Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6500/16.3T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
LINHAS ELÉCTRICAS
INDEMNIZAÇÃO
ARBITRAGEM
RECURSO DE FACTO
Data do Acordão: 12/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - O.FRADES - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.96 CPC, DL Nº 43.335 19/11/1960, LEI Nº 63/2011 DE 14/12
CC
Sumário: 1. Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância ou suficiência jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.

2. No tocante a servidões administrativas de linhas eléctricas e atribuição da respectiva indemnização mantêm-se em vigor as disposições do DL 43.335, de 19.11.1960, designadamente o seu art. 37º.

3. Em caso de desacordo sobre o montante a atribuir o art. 38º do mesmo DL faculta aos interessados recurso a arbitragem.

4. Requerida a arbitragem, fica impedida a propositura de acção nos tribunais sobre o objecto dela, assim como a arbitragem não terá lugar se, quando for requerida, já houver acção pendente acerca do mesmo objecto.

5. O requerimento para a arbitragem apresentado por um interessado à DGEG (Direcção Geral de Energia e Geologia) dá início ao processo arbitral, a ser conduzido por tal entidade, não sendo obrigatório a prévia concordância do outro interessado(s) ou prévia notificação ao mesmo(s).

Decisão Texto Integral:





I – Relatório

1. E (…) e J (…), ambos residentes em (...) , intentaram (em 28.12.2016) contra E (…), SA, com sede em (...) , acção declarativa, pedindo a condenação da mesma a pagar-lhes uma renda mensal de 50 € desde o mês de Setembro de 2016 e até que o apoio P8 implantado no terreno dos autores seja removido, renda a ser actualizada, ou em alternativa deve tal indemnização ser fixada num pagamento único de 12.000 €.

Na contestação a ré alegou, além do mais, que o tribunal é incompetente absolutamente para conhecer da acção em razão de preterição de tribunal arbitral.

Para tanto invocou que, nos termos do DL nº 43.335, de 19.11.1960, o valor das indemnizações devidas aos proprietários dos terrenos utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas é determinado por comum acordo (art. 38º). O mesmo art. 38º prevê ainda que o referido valor poderá ser fixado por arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados, que foi o que a ré fez, por discordância dos autores com a proposta de indemnização da ré, o que impede a propositura de acção nos tribunais competentes. Inclusive, a ré deu conhecimento de tal circunstância à primeira autora através de carta.

Os AA responderam, sustentando, em síntese, que a previsão legal de recurso à arbitragem é uma mera faculdade ou possibilidade, não constituindo via obrigatória de resolução do litígio; existe uma interdependência funcional promíscua entre o grupo E (…) e a DGEG (os quadros do grupo E (…) trabalham ora para a DGEG ora para empresas de energia, ao contrário do que sucedia quando o diploma de 1960 foi publicado), sendo o tribunal o garante máximo da legalidade e da independência, que sairia frustrada no caso de se reconhecer poderes arbitrais à Comissão Arbitral a constituir perante a DGEG, sendo um dos árbitros (o relator) designado por aquela Direcção-Geral; os autores litigam nesta acção em litisconsórcio necessário, sendo que o segundo autor não foi convidado para a arbitragem, não podendo ver prejudicado o seu direito de recurso à via judicial; o tribunal arbitral não foi constituído antes desta acção, pelo que não é agora que o pode ser, por extemporaneidade. A excepção de incompetência deste tribunal deve ser julgada improcedente, prosseguindo a acção os seus termos normais.

Realizada audiência prévia foram solicitadas informações à DGEG, que as prestou e dadas a conhecer às partes.

*

Foi, depois, proferido despacho saneador, no qual se julgou procedente a excepção de preterição de tribunal arbitral, absolvendo-se a R. da instância.

*

2. Os AA recorreram, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

3. A R. contra-alegou (com um número de conclusões superior ao dos apelantes !!) concluindo que:

(…)

II – Factos Provados

1. A ré enviou à Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG) uma carta datada de 10.11.2016, recebida naquela Direção no dia 11.11.2016 (cf. Informação prestada pela própria Direção a este tribunal, constante de fls. 95 e documento de fls. 96) com o teor constante do documento n.º 1 junto com a contestação (fls. 46-verso a 48) que, por razões de brevidade, se dá aqui por integralmente reproduzido, fazendo-lhe chegar por esta via um requerimento com o seguinte teor:

«A [E (…)] […] vem por este meio requerer a V/Exas., ao abrigo do art. 38º e seguintes do Decreto-Lei n.º 43.335, de 19 de novembro de 1960, a constituição de Comissão Arbitral, para fixação do valor da indemnização devida […], pelos prejuízos decorrentes do estabelecimento da linha aérea a 60 KV Gumiei-Vouzela (remodelação) (14-3271), Proc. n.º ...../18/24/353 da DGEG, no terreno denominado “Quinta x (...) ”, sito na freguesia y (...) , concelho de w (...) .»

2. Na referida carta, a E (…) referiu ainda que este pedido se devia à «impossibilidade de acordo do valor da indemnização devida […], pelos prejuízos decorrentes do estabelecimento da linha», 3. E indicou desde logo o árbitro (Eng.º (…)) que, enquanto parte na arbitragem, lhe cabe designar nos termos do artigo 39.º do citado diploma.

4. A ré enviou à primeira autora uma carta datada de 11.11.2016 com o teor constante do documento n.º 2 junto com o requerimento de 07.02.2017 (fls. 50 a 51-frente) que, por razões de brevidade, se dá aqui por integralmente reproduzido.

5. Carta recebida em 14.11.2016 (cópia do aviso de receção, constante de fls. 52-frente), fazendo referência à constatada impossibilidade de acordo quanto ao valor da indemnização e informando o seguinte:

«ao abrigo do art. 38.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 43.335, de 19 de Novembro de 1960, formalizamos, nesta data, junto da referida Direção o pedido de constituição de Comissão Arbitral para fixação da indemnização em causa, pelo que deverá indicar a esta DGEG-DIEC […] os elementos do árbitro que a representará na referida comissão, uma vez que o desenvolvimento do processo arbitral será, a partir deste momento, da responsabilidade daquele organismo.»

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Alteração da matéria de facto.

- Incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral.

2. Pretende a recorrente que sejam aditados aos factos provados os três novos factos que indica (6- a 8-), pelas razões probatórias que invoca (cfr. as conclusões de recurso 1. a 3.). O que, avançamos desde já, não pode acontecer.

Desde logo, porque em relação ao primeiro facto (o 6-) o mesmo, no que respeita à A., está desmentido pelos factos provados 4. e 5., de onde se retira que tal comunicação não só lhe foi efectuada como ocorreu antes da propositura da acção, pois as datas da comunicação e recepção pela A. são respectivamente de 11.11.2016 e de 14.11.2016 e a acção entrou em juízo em 28.12.2016. Factos provados esses que, todavia, não foram impugnados. Quando muito, pois, apenas se poderia dar eventualmente por provado tal facto quanto ao A. E quanto ao segundo facto (o 7-) o mesmo foi alegado pelos AA na sua resposta (art. 27º) à invocação da R. (na sua contestação) da excepção de incompetência absoluta do tribunal, pelo que sempre teria de se sujeitar ao respectivo crivo probatório, atento a inexistência de qualquer meio probatório pleno nesse sentido.

De qualquer maneira, uma razão mais decisiva não permite deferir o pretendido. É que os factos apurados e o direito aplicável ao nosso caso chegarão para decidir o litígio dos autos, como abaixo (no ponto 3.) será explicado.

Ora, é apodíctico que a impugnação da matéria de facto consagrada no art. 640º do NCPC não é uma pura actividade gratuita ou diletante.

Se ela visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados, ela tem, em última instância, um objectivo bem marcado. Possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada ou não provada, para que, face à eventual nova realidade a que se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. Isto é, que o enquadramento jurídico dos factos tidos por provados ou não provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada.  

Assim, se por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante ou insuficiente para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois nesse caso mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo factual anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada.

Por isso, nestes casos de irrelevância ou insuficiência jurídica, a impugnação da matéria de facto não deve ser conhecida sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (vide A. Geraldes, ob. cit., nota 11. ao art. 712º, pág. 298, e Ac. desta Relação de 12.6.2012, Proc.4541/08.3TBLRA, em www.dgsi.pt).

Isto porque, a alteração da matéria de facto, nos pontos precisos que forem impugnados será irrelevante ou insuficiente se nenhuma interferência tiver na dita solução de direito.

Considerando todo o explicitado, e tendo em conta que a impugnação de facto deduzida pelos recorrentes visa factos que acabam por se tornar inócuos, face à decisão a tomar, então a referida impugnação tem de ser indeferida.

3. Na decisão recorrida escreveu-se que:

“No tocante a servidões administrativas de linhas elétricas (matéria a que respeita este processo, na medida em que se intenta alcançar uma indemnização/retribuição (?) dos proprietários onerados com a mesma, os autores), o DL n.º 172/2006, de 23 de Agosto, que desenvolve os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do sistema elétrico nacional (SEN), aprovado pelo DL n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro, estabelece no seu art. 75.º que:

Artigo 75.º

Servidões administrativas de linhas elétricas

1 - O regime das servidões administrativas de linhas elétricas consta de legislação complementar, devendo o respetivo projeto ser submetido pela DGGE ao ministro responsável pela área da energia no prazo de um ano após a entrada em vigor do presente decreto-lei.

2 - Até à entrada em vigor da legislação referida no número anterior, mantêm-se em vigor as disposições do Decreto-Lei n.º 43335, de 19 de Novembro de 1960, na matéria relativa à implantação de instalações elétricas e à constituição de servidões. (sublinhado da nossa autoria)

Não tendo sido publicada e entrado em vigor a legislação a que se refere o n.º 1 deste artigo, segue-se que continua em vigor o DL n.º 43 335, de 19 de Novembro de 1960 (ver o art. 75.º, n.º 2 do DL n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro). Isto responde à questão da “caducidade” dos arts. 37.º e ss. deste último diploma legal, suscitada pelos autores. Afinal, um DL do ano 2006 reafirma a vigência do diploma de 1960.

Quanto à alegada interdependência funcional promíscua entre o grupo EDP e a DGEG, o tribunal não deve pronunciar-se, pois cumpre-lhe trabalhar com factos e não com meros juízos conclusivos depreciativos.

Assim sendo, importa invocar os arts. 37.º e 38.º do DL n.º 43 335, de 19 de Novembro de 1960:

Art. 37.º Os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas elétricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas.

Art. 38.º O valor das indemnizações será determinado de comum acordo entre as duas partes e, na falta de acordo, poderá ser fixado por arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados.

§ 1.º A faculdade de requerer arbitragem…..

§ 2.º O requerimento solicitando a arbitragem impede a propositura de acção nos tribunais competentes sobre o objeto dela, mas a arbitragem não terá lugar se, quando for requerida, já houver ação pendente acerca do mesmo objeto.

Não tendo sido possível o acordo das partes quanto ao valor da indemnização, a ré solicitou a arbitragem por carta dirigida à DGEG, datada de 10.11.2016 e recebida no dia seguinte. Identificou o objeto da arbitragem e o árbitro que lhe compete designar.

Ao fazê-lo, criou um impedimento à propositura desta ação, que é cerca de um mês e meio posterior (28.12.2016) àquele requerimento. Assim sendo, a presente demanda incorre em preterição de tribunal arbitral, prevista no art. 96.º, al. b) do CPC (preceito legal que abrange a preterição da arbitragem necessária e da voluntária), geradora de incompetência absoluta deste tribunal.

Por outro lado, a ré não estava obrigada a proceder à notificação dos autores de que havia requerido a constituição de comissão arbitral, pois nenhum preceito legal lho impõe. Por isso, ao proceder à notificação da primeira autora, a demandada agiu com bom senso e observância de boas práticas, dando a conhecer a um dos proprietários a sua pretensão de sujeitar a questão a arbitragem. O facto de não o ter feito relativamente ao segundo autor (em audiência prévia, o segundo autor referiu que é filho da primeira autora) não tem consequências ao nível da questão que nos ocupa.

(…)

Esta preterição de tribunal arbitral – como dissemos – determina a incompetência absoluta deste tribunal (art. 96.º, al. b) do CPC), foi suscitada pela demandada (art. 97.º, n.º 1 do CPC) e deve ser conhecida no despacho saneador (art. 98.º do CPC), implicando a absolvição da ré da instância (art. 99.º, n.º 1 do CPC).”.

Concorda-se com esta fundamentação que cita os comandos legais pertinentes e aplicáveis e raciocina juridicamente de forma acertada.

Os recorrentes contra a mesma esgrimem com vários argumentos, concretamente que:

- o recurso à Comissão Arbitral constitui uma mera faculdade ou possibilidade, não sendo via obrigatória para a resolução do conflito, pois essa obrigatoriedade não resulta da lei, sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer violação do disposto nos arts. 37º e 38º do DL 43.335 (sua conclusão de recurso 4).

Se o recurso a tal C. Arbitral é uma mera faculdade e tal direito subjectivo foi exercido pela R., os recorrentes têm a resposta à sua objecção. Tornou-se uma via potestativamente obrigatória de resolução do litígio entre as partes.

- os factos assentes 4. e 5. não podem, por si só, legitimar o recurso à arbitragem e excluir o recurso à via judicial, por não estar provado que a A. tenha dado a sua concordância quanto à primeira opção, nem que tenha sido, antes de proposta a presente acção, contactada para tal (conclusão de recurso 5.)

Em lado algum a lei exige a prévia concordância da A. para a R. submeter a sua pretensão de recurso à C. Arbitral, nem faria sentido que assim fosse, a partir do momento que a mesma consente que basta um dos interessados requerer a arbitragem para tal modo de resolução do dissídio se abrir. E quanto ao prévio contacto já se disse acima e repete-se que a A. foi contactada previamente para tal desígnio, como o comprovam os referidos factos 4. e 5.. 

- a C. Arbitral não se constitui com a mera comunicação dessa intenção feita pela R. somente à A. e independentemente de qualquer impulso ou não nesse sentido, sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer violação do disposto nos arts. 37º e 38º do DL 43.335 e por analogia do art. 33º, nº 1, da LAV (Lei 63/2011 de 14.12, que determina que o processo arbitral tem início com o recebimento pela parte demandada do pedido de submissão do litígio a arbitragem (conclusões 6. e 7.).

Primeiro, requerida a arbitragem pela R. iniciou-se o processo de arbitragem, como decorre do preceito legal acima transcrito – o corpo do art. 38º -, e como há pouco atrás já se disse, a ser conduzido pela entidade respectiva, no caso a DGEG. Questão diferente é o ritualismo que se segue, a designação dos árbitros e o início dos trabalhos da referida C. Arbitral, mas que a lei depois regula nos arts. 39º e 40º do mencionado DL 43.335.

Segundo, ao nosso caso não será, por princípio, aplicável o regime da arbitragem voluntária (a LAV) porque face à redacção legal estaremos, tendo em conta a falta de acordo entre as partes, perante aplicação do regime da arbitragem necessária, previsto no NCPC. E neste diploma estabelece-se no seu art. 1082º, 1ª parte, que se atenderá ao que na lei especial estiver determinado, que é exactamente aquilo que acabámos de mencionar e descrever – aplicação dos arts. 38º a 40º do DL 43.335; requerimento de arbitramento, nomeação de peritos e início dos trabalhos pela entidade arbitral.

Terceiro, ainda que se aplicasse o regime da arbitragem voluntária, e o referido comando do art. 33º, nº 1, da LAV, teria de se reconhecer que o mesmo foi observado, face ao apurado nos factos provados 4. e 5.

Adicionalmente se dirá que a DGEG até já deu início à arbitragem, notificando a A. para nomear o seu árbitro, carta enviada para a morada de residência da mesma que contudo veio devolvida, por a A. não ter atendido o correio nem reclamado o registo da notificação (cfr. resulta da informação prestada por aquela DGEG a fls. 79, e 81/83).    

- estando provado que antes da propositura da acção no dia 28.12.2016, nada foi feito para constituição da Comissão Arbitral, e que os autores não tiveram notícia de qualquer impulso visando a constituição da Comissão Arbitral, não podem estes ver precludido o seu direito de recurso à via judicial, sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer violação do disposto nos arts. 37º e 38º do DL 43.335 (conclusão de recurso 10.).

Não é rigorosamente verdade a primeira parte de tal objecção, visto que antes da propositura da acção (vide factos provados 1. a 3.) a R. requereu a arbitragem. E só na ausência de tal pedido prévio não estaria impedida a propositura de acção nos tribunais sobre o objecto dela, nem depois desta seria permitida a indicada arbitragem, como decorre do aludido e transcrito art. 38º, § 2º do nomeado DL 43.335.

Ademais, no que se refere à segunda parte, se a A. não teve qualquer notícia de qualquer impulso para a constituição da C. arbitral a culpa é sua, pois, como antes apontámos, foi notificada para tanto, foi notificada para nomear o seu árbitro, mas não atendeu o correios nem foi levantar a carta.

- tratando-se de uma situação de litisconsórcio necessário activo e estando provado que a R. comunicou a intenção de recorrer ao tribunal arbitral apenas à A., nada tendo comunicado nesse sentido ao A. verifica-se que a ré reconheceu a obrigatoriedade de proceder a essa comunicação, mas conferiu aos AA um tratamento desigual e discriminatório, face a igual situação de facto, o que não é permitido por lei, sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer violação do disposto nos arts. 37º e 38º do DL 43.335, bem como do princípio da igualdade consignado no art. 13º da CRP, e ainda art. 33º do NCPC.

Primeiro, a figura do litisconsórcio necessário activo é uma figura jurídica tipicamente processual que queda inaplicável a situações jurídicas extrajudiciais, salvo se alguma norma avulsa e específica assim o determinar, o que no caso não se descortina.

Segundo e mais importante, como já se referiu e resulta da exposição jurídica desenvolvida a R. não estava obrigada a proceder à notificação prévia dos AA de que havia requerido a constituição de comissão arbitral, pois nenhum preceito legal lho impõe. Por isso, se o fez relativamente à A. não se pode concluir que se verifica que a R. reconheceu juridicamente a obrigatoriedade de proceder a essa comunicação. Antes se pode concluir, como justamente assinala a decisão recorrida, que a R. agiu com observância de boas práticas sociais, dando a conhecer a um dos proprietários envolvidos no litígio a sua pretensão de sujeitar a questão a arbitragem. Mas dever jurídico de o fazer não existia. Donde nenhum principio constitucional da igualdade foi violado.

Aliás, até se poderá avançar sem grande ousadia que os AA, nomeadamente o A. sabia o que se estava a passar, pois antes da R. requerer o arbitramento à DGEG existiu uma reunião em que participaram os mandatários dos AA e tudo indicia o A., como avulta da carta, datada de 7.10.2016 enviada pela R. aos mandatários dos AA, e que estes próprios juntaram como doc. nº 1, com a p.i, a fls. 15/16, e onde se deixava o aviso aos AA de que a R. poderia recorrer ao procedimento arbitral previsto na lei.

4. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância ou suficiência jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente;

ii) No tocante a servidões administrativas de linhas eléctricas e atribuição da respectiva indemnização mantêm-se em vigor as disposições do DL 43.335, de 19.11.1960, designadamente o seu art. 37º;

iii) Em caso de desacordo sobre o montante a atribuir o art. 38º do mesmo DL faculta aos interessados recurso a arbitragem;

iv) Requerida a arbitragem, fica impedida a propositura de acção nos tribunais sobre o objecto dela, assim como a arbitragem não terá lugar se, quando for requerida, já houver acção pendente acerca do mesmo objecto;

v) O requerimento para a arbitragem apresentado por um interessado à DGEG (Direcção Geral de Energia e Geologia) dá início ao processo arbitral, a ser conduzido por tal entidade, não sendo obrigatório a prévia concordância do outro interessado(s) ou prévia notificação ao mesmo(s).

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, assim se confirmando a decisão recorrida.

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Custas a cargo dos AA/recorrentes.

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                                                                       Coimbra, 11.12.2018

                                                                       Moreira do Carmo( Relator )

                                                                       Fonte Ramos

                                                                       Maria João Areias