Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
171/20.0T8VLF-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: INCUMPRIMENTO DAS REGRAS DO PERSI
CONHECIMENTO OFICIOSO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
CRÉDITO RECLAMADO COM BASE EM CRÉDITO NÃO SUJEITO AO PERSI
Data do Acordão: 02/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE V.N. FOZ COA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 573.º, 2, 576.º, 1 E 2, 577.º, I), 578.º, 651.º, 1, 732.º, 5, 788.º, 7 E 791.º, 3, DO CPC
ARTIGOS 2.º, 1, A) E E) E 18.º, 1, B), DO DL 227/2012, DE 25/10
Sumário: I – Não há que conhecer de questões apenas arguidas nas alegações de recurso e que não se mostrem de conhecimento oficioso, visto que os recursos servem para reapreciar questões apreciadas na instância recorrida.

II – Já as questões de conhecimento ofícioso invocadas pelos reclamados apenas nas alegações de  recurso, como sucede relativamente à falta de observância pela exequente/reclamante dos procedimentos a que obriga o PERSI antes da instauração da  execução,   devem ser apreciadas, desde que os autos contenham elementos para tanto e que essas questões não tenham sido objecto de decisão transitada.

III -  Se a exequente não devia ter interposto execução por não ter cumprido as exigências prévias decorrentes do PERSI, não poderá tirar partido da penhora que nessa execução obteve para efeito de reconhecimento e graduação do correspondente crédito.

IV – Por isso, relativamente ao crédito reclamado concernente à  utilização de cartão de crédito denominado “Caixa Gold”, porque este contrato se enquadra nos referidos na al e) do art 2º /1 do Dl 227/2012 de 25/10 - «contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês» - tem de se entender como procedente a excepção dilatória inominada decorrente da não observância daquelas exigências.

V – Já não assim relativamente ao crédito reclamado decorrente de uma livrança assinada pelo reclamado/executado e avalizada pela reclamada/executada, porque lhes competia alegar e provar que o negócio subjacente a esse titulo de crédito se analisava num contrato de crédito tal como os mesmos vêm previstos no referido art 2º/1 do DL 227/2012 de 25/10, na medida em que sem essa alegação esse negócio é desconhecido  nos autos.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I - Caixa Geral de Depósitos, S.A., veio, por apenso à execução que move contra AA e BB, reclamar um crédito no valor de € 9.928,73, acrescido de juros vincendos desde 24.06.2021, até integral e efetivo pagamento.

Alegou, para tanto, que no âmbito da sua atividade creditícia tornou-se dona e legítima possuidora de uma livrança subscrita pelo executado, na qual a executada declarou dar o seu aval à firma subscritora, mediante a sua assinatura, no valor total de € 4.542,61, e alega ainda, que celebrou um contrato de utilização de cartão de crédito com o n.º conta cartão ...12, tendo sido autorizado e concedido crédito que totaliza a quantia de € 5.386,12, e que, em virtude do incumprimento dos referidos contratos, instaurou a ação executiva que corre termos sob o processo n.º 172/20...., do Juízo de Competência Genérica ..., no âmbito da qual foi penhorado o prédio urbano composto por casa de altos e baixos, sito em Rua ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...16, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...37, pedindo que lhe seja reconhecido/verificado e graduado tal crédito, já que goza de garantia real sobre o bem penhorado, nos termos do art 822º CC.

Notificados os executados, deduziram oposição, pondo em causa a validade do título executivo da credora reclamante que respeita ao contrato, entendendo que não se trata de título executivo porquanto desconhecem o valor do capital em dívida, os juros, as comissões em dívida, desconhecendo ainda, como foi determinado o valor que foi posto à disposição do executado, ou a natureza dos juros peticionados, concluindo que é manifesta a falta ou insuficiência do titulo, em conformidade com o disposto na al. a) do n.º 2 do art. 726.º do CPC. Subsidiariamente, alegam que o contrato não tendo sido exarado por notário, nem autenticado, não preenche os pressupostos previstos na al. b) do n.º 1 do art. 703.º do CPC, concluindo que não possui a reclamante título executivo. Os executados suscitam ainda a dúvida, a admitir-se que o contrato foi subscrito, de que tenha sido disponibilizada pela credora reclamante a quantia de € 15.000,00, por não ter sido  junta prova de que foi disponibilizada essa quantia.  Alegam, ainda, quanto ao valor das prestações vincendas e à indemnização moratória que carecia de formal interpelação dos executados o que não foi alegado nem provado pela exequente.  Finalmente, alegam que não tendo a exequente alegado e provado o cumprimento do regime imperativo previsto no Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de outubro (PARI e PERSI), enquanto garantia do cliente bancário, a mesma fica impedida de intentar ações (declarativas ou executivas) tendo em vista a satisfação do seu crédito, pelo que importa a extinção da instância em virtude do reconhecimento da excepção dilatória inominada.

Em resposta, a exequente alegou, em resumo, que os executados se encontram equivocados, porquanto o crédito reclamado tem como título uma livrança e um contrato de adesão a cartão de crédito e não um contrato de mútuo de € 15.000,00, mais procedendo à junção dos extratos associados à conta do cartão como prova da quantia que foi disponibilizada aos executados, pugnando pela improcedência da oposição. Refere ainda que relativamente ao crédito decorrente da utilização do cartão de crédito procedeu à abertura do PERSI em 4/4/2018, juntando documento.

Vieram os executados impugnar a validade desse documento, reiterando que não foi realizado o procedimento PERSI, devendo ser julgada procedente a exceção dilatória inominada e serem eles absolvidos  da instância.

Tendo sido entendido que a verificação dos créditos impugnados não dependia de prova a produzir e que se encontravam debatidas as questões de direito, foi proferida de imediato sentença, na qual foi julgada totalmente procedente a reclamação de créditos apresentada,

- julgando-se improcedente a exceção dilatória inominada por falta de cumprimento do PERSI invocada pelos executados;

- julgando-se verificado e reconhecido o crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. no montante total de € 9.928,73 (nove mil, novecentos e vinte e oito euros e setenta e três cêntimos), acrescido de juros contratualizados vincendos, contados desde 24.06.2021 exclusive, até integral e efetivo pagamento, bem como o imposto de selo.

-graduando-se os créditos  reconhecidos e o crédito exequendo, da seguinte forma, quanto ao prédio urbano, composto por casa de altos e baixos, sito em Rua ..., ..., da freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...16 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...37 da freguesia ..., os créditos reconhecidos e o crédito exequendo da seguinte forma:

 a) em primeiro lugar, o crédito da Caixa Geral de Depósitos, S.A. a título do contrato atualmente registado com o número de operação ...585 (Ap. ... de 1997/10/03), melhor descrito no apenso D;

b) em segundo lugar, o crédito da Caixa Geral de Depósitos, S.A. a título do contrato atualmente registado com o número de operação ...985 (Ap. ... de 2008/11/19), melhor descrito no apenso D;

c) em terceiro lugar, o crédito da Caixa Geral de Depósitos, S.A. a título do contrato atualmente registado com o número de operação ...485 (Ap. ...31 de 2012/08/03) Melhor descrito no apenso D;

d) em quarto lugar, o crédito exequendo (AP. ...55 de 2021/04/22, 10h14);

e) em quinto lugar, o crédito agora reconhecido no âmbito dos presentes autos, melhor descrito em 2 (AP. ...96 de 2021/04/22, 10h56m).

- mais se determinando que os créditos serão pagos pelo produto da venda do bem penhorado à ordem dos autos de execução, pela ordem e termos da graduação supra determinada.

II – Do assim decidido, apelaram os executados, que terminaram as respectivas alegações concluindo:

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que, julgando improcedente a Resposta à Reclamação de Créditos, reconheceu os créditos reclamados pela Caixa Geral de Depósitos, S. A., no montante de €9.928,73, acrescido de juros contratualizados vincendos a partir de 24.06.2021, exclusive, até integral e efectivo pagamento, bem como o imposto de selo.

B. Incide o presente recurso sobre matéria de facto e de direito, nos termos dos artigos 638º e 640º do CPC.

Da excepção dilatória inominada por falta de cumprimento do PERSI

C. Pretende, por isso, a Recorrente ver revogada a sentença por errada ponderação dos valores em causa e errada aplicação do direito aos factos, já que deveria ter procedido e dada como provada a excepção dilatória inominada por falta de cumprimento do PERSI e subsequentemente não reconhecer os créditos reclamados pela Caixa Geral de Depósitos, S. A., no montante de € 9.928,73, acrescido de juros contratualizados vincendos a partir de 24.06.2021, exclusive, até integral e efectivo pagamento, bem como o imposto de selo.

 D. A decisão proferida pelo Tribunal a quo contraria o disposto nos artigos 15º, n.º 1, 12º, 13º, 14º, n.º 1, 17º, n.º 1 e 18º, n.º 1, alínea b) e 21º, n.º 3, 36º e 39º do Decreto Lei n.º 227/12 de 25/10, artigo 573º, n.º 2, 676º, n.º 1 e 2, 578º e 789º, todos o CPC e arrigo 342º do Código Civil.

E. De facto, o Tribunal a quo não aplicou correctamente o disposto nos artigos 15º, n.º 1, 12º, 13º, 14º, n.º 1, 17º, n.º 1 e 18º, n.º 1, alínea b) e 21º, n.º 3, 36º e 39º do Decreto Lei n.º 227/12 de 25/10, que levaria, consequentemente, a reconhecer a excepção dilatória inominada por falta de cumprimento do PERSI, uma vez estarmos perante contratos celebrados com clientes enquadráveis no conceito legal para efeitos da lei do consumo.

 F. Atenta a similitude destes autos com o processo apreciado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, por douto Acordão de 21.01.201 de que foi Relator Lígia Venade, citando-se este, dir-se-á:

G. “ Sendo uma exceção dilatória inominada (seguindo essa jurisprudência, a que acresce a citada pela recorrente, e sendo a solução legal que se afigura correta), acrescentamos que tal exceção é de facto de conhecimento oficioso, conforme essa mesma jurisprudência destaca, e que por isso cumpre conhecer em qualquer fase da instância e enquanto esta não se mostre extinta ou enquanto não se formar caso julgado que já não o permita, nomeadamente quando suscitada a questão pelo interessado na mesma –cfr. artºs. 573º, nº. 2, 576º, nºs. 1 e 2, 577º, 578º, do C. P. C..

H. Isto posto, vejamos então se o credor estava obrigado a encetar o procedimento prévio em causa, tecendo algumas considerações quer sobre a figura legal em questão, quer sobre a reclamação de créditos e o prosseguimento da execução extinta.

 I. Sendo indiscutível que estamos no âmbito das relações entre um consumidor e uma instituição de crédito (cfr. artºs. 2º, nº. 1, a), 3º, a), c), e) e f) do DL nº. 272/2012 de 25/10), o diploma citado e aplicável visou, nas suas palavras, o seguinte: “Adicionalmente, define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.”

J. Em causa está uma situação de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e em que se vai aferir nesse procedimento se o mesmo se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, o incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, as suas obrigações, nos termos previstos no contrato de crédito –artº. 15º, nº. 1, do DL nº. 227/2012, de 25/10.

K. Este tipo de procedimento é obrigatório, além do mais, se a instituição de crédito aferir que, após diligências preliminares (informação ao cliente bancário do atraso no cumprimento e montante em dívida e aferição do motivo subjacente a esse incumprimento), o incumprimento persiste –artºs. 12º, 13º, 14º, nº. 1, do mesmo diploma.

L. Diz o artº. 12º que “As instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.”; diz o artº. 13º que “No prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado.”; e diz o artº. 14º, nº. 1, que “Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.”.

M. Se a instituição de crédito pretender recorrer à execução coerciva do crédito, só o pode fazer se encerrar o processo devidamente –artºs. 17º, nºs. 3 e 4, e 18º, nº. 1, b), do diploma.

N. Ora, não resulta que tal procedimento tenha sido sequer iniciado pelo credor - bem pelo contrário, dos factos provados sob o n.º 9 da sentença recorrida resulta não ter a Caixa Geral de Depósitos integrado os executados – recorrentes – no PERSI nem iniciado o procedimento no que respeita aos contratos referidos nos pontos 1º e 2º dos factos provados.

O. A reclamação de créditos visa que o credor que beneficie de alguma garantia real sobre um bem penhorado possa peticionar o reconhecimento desse crédito de modo a que, vendido o bem, não veja dissipar essa mesma garantia por força do disposto no artº. 824º, nº. 2, do C. C..

P. Ao reconhecer-se o seu crédito, o que se reconhece é que há um valor que deve ser pago por força do bem objeto da garantia real e por uma determinada ordem, mas não que o crédito esteja definitivamente reconhecido. O que é definitivo é a conclusão de que tem uma garantia real sobre o bem penhorado e a posição em que deve ser pago mas não se forma caso julgado quanto à verificação dos créditos –cfr. Lebre de Freitas, “A ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, pags. 374 e 375 da 7ª edição e Ac. do S.T.J. de 22/06/2010, www.dgsi.pt.

Q. Reconhecido o crédito, a execução que dá origem à reclamação não pode ser entendida como visando satisfazer o seu crédito.

R. Conforme Lebre de Freitas (mesma obra, pag. 166) os credores são admitidos, não para satisfazer o seu direito de crédito, mas para garantir a desoneração do bem penhorado (…) só sendo convertidos em partes principais na execução quando acionado o mecanismo do art. 850-2 –a execução prossegue com venda do bem sobre o qual tem garantia real, assumindo a posição de exequente – n.º 3 do mesmo artigo. (De forma expressiva)

 S. Significa isto que, a nosso ver, o credor teria de ter demonstrado nos autos que encetou o PERSI ........ quando reclama o crédito,.....; Por outras palavras, verificado o incumprimento o credor tinha de ter encetado o PERSI. Ao fazer o requerimento de renovação da execução extinta tinha de demonstrar que o fez.

 T. (..) pelo que perante a situação de mora do mutuário teria este de ser automaticamente integrado no PERSI, ficando sujeito à disciplina regulamentadora do mesmo diploma, sendo à instituição bancária vedado o recurso às vias judiciais para obtenção da satisfação dos seus créditos antes de extinto o aludido procedimento pré-judicial –cfr. Ac. da Rel. do Porto de 9/5/2019 (www.dgsi.pt), que, citando mais jurisprudência ([5] Neste sentido, cfr. acórdãos da Relação de Lisboa de 7.06.2018, processo n.º 144/13.9TCFUN-A-2 e da Relação de Évora de 6.10.2016, processo n.º 4956/14.8T8ENT-A.E1, ambos em www.dgsi.pt. [6] Citado acórdão da Relação de Lisboa de 7.06.2018.), acrescenta: “Sendo a integração do devedor no PERSI e a ulterior extinção daquele procedimento condições objectivas de procedibilidade da acção executiva[5], esta só poderia ser instaurada verificadas as referidas condições, isto é, integração do mutuário devedor no PERSI e extinção do procedimento e a sua comunicação a este em suporte duradouro (designadamente, carta ou email), recaindo sobre o exequente o ónus de o comprovar[6]. Instaurada execução sem que se mostrem verificadas as aludidas condições, tal virá a redundar na verificação de uma excepção dilatória inominada ou atípica, que necessariamente desembocará na absolvição do executado da instância executiva.” (E novamente de forma expressiva)

U. Não faz para nós qualquer sentido que, se iniciasse uma execução estivesse obrigado a demonstrar o cumprimento desse dever, e aproveitando uma execução pendente, agora sim para se ver pago do seu crédito, ficasse desonerado do mesmo dever e da demonstração do seu cumprimento.

V. (Tal como se afirma na sentença recorrida) a integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória, quando verificados os respectivos pressupostos, posto que, consequentemente, a acção executiva só poderia ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento; entendeu o Tribunal a quo que, não tendo a Recorrente demonstrado tal integração estamos, perante uma excepção dilatória inominada que impedia ab initio a instauração de acção executiva para a efectiva satisfação do crédito  do exequente e que implica a absolvição da instância, existindo um crédito que não é exigível, por incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjectivo – com repercussões igualmente no domínio substantivo –, uma condição objectiva de procedibilidade.

W. Assim, “... não tendo a instituição de crédito diligenciado pela integração do cliente bancário no PERSI, previamente à instauração da ação executiva, se está, com as devidas adaptações, perante uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, uma vez que, não estando demonstrado o cumprimento por parte da instituição de crédito dos princípios e regras imperativas estabelecidas no Decreto-Lei n.º 227/2012, à mesma se encontra vedada a possibilidade de intentar ações judiciais com vista à satisfação do seu crédito, conforme dispõe o artigo 18º n.º 1, alínea b), faltando desse modo um pressuposto processual ou uma condição de procedibilidade da pretensão

 X. Ou seja, cabia ao credor o ónus da prova do cumprimento do estabelecido no diploma (artº. 342º, nº. 1, C.C.)”, a integração no PERSI e/ou a prova de ter informado a Recorrente/Executado que podia solicitar a sua integração do PERSI, coisa que a Reclamante CGD não fez, como se alcança da prova dada como assente, em particular da resposta positiva do ponto 9º dos factos provados da sentença recorrida. Cfr. artigo 18º, 21º e 36º do Dl. DL nº. 227/2012, de 25/10.

Y. Até porque, tal como refere o Tribunal da Relação do Porto por Acórdão de 26.04.2021, não pode a Reclamante instituição bancária prevalecer-se da “sua omissão, ilícita, porque violadora da lei vigente, subtraindo à fiadora soluções menos onerosas para liquidação das responsabilidades garantidas e confrontá-la com a necessidade do pagamento integral da dívida garantida, num prazo muito exíguo”

 Z. E, tal como refere o citado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, não faz sentido que para se iniciar uma execução estivesse a Reclamante obrigada a demonstrar o cumprimento desse dever, e para se ver pago do seu crédito, ficasse desonerada do mesmo dever e da demonstração do seu cumprimento. Cfr. Ac. Tribunal da Relação de Évora Proc. 4956/14.8T8ENT.A.Er., de 06.10.2016; Ac. Tribunal Rel. Porto de 26.04.2021

 AA. Assim, e contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo que decidiu que “não faz sentido impor ao credor reclamante o cumprimento do procedimento do PERSI”, estava a Caixa Geral de Depósitos obrigada a demonstrar nos autos ter integrado os executados no PERSI e que deu início ao procedimento relativamente aos contratos descritos nos pontos 1º e 2 dos Factos Provados ou que informou a Recorrente que o podia solicitar, coisa que não fez, como resulta de forma clara da factualidade dada como provada, em particular do ponto 9º dos factos provados da sentença recorrida.

Sem prescindir,

Da Falta de Título Executivo relativamente à Recorrente AA.

BB. A Recorrente e, contrariamente ao constante na sentença recorrida “no que concerne o contrato de adesão ao cartão de crédito, dado como titulo executivo, não tendo sido posto em causa a data da sua subscrição, em 13.06.2011, a sua assinatura e validade...”, deduziu embargos, tendo aos mesmos sido atribuído o número 172/20...., Apenso B e, que correram termos no Tribunal Judicial ....

 CC. Nestes embargos foi decidido “não gozar a exequente (CGD) de titulo executivo contra a executada AA, procedendo nesta parte, os embargos deduzidos”, tudo como melhor se alcança de cópia da sentença.

 DD. Para tanto, naqueles autos, o tribunal na referida sentença deu como factos não provados que a “embargada conhecia a existência do cartão de crédito e a alegada divida” e que a “embargada tinha conhecimento dos pagamentos que foram feitos com o aludido cartão de crédito”.

 EE. Logo, salvo melhor e douto entendimento, atenta aquela decisão, carecia a Reclamante C.G.D de título de executivo e, subsequentemente, errou o tribunal a quo quando decidiu reconhecer aquele título executivo e julgar verificado e reconhecido o crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos S. A, no montante de € 9.928,73, acrescido de juros contratualizados vincendos, contados desde 24.06.2021 exclusive, até integral e efectivo pagamento, bem como o imposto de selo, relativamente à Recorrente/Executada AA.

Novamente sem prescindir,

Da Contradição na Fundamentação – Violação do disposto no artigo 662º, n.º 2, alínea c) e d) do CPC

FF. A resposta sobre a matéria de facto provada e não provada devem ser coerentes, ou seja, as respostas em si mesmo analisadas ou no seu conjunto deverão ser harmoniosas, não podendo segmentos das respostas ou respostas entre si excluírem-se mutuamente, no sentido de que uma realidade da vida respondida não permitir a verificação de uma outra contra.

GG. Ora, salvo o devido respeito por outra e melhor opinião, a resposta positiva do tribunal aos pontos n.º 7 e 3 são contraditórias, isto é, são incoerentes, ilógicas e contraditórias, por inconciliáveis entre si, já que a veracidade de uma exclui a outra – Baptista Bastos, Notas ao CPC, Vol. III, 3º Edição, pag. 173º - isto é, não podem subsistir ambas utilmente – Ac. STJ de 04.02.1997, Proc. 458/96, 1ª secção, Sumário do STJ, n.º 8, de Fevereiro de 1997, pag. 17.

HH. Pois, tendo o tribunal a quo dado como provado (ponto n.º 3º dos factos provados) a atribuição por parte da Reclamante de uma linha de crédito com o limite máximo (Plafond) de Capital de €2.500,00 (sublinhado nosso), no ponto n.º 7 dos factos provados dá como provado o seu contrário, ao dar como provado uma dívida de capital de 5.010,37€, valor este que ultrapasse aquele limite máximo em duas vezes, em clara violação do contratualizado.

II. Caso assim não se entenda, por se considerar que quanto a esta questão a sentença em crise não está devidamente fundamentada, deve determinar-se que o tribunal de 1ª instância proceda à sua respectiva fundamentação, nos termos do disposto no artigo 662º, n.º 2, alínea d) do CPC.

E ainda sem prescindir,

Da Errada apreciação e valoração da prova documental – Violação do disposto nos artigos 667º, 615º e 640º do CPC.

 JJ. Feita a apreciação sobre toda a prova – documental, unicamente – a sua repercussão na aplicação do Direito, teremos, forçosamente, que concluir que houve erro na apreciação da prova, tal qual houve errada apreciação do Direito, quer sobre os responsáveis pelo seu pagamento, quer quanto ao valor máximo de Capital (plafond) da responsabilidade da Recorrente/Embargante.

KK. Quanto aos responsáveis, resulta da totalidade da prova existente nos autos não ter a Recorrente/Embargante assumido qualquer responsabilidade pelo seu pagamento, como se alcança aliás, do Doc. n.º 2 (Proposta de Contrato de Credito) e Doc. 3 (Extracto Bancário, enviado para o mail de ...), donde resulta que o contrato foi subscrito unicamente pelo Recorrente/Executado CC, e era para o mail pessoal deste (Cfr. Doc. 3 junto com o Requerimento Inicial) que a Reclamante Caixa Geral de Depósitos procedia ao envio do Extracto Bancário.

LL. Errou, pois, o Tribunal a quo quando no ponto 3 deu como provado o seguinte ” .. foi concedido aos executados com um limite de crédito de € 2.500,00 “ considerando que o contrato denominado “Caixa Gold” foi subscrito também pela Recorrente, ou que esta, conhecia sequer a sua existência.

MM. Para além de, como já se explanou supra, não possuir a Reclamante de Titulo relativamente à Recorrente, tudo como foi decidido no processo de embargos - Processo 172/20...., Apenso B – os quais correram termos no Tribunal Judicial ..., tendo este tribunal decidido por Sentença “ não gozar a exequente (CGD) de titulo executivo contra a executada AA, procedendo nesta parte, os embargos deduzidos”, tudo como melhor se alcança de cópia da sentença que se junta e dá aqui por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos. Por outro lado,

NN. Errou o Tribunal a quo quando deu como provada factualidade vertida no ponto 7º, dos factos provados, porque da totalidade da prova constante dos autos - e face ao valor máximo de capital de 2.500,00€ dado como assente no ponto 3º - não consta qualquer prova que sustente tal factualidade, bem pelo contrário, a própria reclamante no seu requerimento executivo apresentado em 26.06.2021, refere uma atribuição de uma linha de crédito até ao limite máximo (plafond) de capital de € 2.500,00.

OO. Posto isto, deve a factualidade provada sob o n.º 7 ser dada como não provada.

PP. E, dispõe o artigo 662º do CPC que o Tribunal Ad Quem pode e deve alterar a decisão em conformidade com supra exposto, considerado aquela factualidade como não provada.

Junta: Um documento (Sentença)

             Termos em que se deve dar provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença, tudo com as necessárias consequências legais.

            Não foram produzidas contra-alegações.

III – O Tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1. A reclamante é uma instituição de crédito que tem por objeto a realização de operações bancárias.

2. No âmbito da sua atividade creditícia a reclamante tornou-se dona e legítima possuidora de uma livrança subscrita pelo executado CC, emitida em 16.12.2014, com data de vencimento em 21.02.2020, no valor de € 4.302,80, na qual a executada AA apôs no verso a sua assinatura e declarou pelo seu punho dar o seu aval à firma subscritora.

 3. No âmbito da sua atividade creditícia a reclamante celebrou, por escrito particular de 13.06.2011, um contrato de utilização de cartão de crédito denominado “Caixa Gold”, ao qual foi atribuído o numero da conta cartão ...12, que foi concedido aos executados com um limite de crédito de € 2.500,00, a debitar na conta  ...26, aberta em nome dos executados, sediada na agência da reclamante sita em ....

4. Em virtude do incumprimento dos contratos referidos em 2) e 3), a reclamante propôs a ação executiva n.º 172/20...., que corre termos no Juízo de Competência Genérica ..., contra os executados, exigindo o pagamento da quantia certa no valor de € 9.751,16, no âmbito da qual foi realizada a penhora do prédio urbano composto por casa de altos e baixos, sito em Rua ..., ..., da freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...16 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...37, que se encontra registada pela AP. ...96 de 22.04.2021 (10h56).

 5. Em 22.06.2021 o Agente de Execução decidiu a sustação da execução quanto ao bem penhorado por já se encontrar uma penhora anterior, datada de 22.04.2021, realizada no âmbito do processo de execução melhor identificado em 4), por haver penhora anterior, emergente dos presentes autos, registada pela AP. ...55 de 2021/04/22 (10h14).

6. Em 24.06.2021 o crédito da reclamante em relação à livrança, melhor descrita em 2), corresponde ao capital no valor de € 4.302,80, acrescido de juros contados desde 21.02.2020 a 24.06.2021 no valor de € 230,58, e imposto de selo sobre os juros no valor de € 9,22, o que perfaz um montante total de € 4.542,61, e vencem-se juros à taxa de 4% até efetivo e integral pagamento.

7. Em 24.06.2021 o crédito da reclamante em relação ao contrato melhor descrito em 3) corresponde ao capital no valor de € 5.010,37, acrescido de juros contados desde 26.02.2018 até 24.06.2021 no valor de € 231,14, e comissões no valor de € 144,61, o que perfaz um montante total de € 5.386,12, que será agravada diariamente em encargo correspondente a juros calculados à taxa de 24,5%.

 8. Sobre os juros vincendos a cobrar e melhor descritos em 6) a 7) incidirá o Imposto de Selo à taxa em vigor.

9. A reclamante não integrou os executados no PERSI, não tendo iniciado o procedimento no que respeita os contratos melhor descritos em 2) e 3).

10. Em 22.06.2021 a reclamante foi notificada pelo Agente de Execução de que decidiu sustar a execução no âmbito do processo n.º 172/20...., que corre termos no Juízo de Competência Genérica ..., em virtude da existência do registo de uma penhora anterior, datada de 22.04.2021, sobre o imóvel, casa de altos e baixos sita na Rua ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial sob artigo ...16 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...37.

11. À credora reclamante foi reconhecido o seu crédito, no âmbito do apenso D, por sentença datada de 09.02.2022, transitada em julgado em 22.03.2022, no montante total de € 92.951,79, acrescido de juros contratualizados vincendos, contados desde 20.07.2021, até integral e efetivo pagamento, bem como o imposto de selo, e foram graduados, quanto ao prédio melhor descrito em 4., em primeiro lugar o crédito da Caixa Geral de Depósitos, S.A. a título do contrato atualmente registado com o número de operação ...585; em segundo lugar, o crédito da Caixa Geral de Depósitos, S.A. a título do contrato atualmente registado com o número de operação ...985; em terceiro lugar, o crédito da Caixa Geral de Depósitos, S.A. a título do contrato atualmente registado com o número de operação ...485; em quarto lugar o crédito exequendo.

IV – Do confronto das conclusões das alegações com a sentença recorrida, resultam como questões a decidir no presente recurso, correspondendo ao seu objecto, as seguintes:

- se os créditos reclamados não deveriam ter sido reconhecidos por se dever ter como procedente a excepção dilatória inominada por falta de cumprimento do PERSI;

- se, relativamente ao crédito reclamado concernente ao cartão de crédito, a reclamante não dispõe de titulo executivo no tocante à executada AA;

-se a matéria de facto constante dos pontos 7 e 3 se contradiz, devendo conduzir à  anulação da decisão proferida na 1ª instância ou que se determine que esse tribunal proceda à fundamentação desses pontos de facto, eliminando a referida contradição;

-se, em todo o caso, se verificou erro na apreciação da prova relativamente a esses pontos de facto, devendo ser eliminado o ponto 7.

Para apreciação/consideração das acima referidas questões é necessário que se tenha presente, como os apelantes/reclamados referem nas alegações de recurso, a  sentença produzida nos autos de embargos de executado no Proc 172/20....  (que foi a execução sustada ao abrigo do art 794º por haver penhora anterior, a emergente da execução apensa aos presentes autos de verificação e graduação de créditos a que corresponde o nº 171/20....).

Essa sentença foi junta com as alegações de recurso, sem que à luz do art 651º CPC os apelantes tivessem justificado a respectiva junção.

 Depreende-se facilmente, no entanto, que a respectiva junção «se tornou necessária» em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (cfr segunda parte do nº 1 do art 651º CPC) e, por isso, ainda que com dúvidas, admite-se tal junção.

Em vista da mesma, verifica-se que os embargos de executado em causa foram interpostos apenas pela executada AA, que neles invocou, entre o mais, desconhecer a existência do cartão de crédito, não tendo dado o seu consentimento na obtenção do mesmo pelo executado seu marido, tendo a mesma vindo a ser absolvida da instância, determinando-se, correspondentemente, a extinção da execução no que lhe respeita e no referente ao crédito adveniente desse cartão de crédito nº ...12.

 Dessa sentença constam como factos provados (8, 9 e 10), que o limite de crédito da conta cartão  nº ...12 foi acordado, em 3/6/201, pela quantia de 6.000,00 €  -facto 8; que, em 3/8/2018, o limite de crédito da conta cartão nº ...12 era de 2.500,00 €, tendo a embargada emitido um extracto da referida conta, comunicando ao embargante que «a conta de crédito foi cancelada com cobrança sujeita a contencioso  (…)  O seu limite de crédito foi excedido. Regularize a situação pagando o valor indicado» - facto 9;  que, a 3/8/2018, o embargante tinha para com a embargada um saldo em divida de € 5.473,05 – facto 10.

Verifica-se ainda dessa sentença que a aí embargante se defendeu com a excepção dilatória inominada relativa à inobservância do PERSI quanto ao crédito decorrente da livrança, excepção essa que foi julgada improcedente,  por se ter entendido  que o «mútuo foi concedido ao executado CC, agindo este como empresário em nome individual e o crédito destinava-se a apoiar a sua actividade comercial, sendo de concluir  forçosamente, por isso, que não estamos  perante  um contrato de crédito  previsto no art 2º/1 do DL 227/2012, na medida que o executado não é um cliente bancário para os efeitos do referido diploma (art 3º al a) do Dl 227/2012)» .

Os apelantes não referiram, e menos comprovaram, que a sentença a que se vem fazendo referência se mostra transitada em julgado. 

Cabe salientar ainda, que - aliás, como a reclamante na resposta à impugnação chamou a atenção - os reclamados naquela impugnação, em vez de se defenderem relativamente aos créditos objecto da reclamação – o decorrente da livrança e o adveniente do contrato de adesão ao cartão de crédito - fizeram-no tendo por referência o contrato de mútuo com fiança, no montante de 15.000,00€, base da execução apensa, a 171/20.....

E isto significa que nada disseram relativamente aos créditos objecto desta reclamação, pelo que, fazendo-o agora nas alegações deste recurso, pretendendo que  a matéria de facto constante dos pontos 7 e 3 se contradiz, e que, de todo o modo,  se verificou erro na apreciação da prova relativamente a esses pontos de facto, propondo-se o reclamado extrair dessas alegações a sua irresponsabilização relativamente ao crédito reclamado em função do contrato de cartão de crédito, está notoriamente a introduzir no recurso questão que não foi alvo da sua defesa nestes autos, e que, por isso, não sendo de conhecimento oficioso, não deve ser apreciada em recurso, pois, como é sabido os recursos servem para reapreciar questões apreciadas na instância recorrida, o que não é o caso.

Consequentemente, tem-se por irrelevante que os factos provados 7 e 3 se pareçam contradizer, pois que no ponto 3 diz-se ter sido concedido aos executados, através do contrato de utilização de cartão de crédito denominado Caixa Gold  um limite de crédito de € 2.500,00, e no ponto 7 dessa matéria de facto, que, em 24/6/2021, o crédito da reclamante em relação a esse contrato corresponde ao capital no valor de € 5.386,12, superior, pois,  ao referido limite de crédito.

A questão em causa não será assim apreciada nestes autos por se tratar de uma questão nova e de conhecimento inoficioso, como se referiu.

Mas, sempre se dirá que em função dos elementos que estes autos, por si só, contêm, se compreende que o limite de crédito concedido ao abrigo do referido contrato foi o de  € 6.000,00, como se vê da proposta de adesão a esse cartão de crédito, datada de 3/6/2011, junta com a reclamação de créditos, máxime na sua última página.             Acresce que em função dos acima referidos factos provados na sentença que conheceu dos embargos de executado melhor se compreende que esse limite de crédito máximo foi alterado em 3/8/2018 para o de € 2.500,00, sendo que o incumprimento no referente a esse crédito teve lugar antes dessa data, já que a livrança foi emitida em  16/12/2014.

Diferentemente desta (falsa) questão, a referente à extinção da execução relativamente à executada AA no que toca à conta cartão em referência decorrente da sentença proferida nos assinalados embargos de executado, ainda que se configure como nova porque igualmente não referida na defesa destes autos e não apreciada na sentença objecto de recurso,  desde que implica a consideração do  caso julgado, que é de conhecimento oficioso ( al i) do art 577 º e art 578º CPC), sempre deveria implicar por parte deste Tribunal, caso não se viesse a ter como prejudicada  no seu conhecimento, como adiante se verá que sucede, que se confirmasse o respectivo trânsito em julgado, visto que hoje se tem por assente, em função do nº 5 do art 732º CPC, que «a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda».

Bem como deverá ser apreciada neste recurso  a questão referente à, hoje assumida, excepção inominada decorrente da não  integração do devedor no PERSI e à ulterior extinção daquele procedimento com a comunicação ao mutuário dessa extinção - procedimentos estes que, devendo ser tidos como condições objectivas de procedibilidade da acção executiva, implicam, na prova da sua omissão pelo credor bancário, a  absolvição do mutuário da instância executiva[1], por constituírem, no seu conjunto, uma excepção de conhecimento oficioso, e, por isso, passível de ser invocada pelo mutuário em qualquer momento processual, «enquanto a instância não se mostre extinta ou enquanto não se formar caso julgado que já não o permita», como é referido, mencionando-se os arts 573º/2, 576º/1 e 2,  577º e 578º do CPC no Ac R G  de 21/1/2021 em que os aqui apelantes parecem basear o presente recurso[2].

Irreleva, portanto, em termos gerais, que os aqui apelantes, na impugnação da reclamação de créditos, tendo invocado esta excepção, a tivessem dirigido ao acima referido contrato de mútuo com fiança que está na base da execução apensa aos presentes autos.

 Desde que os elementos constantes dos autos potenciem o conhecimento desta excepção ela deverá ser neles conhecida.

Foi dado como provado -  facto 9 da matéria de facto - que a reclamante não integrou os executados no PERSI, não tendo iniciado o procedimento no que respeita os contratos melhor descritos em 2) e 3).

Na verdade, relativamente ao executado  CC, e consoante documento junto pela reclamante com a resposta à impugnação de créditos (cfr fls 28), a reclamante terá procedido à abertura do PERSI  em 14/4/2018, mas, nada tendo referido quanto à prossecução desse procedimento e à sua  extinção, aquela abertura só por si torna-se irrelevante [3] .

Na sentença recorrida, entendeu-se improcedente a excepção dilatória inominada a que se tem vindo a fazer referência (por falta de cumprimento do PERSI) «por manifesta falta de fundamento legal», dizendo-se que «a reclamação de créditos operada não tem a virtualidade a que alude o estabelecido na al b) do nº 1 do art 18º do DL 227/2012 de 25/10, na medida em que não se trata de intentar uma acção  (executiva/declarativa)  tendo em vista a satisfação de um crédito, mas sim de assegurar a garantia real sobre o bem que foi penhorado», argumentando-se, de seguida, que, «se o credor pode reclamar créditos que ainda não se mostrem vencidos, desde que a obrigação seja certa ou liquida, conforme dispõe o nº 7 do art 788º CPC, forçoso é reconhecer que não faz sentido impor ao credor reclamante o cumprimento do procedimento do PERSI, sob pena de precludir o seu direito tendo em consideração os prazos estabelecidos para o cumprimento daquele procedimento (fase inicial, fase de avaliação e proposta e fase de negociação)»..

Lembrando que a al b) do nº 1 do art 18º do DL 227/2012 estabelece que «no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de (…) intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito», afirma, de imediato, a sentença recorrida, que «os credores apresentam a sua reclamação de créditos, não tanto para fazerem valer os seus direitos de crédito e obterem pagamento, mas sim para fazerem valer os seus direitos reais de garantia sobre o bem penhorado (…) ».

Esta afirmação parece ser tributária do entendimento de Lebre de Freitas de que o caso julgado na sentença de verificação e graduação de créditos se forma «quanto à graduação, mas não quanto à verificação de créditos», por entender, este autor, que o objecto da acção de verificação e graduação de créditos «não é tanto a pretensão de reconhecimento do direito de crédito como a de reconhecimento do direito real que o garante»,  caindo o reconhecimento do crédito no «campo dos pressupostos da decisão».[4]  Por assim ser, e como o refere Rui Pinto, que se está a seguir neste particular[5], «o caso julgado cobriria o reconhecimento das garantias reais, mas já os créditos reclamados seriam reconhecidos apenas para fundar a existência daquele direito real» .

Outro é o entendimento de Rui Pinto, que entende que «se forma caso julgado quanto aos créditos, salvo no caso de citação edital» e «não se forma caso julgado material quanto as garantias, pois elas são fundamento da decisão».

Para Castro Mendes a sentença de verificação e graduação faz caso julgado material quando reconheça os créditos[6] , sendo de igual opinião, Teixeira de Sousa [7].

Esta questão  da incidência do caso julgado sobre a graduação de créditos ou sobre a verificação de créditos não parece ser isenta de consequências.

Na verdade, só menosprezando-se a verificação de créditos se poderá, salvo melhor opinião, entender irrelevante para esse efeito que o credor reclamante não tenha cumprido na execução que implicou a penhora de que se pretende fazer valer no incidente de verificação e graduação de créditos os procedimentos implicados no DL 227/2012.

Acresce, salvo o devido respeito, que a situação em apreço em nada se equipara à do credor que reclama crédito não vencido, pois no que a este crédito respeita sempre se há-de tratar de  obrigação (exigível), certa e liquida, consoante decorre da 2ª parte do  nº 7 do art 788º CPC, estando previsto relativamente a crédito graduado não vencido que a sentença de graduação determine que na conta final para pagamento se efectue o desconto correspondente ao beneficio da antecipação, como resulta do nº 3 do art 791º .    

A verdade é que, concorrendo o credor à reclamação e graduação de créditos em função de crédito garantido por penhora – como é o caso do crédito cujo reconhecimento está em causa – o mesmo, para ter obtido  essa penhora, terá que ter instaurado execução, sendo que, tendo-o feito depois da entrada em vigor do DL 227/2012  de 25/10 estava obrigado a ter dado cumprimento às já assinaladas exigências do PERSI, no caso, naturalmente, de estar em causa  crédito a que corresponda o incumprimento de  contrato de crédito abrangido pelo art 2º/1 do diploma referido.

Do nosso ponto de vista, se não devia ter interposto execução por não ter cumprido as exigências prévias decorrentes do PERSI, não poderá tirar partido da penhora que nessa execução obteve para efeito de reconhecimento e graduação do correspondente crédito.

Dir-se-á que o crédito reclamado referente ao valor decorrente da livrança subscrita pelo executado CC, emitida em 16/12/2014, com data de vencimento em 21/02/2020, e na qual a executada AA apôs no verso a sua assinatura e declarou pelo seu punho dar o seu aval à firma subscritora (facto 1 dos presentes autos), nada tem a ver nos presentes autos com o contrato que o justificou, porque a livrança só por si é titulo executivo.

Assim se deve entender, a menos que, como é o caso, o reclamado impugne a verificação do crédito com o fundamento no incumprimento do regime do PERSI

Mas, quando este o faça, tem que invocar e provar que a relação subjacente àquele titulo se traduziu num contrato de crédito enquadrável nos contratos mencionados no  art 2º /1 do DL 227/2012 de 25/10, pois que o conhecimento oficioso de uma excepção não prescinde da presença nos autos dos factos de que depende.

O que os aqui impugnantes e apelantes não fizeram no seu articulado de impugnação, em que, inclusivamente, e como já se referiu, se direccionaram para o contrato de mútuo  com fiança em vez do contrato subjacente à livrança.

Entende-se assim, embora por razões não coincidentes com as aduzidas na sentença recorrida, que improcede a excepção dilatória inominada por falta de cumprimento do PERSI no que respeita ao crédito titulado pela livrança.

Já no que respeita ao crédito reclamado que concerne ao contrato de utilização de cartão de crédito denominado “Caixa Gold”, porque este contrato se enquadra, sem rebuço, nos referidos na al e) do art 2º /1 do Dl 227/2012 de 25/10 - «contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês» - se tem de entender como procedente a excepção dilatória em referência relativamente aos dois executados,  deixando assim de relevar saber se a sentença proferida nos embargos de executado intentados pela executada AA e em função da qual foi determinada a extinção da execução movida contra a mesma no que toca à referida conta cartão, transitou ou não.

            Deste modo, mantém-se  a sentença recorrida relativamente ao reconhecimento do crédito reclamado pela CGD no montante de 4.542,61, acrescido de juros  contratualizados  vincendos a partir de 24/6/2021, exclusive, até integral pagamento, bem como o imposto de selo, e revoga-se a mesma quanto ao reconhecimento do crédito reclamado pela CGD  no montante de € 5.386,12, acrescido de juros diários calculados à taxa de 24,50 % , e, em consequência, o crédito graduado em quinto lugar  - o reconhecido no âmbito dos presentes autos –, corresponde apenas ao acima referido de € 4.542,61  acrescido de juros  contratualizados  vincendos a partir de 24/6/2021, exclusive, até integral pagamento, bem como o imposto de selo.

            V - Pelo exposto, acorda o presente Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença de reconhecimento de créditos no tocante ao  crédito reclamado pela CGD  no montante de 5.386,12, acrescido de juros diários calculados à taxa de 24,50 %, e a graduação desse crédito em 5º lugar, reconhecendo-se apenas o crédito reclamado no montante de  € 4.542,61  acrescido de juros contratualizados vincendos a partir de 24/6/2021, exclusive, até integral e efectivo pagamento, bem como o imposto de selo, apenas este crédito ficando graduado em 5º lugar, mantendo-se a demais graduação de créditos constante da sentença recorrida.

            Custas da apelação pelos apelantes e pela apelada na proporção dos respectivos vencimentos.

                                               Coimbra, 7 de Fevereiro de 2023

                                            (Maria Teresa Albuquerque)

                                   (Falcão de Magalhães)

                                               (Pires Robalo)

(…)



               [1] - Nesse sentido existe múltipla jurisprudência, que nos abstemos de enunciar, visto que decorre já  largamente das alegações de recurso
               [2] - Relatora, Ligia Venade

[3] - Se a instituição de crédito pretender recorrer à execução coerciva do crédito, só o pode fazer se encerrar o processo devidamente –artºs. 17º, nºs. 3 e 4, e 18º, nº. 1, b), do diploma» , cfr, entre outros, Ac RP 26/4/2021 (Carlos Gil)


               [4] -  Lebre de Freitas, “A ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7ª ed,  pags. 166 e 374/375
               [5] - «Manual da Execução e Despejo», Agosto de 2013, p 886/887
               [6] - «Direito Processual Civil, Vol III , p 41
               [7] - «A Acção Executiva Singular», p 30