Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
275/08.7GBVNO-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: ARGUIDO
DIREITOS
FALTA DE INTERPRETE
NULIDADE SANÁVEL
BUSCAS
REVISTAS
MEDIDAS CAUTELARES E DE POLICIA
COMPETÊNCIA
VALIDAÇÃO
RECONHECIMENTO
RECONHECIMENTO EM FASE DE JULGAMENTO
PRAZO PARA ARGUIÇÃO DA NULIDADE
Data do Acordão: 01/14/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VILA NOVA DE OURÉM
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 57.º, N.º 3; 58.º, N.º 2; 59.º, N.º 1; 60.º; 61.º; 92.º, N.º2; 119.º, ALÍNEA C); 120.º, N.º2; 147.º 174.º, N.º 1, 2, 3 E 5; 248.º; 251.º TODOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I. – A constituição como arguido de um indivíduo sobre quem recaiam suspeitas da prática de ilícitos criminais importa um conjunto de direitos e deveres processuais entre as quais a de, sendo estrangeiro e não dominar a língua portuguesa lhe ser nomeado intérprete.
II. – A falta de nomeação de intérprete é sancionada com nulidade dependente de arguição.
III. - Não sendo razoável que a invocação desta nulidade tenha que ser efectuada até ao termo do acto a que o visado assistiu sem intérprete [sob pena de completo esvaziamento da tutela pretendida], no caso de o arguido estar assistido defensor, nomeado ou constituído, deve aceitar-se, a aplicação da regra geral de arguição das nulidades sanáveis ou seja, a arguição no prazo de 10 dias (art. 105º, nº 1, do C. Processo Penal), a contar daquele em que o interessado foi notificado para qualquer termo posterior do processo ou teve intervenção em acto nele praticado (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª Ed., 85).
IV. - Revistas e buscas são meios de obtenção da prova. Há lugar a revista quando existem indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, e há lugar a busca quando existem indícios de que objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público (art. 174º, nºs 1 e 2, do C. Processo Penal
V. – Devendo, em regra, as revistas e as buscas ser autorizadas ou ordenadas pela autoridade judiciária competente (art. 174º, nº 3, do C. Processo Penal), a lei permite que, em situações excepcionais, condicionada a determinados circunstancionalismos também os órgãos de policia criminal possam actuar esses meios de prova, incumbindo-lhe a imediata comunicação ao Juiz de instrução Criminal em ordem à sua validação – artigo 174.º, n.º 6 do C.P.P.
VI. - No âmbito das medidas cautelares e de polícia – que não são actos processuais mas de polícia, embora possam ser anteriores ou contemporâneos do processo (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 63 e ss.) – aos órgãos de polícia criminal compete, mesmo antes de qualquer ordem da autoridade judiciária para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova designadamente, compete-lhes proceder a exames dos vestígios do crime e assegurar a sua manutenção, colher as informações que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição, e proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas (art. 249º, nºs 1 e 2, do C. Processo Penal).
VII. – O reconhecimento de pessoas a que se refere o artigo 147.º do C.P.P. envolve três modalidades: reconhecimento por descrição, o reconhecimento presencial e o reconhecimento com resguardo.
O reconhecimento por descrição, previsto no nº 1 daquele artigo, consiste em solicitar à pessoa que deve fazer a identificação que descreva a pessoa a identificar, com toda a pormenorização de que se recorda, sendo-lhe depois perguntado se já a tinha visto e em que condições e sendo, finalmente, questionada sobre outros factores que possam influir na credibilidade da identificação. Em regra, esta modalidade de reconhecimento funciona como acto preliminar dos demais, e nele não existe qualquer contacto visual entre os intervenientes ou seja, entre a pessoa que deve fazer a identificação e a pessoa a identificar.
O reconhecimento presencial, previsto no nº 2 do mesmo artigo, tem lugar quando a identificação realizada através do reconhecimento por descrição não for cabal – e ela só o será se «satisfizer o critério probatório da fase processual em que o reconhecimento teve lugar» (Prof. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 416).
Esta modalidade de reconhecimento obedece aos seguintes passos:
- Na ausência da pessoa que deve efectuar a identificação, são escolhidos, pelo menos, dois cidadãos, que apresentem as maiores semelhanças possíveis – físicas, fisionómicas, etárias, bem como, de vestuário – com o cidadão a identificar;
- Depois, este é colocado ao lado daqueles outros cidadãos e, se possível, apresentando-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que deve proceder ao reconhecimento [tal só não será possível no caso de uma alteração fisionómica irreversível];
- É então chamada a pessoa que deve efectuar a identificação que, depois de ficar diante do grupo onde se encontra o cidadão a identificar e portanto, depois de ter observado os seus elementos, é perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual, sendo perguntas e respostas – estas e qualquer outra que porventura, tenha sido efectuada, registada no auto respectivo.
O reconhecimento com resguardo, previsto no nº 3 ainda do art. 147º, tem lugar quando existam razões para crer que a pessoa que deve efectuar a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento. Trata-se pois, de uma forma de protecção da testemunha.
Esta modalidade de reconhecimento obedece à sequência descrita para o reconhecimento presencial, mas agora a pessoa que vai efectuar a identificação deve poder ver e ouvir o cidadão a identificar mas não deve por este ser vista. Normalmente, o que sucede é que a pessoa que deve efectuar a identificação é colocada numa divisão distinta daquela onde se encontra o grupo que inclui o cidadão a identificar, separadas por um vidro polarizado que permite que aquela aviste, sem ser vista, o grupo [esta modalidade de reconhecimento não vale para a audiência].
VIII. - O reconhecimento de pessoas que não tenha sido efectuado nos termos que ficaram expostos, não vale como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorreu (nº 7, do art. 147º, do C. Processo Penal).
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO.

Corre termos nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da comarca de Ourém, o Inquérito nº 275/08.7GBVNO em que é arguido …, cidadão croata, solteiro, nascido a 20 de Maio de 1988, sem residência fixa e actualmente, detido preventivamente à ordem dos autos desde 1 de Agosto de 2008.
No dia 1 de Agosto de 2008 o cidadão … foi submetido a uma revista e foi efectuada uma busca ao veículo automóvel, marca Kia, modelo Rio, cor azul clara, com a matrícula espanhola ........., tendo sido apreendidos diversos objectos, alguns dos quais foram reconhecidos pelos respectivos proprietários.
No dia 2 de Agosto de 2008, já constituído arguido foi o mesmo cidadão submetido a 1º interrogatório judicial, no seguimento do qual o Mmo. Juiz de Instrução proferiu o despacho no qual, além do mais, validou a sua detenção, validou as buscas e apreensões efectuadas e, considerando existirem fortes indícios de ser o arguido co-autor de três crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, nº 2, e), do C. Penal, existir perigo de fuga, de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, de continuação da actividade criminosa e de ter entrado e permanecido ilegalmente em território nacional, determinou que este aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito a termo de identidade e residência e a prisão preventiva.
Por requerimento entrado em juízo a 19 de Setembro de 2008 veio o arguido alegar, em síntese, que:
- Tendo menos de 21 anos de idade e desconhecendo a língua portuguesa, quer na busca realizada à viatura, quer na revista a que foi sujeito, não lhe foi nomeado advogado;
- Foi coagido a assinar o auto de busca escrito em língua que desconhece;
- As pessoas que consigo alinharam no reconhecimento efectuado para além de serem militares da GNR, provavelmente conhecidos da pessoa que efectuou o reconhecimento, não têm características, físicas e de vestuário, consigo;
- Estas provas enfermam de nulidade, nos termos dos arts. 64º, nº 1, c), 92º, nº 2, 119º, c) e 120º, nºs 2, c) e 3, c), do C. Processo Penal, e nelas se baseou o despacho que determinou a sua prisão preventiva.
Concluiu, pedindo a declaração de nulidade da busca, da revista e do reconhecimento e consequente invalidade das provas obtidas, bem como, que seja o despacho que aplicou a prisão preventiva considerado igualmente inválido, devendo ser notificado o Ministério Público para se pronunciar sobre as medidas de coacção a aplicar sem consideração das provas a declarar inválidas.
Cumprido o contraditório, a Mma. Juíza de Instrução proferiu então o seguinte despacho (transcrição):
“ (…).
I – Das Diligências Realizadas
Compulsados os presentes autos constata-se que, e na sequência, da apresentação de várias queixas-crime por furto ocorridos em residências, pelo NIC de Tomar foram encetadas várias diligências no sentido de apurar o(s) autor(es) dos ilícitos participados.
Assim, foi montada vigilância com vista a visualizar que indivíduos se faziam transportar no veículo ............, por tal veículo corresponder à descrição que ia sendo dada pelos participantes e populares.
Nessa sequência surgiu o arguido que não possuía qualquer documento que o identificasse. Após, e porque as características físicas do arguido correspondiam às que iam sendo descritas pelos populares quanto às pessoas responsáveis pela autoria dos furtos, foi passada revista ao arguido e à viatura, e nessa sequência vieram a ser apreendidos objectos que se encontravam no interior da viatura e, bem assim, na posse do arguido. (vide fls. 5-6; 28)
Os artigos em ouro que foram apreendidos no interior do veículo correspondiam aos objectos em ouro que haviam sido subtraídos do interior de duas residências (vide auto de reconhecimento de objectos).
Dos autos consta ainda uma autorização, assinada pelo arguido, para a realização de revista ou perícia (fls. 27).
Mais consta o auto da busca efectuada à viatura supra identificada, que se encontra assinado pelo OPC e pelo arguido (fls. 30-32).
Nos termos constantes de fls. 51-52 procedeu-se à realização de reconhecimento de pessoas.
Após, procedeu o OPC à constituição de arguido de ........., e foi o mesmo apresentado ao Juiz de Instrução para primeiro interrogatório judicial (vide fls. 56 e 63-73).
II – Das nulidades invocadas:
Ora, dispõe o artigo 251.º, do CPP que:
1. Para além dos casos previstos no n.º 5, do artigo 174.°, os órgão de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária:
a) A revista de suspeitos (…) e a buscas no lugar em que se encontrarem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem a prova e que de outra forma poderiam perder-se;
b) (…)”.
Por seu turno, nos termos do disposto no artigo 176.º, n.º 4, aplicável por força do artigo 251.º, n.º 2, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação.
Assim, e revertendo tais dispositivos legais à situação em apreço, óbvio se mostra que a busca e revista que foram efectuadas pelos OPC não estão afectadas de qualquer nulidade.
Com efeito, tais revistas e buscas inserem-se no âmbito das medidas cautelares e de polícia relativamente às quais não tem que existir autorização prévia da autoridade judiciária ou consentimento do visado, nem tão pouco é legalmente exigível em tais diligências investigatórias a presença de defensor ou intérprete.
Por seu turno, e compulsado o teor do Auto de 1.º Interrogatório Judicial, constata-se que o M.º Juiz de Instrução, em obediência ao disposto no artigo 176.º, n.º 4, procedeu à validação das buscas e apreensões efectuadas.
Termos em que, e reiterando o já afirmando, as diligências de busca, revista e apreensão efectuadas não padecem de qualquer nulidade que as invalidem.
A latere sempre se dirá que além de não ser minimamente verosímil que o arguido tenha sido coagido a assinar os autos de revista e busca; tal assinatura, face às disposições legais que se deixaram citadas, é de todo inócua em termos de afectar a validade do acto, pois que para a realização das mesmas não era exigível consentimento prévio do visado.
Por último sempre diremos que, ainda que por mera hipótese se admitisse que a revista, a busca e as apreensões efectuadas estavam inquinadas de nulidade, jamais estaríamos diante de uma nulidade insanável. Pelo que a sua arguição neste momento sempre teria que ser considerada intempestiva.
No que tange à constituição como arguido de ........., impõe-se igualmente considerar que a mesma não padece de qualquer nulidade.
Com efeito, e nos termos do preceituado no artigo 64.º, nº l, al. c) do CPP, não é obrigatória a assistência de defensor.
Por último, e no que concerne ao reconhecimento efectuado, compulsado o teor de fls. 51-52, resulta, com efeito, que as duas pessoas intervenientes nessa diligência não têm as maiores semelhanças possíveis, tanto a nível físico como de vestuário, com arguido, ........., não tendo, a nosso ver, sido observadas as formalidades prescritas no artigo 147.°.
Porém, a consequência dessa situação é apenas a prevista no artigo 147.º, n.º 7, do CPP, ou seja, o reconhecimento efectuado não valer como meio de prova.
III – Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, indeferem-se as nulidades invocadas no que toca à revista, apreensão e buscas efectuadas, mantendo-se, igualmente válido o reconhecimento de objectos que foi efectuado.
Os pressupostos que estiveram subjacentes à aplicação da medida de coacção de prisão preventiva mantêm-se inalterados, nada mais cumprindo determinar a este propósito.
Notifique.
(…)”.
Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o arguido, formulando no termo da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“ (…).
Nulidade da busca e da revista
1. A busca efectuada ao veículo do arguido e a revista que lhe foi passada são nulas porquanto, fruto da idade do arguido (menor de 21 anos) e do seu desconhecimento da língua portuguesa, deveria ter-lhe sido nomeado defensor para aqueles actos processuais – cf. artigos 64.º, n.º 1, al. c), nulidade essa insanável – cf. artigo 119.º, alínea c) do CPP.
2. É igualmente nula a busca e a revista porquanto o arguido assinou os respectivos autos, autos esses redigidos em língua que aquele não conhece (e muito menos domina), não tendo sido fornecidas cópias em língua que aquele conhecesse nem tão pouco foi nomeado intérprete – cf. artigos 92.º, n.º 2; art. 120.º n.º 1 e n.º 2, al. c).
3. A nulidade referente à falta de intérprete deve igualmente ser considerada insanável pois que o entendimento contrário viola o artigo art. 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aplicável com força de lei constitucional por força do art.º 16.º, n.º 2 da CRP que, por se tratar de direitos, liberdades e garantias é de aplicação directa e vincula entidades públicas e privadas, nelas se incluindo o Tribunal cf. art. 18.º, n.º 1 da CRP.
4. Violou o meritíssimo Juiz de Instrução Criminal o comando ínsito no artigo 119.º do CPP, pois deveria ter oficiosamente declarado a nulidade insanável da busca e da revista, nulidades de conhecimento oficioso.
Nulidade do reconhecimento de pessoas
5. O reconhecimento de pessoas a que o arguido foi sujeito é nulo porque, fruto da idade do arguido (menor de 21 anos) deveria ter-lhe sido nomeado defensor para aquele acto processual cf. artigos 64.º, n.º 1, al. c), nulidade essa insanável – cf. artigo 119.º, alínea c) do CPP.
6. A tudo isto acresce que, não pode o reconhecimento de pessoas ser utilizado como meio de prova, nos termos do n.º 7 do artigo 147.º do CPP, por não ter obedecido ao estatuído no n.º 2 do mesmo preceito legal; ou seja, não foram escolhidas pessoas com as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário.
7. Impossibilidade essa que deve ser expressamente declarada na decisão e não apenas "abordada" conforme o foi pelo meritíssimo Juiz de Instrução Criminal.
8. Violou o meritíssimo Juiz de Instrução Criminal o comando ínsito no artigo 119.º do CPP, pois deveria ter oficiosamente declarado a nulidade insanável do reconhecimento de pessoas e portanto de conhecimento oficioso, porque ter sido realizado sem a presença de defensor e intérprete.
Nulidade do despacho de validação de prova
9. Ao validar a prova tendo em conta as assinaturas do arguido (nos autos de busca e de revista) mas não tendo em conta o facto deste ser desconhecedor da língua portuguesa e portanto ser legalmente exigível, sob pena de nulidade, a presença de defensor e de intérprete, aquele despacho ficou irremediavelmente inquinado, por se ter baseado em provas obtidas de forma ilegal.
III – CONSEQUÊNCIAS DA DECLARAÇÃO DE NULIDADE
10. Sendo declaradas nulas as provas obtidas de forma ilegal, fica prejudicado o despacho que ordenou a prisão preventiva do arguido, dado que nelas se baseou.
11. Acresce que, sendo declaradas nulas aquelas provas, não se afigura que ao arguido venha a ser aplicada uma pena privativa da liberdade, situação hipotética que o tribunal deverá ter em conta.
12. Declarando V.Exas. a nulidade dos meios de prova, e portanto verificando a sua invalidade processual (art. 122.º, n.º 1 do CPP), inválido é necessariamente o despacho que mandou aplicar a prisão preventiva, porque se baseou em provas obtidas ilegalmente.
13. Efectivamente a base fundamental para a aplicação de tal medida de coacção foi, essencialmente as provas assim obtidas.
14. Não é possível aproveitar um despacho envenenado por tão patente invalidade.
15. Assim, de harmonia com o estatuído no n.º 2 do artigo 122.º do CPP, deverão V.Exas. determinar que a revista, a busca e o reconhecimento de pessoas são nulos e bem assim, o despacho que validou erradamente a prova, e que, consequentemente decretou a prisão preventiva do arguido.
16. Devendo o arguido ser presente ao Juiz de Instrução Criminal "a quo", e notificando-se o MP para a promoção que entender, não se podendo considerar as provas que aqui se pretende sejam declaradas nulas.
17. Não pode também o arguido ser sujeito a novo reconhecimento, pelo menos, não o poderá ser pela pessoa que o reconheceu uma vez que esta já tem conhecimento da pessoa do arguido.
18. Validar a prova obtida da forma como foi obtida nos presentes autos será dar cunho de validade a uma prática atentatória dos mais fundamentais direitos cívicos, violadora do direito a um processo justo e transparente em que as garantias de defesa sejam asseguradas (nomeadamente o cabal conhecimento dos actos processuais transmitidos de forma a que o arguido os entenda para que a sua posição sobre eles – nomeadamente a autorização mediante assinatura – possa ser reconhecida como uma atitude consciente e por isso legalmente válida).
Por todo o exposto se requer:
a) A declaração de nulidade da busca efectuada ao veículo dos autos por falta de nomeação de defensor e de intérprete;
b) A declaração de nulidade da revista efectuada ao arguido, por falta de nomeação de defensor e de intérprete;
c) A declaração de nulidade do reconhecimento a que o arguido foi sujeito, por falta de nomeação de defensor e de intérprete;
d) O reconhecimento da impossibilidade de utilização do reconhecimento de pessoas como meio de prova por não ter sido observado o legal formalismo (cf. art. 147.º, n.º 2 do CPP);
e) Consequentemente deverá ser decretada a invalidade das provas obtidas mediante os meios de obtenção de prova inválidos (referidos nas alíneas anteriores), uma vez que aquelas destes dependeram (cf. novamente art. 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal);
f) Nessa sequência, caindo por terra grande parte do substrato em que se sustentou o despacho que ordenou a prisão preventiva, isto é, mostrando-se inválidas as principais provas que levaram à aplicação da prisão preventiva ao arguido, deve ainda, o despacho que validou os meios de prova e as provas assim obtidas, ser considerado igualmente inválido (art. 122.º, n.º 1 do CPP);
Nesta conformidade,
Deve ser repetida a promoção do Digníssimo Procurador do Ministério Público quanto à medida de coacção a aplicar ao arguido sem considerar as provas que aqui se pretende sejam declaradas inválidas (art., 122.º, n.º 2 do CPP), e bem assim, proceder-se à aplicação das medidas de coação que forem propostas por aquela magistratura, caso o meritíssimo Juiz "a quo" com as mesmas concorde, atentas as exigências legais, e assim V.Exas. farão JUSTIÇA.
(…)”.
Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, formulando no termo da respectiva contramotivação, as seguintes conclusões que se transcrevem:
“ (…).
1ª No caso concreto impunha-se às entidades policiais uma actuação rápida e imediata enquadrável no mecanismo legalmente previsto e resultante da conjugação dos artigos 251º e 249º, nº 2, al. c), ambos do CPP.
2ª Perante as características físicas do arguido e do veículo existia uma fundada razão para crer que neles se ocultavam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem de prova e que a não serem apreendidos naquela ocasião poderiam perder-se.
3ª A revista, a busca e a apreensão subsequente enquadram-se nas providências cautelares referentes à obtenção de meios de prova obedecendo às exigências legais.
4ª Quando ......... foi abordado para efeitos da revista e da busca ao referido veículo e posterior apreensão o mesmo mais não era do que um suspeito, não constituído como arguido.
5ª É a constituição de arguido que baliza o momento a partir do qual deve funcionar a imposição de nomeação de Defensor, tanto em face da idade, como em face do desconhecimento da língua portuguesa.
6ª No caso concreto as referidas diligências de revista, busca e apreensão enquadraram-se no âmbito das providências cautelares para recolha de prova, portanto, realizadas, anteriormente à constituição de arguido.
7ª Não assiste razão ao recorrente no sentido de que para efeitos de realização das diligências em apreço, numa situação de intervenção inicial e com carácter de urgência, com perigo de demora, tivesse de ser assistido por defensor e intérprete.
8ª Por ocasião das medidas cautelares de preservação de prova, a revista, busca e apreensão, ......... ainda não se encontrava a intervir no processo, no sentido que é conferido à intervenção resultante da constituição de arguido e só este é relevante para efeitos da sua assistência por intérprete (art. 92º, nº 2 do CPP).
9ª Conclui-se que nenhuma destas medidas cautelares de preservação da prova é nula por falta de assistência de defensor ou intérprete.
10ª Não se verifica, pois nem a nulidade prevista no art. 119º, al. c) do CPP nem a nulidade dependente de arguição estabelecida no art. 120, nºs 1, 2, al. c) e 3, al. a) do CPP.
11ª A consequência do reconhecimento não obedecer ao formalismo legal é apenas a prevista no art. 147º, nº 7 do CPP, ficando vedada a indicação na acusação do reconhecimento como meio de prova feito em Inqtº.
12ª Esta consequência prejudica a questão da necessidade de assistência de defensor e intérprete.
13ª O facto de o reconhecimento não poder valer como meio de prova não afecta a relevância da demais prova colhida nos autos e que indiciam o arguido como autor dos crimes que lhe são imputados.
14ª Acresce, que para efeitos da decisão final a proferir nos autos o que importa é a prova produzida em julgamento, não obstando, pois a não validade do reconhecimento feito em lnqtº que se proceda em julgamento a reconhecimento do arguido.
15ª Inexiste qualquer incompatibilidade entre a validação da revista, busca e apreensão ao abrigo do disposto no art. 174º, nºs, nº 5, al. b), 176º e 249º, nºs 1 e 2, al. c), todos do CPP e a circunstância de tais diligências terem sido feitas num quadro de diligências cautelares, até porque o recorrente assinou efectivamente uma autorização de revista e as autoridades policiais podem no quadro da actuação ao abrigo do disposto no art. 251º do CPP recorrer à solicitação de autorização.
16º Dado que a revista, busca e apreensão não padecem de qualquer ilegalidade o despacho preferido pelo Mº Juiz de Instrução Criminal em relação à validação da prova e à determinação da sujeição do arguido não se encontra ferido de nulidade alguma.
17º A questão da tempestividade da apreciação das invocadas nulidades está prejudicada por inexistirem nulidades.
18º A questão da tempestividade da invocação do disposto no art. 251º do CPP não se coloca até porque foi igualmente invocado o disposto no art. 249º, nºs 1 e 2, al. c) do CPP.
19º Por não serem ilegais deve ser mantida a decisão que validou a revista, busca e apreensão e decretou a sujeição do arguido a prisão preventiva e a decisão de que foi interposto recurso e reapreciou as mesmas matérias.
(…)”.
Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, depois de expressar legítimas dúvidas suscitadas pelos termos em que é deduzido o recurso e de o entender como tendo por objecto também a prisão preventiva imposta uma vez que o despacho recorrido a decidiu manter, louvando-se na argumentação da Magistrada do Ministério Público da 1ª instância, e afirmando não existirem alterações relevantes e significativas da situação que existia quando foi decretada aquela medida de coacção, concluiu pelo não provimento do recurso e consequente confirmação do despacho recorrido.
Foi cumprido ao disposto no art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:
- A nulidade insanável da busca, da revista e do reconhecimento de pessoas;
- A nulidade do despacho que validou estas provas e decretou a prisão preventiva, porque fundado em provas nulas;
- A intempestiva invocação do art. 251º, do C. Processo Penal.
Constam dos autos os seguintes elementos, relevantes para as questões a decidir:
a) Entre os dias 15 e 18 de Julho de 2008, na Cova da Iria, Fátima, ocorreu um furto na residência de …, tendo-lhe desconhecidos subtraído a quantia de € 4.200 e diversos anéis, fios e medalhas em ouro, no valor de € 1.500. (fls. 45)
No dia 15 de Julho de 2008, na Cova da Iria, Fátima, ocorreu um furto na residência de …, tendo-lhe desconhecidos subtraído a quantia de € 350 e um fio em ouro no valor de € 150. (fls. 46)
No dia 28 de Julho de 2008, na Cova da Iria, Fátima, ocorreu um furto na residência de …, tendo-lhe desconhecidos subtraído diversos anéis, fios, pulseiras, brincos e outros objectos, em ouro e prata, no valor de € 2.140. (fls. 47)
No dia 28 de Julho de 2008, na Cova da Iria, Fátima, ocorreu um furto na residência de …, tendo-lhe desconhecidos subtraído, do mealheiro de suas filhas, a quantia de € 100. (fls. 50)
No dia 31 de Julho de 2008, na Lomba de Égua, Fátima, ocorreu um furto na residência de …, tendo-lhe desconhecidos subtraído diversos objectos em ouro no valor de € 1.280, a si e a sua mãe pertencentes, e ainda dois cartões Multibanco. (fls. 48 a 49).
No dia 1 de Agosto de 2008, entre as 12 h e as 15h15, na Cova da Iria, Fátima, ocorreu um furto na residência de …, tendo-lhe desconhecidos subtraído, do quarto de seu filho, € 25 e 60 dólares, e a si diversos objectos em ouro, em valor que desconhece. (52).
b) Nos furtos referidos na alínea anterior, bem como ainda em outras sete participações foram indicados como suspeitos à GNR, três indivíduos, dois com idade entre 20 e 25 anos, estatura média, magros, morenos e com cabelo preto, e um com a mesma idade e também magro, mas de estatura alta, cabelo loiro curto e pele clara, fazendo-se transportar num veículo automóvel de cor azul claro e matrícula estrangeira. (42)
c) Pelas 15h30 do dia 1 de Agosto de 2008, na Rua Francisco Marto, junto ao Hotel Santo Amaro, em Fátima, foi localizado um veículo automóvel, marca Kia, modelo Rio, cor azul claro, com a matrícula espanhola .,....., que correspondia às características da viatura referida na alínea anterior, razão pela qual foi ao mesmo montada vigilância a fim de verificar se quem o utilizava correspondia à descrição física feita na alínea anterior.
Cerca das 15h45 abeirou-se do veículo um indivíduo cujas características correspondiam àquelas outras que constam da alínea anterior que foi então abordado.
Como este indivíduo não possuía qualquer documento de identificação e como, através do Gabinete Sirene, se havia averiguado que o veículo era alugado e havia um pedido da Guarda Civil espanhola para identificar o condutor e ocupantes e para o revistar por estar referenciado em Espanha como usado na prática de furtos, foi passada revista a tal indivíduo, que se havia identificado como …, tendo-lhe sido apreendidos objectos, e foi efectuada uma busca ao veículo, onde foram encontrados e apreendidos diversos objectos em ouro subtraídos, no dia 1 de Agosto de 2008, a … e a …, e que por estes foram reconhecidos. (fls. 43, 58 a 59 e 60 a 61).
d) De imediato, e no âmbito do Inquérito nº 270/08.6GBVNO [e que é ofendido …] foi o cidadão … reconhecido pela testemunha …. (fls. 44 e 62 a 63).
e) Face ao que antecede, foi contactado o oficial comandante da GNR, que emitiu mandado de detenção fora de flagrante delito, e foi contactada a Digna Magistrada do Ministério Público que se encontrava de turno, que ordenou que o cidadão … fosse constituído arguido, e apresentado pelas 10h30 do dia 2 de Agosto de 2008, no Tribunal judicial da comarca de Tomar. (fls. 44)
f) Foi então o cidadão … constituído arguido e sujeito a termo de identidade e residência. (fls. 44).
g) No dia 2 de Agosto de 2008, pelas 12h55, o arguido … foi submetido a 1º interrogatório judicial, no qual disse, relativamente à sua identidade, ter nacionalidade croata e ter nascido a 20 de Maio de 1988. (fls. 64 a 65).
h) No seguimento deste 1º interrogatório, o Mmo. Juiz de Instrução proferiu o despacho que já se deixou referido, no qual, além do mais, validou a detenção, as busca e as apreensões efectuadas e determinou que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo em prisão preventiva. (70 a 74).
Da nulidade insanável da busca, da revista e do reconhecimento de pessoas.
1. Diz o recorrente que, porque nascido a 20 de Maio de 1988, tinha menos de 21 anos de idade quando foi abordado pela GNR, e que não conhece nem domina a língua portuguesa, o que impunha que, na revista a que foi sujeito, e na busca à viatura que estava na sua posse, estivesse acompanhado de defensor e de intérprete, nos termos dos arts. 64º, nº 1, c), e 92º, nº 2, do C. Processo Penal, o que não sucedeu, assim se cometendo, respectivamente, a nulidade insanável prevista no art. 119º, c), e a nulidade – que igualmente se deve considerar insanável, sob pena de violação do art. 11º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aplicável por força do art. 16º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa – prevista no art. 120º, nºs 1 e 2, c), sempre do mesmo código.
É seguro que quando o recorrente foi sujeito a revista e quando foi buscada a viatura em questão, aquele não se encontrava assistido de defensor.
Quanto a não dominar ou sequer, entender, a língua portuguesa, tal resulta desde logo da circunstância de, no 1º interrogatório judicial, lhe ter sido nomeado intérprete (fls. 64).
E dá-se de barato que o recorrente nasceu efectivamente a 20 de Maio de 1988, pois assim se identificou ao Mmo. Juiz de Instrução.
Posto isto.
1.1. No processo penal pátrio o arguido é um sujeito processual, titular de direitos e deveres, que constituem o respectivo estatuto.
O C. Processo Penal não define o conceito de arguido mas na alínea e), do seu art. 1º define «suspeito», como toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar.
O suspeito não é sujeito processual e por isso não é titular de direitos nem está sujeito a deveres processuais especiais (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. I, 4ª Ed., 286).
A constituição de um cidadão, designadamente, de um suspeito, como arguido é sempre efectuada através da comunicação feita ao visado, pela autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal, de que a partir daquele momento como tal se deve considerar (arts. 57º, nº 3, 58º, nº 2 e 59º, nº 1, do C. Processo Penal.
E é apenas a partir deste momento que o cidadão adquire o estatuto de arguido, sendo-lhe assegurado o exercício de direitos e deveres processuais (art. 60º, do C. Processo Penal) entre eles, os previstos no art. 61º, do C. Processo Penal (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. I, 4ª Ed., 289).
1.2. Entre os direitos de que, em especial, goza o arguido, conta-se o direito de ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mesmo em provado, com ele (art. 61º, nº 1, f), do C. Processo Penal).
Dispõe o art. 64º, nº 1, c), do C. Processo Penal que é obrigatória a assistência do defensor em qualquer acto processual, à excepção da constituição de arguido, sempre que o arguido for cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída.
Presume-se nestas situações, que as capacidades do arguido para apresentar a sua defesa pessoal se encontram diminuídas, impondo-se por isso a defesa técnica, assegurada pelo defensor, enquanto técnico do direito para tal habilitado.
A inobservância desta regra da presença obrigatória do defensor é sancionada pela lei como nulidade insanável (art. 119º, c), do C. Processo Penal).
1.3. Estabelece o art. 92º, nº 2, do C. Processo Penal que, quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao acto ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquela utilizada.
Não se questiona que esta norma é aplicável ao arguido que não conhece ou não domina a língua portuguesa, como aliás claramente resulta do nº 3 do mesmo artigo, onde se prevê a possibilidade de este nomear um outro intérprete [além do já nomeado] exclusivamente para assegurar a tradução das conversações com o seu defensor.
A falta da nomeação de intérprete nos casos em que é obrigatória é sancionada pela lei como nulidade dependente de arguição ou seja, nulidade sanável (art. 120º, nº 2, c), do C. Processo Penal).
Contrariamente ao pretendido pelo recorrente, entendemos que esta cominação não atenta contra o art. 6º, nº 3, e), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro, que dispõe:
O acusado tem, no mínimo, os seguintes direitos: ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada e fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo.”.
Esta norma, porque integrante do direito internacional pactício ou convencional, prevalece sobre a lei ordinária portuguesa, mas não sobre a Lei Fundamental.
No entanto, a Constituição da República Portuguesa assegura, no seu art. 20º, nº 4, que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
E, como ensinam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª Edição Revista, 415), “O due process positivado na Constituição portuguesa deve entender-se num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa (exigência de um procedimento legislativo devido na conformação do processo), mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais. (…). O significado básico da exigência de um processo equitativo é o da conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva. Uma densificação do processo justo ou equitativo é feita pela própria Constituição em sede de processo penal (cfr. art. 32º) – a garantias de defesa, presunção de inocência, julgamento em prazo curto compatível com as garantias de defesa, direito à escolha de defensor e à assistência de advogado, reserva de juiz quanto à instrução do processo, observância do princípio do contraditório, direito de intervenção no processo, etc.”.
Ora, precisamente porque entendeu que o arguido que não conhece ou não domina a língua portuguesa só pode beneficiar de um processo equitativo se entender todos os actos processuais cuja compreensão se mostre necessária a uma defesa efectiva, é que o legislador estabeleceu a obrigatoriedade de estar assistido por intérprete.
Mas não deixa o arguido de beneficiar de um due process, pelo simples facto de a lei ordinária estabelecer como sanção para a falta de nomeação de intérprete, a nulidade sanável. É que, como vimos, o arguido desconhecedor da língua portuguesa – o que vale dizer, necessitado de intérprete – tem que obrigatoriamente estar assistido de defensor [excepção feita à constituição de arguido] sob pena de nulidade insanável. E assim, competirá ao defensor, enquanto técnico habilitado para assegurar a defesa, arguir atempadamente a nulidade da falta de nomeação de intérprete, se tal entender ser do interesse da defesa.
Não sendo razoável que a invocação desta nulidade tenha que ser efectuada até ao termo do acto a que o visado assistiu sem intérprete [sob pena de completo esvaziamento da tutela pretendida] mas isto apenas nos casos em que não está presente o defensor, nomeado ou constituído, deve aceitar-se, para eles, a aplicação da regra geral de arguição das nulidades sanáveis ou seja, a arguição no prazo de 10 dias (art. 105º, nº 1, do C. Processo Penal), a contar daquele em que o interessado foi notificado para qualquer termo posterior do processo ou teve intervenção em acto nele praticado (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª Ed., 85).
Desta forma, a nulidade sanável prevista no art. 120º, nº 2, c), do C. Processo Penal não significa uma compressão e muito menos, intolerável, do direito constitucionalmente garantido ao processo equitativo, nem uma restrição inadmissível dos direitos de defesa, constitucionalmente assegurados nos arts. 20º, nº 4, e 32º, nº 1, da Lei Fundamental.
1.4. Revistas e buscas são meios de obtenção da prova. Há lugar a revista quando existem indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, e há lugar a busca quando existem indícios de que objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público (art. 174º, nºs 1 e 2, do C. Processo Penal).
Em regra, as revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas pela autoridade judiciária competente (art. 174º, nº 3, do C. Processo Penal).
Porém, os órgãos de polícia criminal podem efectuar revistas e buscas sem aquela autorização ou ordem, nos casos, a) de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade física de qualquer pessoas, b) em que o visado consinta desde que o consentimento fique, por qualquer forma, documentado, c) e aquando de detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão (nº 5 do art. 174º, do C. Processo Penal). Nos casos previstos em a), a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada a fim de a validar, ou não (nº 6 do art. 174º, do C. Processo Penal).
No âmbito das medidas cautelares e de polícia – que não são actos processuais mas de polícia, embora possam ser anteriores ou contemporâneos do processo (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 63 e ss.) – aos órgãos de polícia criminal compete, mesmo antes de qualquer ordem da autoridade judiciária para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova designadamente, compete-lhes proceder a exames dos vestígios do crime e assegurar a sua manutenção, colher as informações que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição, e proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas (art. 249º, nºs 1 e 2, do C. Processo Penal).
O art. 251º, do C. Processo Penal disciplina as revistas e buscas no âmbito das medidas cautelares e de polícia.
Assim, também aqui os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária, à revista de suspeitos em caso de fuga iminente ou de detenção e a buscas no lugar em que se encontrarem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem de prova e que de outra forma poderiam perder-se (alínea a), do nº 1, do art. 251º, do C. Processo Penal), sendo nestes casos, correspondentemente aplicável o disposto no nº 6 do art. 174º, do C. Processo Penal.
Como se vê, é a urgência da medida e a sua relevância para efeitos recolha, aquisição e conservação da prova, no processo já existente ou, eventualmente, a instaurar, e cuja demora na obtenção da autorização da autoridade judiciária poderia fazer perigar ou mesmo, perder, que estão na origem da atribuição destas competências aos órgãos de polícia.
Mas, por outro lado, ciente do risco de utilização abusiva das medidas de polícia, para além de as restringir aos actos urgentes, não deixou o legislador de subordinar a sua homologação isto é, a sua validação para o processo, à autoridade judiciária (cfr. Prof. Anabela Miranda Rodrigues, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, CEJ, 71). Com vista à sua validação pelo juiz de instrução (arts. 174º, nº 6, e 251º, nº 2, do C. Processo Penal) e consequente integração no processo enquanto meios de prova, as revistas e buscas levadas a cabo no âmbito das medidas cautelares e de polícia, devem ser devidamente documentadas.
Porém, e contrariamente ao pretendido o recorrente, em lado algum impõe a lei, e nem se justificaria, atento, além do mais, o princípio jura novit curia, que naquela documentação tivesse que ser invocado pelo órgão de polícia criminal que as medidas tomadas o tinham sido ao abrigo das medidas cautelares e de polícia previstas no art. 248º e ss. do C. Processo Penal.
A única imposição da lei é que o órgão de polícia criminal que procedeu às diligências elabore um relatório do qual constem, de forma resumida, as investigações efectuadas e seus resultados, os factos apurados e as provas recolhidas (art. 253º, nº 1, do C. Processo Penal). E é precisamente esse relatório o que se encontra a fls. 42 a 44 dos autos, sob a designação «Aditamento».
1.5. A prova por reconhecimento encontra-se regulada nos arts. 147º e ss. do C. Processo Penal.
O art. 147º referido trata do reconhecimento de pessoas. Nele podemos distinguir três modalidades de reconhecimento: o reconhecimento por descrição, o reconhecimento presencial e o reconhecimento com resguardo.
O reconhecimento por descrição, previsto no nº 1 daquele artigo, consiste em solicitar à pessoa que deve fazer a identificação que descreva a pessoa a identificar, com toda a pormenorização de que se recorda, sendo-lhe depois perguntado se já a tinha visto e em que condições e sendo, finalmente, questionada sobre outros factores que possam influir na credibilidade da identificação. Em regra, esta modalidade de reconhecimento funciona como acto preliminar dos demais, e nele não existe qualquer contacto visual entre os intervenientes ou seja, entre a pessoa que deve fazer a identificação e a pessoa a identificar.
O reconhecimento presencial, previsto no nº 2 do mesmo artigo, tem lugar quando a identificação realizada através do reconhecimento por descrição não for cabal – e ela só o será se «satisfizer o critério probatório da fase processual em que o reconhecimento teve lugar» (Prof. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 416).
Esta modalidade de reconhecimento obedece aos seguintes passos:
- Na ausência da pessoa que deve efectuar a identificação, são escolhidos, pelo menos, dois cidadãos, que apresentem as maiores semelhanças possíveis – físicas, fisionómicas, etárias, bem como, de vestuário – com o cidadão a identificar;
- Depois, este é colocado ao lado daqueles outros cidadãos e, se possível, apresentando-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que deve proceder ao reconhecimento [tal só não será possível no caso de uma alteração fisionómica irreversível];
- É então chamada a pessoa que deve efectuar a identificação que, depois de ficar diante do grupo onde se encontra o cidadão a identificar e portanto, depois de ter observado os seus elementos, é perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual, sendo perguntas e respostas – estas e qualquer outra que porventura, tenha sido efectuada, registada no auto respectivo.
O reconhecimento com resguardo, previsto no nº 3 ainda do art. 147º, tem lugar quando existam razões para crer que a pessoa que deve efectuar a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento. Trata-se pois, de uma forma de protecção da testemunha.
Esta modalidade de reconhecimento obedece à sequência descrita para o reconhecimento presencial, mas agora a pessoa que vai efectuar a identificação deve poder ver e ouvir o cidadão a identificar mas não deve por este ser vista. Normalmente, o que sucede é que a pessoa que deve efectuar a identificação é colocada numa divisão distinta daquela onde se encontra o grupo que inclui o cidadão a identificar, separadas por um vidro polarizado que permite que aquela aviste, sem ser vista, o grupo [esta modalidade de reconhecimento não vale para a audiência].
O reconhecimento de pessoas que não tenha sido efectuado nos termos que ficaram expostos, não vale como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorreu (nº 7, do art. 147º, do C. Processo Penal).
Estamos pois perante uma proibição de prova, isto é, o reconhecimento é inválido e não pode, por isso, ser usado no processo designadamente, para fundamentar a decisão.
2. Enunciados os elementos jurídicos relevantes, revertamos agora para a questão sub judice.
2.1. Como vimos, o arguido é um sujeito processual, que adquire tal qualidade como e nas condições que a lei processual penal estabelece, sendo a partir desse momento que passa a ser titular dos direitos e deveres que integram o seu estatuto (arts. 60º, 61º e 64º, do C. Processo Penal).
E como também vimos, integra tal estatuto, o direito que o arguido menor de 21 anos de idade, e o arguido que desconhece a língua portuguesa, tem de estar assistido de defensor, em qualquer acto processual, com excepção do da constituição de arguido, constituindo a violação deste direito, uma nulidade insanável (arts. 64º, nº 1, c) e 119º, c), do C. Processo Penal).
2.1.1. O cidadão e ora arguido … nasceu a 20 de Maio de 1988 pelo que, no dia 1 de Agosto de 2008, data em que foram efectuadas a revista, a busca, tinha 20 anos de idade.
Quando foram efectuadas a revista e a busca, o referido cidadão não estava assistido de defensor.
Porém, como resulta das alíneas c), e) e f), que antecedem, quando estas diligências foram efectuadas, o cidadão … era apenas um suspeito, não tendo ainda a qualidade de arguido, pois como tal ainda não havia sido constituído.
E assim, não tinha que estar, obrigatoriamente, assistido de defensor por via da sua menoridade.
2.1.2. Por outro lado, o cidadão … tem nacionalidade croata, não conhecendo nem dominando a língua portuguesa.
Quando foram efectuadas a revista e a busca, o referido cidadão não estava também assistido de intérprete. Não resulta do termo de autorização de revista, que constitui fls. 53 dos autos, a forma como o militar da GNR que o assina explicou o seu conteúdo ao referido cidadão, que também nele apôs a sua assinatura. É pressuposto desta autorização, que a vontade de quem a declara resulte de um processo de formação livre e esclarecida. E é evidente que dos autos não resultam elementos que permitam, com um mínimo de certeza, concluir que o cidadão … entendeu o significado da assinatura que apôs na dita autorização.
Já no que respeita ao auto de busca e apreensão que constitui fls. 56 a 57 dos autos, não consta do mesmo qualquer declaração de autorização, assinada pelo mesmo cidadão, já que este se limitou a assiná-lo, apenas como visado.
Como atrás vimos, a nulidade prevista na alínea c), do nº 2, do art. 120º, do C. Processo Penal depende de arguição.
Também deixámos dito que, em nosso entender, esta opção legal não viola a Lei Fundamental nem o direito internacional convencional mas que, aceitando-se a crítica do recorrente de que não é razoável exigir que a invocação da nulidade de falta de nomeação de intérprete seja efectuada até ao termo do acto praticado sem intérprete, mas com a precisão de que também não está presente defensor, nomeado ou constituído, se devia admitir que nestes casos funcione a regra geral quanto à arguição das nulidades sanáveis, podendo então a nulidade ser arguida no prazo de 10 dias a contar daquele em que o interessado foi notificado para qualquer termo posterior do processo ou teve intervenção em acto nele.
O recorrente foi submetido a 1º interrogatório judicial no dia 2 de Agosto de 2008, no qual esteve assistido por Ilustre Defensora e intérprete pelo que, foi a partir desta data que se iniciou o prazo para arguir a invocada nulidade.
Uma vez que só por requerimento entrado em juízo a 19 de Setembro de 2008 (fls. 80 a 86 dos autos) veio a ser feita a arguição da nulidade, é tal arguição extemporânea.
Sem prejuízo do que antecede, também aqui estávamos ainda perante um simples suspeito, insusceptível, por isso, de beneficiar do estatuto de arguido.
Acresce que, e como resulta das alíneas a), b) e c), que antecedem, a revista e a busca foram efectuadas no âmbito das medidas cautelares e de polícia e mais concretamente, nos termos do art. 251, nº 1, a), do C. Processo Penal.
Com efeito, face à vaga de assaltos a residências, e dispondo a GNR da descrição física de alguns dos suspeitos, bem como da descrição das características de um veículo automóvel onde aqueles se transportariam, tendo sido detectada a presença de uma viatura cujas características correspondiam àquelas outras, os militares daquela força militarizada procederam a uma operação de vigilância à viatura, e quando dela se aproximou um indivíduo cujas características coincidiam com as que haviam sido atribuídas a alguns elementos do grupo de assaltantes, procederam à sua abordagem. Não tendo tal indivíduo qualquer identificação e havendo já notícia de que a dita viatura estava referenciada em Espanha, como usada na prática de furtos, aqueles militares procederam então à revista e busca em questão, tendo no âmbito desta sido apreendidos diversos objectos nesse mesmo dia furtados em duas residências, em Fátima.
É pois claro que a urgência das diligências em questão não se compadecia com o tempo necessário à autorização da autoridade judiciária competente, sendo certo que não só as concretas circunstâncias indiciavam de forma evidente a utilidade de tais diligências para a aquisição e conservação da prova, como o concreto resultado da busca veio a confirmar plenamente aqueles indícios.
Sendo pois, inquestionável que quando foram efectuadas a revista e a busca cuja validade é posta em crise, estavam verificados os pressupostos previstos nos arts. 249º, nº 2, c), e 251º, nº 1, a), do C. Processo Penal, não era então necessária a prévia autorização da autoridade judiciária.
Ora, se a revista e a busca não necessitavam do consentimento do visado para serem efectuadas, é evidente que não era objectivamente necessária a presença do intérprete.
Por outro lado, não só a urgência das medidas de polícia não se compadecia com tal nomeação, como então, nem sequer se podia saber se o cidadão ......... iria ter intervenção no processo, não sendo pois legalmente exigível a nomeação de intérprete na situação em análise.
Assim, a revista e a busca são válidas, ainda que, não tenha existido prévia autorização da autoridade judiciária e nelas não tenha também o visado consentido.
2.1.3. Em conclusão, não se mostram violados os arts. 60º e 64º, nº 1, c) e 92º, nº 2, do C. Processo Penal, pelo que não se verificam as nulidades previstas nos arts. 119º, c), e 120º, nº 2, c), do mesmo código.
2.2. Quanto à prova por reconhecimento, resulta do respectivo auto que o mesmo teve lugar pelas 15h30, do dia 1 de Agosto de 2008 portanto, logo a seguir à abordagem do cidadão…, e seguramente antes da constituição do suspeito como arguido (cfr. fls. 44).
Desta forma, quando foi efectuado o reconhecimento de pessoas, o suspeito, que ainda não havia sido constituído arguido, não estava assistido de defensor. Ora, e como atrás já deixámos dito, só o estatuto de arguido conferia o direito a estar assistido por defensor pelo que, também aqui, não se verifica qualquer nulidade.
Mas o reconhecimento foi então efectuado no âmbito das medidas cautelares e de polícia, sem que contudo, em relação a tal meio de prova, se descortine qualquer circunstância que fizesse perigar e por isso, tornasse urgente, a realização desta diligência probatória.
No entanto, ainda que não de forma expressa, o despacho do Mmo. Juiz de Instrução proferido no seguimento do 1º interrogatório judicia, ao socorrer-se do reconhecimento de pessoas para concluir pela indiciação do já arguido ......... como co-autor do furto que constitui o objecto do Inquérito nº 270/08.TBVNO aceitou e por isso, implicitamente validou, aquele meio de prova.
E assim, mais uma vez, se suscita a questão da ausência de defensor e de intérprete, neste acto processual, de novo aqui se concluindo, dando-se por reproduzido o que atrás de deixou dito, pela inexistência de nulidade insanável e sanável, respectivamente.
Resulta no entanto, do auto de reconhecimento de fls. 62 que na realização do reconhecimento por descrição foi dado pleno cumprimento ao disposto no art. 147º, nº 1, do C. Processo Penal.
Mas já o mesmo não se passa com o reconhecimento presencial. No respectivo auto diz-se que o suspeito foi integrado num grupo de três indivíduos pessoas fisionomicamente parecidas com ele, sem se fazer qualquer referência à legalmente prevista semelhança de vestuário. E constando do autos o documento fotográfico do reconhecimento (fls. 63), é evidente que os dois cidadãos [e não três] que foram alinhados com o suspeito para identificação, não só não são fisionomicamente parecidos com ele – são visivelmente mais velhos, tem ambos o cabelo rapado ou cortado muito curto, quando o suspeito o não tem, e um é claramente mais alto do que o suspeito – como ambos os cidadãos vestem camisas de manga curta claras, quando o suspeito veste uma camisola de manga comprida escura, sendo certo que os factos pelos quais se ia proceder ao reconhecimento haviam acontecido nesse mesmo dia.
O reconhecimento de pessoas tal como foi feito, manifestamente não observou o disposto no art. 147º, nº 2, do C. Processo Penal, pelo que não pode, nos termos do nº 7, do mesmo artigo, valer como meio de prova.
Trata-se, como dissemos já, de uma proibição de prova, e não de uma nulidade (cfr. art. 118º, nº 3, do C. Processo Penal) embora, ao nível do processo, a utilização de uma prova proibida tenha o mesmo efeito da nulidade do acto ou seja, a prova é nula e por isso não pode servir para fundamentar a decisão (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª Ed., 126).
Em conclusão, mostra-se violado o art. 147º, nº 2, do C. Processo Penal pelo que o reconhecimento de pessoas efectuado nos autos é prova proibida, atento o disposto no nº 7 do mesmo artigo, não valendo como meio de prova.
Da nulidade do despacho que validou as provas e decretou a prisão preventiva
3. Diz o recorrente que o despacho que validou a prova e decretou a sua prisão preventiva, ao fundar-se nas provas obtidas através da revista, da busca e do reconhecimento de pessoas [e não na sua situação irregular em território nacional] que são nulas, vem, nos termos do art. 122º, nº 1, do C. Processo Penal, a ser também nulo. Vejamos.
3.1. É um facto que o despacho em questão, quando se debruçou sobre as medidas de coacção a aplicar ao recorrente se fundou, até porque este exerceu, legitimamente aliás, o direito ao silencio, na busca e apreensões efectuadas, bem como no reconhecimento de pessoas.
Com efeito, porque no decurso da busca, foram encontrados e apreendidos, no interior da viatura que estava na posse do recorrente, diversos objectos, reconhecidos pelos seus donos, que haviam sido subtraídos de residências, factos estes que deram origem aos Inquéritos nºs 275/08.1GBVNO e 277/08.3GBVNO, entendeu o Mmo. Juiz que estava indiciada a prática pelo recorrente de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1, e 204º, nº 2, e), do C. Penal, com referência ao art. 202º, d), do mesmo código. E porque o recorrente, no reconhecimento de pessoas efectuado, foi reconhecido como um dos indivíduos que saiu de uma outra residência assaltada, da qual foram subtraídos objectos em ouro, factos estes que deram origem ao Inquérito nº 270/08.TBVNO, entendeu o Mmo. Juiz que estava indiciada a prática pelo recorrente de um outro crime de furto qualificado, p. e p. pelos mesmas disposições legais.
Uma vez que, pelas razões que se deixaram expostas, foram consideradas válidas a busca e as apreensões efectuadas [desconsideramos agora a revista, também considerada válida, na medida em que dela nada resultou que contribuísse para a decisão proferida pelo Mmo. Juiz de Instrução] é evidente que se mantêm incólumes os indícios apontados pelo Mmo. Juiz de Instrução quanto aos dois crimes de furto qualificado referidos [os dos Inquéritos nºs 275/08.1GBVNO e 277/08.3GBVNO].
Já não assim, relativamente ao furto qualificado do Inquérito nº 270/08.TBVNO pois para a sua indiciação não pode ser atendido o reconhecimento de pessoas pois de prova proibida se trata. Por isso, quanto a este furto, os indícios mostram-se enfraquecidos já que nada mais existe, para além da similitude do modus operandi, ficando assim ao nível, quanto à indiciação, dos demais ilícitos constantes dos restantes autos de notícia juntos aos autos (cfr. fls. 70).
Não enferma pois o despacho do Mmo. Juiz de Instrução que validou a busca e as apreensões e determinou a prisão preventiva do recorrente, de qualquer nulidade.
3.2. Mantendo-se indiciada a prática pelo recorrente de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1, e 204º, nº 2, e), do C. Penal, com referência ao art. 202º, d), do mesmo código, com pena de prisão de 2 a 8 anos, e constando do mesmo despacho que o recorrente, sendo cidadão croata, não exerce actividade profissional, não tem fonte de rendimentos, não tem residência definida, não tem documentos nem autorização de permanência em Portugal, há que aceitar como válida a conclusão do tribunal recorrido de que «existe manifesto perigo de fuga, de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e de continuação da actividade criminosa», e assim, proporcional e adequada, a medida de coacção que lhe foi imposta, ainda que da mais grave se trate.
Da intempestiva invocação do art. 251º, do C. Processo Penal
4. Diz o recorrente que tendo o Mmo. Juiz de Instrução Criminal validado os meios de prova, com base na sua pretensa autorização, invocando para tanto o disposto no art. 174º, nº 5, b), do C. Processo Penal, no despacho subsequente ao 1º interrogatório judicial, não pode agora, no despacho recorrido, invocar o art. 251º, do mesmo código, pois tal significa alterar os pressupostos pelos quais validou aqueles meios de prova ou seja, não pode o Juiz de Instrução Criminal alterar a todo o tempo o despacho de validação dos meios de prova obtidos, fundando a sua validação em preceito diverso daquele que inicialmente utilizou. Vejamos.
4.1. Cabe dizer, em primeiro lugar, que a questão colocada não se prende com uma qualquer correcção do despacho proferido no seguimento do 1º interrogatório judicial e que validou a busca e apreensão efectuadas e decretou a prisão preventiva do recorrente, efectuada ao abrigo do disposto no art. 380º, nº 3, do C. Processo Penal.
Como também a mesma questão nada tem a ver com uma revalidação daquelas diligências de prova.
Na verdade, o que sucedeu é que o recorrente, que não recorreu do despacho que validou as ditas diligências e lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, veio arguir posteriormente, a nulidade de tais meios de prova, nulidades que foram indeferidas pela decisão recorrida apesar de nela se reconhecer a proibição de prova relativamente ao reconhecimento de pessoas.

4.2. Quanto ao mais, é certo que no despacho que validou a busca e as apreensões são invocados os arts. 174º, nºs 2 e 5, b), 176º, 178º, nºs 1, 2 e 5 e 249º, nºs 1 e 2, c), do C. Processo Penal.
E a alínea b), do nº 5, do art. 174º, citado prevê uma das situações em que a revista ou a busca, enquanto acto processual, pode ser efectuada pelo órgão de polícia criminal sem autorização da autoridade judiciária competente que é a de o visado prestar o seu consentimento, que deve ficar documentado.
Acontece que a invocação do art. 249º, nº 2, c), do C. Processo Penal nos remete, por sua vez, para a prática de actos cautelares necessários e urgentes, da competência dos órgãos de polícia criminal, entre os quais a realização de apreensões no decurso de revistas ou buscas. E assim, implicitamente se mostra igualmente convocado o art. 251º, do C. Processo Penal que regula, precisamente, as revistas e buscas, não enquanto actos processuais, mas enquanto medidas cautelares e de polícia.
Certo é pois, que a validação da busca e das apreensões obtém cobertura na previsão de ambas as normas. Mas ainda que assim não fosse, desde que, em concreto, estivessem verificados os pressupostos previstos na alínea a), do nº 1, do art. 251º, do C. Processo Penal, como estavam, sempre aquelas diligências seriam válidas, ainda que por erro, tivesse sido invocada distinta norma para tal efeito.
Em conclusão, não ocorreu qualquer alteração de pressupostos da validação dos meios de prova, pelo que também não ocorreu qualquer invocação intempestiva do art. 251º, do C. Processo Penal.
Em conclusão do que antecede:
- Deve ser declarada a proibição de prova relativamente ao reconhecimento de pessoas;
- Deve, quanto ao mais, ser conformado o despacho recorrido.
III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso. Consequentemente, decidem:
A) Declarar a proibição de prova relativamente ao reconhecimento de pessoas efectuado no dia 1 de Agosto de 2008, tendo por identificando o recorrente.
B) Confirmar, quanto