEXTA-FEIRA 13, provocado por um eventual vírus informático, que um técnico iria averiguar ter ou não ocorrido, com vista a poder invocar justo impedimento.
4 – Pelo despacho de fls. 63 foi considerado irrelevante para os autos tal requerimento.

5 –Pelo requerimento de fls.65, com data de 29 Setembro de 2003 como sendo a de entrada na Secretaria do respectivo Tribunal, ao mesmo tempo pedia a passagem de guias para pagamento da taxa de justiça alegadamente devida pelo cumprimento do acto no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo, interpôs a R. recurso da decisão proferida a fls. 46, cujas alegações concluiu assim:
» - Não respeita o dever legal de fundamentação a douta decisão que se limita a aderir aos fundamentos legais da P.I. genericamente expostos;
» - Em processo ordinário de trabalho a consequência da falta de contestação é o mero triunfo da matéria de facto alegada pelo A. mas a causa tem de ser julgada conforme for de direito – art. 54º/2 do C.P.T.;
» - Impõe-se por isso, sob pena de nulidade, que a sentença observe, na sua elaboração, os requisitos gerais resultantes da parte final do n.º2 do art. 659º do C.P.C.;
» - A confissão derivada da falta de contestação não deve obstar ao respeito pela obrigatoriedade de prova documental em certos factos e para certos efeitos jurídicos;
» - Tendo a A. alegado factos para cuja prova indica meios documentais a juntar pela R., não deverá ser tomada decisão de mérito que contrarie os documentos que a própria A. pediu para que fossem juntos para a prova dos factos que ela alegou;
» - Se a A. invocou trabalhar entre 1.1.2002 e 21.3.2003, das 8:00 às 17:45 horas, com intervalo das 12:30 às 14:00 horas, tal significa que não trabalhou oito horas e 45 minutos por dia, mas sim oito horas e 15 minutos por dia;
» - Por isso, todo o seu pedido deverá ser reformulado para obedecer à Lei;
» - Não é aplicável à A. qualquer progressão automática na carreira, por não estar prevista par ao sector;
» - A A. invocou os factos que levaram ao seu despedimento – falsas declarações na justificação das faltas – que terão de ser dados como provados por confissão (fictícia) sem prejuízo da validade da prova documental;
» - Tendo invocado a existência de um lapso no preenchimento dos impressos, que não é imputável à R., o qual a A. conhece desde o início e que permitiu que a R. nele laborasse, apesar de ter tido pelo menos duas oportunidades para o esclarecer junto da R., comete ABUSO DE DIREITO a A. que pretende com base nesse lapso receber uma indemnização por despedimento.

Mostram-se assim violadas as normas previstas nos arts. 659º do C.P.C., 57º do C.P.T. e arts. 334º e 364º do Cód. Civil.

6 – Não foi oferecida resposta.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, vamos conhecer.

II -
1 – As ocorrências de facto relevantes e essenciais para o conhecimento do objecto do recurso, todas de natureza processual, resultam elencadas na antecedente exposição esquemática do desenvolvimento da lide.

2 – O DIREITO
Sabido, como é, que são as conclusões que sintetizam as alegações do recurso que delimitam o respectivo objecto – arts. 684º/3 e 691º/1 do C.P.C. – é basicamente uma a questão que nos vem posta: a de saber se a sentença proferida, ante a revelia da R., que não contestou, se mostra adequadamente fundamentada à luz da regra processual constante do art. 57º do C.P.T.

Nos termos desta disposição adjectiva, não tendo o réu contestado – e tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado – consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.
‘Se a causa se revestir de manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado; se os factos confessados conduzirem à procedência da acção, a fundamentação pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor’ – n.º2 da norma.

Contrariamente ao sistema do C.P.T. de 81 – que previa duas formas de processo, consoante o valor, e onde vigorava, para o processo sumário, em caso de revelia, o efeito cominatório pleno – o actual C.P.T. instituiu uma única forma de processo, com tramitação simplificada, consagrando, para igual situação, o efeito cominatório semi-pleno.

Importa todavia ter bem presente que a assumida tendência do legislador para a celeridade da solução, nas situações, como a dos autos, não pode confundir-se com aligeiramento ou maior facilitação relativamente ao cumprimento mínimo das devidas regras técnico-jurídicas.

A causa, não obstante, tem de ser julgada conforme for de direito.
A imediata cominação, para a revelia do R., traduz-se apenas e imediatamente ao nível da matéria de facto: consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.
Mas quais são esses factos?
Independentemente de nem toda a matéria de facto alegada na P.I. assumir, de forma categórica e incondicional, essa natureza – o que impõe naturalmente uma prévia selecção, com vista à subsequente implementação do raciocínio subsuntivo e solução jurídica, no mínimo em termos do clássico silogismo judiciário – não pode ignorar-se a disciplina decorrente do art. 659º/2 do C.P.C., que manda discriminar os factos que o juiz considera provados.
Só depois de elencados os factos que se consideram assentes, dentre os articulados e ante a confissão fícta do réu, é que pode julgar-se a causa conforme for de direito...e este julgamento impõe a respectiva fundamentação de facto.
Acrescem, além disso, as razões determinantes de que só dessa forma é possível sindicar tal decisão, em sede de recurso, ainda que a matéria de facto não tenha sido impugnada (cfr. art. 712º do C.P.C.), bem como proceder à aplicação da regra da substituição do Tribunal recorrido, sendo caso disso, (cfr. art. 715º do mesmo C.P.C.), não devendo negligenciar-se - ‘last but not the least’ - que o réu revel, como bem lembra Abílio Neto, (C.P.T. Anotado, 3ª Edição, 2002, pg. 144), continua a ser afinal o destinatário da decisão e deve saber quais os factos tidos por relevantes e que estiveram na base da sua condenação.


Na parte propriamente dispositiva da decisão sob censura, o Exm.º Julgador limitou-se a usar a facilidade consentida pelo n.º2 do art. 57º do C.P.T.
E assim, depois de invocar esta disposição e de ter consignado a verificação da regularidade da notificação e a falta de contestação da R., considerou confessados os factos articulados na P.I. e...‘aderindo à fundamentação aí desenvolvida’, julgou a acção procedente, condenando a R. em conformidade.

A fundamentação por simples adesão ao alegado pelo autor não é – não pode ser – automática.
(E note-se que, na doutrina, há vozes críticas a esta opção do legislador. Mesmo tratando-se de uma mera faculdade do Juiz, este deverá saber quando se justifica usá-la, com a propósito e segurança, em vez da fundamentação sumária do julgado – cfr. Albino Mendes Baptista, ‘C.P.T. Anotado’, 2ª Edição ‘Quid Juris’, pg. 149.
A causa há-de revestir-se de manifesta simplicidade.
E, no caso, esse pressuposto não só não se não invocou nem caracterizou, como, na nossa perspectiva, não se verifica.
Bastará atentar, além do mais, no desenvolvimento da alegada causa de pedir, no que concerne, v.g., ao pedido de indemnização pelo alegado despedimento ilícito, (as faltas dadas, os certificados de incapacidade por ‘doença’ e/ou por ‘assistência a familiares’, o engano no preenchimento do certificado por parte da médica, Drª Dora Alves, etc.), para convir que não é de todo líquido que os factos considerados/tidos por confessados conduzam, sem mais, à procedência da acção, por forma a justificar que a fundamentação possa ser feita mediante simples adesão ao alegado pela A.

O exposto conduz-nos necessariamente à conclusão de que a decisão sob censura é falha de fundamentação, vício que, integrando a previsão constante da alínea b) do n.º1 do art. 668º do C.P.C., provoca a nulidade da sentença.

III –
Nestes termos – e não se nos afigurando justificar-se mais dilatadas considerações – delibera-se, em provimento do recurso, a anulação da sentença recorrida, devendo ser proferida nova decisão em conformidade.
Custas a regular a final.
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COIMBRA,