Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1241/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
DEPÓSITO BANCÁRIO
Data do Acordão: 06/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1680º E 1725º DO C. CIVIL
Sumário: Não se sabendo qual o regime de bens do casamento nem se encontrando provado que determinados depósitos bancários tivessem sido feitos em exclusivo nome de um dos cônjuges – antes se encontrando demonstrado que as contas estavam em nome dos dois cônjuges –, qualquer deles podia movimentar livremente tais depósitos, na constância do matrimónio, como flui do disposto nos artºs 1680º e 1725º do C. Civil, não sendo, por isso, de incluir os montantes levantados na relação de bens.
Decisão Texto Integral:

No processo de inventário a correr termos pelo Tribunal da comarca de Torres Novas sob o nº 432-A/98-1º Juízo, para partilha de bens na sequência de divórcio entre A... e B..., veio o primeiro, em 28/01/2004, ao abrigo do disposto no artº 1348º, nº 6, do Código de Processo Civil, reclamar da relação de bens, invocando, além do mais, a não relacionação da quantia de 9.976 euros, pertença do dissolvido matrimónio, que se encontrava depositada em 4 contas, e que foi objecto de diversos levantamentos realizados pela cabeça de casal, bem como a não relacionação de 16 bens móveis, na posse da cabeça de casal.
Posteriormente, em 21/05/2004, requereu o mesmo interessado a eliminação da verba nº 20 da relação de bens (veículo automóvel de marca Toyota, de matrícula NS-42-43), por ter sido alienada a C..., que a fez inscrever a seu favor na Conservatória do Registo Automóvel do Porto em 18/01/1994.
Por despacho de 07/10/2004, foram tais reclamação e requerimento indeferidos.
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Inconformado, agravou o reclamante A..., rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1. A cabeça de casal procedeu ao levantamento de importâncias pecuniárias, de uma conta titulada por si e pelo interessado aqui recorrente, no montante de pelo menos 1600 contos, tal como se verifica do extracto bancário enviado pela Caixa Geral de Depósitos, em 11/11/1993.
2. Embora o levantamento de tal importância tenha sido antes da instauração do processo de divórcio, existindo esse montante na conta do casal, é obrigação da cabeça de casal restituir ao acervo conjugal os depósitos levantados, mesmo que o dinheiro tenha sido dissipado.

3. É prova suficiente da existência de tais montantes, os extractos bancários remetidos ao processo pela C.G.D.
4. Sendo tal depósito existente, o Mmº Juiz a quo deveria ter ordenado o relacionamento de tal verba, pelo que ao não fazê-lo carece esta decisão de ser revogada.
5. Provado que está por certidão de arrolamento junta ao processo, de que à data da separação do casal este era possuidor de diversos bens que ali se descriminaram e tendo tal existência de bens sido corroborada pelo depoimento de testemunhas que, pese embora o facto de serem parentes do interessado depuseram de forma inequívoca, esses bens deveriam ter sido também relacionados. Não tendo o Mmº Juiz acolhido, esta decisão deve ser revogada.
6. Se em 14/04/1994, na sequência de um pedido de arrolamento levado a efeito pela ora cabeça de casal, se apurou que a viatura automóvel marca “Toyota Starlet”, matrícula NS-42-43, não existia por ter sido vendida e se em 18/01/1994 C... inscreveu na respectiva Conservatória do Registo Automóvel, a seu favor, a referida viatura, este bem é com certeza propriedade daquele citado C....
7. Ora, sendo o referido automóvel propriedade de terceiro, a sua relacionação e consequente adjudicação em sede de conferência de interessados não pode persistir. De facto, não pode integrar o património do dissolvido casal um bem que é pertença de terceiro, muito antes de ter ocorrido qualquer processo de divórcio entre os interessados.
8. A inclusão em sede de relação de bens de viatura automóvel pertença de terceiro, consubstancia um erro de facto e qualificação de bens a partilhar, erro este que a não ser sanado, se reflecte no mapa de partilha e respectiva sentença homologatória, o que acarreta inveracidade e incerteza objectiva sobre a partilha tutelada por sentença judicial.
9. Não fazendo parte do acervo conjugal um bem propriedade de terceiro, que goza inclusive de presunção registral, este bem terá que ser excluído obrigatoriamente da relação de bens.
10. O erro de descrição e qualificação de bens, opera por si mesmo, não carece de ser alegado ou provado outros requisitos para que se possa peticionar a emenda da relação de bens da partilha, mesmo na falta de acordo de todos os partilhantes.
11. A manutenção da referida viatura na relação de bens, é assim um erro in substantia susceptível de inviabilizar a vontade das partes, pelo que deve pois o mesmo ser eliminado.

12. A douta decisão ao não consentir na eliminação da referida verba, violou o disposto no artº 1386º do CPC, devendo ser revogada.
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Não se mostra que a interessada B... tenha contra-alegado.
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O Sr. Juiz sustentou, tabelarmente, o despacho recorrido.
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Cumpre decidir, ao abrigo do disposto no artº 705º do Código de Processo Civil, atenta a simplicidade das questões a apreciar.
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Além do que consta do relatório que antecede, importa ter em consideração mais o seguinte, com interesse para a decisão do recurso, face aos elementos constantes dos autos (certidão de fls. 70 a 94 e certidão de fls. 96 a 103):
1 - Os interessados no inventário foram casados um com o outro, encontrando-se divorciados por decisão proferida em 04/12/2001, transitada em julgado.
2 - A acção de divórcio foi instaurada em 19/11/1998.
3 - A fls. 160 do processo de inventário encontra-se uma informação prestada pela Caixa Geral de Depósitos – Agência de Torres Novas -, com entrada registada no Tribunal em 11/06/2004, do seguinte teor: “Para instrução do processo de inventário em referência e, em aditamento ao n/ ofício nº 434 de 11 de Maio p.p., informo V. Exª que nos diversos tipos de conta (Ordem e a Prazo) existentes ensta Agência em nome de A... e B..., em 4/122/2001 apresentavam saldo nulo, registando-se os últimos movimentos no ano de 1993, conforme extracto que anexo”.
4 - Na relação de bens foi relacionada sob o nº 20 uma viatura automóvel de marca “Toyota Starlet”, matrícula NS-42-43, com o valor de 4.000 euros.
5 - Essa verba foi, na conferência de interessados que teve lugar em 19/02/2003, adjudicada ao interessado A..., por inteiro e pelo valor constante da relação de bens.
6 - Posteriormente, em 28/01/2004, veio o A... reclamar do valor atribuído à verba nº 20, que, segundo ele, deveria ser contabilzado em 1.200 euros.


7 - A reclamação foi indeferida, tendo o reclamante recorrido para este Tribunal da Relação, que, por Acórdão de 07/07/2004, negou provimento ao recurso.
8 – Segundo certidão emitida, em 10/05/2004, pela Conservatória do Registo de Automóveis do Porto, a propriedade do referido veículo automóvel encontra-se registada a favor de C... desde 18/01/1994.
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Começa o recorrente por alegar que a cabeça de casal procedeu ao levantamento de importâncias pecuniárias, de uma conta titulada por si e pelo recorrente, no montante de pelo menos 1600 contos, como se verifica do extracto bancário enviado pela C.G.D. em 11/11/1993, que por isso deveria ter sido relacionada.
Independentemente de não estar provado que o levantamento tenha sido efectuado pela interessada B..., mesmo a dar-se esse facto como assente, ele teria ocorrido na constância do matrimónio, já que a acção de divórcio apenas foi instaurada em 19/11/1998.
Não se sabendo qual o regime de bens do casamento, nem se encontrando provado que os depósitos tivessem sido feitos em exclusivo em nome do recorrente – antes se encontrando demonstrado que as contas estavam em nome dos interessados A... e B...-, qualquer deles podia movimentar livremente tais depósitos, como flui do disposto nos artºs 1680º e 1725º do Código Civil.
Por isso, não merece censura o despacho recorrido na parte em que indeferiu a inclusão do aludido montante na relação de bens.
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E também não merece censura o despacho recorrido por ter indeferido a relacionação dos restantes bens identificados na reclamação, já que não se encontra minimamente provado que tais bens pertenciam ao casal à data da separação deste.
Com efeito, não se encontra junta aos presentes autos a acta de inquirição das testemunhas arroladas pelo recorrente, ignorando-se, por completo, se os depoimentos foram reduzidos a escrito ou gravados e o que disseram tais testemunhas, não podendo, assim, questionar-se a convicção formada pelo Sr. Juiz acerca desses depoimentos.
Por isso, tem que se aceitar o que se diz no despacho recorrido.


Nomeadamente: que alguns dos bens reclamados já constam dos bens comuns do casal que foram partilhados nos autos; que, no que diz respeito às testemunhas inquiridas a tal propósito, a testemunha José da Luz revelou total desconhecimento quanto à existência ou não dos bens móveis reclamados pelo recorrente e quanto à testemunha Isabel Luz, que é filha dos interessados e está de relações cortadas com a cabeça de casal, o Tribunal, devido a esse facto e à menor objectividade daí derivada, ficou com dúvidas quanto à bondade e à veracidade do seu depoimento; e que alguns dos bens que foram arrolados no processo de arrolamento que correu termos pelo 2º Juízo do Tribunal de Torres Novas se encontram descritos na relação de bens junta aos autos de inventário, sendo certo, de qualquer forma, que o auto de arrolamento foi feito em 14/04/1994, cerca de quatro anos antes da data fixada como data de dissolução do casal (19/11/1998), pelo que, atento o estado de degradação dos bens arrolados, poderão eles ter ficado inutilizados em definitivo, e já não farão parte do património a partilhar nos autos.
Improcede, portanto, também a pretensão de obter o relacionamento dos bens em causa, melhor identificados na reclamação.
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Finalmente, no que diz respeito à eliminação da verba nº 20 da relação de bens, também a pretensão do recorrente tem de improceder.
Com efeito, o recorrente estriba-se no artº 1386º do Código de Processo Civil para justificar tal desiderato.
Este preceito permite a emenda da partilha se tiver havido erro de facto na descrição e qualificação dos bens, exigindo, no entanto, o acordo de todos os interessados.
Ora, no presente caso, mesmo que se entenda poder aplicar-se esse preceito, por analogia, não existe acordo dos interessados, antes havendo oposição expressa da interessada B...
Por outro lado, mesmo a entender-se que estamos perante um erro, tratar-se-ia de um erro sobre o objecto, previsto no artº 251º do Código Civil, anulável nos termos do artº 247º.
Tal anulabilidade teria de ser arguida dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento (cfr. artº 287º, nº 1).


Ora, é o próprio recorrente que alega que já em 14/04/1994, na sequência de um pedido de arrolamento levado a efeito pela ora cabeça de casal, se apurou que a viatura em causa não existia por ter sido vendida.
Não obstante isso, e depois de a referida viatura ter sido relacionada no inventário, veio o recorrente a adjudicá-la na conferência de interessados e a requerer a atribuição de um valor inferior ao que lhe havia sido fixado na relação de bens, apesar de saber que o veículo em questão não fazia parte dos bens comuns do casal por já ter sido vendido e registado a favor de C... em 18/01/1994.
Em tais circunstâncias, é óbvio que, quando o recorrente requereu a eliminação da viatura da relação de bens, há muito que tinha decorrido o prazo de um ano para invocar o erro e a consequente anulabilidade do acto.
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Termos em que, negando provimento ao recurso, mantenho o despacho recorrido, condenando o recorrente nas custas.