Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3365/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. FERREIRA LOPES
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Data do Acordão: 03/09/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ART. 1154º E 1209º DO C. CIV. ; DL Nº 445/91, DE 20/11 .
Sumário:

I – Ao ser acordado um contrato para o exercício de técnico responsável pela direcção técnica de uma obra de construção civil, imposto pelo artº 2º do DL nº 445/91, de 20/11, o técnico contratante assume a obrigação não só de elaborar o projecto de arquitectura mas também o encargo de exercer a função de responsável pela direcção técnica da obra .
II – Se esse técnico omitir o dever de acompanhamento da obra, com vista a assegurar-se da qualidade da execução da mesma, incorre o dito em responsabilidade civil perante o dono da obra .
Decisão Texto Integral:

P. nº 3365/03
Apelação

Acordam na 3º secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

BA e mulher BB, residentes na Rua ..., Aveiro, intentaram na comarca de Aveiro acção com processo ordinário contra:
“BC”, empresa de construção civil, com sede na Rua **, Aveiro;
BD, engenheiro civil, residente na Rua «», Albergaria-a-Velha, com os seguintes fundamentos:
Os AA são donos de uma moradia, onde residem, construída pela 1ª ré nos termos de um contrato de empreitada celebrado entre eles e a Ré, enquanto o 2º Réu foi o responsável pela execução técnica da obra. Sucede que a construção cedeu na parte traseira, abatendo cerca de 10 cm, pelo facto de as fundações traseiras da moradia terem começado a enterrar-se, o que provocou fissuras na casa havendo mesmo o risco de ruína ou pelo menos de danos irreparáveis em todo o imóvel. Todos estes factos, que vêm causando graves transtornos pessoais à família dos AA, são consequência da má execução da obra, por que são responsáveis ambos os RR.
Com base nos factos que resumidamente se expuseram, os AA pedem a condenação solidária dos RR :
a) A reconhecerem que a obra nova que foi edificada na ..., em Santa Joana, Aveiro, tem os defeitos alegados e que é urgente a sua reparação;
b) A reconhecerem que os AA não podem receber as obras que não forem convenientemente reparadas;
c) A eliminarem os aludidos defeitos, no prazo máximo de 2 meses a contar da citação, sob pena de serem os AA a substituir-se-lhes na respectiva eliminação, imputando-lhe o respectivo custo;
d) A reconhecerem que a eliminação de tais defeitos importa, a preços de Novembro de 1999, em não menos de 6.000.000$00, relegando-se para a peritagem e, caso sejam os AA a realizar as reparações, para liquidação em execução de sentença, o cálculo do valor da reparação, a final;
A reconhecerem que, se os aludidos defeitos não puderem ser eliminados, deve ser feita nova construção;
A pagarem uma indemnização aos AA, por danos não patrimoniais, no valor de 500.000$00.
Os Réus contestaram separadamente, alegando, em síntese, o seguinte:
A 1ª Ré reconheceu que a obra apresenta o problema alegado pelos AA – assentamento das fundações – o que se deve, muito provavelmente, às características do solo no local, recusando, assim, responsabilidades no ocorrido. Alega ainda que logo que tomou conhecimento do que se passava se prontificou a contribuir para a resolução do problema, mas não foi possível chegar a um acordo com todas as partes, 3º Réu incluído. Quanto à gravidade dos danos e custo da reparação, impugna-os, considerando excessivos os valores apresentados pelos AA. Como não reconhece qualquer culpa sua no ocorrido, pede a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
O Réu BD impugnou que tenha ocorrido um afundamento do edifício de 10 cm, não se devendo a um pretenso afundamento as fissuras nos muros e no chão da cave. Não aceita qualquer responsabilidade nos factos alegados pelos AA, pois, além de não lhe competir observar as condições do terreno e verificar a profundidade das fundações do prédio e a qualidade de execução da obra, nunca os AA ou a 1ª Ré lhe deram conta de problemas na execução da obra nem solicitaram a sua comparência no local para acompanhar a execução dos trabalhos. A acção deve improceder e ele ser absolvido do pedido.
Replicaram os AA para reafirmarem o que haviam alegado no articulado inicial.
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Depois de realizada a audiência preliminar em que se tentou sem sucesso a conciliação das partes, lavrou-se despacho saneador que julgou válida a instância, e condensou-se a matéria de facto levando-se à base instrutória a factualidade controvertida com interesse para a decisão da causa.
Realizado o julgamento e decidida a matéria de facto sem censura, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, decidiu:
Condenar os 1º 2ºs Réus a procederem às obras necessárias e adequadas à reparação dos defeitos identificados em 19 dos factos dados como provados do imóvel identificado em 2 da matéria de facto provada, fixando-se a responsabilidade de cada um dos RR na reparação dos defeitos em 50%;
Condenar cada um dos Réus, “BC” e BD, a pagarem aos AA, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 1.125,00.
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Inconformados com a decisão apelaram os Autores e o Réu BD, mas o recurso daqueles veio a ser julgado deserto por falta de alegações.
O Réu BD concluiu a sua alegação nos termos seguintes:
1ª - O técnico responsável pela direcção técnica da obra não tem que estar sempre na obra, bastando-lhe que a visite quando solicitado, ou pelo menos uma vez por mês.
2ª - O dono da obra, e titular da licença de construção, não contactou directamente o 2º Réu para verificar as fundações e apenas deixou recados a familiares seus para este ir à obra.
3ª - Ao deixar recados a familiares, o titular da licença não se certificou se lhe foram transmitidos, e transmitidos correctamente.
4ª - Tais recados não foram transmitidos ao 2º Réu, que não é responsável por isso, dado que os seus familiares não são pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação.
5ª - O enchimento das fundações não era um trabalho inadiável, até porque a obra estivera suspensa 15 dias e nada justificava que fossem cheias de betão sem a prévia vistoria de um técnico.
6ª - O facto do empreiteiro não ter aberto os caboucos à profundidade necessária, conforme o projecto e o RGEU, e mesmo assim os ter enchido com betão é a causa adequada do dano.
7ª - O facto de o técnico não ter vistoriado os caboucos não é causa adequada à produção do dano na casa, porque nada justificava que fossem cheios de betão sem uma prévia vistoria: quando muito essa falta de vistoria seria causa adequada de outros danos, como a paralização da obra ou as despesas com a contratação de outro técnico.
8ª - O titular da licença de construção tem funções de fiscalização na obra, cabendo-lhe também efectuar as comunicações com o empreiteiro e os técnicos, zelar pelo livro de obra e anotar nele os aspectos essenciais do decurso dos trabalhos.
9ª - O facto de o titular da licença de construção e dono da obra, não ter alertado o empreiteiro para a falta de vistoria e de não ter impedido o enchimento das fundações, contribuiu, total ou parcialmente, para o dano.
10ª - Na sentença recorrida fez-se errada interpretação do disposto nos artigos 800º/1, 224º/1, 798º, 563º e 1209º do Cód. Civil e nos artigos 25º e 70º do DL 445/91 de 20 de Novembro.
Contra alegaram os AA pugnando pela manutenção da sentença.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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Considerando que a matéria de facto apurada na 1ª instância não foi impugnada, e não havendo lugar à alteração da mesma, nos termos do nº 6 do art. 713º do Cód. Processo Civil remete-se nessa parte para o teor da sentença recorrida, sem embargo de adiante se transcreverem os pontos de facto que interessam à decisão do recurso.
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A apreciação e decisão do recurso, delimitado, como se sabe, pelas conclusões da alegação do apelante (arts. 684º nº3 e 690º nº1 do CPCivil), passa pela análise das seguintes questões jurídicas colocadas a este tribunal:
Natureza do contrato celebrado entre Autores e o Réu BD;
Se o Réu incumpriu o contrato e, na afirmativa, se o incumprimento foi causa dos danos sofridos pelos Autores;
Se o Réu deve ser condenado a indemnizar os AA pelos danos por estes sofridos.
Abordemos tais questões.
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A sentença recorrida considerou terem as partes (Autores e Réu BD) celebrado um contrato de prestação de serviços, o que o apelante não questiona.
Entendemos que se decidiu bem.
Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição, (art. 1154º do Cód. Civil).
Neste tipo de contrato uma das partes obriga-se a proporcionar a outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, não uma obra ou resultado material, nisso se distinguindo do contrato de empreitada (cf. Baptista Machado, RLJ ano 118/278 e o Ac. do STJ de17.06.98, BMJ 478/351).
O quadro factual apurado nos autos aponta claramente para a um contrato inominado de prestação de serviços, como resulta dos seguintes factos:
Entre os AA e a 1ª Ré foi celebrado um contrato nos termos do qual esta se obrigou a construir uma moradia para aqueles ( nº2 da matéria de facto);
No cumprimento de tal contrato, a 1ª Ré executou as fundações, betão armado, alvenaria, ... procedendo ao levantamento do edifício até ao telhado (nº 4º);
O Réu BD, engenheiro civil, inscrito na Câmara Municipal de Aveiro, foi contratado pelos AA para elaborar o projecto de arquitectura e demais projectos exigidos por aquela Câmara (nº 9º);
O Réu BD assinou o termo de responsabilidade, junto a fls. 21, nos termos e para os efeitos do art. 6º nº1 do DL nº 445/91 (nº10);
Declarou o Réu assumir a inteira responsabilidade pela direcção técnica da obra (art. 11º);
Os AA contrataram o Réu BD também para exercer a função de técnico responsável pela direcção técnica da obra, tendo este Réu assumido esta responsabilidade junto da Câmara Municipal de Aveiro (art. 12º);
Decorre deste conjunto de factos terem as partes, Autores e Réu, firmado um contrato, imposto por lei – art. 2º do DL nº 445/91 de 20 de Novembro – pelo qual o Réu assumiu a obrigação não só de elaborar o projecto de arquitectura como também o encargo de exercer a função de responsável pela direcção técnica da obra, o que significa terem os AA cometido ao Réu o exercício das faculdades de fiscalização da obra que o art. 1209º do Cód. Civil lhes confere. Este acordo consubstancia um contrato de prestação de serviços. Neste sentido o Ac. do STJ de 05.06.01, CJ AcSTJ, anoIX, tomo II, pag. 120.
Assente terem as partes estabelecido uma relação contratual, há que verificar se o o Réu incumpriu o contrato e se se constituiu na obrigação de indemnizar os Autores.
Dispõe o nº1 do art. 762º do Cód. Civil que “o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.”.
Por sua vez, o art. 798º do mesmo diploma, prescreve que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.”
Ensina o Prof. Antunes Varela, Das Obrigações, 2º vol. Pag. 91, serem pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo do devedor: “a ilicitude; a culpa; o prejuízo sofrido pelo credor e o nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo.”
Seguindo a lição deste ilustre professor:
“A ilicitude resulta, neste domínio da responsabilidade contratual, da desconformidade entre o comportamento devido (a prestação debitória) e o comportamento assumido.”
“Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do devedor ser pessoalmente censurável ou reprovável. E o juízo de censura ou de reprovação baseia-se no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo.”
Cuidemos antes de mais de verificar se estes dois requisitos ocorrem no caso dos autos.
A ilicitude do comportamento do Réu resultará de a sua actuação ter infringido os deveres que para ele resultaram do facto de ter assumido a direcção técnica da obra. Vejamos se tal ocorreu.
O Regime Jurídico do Licenciamento de Obras Particulares, aprovado pelo DL nº 445/91 de 20.11, obriga à aprovação de um projecto de arquitectura para o licenciamento de um obra de construção civil como a dos autos. A este propósito, dispõe o art. 6º do diploma citado:
“O pedido de licenciamento é sempre instruído com declaração dos autores dos projectos em como se observaram as normas técnicas gerais e específicas da construção, bem como as disposições legais e regulamentares aplicáveis a cada um dos projectos apresentados, nos termos do disposto no nº2 do art. 15º” (nº1);
“As declarações de responsabilidade do autor do projecto de arquitectura e dos projectos de especialidades constituem garantias bastantes do estrito cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis...” (nº2).
Por sua vez, o art. 25º do mesmo dipoma, sob a epígafe, livro de obra dispõe:
“1. O titular da licença de construção é obrigado a conservar o livro de obra no respectivo local, para consulta, escrituração do acto de fiscalização e das anomalias detectadas pelo técnicos das entidades fiscalizadoras....
2. O técnico responsável pela direcção técnica da obra deve registar no livro de obra o seu estado de execução, exarando as observações que considere convenientes sobre o desenvolvimento dos trabalhos..., bem como a data de conclusão da obra.
3. Os autores dos projectos devem prestar os esclarecimentos necessários para a correcta interpretação dos respectivos projectos, dar assistência ao titular da licença de construção na verificação da qualidade dos materiais e ainda assegurar, por si ou por seu mandatário, o acompanhamento da obra, registando no respectivo livro o andamento dos trabalhos e a qualidade da execução, bem como qualquer facto contrário ao projecto....
6. Os registos mencionados nos nºs 2 e 3 são efectuados, pelo menos, com periodicidade mensal, salvo em caso de força maior que se mostre devidamente justificado.”
Resulta do exposto que pelo termo de responsabilidade, exigido pelo art. 6º do DL 445/91, se atesta a conformidade entre a construção a que se refere e as normas legais e regulamentares aplicáveis, o que, para não ser apenas uma declaração vazia de significado, exige uma actuação atenta e constante de quem assumiu tal responsabilidade relativamente ao andamento dos trabalhos da obra em causa. Neste sentido ainda o que claramente resulta do nº 3 do art. 25º supra referido ao impor aos autores dos projectos a obrigação de acompanharem a obra, registando no respectivo livro o andamento dos trabalhos e a qualidade da execução.
Pois bem.
Provou-se que a 1ª Ré abriu os buracos para as fundações, interrompeu os trabalhos e depois retomou-os cerca de 2 semanas depois. No período de tempo em que os caboucos se encontraram abertos o Réu BD nunca se deslocou à obra, sendo certo que os AA tentaram por diversas vezes contactá-lo para ele ir verificar as fundações (nºs 7º e 16º da matéria de facto).
Significa isto ter o Réu omitido o dever de acompanhar a obra, com vista a assegurar-se da qualidade da execução da mesma, designadamente a boa execução das fundações que, de acordo, com as especificações técnicas, deveriam ser levadas até se encontrar o firme, isto é solo compactado, rijo, se possível em rocha (nºs 14 e 15 dos factos provados). A obrigação do Réu de acompanhar a execução das fundações surge reforçada pela circunstância de na traseira da moradia – onde a construção abateu – existir uma antiga vala hidráulica subterrânea, o que era do seu conhecimento (nºs 23 e 25º da matéria de facto).
Não procede a argumentação do Réu apelante, para se eximir à responsabilidade, com o facto de o dono da obra não o ter contactado directamente, não se certificando se os recados lhe chegaram. É que o acompanhamento da obra constituía uma obrigação sua, como técnico responsável pela direcção técnica da obra, mais a mais sabendo ele que o solo das traseiras da casa poderia não ser seguro por força da antiga vala hidráulica.
Concluímos, assim, ter o Réu agido de forma ilícita e também culposa, pois não logrou provar, como lhe competia, que a forma imperfeita como desempenhou as suas obrigações de responsável técnico da obra não procede de culpa sua (art. 799º do Cód. Civil).
Improcedem, assim, as conclusões 1ª a 4ª do recurso do Réu.
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Cumpre agora apreciar a segunda ordem de questões colocadas no recurso, a saber: se resultaram danos para os AA pelos quais o Réu deva responder em termos de indemnização.
Já atrás se referiu serem pressupostos da obrigação de indemnizar, além da ilicitude e da culpa, que o credor sofra um prejuízo e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo.
Quanto ao primeiro não existem quaisquer dúvidas que os AA sofreram um prejuízo. Provou-se na verdade que a parte de trás da sua moradia cedeu, abatendo 10 centímetros, o que ocasionou fendas no chão da cave e nos muros exteriores e o levantamento do chão da cave. Provou-se também que o desnivelamento da parte de trás da casa dos AA, se ficou a dever ao facto de as fundações traseiras se terem enterrado.
A questão do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo é regulada pelo art. 563º do Cód. Civil, que dispõe:
“A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
No caso dos autos, o facto ilícito resulta de uma omissão de agir, sendo certo que “as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando independemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico o dever de praticar o acto omitido”, (art. 486º do Cód. Civil).
A este propósito, decidiu o douto Acórdão do STJ de 15.01.2002, CJ AcSTJ, ano X, tomo 1, pag. 36 e 37:
“As omissões só geram responsabilidade civil desde que se verifique um pressuposto específico, que é a existência de um dever jurídico da prática do acto omitido, e desde que esteja presente o nexo de causalidade, por forma a que possa afirmar-se que o acto omitido teria seguramente ou com a maior probabilidade obstado ao dano.”
E acrescenta este douto acórdão:
“De acordo com a teoria da causalidade adequada, só deve ser tido em conta como causa do dano aquela circunstância que, dadas as regras da experiência e o circunstancialismo concreto em que se encontrava inserido o agente (tendo em conta as circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis) se mostrava como apta, idónea ou adequada a produzir esse dano”.
O Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, pag. 891, ensina que o critério a usar para sabermos se o facto é ou não causa adequada do dano, é a causalidade adequada na sua formulação negativa: “a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequado para esse dano.”
Revertendo agora ao caso dos autos.
Já vimos que sobre o Réu recaía a obrigação de prática do acto omitido, ou seja o acompanhamento da obra, concretamente a execução das fundações.
Atento os princípios supra expostos, podemos concluir que o comportamento do Réu foi causa adequada do dano pois o facto que omitiu seguramente, ou muito provavelmente, teria impedido a produção do dano, directamente causado pela deficiente execução das fundações.
É certo que o facto de o empreiteiro não ter aberto os caboucos até à profundidade necessária foi causa adequada do dano. Porque assim é foi ele condenado na sentença. Só que este facto não retira importância à omissão do Réu recorrente pois esta, como vimos, foi uma das condição do dano, concorrendo para ele com o comportamento do empreiteiro.
Por último nas conclusões 7ª a 9ª o recorrente pretende alijar as suas responsabilidades com o facto de a obra ter avançado sem prévia vistoria e com o facto de, nos termos do art. 1209º do Cód. Civil, o dono da obra poder fiscalizar esta.
Parece-nos evidente serem infundadas estas conclusões. O dono da obra, que não será um especialista em construção civil, ao contratar a realização da obra confiou na arte do empreiteiro e na diligência do técnico responsável, o Réu recorrente. Estes, pelas suas habilitações profissionais, é que tinham o dever de cuidar pela boa execução da obra. A conclusão 9ª só seria pertinente se estivesse provado, e não está, que os Autores tomaram conhecimento de que as fundações não tinham atingido o firme e que, mesmo assim, nada fizeram para impedir o enchimento das fundações.
Improcedem, em consequência, todas as conclusões do recurso.
Decisão.
Em face do exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a sentença apelada.
Custas pelo apelante.
Coimbra, 09 de Março de 2004