Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1245/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL
DISTRIBUIÇÃO
TURNOS DE DISTRIBUIÇÃO
Data do Acordão: 11/24/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 32º, N.º 9, DA CRP, 72º E 73º, DA LOFTJ, 209º, DO CPC E 10º E SS. E 119º, ALÍNEA E), DO CPP.
Sumário: I - Constitui direito fundamental dos cidadãos sendo uma das garan-tias de processo penal consagradas na Constituição da República - o direito a que o pro-cesso seja julgado por um tribunal definido como competente por lei anterior, sem pos-sibilidade de afastamento do respectivo juiz princípio do juiz natural;
II - Havendo mais que um juízo no tribunal competente para a causa ou processo este é obrigatoriamente distribuído, tendo em conta o número de juízos existentes, sendo pois pela distribuição que se designa o juiz competente para a causa;
III - Em processo penal a falta de distribuição constitui nulidade insa-nável, uma vez que contende com as regras da competência do tribunal, isto é, posterga o modo de determinação do juiz competente.

IV - Os turnos de distribuição, tendo em vista o serviço urgente durante as férias judiciais, sábados, domingos e feriados consecutivos ou que recaem à segunda-feira, apenas são admissíveis para assegurar aquele mesmo serviço e nos preci-sos termos em que a lei os prevê;
V. Assim, não é legalmente admissível a utilização dos turnos de dis-tribuição para outras situações.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

O recorrente, A..., não se conformando com o despacho de fls 465 e 466 e o despacho proferido no dia 10/2/2004 que indeferiu a nulidade requerida pelo recorrente vem, agora, com o presente recurso sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:

1. O Tribunal Judicial da Covilhã é um Tribunal de competência genérica de 1ª instancia e de comarca, nos termos do 77° e 62° da Lei 3/99 de 13 de Janeiro.
2. O Tribunal Judicial da Covilhã tem três juízos estando colocado em cada um dos juizes um juízo;
3. Nos termos do n° 1 do art°. 72° da Lei 3/99 de 13 de Janeiro, nos Tribunais com mais de um juízo há um juiz de turno, que preside à distribuição e decide as questões com elas relacionadas;
4. Em 10 de Novembro de 1994, antes da entrada em vigor da Lei 3/99 de 13 de Janeiro, foi proferido e lavrado provimento pelos Senhores Juizes, pelo qual foi decidido que “a intervenção de cada juiz em processo de inquérito pendentes será em função do respectivo Delegado do Procurador da República com quem trabalha”;
5. O recorrente foi detido a 4 de Novembro de 2003 e no dia 5 de Novembro desse mesmo ano foi ouvido pelo Senhor Juiz do 1° Juízo do Tribunal Judicia da Covilhã;
6. O facto de o arguido ter sido ouvido em primeiro interrogatório pelo Senhor Juiz do 1° Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, não foi devido a um processo aleatório de distribuição mas sim "por um procedimento há décadas instalado no Tribunal Judicial da Covilhã".
(sic. Despacho da Meritíssima Juiz no dia 3/2/04 a fls );
7. Esse procedimento faz estar de turno por uma semana, conforme escala rotativa os juizes do Tribunal Judicial da Covilhã, conforme se pode ver do referido despacho e da certidão que atrás se juntou;
8. Por este procedimento a Procuradoria sabia, previamente, quem é que era o Senhor Juiz que ia proceder ao primeiro interrogatório do arguido, inexistindo assim a aleatoriedade que a lei impõe ao exigir a distribuição;
9. Por outro lado, o processo foi retirado ao 1 ° Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, para ser entregue ao 2° Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã porque o Senhor Procurador Adjunto incumbido do processo está afecto a este juízo;
10. Ou seja, a Procuradoria sabia que ao entregar o processo em causa ao Sr procurador Adjunto que trabalha com o 2° Juízo o processo ía ser “distribuído” a este juízo.
11. Assim, também e aqui, para além do facto de ter havido a mudança de juízo por o Procurador trabalhar com outro juízo que não o 1 °, há a possibilidade da escolha do juiz que vai decidir no inquérito;
12.A Constituição da República Portuguesa consigna no n° 9 do seu art. 32° o principio do juiz natural e/ou legal;
13. A Constituição da República Portuguesa consigna no n° 1 do mesmo art°:32° que o processo criminal assegura todas as garantis de defesa;
14. O princípio de que não se pode escolher um juiz para julgar uma determinada causa ou retira a juiz essa mesma causa é um princípio básico da defesa e das garantias fundamentais com consignação constitucionais desde logo, nos mencionados n° 1 e 9 do art. 32° da CRP;
15. Quando o arguido é ouvido em 1° interrogatório por um juiz a quem o processo não é distribuído, através de um processo aleatório, mas sim afecto a ele, por um sistema rotativo, que permite previamente saber quem é o juiz que vai cumprir a diligência viola os direitos de defesa, o principio do Juiz natura1 e/ou legal;
16. Quando o processo, depois do 1 ° interrogatório muda de juízo, passando do 1° para o 2°, não porque a este tenha sido distribuído mas porque o juízo é escolhido atento o facto do Sr. Procurador Adjunto incumbido do inquérito trabalhar com o 2° juízo, violam-se os direitos de defesa e o princípio do juiz natural e/ou legal.
17. A prática instituída “desde há décadas” no Tribunal Judicial da Covilhã pelos Srs Juizes que aqui prestam serviço de não haver distribuição de processo para 1º Interrogatório quando tais diligências ocorrem fora das férias judiciais e sem ser sábado ou feriado que não calhe a domingo -o dia 5 de Novembro de 2003 não é período de férias judiciais, nem é feriado e é uma quarta-feira -viola o art. 72° e 73 da Lei 3/99 de 13 de Janeiro de 1999, bem como o n° 1 e n° 9 do art. 32° da Constituição da República Portuguesa;
18. A prática instituída pelo Provimento de 10 de Novembro de 1994 foi revogada pela Lei 3/99 de 13/01 por violar os art. 72° e 73° desta mesma Lei, bem como viola o n° 1 e 9 do art. 32° da Constituição da República Portuguesa;
Assim, sendo como é, devem ser revogados os despachos ora em apreço, sendo reconhecida a nulidade dos actos de 5 de Novembro de 2003 e de 27 de Janeiro de 2004, bem como todos os actos jurisdicionais feitos em tal processo. sem que o mesmo fosse distribuído;
Como é de Inteira JUSTIÇA!

O recurso foi admitido para subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta, pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

São estes os despachos em recurso:
Despacho proferido no dia 3 de Fevereiro de 2004.
"O arguido, A..., veio a fls 456 a 462 requerer a nulidade da diligência de busca ordenada em 16 de Janeiro de 2004 e o interrogatório realizado no dia 27 desse mesmo mês e ano, ordenando-se a imediata libertação do arguido.
Para o efeito alega, em síntese, que ao retirar-se, subtraindo o processo do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã para que as diligências do dia 27 de Janeiro/2004, fossem feitas pelo 2º Juízo daquele Tribunal foi violado o art. 72º da Lei 3/99.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de que não assiste razão ao arguido (cfr fls –464).
Apreciando
O arguido insurge-se pelo facto de ter sido o Juiz do 2º Juízo a realizar o interrogatório do dia 27 de Janeiro de 2004 por, no seu entender, dever ter sido o Juiz do 1º Juízo a presidir a tal diligência pois que foi este juiz quem realizou o interrogatório do arguido em 5 de Novembro de 2003.
Ora, afigura-se-nos que não assiste qualquer razão ao arguido pelas razões que passamos a anunciar.
Compulsado o livro de "provimentos" deste Tribunal temos que por provimento lavrado em 10 de Novembro de 1994 foi consignado o seguinte:
" a intervenção de cada Juiz em processo de inquérito pendentes cessa em função do respectivo delegado do Procurador da Republica com quem trabalha"
Tal provimento foi dado a conhecer ao Conselho Superior de Magistratura, aliás como do mesmo consta.
E tem lógica tal provimento, para uma questão de melhor organização dos serviços e das pessoas.
Ora, considerando que o Exo Procurador a quem foi distribuído o presente inquérito está afecto ao 2º Juízo, é o Juiz deste Juízo que terá intervenção neste inquérito. Aliás tal como sucedeu no interrogatório realizado no dia 27 de Janeiro de 2004.
Por todas estas razões não há qualquer nulidade ou irregularidade na intervenção do Juiz do 2º Juízo nesse interrogatório realizado no dia 27 de Janeiro de 2004.
Relativamente a intervenção do Juiz do 1º Juízo no interrogatório realizado no dia 5 de Novembro de 2003, importa esclarecer que por uma questão de melhor organização de serviços, do julgamentos e diligências agendadas e da intervenção de dois dos juizes desta Comarca nos Julgamentos colectivos, os três Juizes desta Comarca, e aliás de todos os Juizes que por aqui passaram, acordaram, em estabelecer rotatividade no serviço urgente, ou seja, e melhor esclarecendo os julgamentos e processos sumários e primeiros interrogatórios de arguidos detidos serão assegurados de forma rotativa, à semana, pelos juizes que compõem esta comarca.
Tal procedimento há décadas que foi instalado neste Tribunal e em praticamente todos os Tribunais de competência genérica com mais de um Juiz.
Ora, no dia 5 de Novembro de 2003 era o Exmo Senhor Juiz do 1º Juízo quem estava a assegurar tal serviço urgente.
Face a todo o exposto, e porque se nos parece bastante esclarecedor de toda a dinâmica deste Tribunal, indefiro ao requerido, entendendo-se não haver nulidade ou irregularidade no interrogatório presidido pelo Juiz do 2º Juízo e da diligência de busca..

Notifique-se as partes”

Despacho proferido em 10 de Fevereiro de 2004
“Fls 117 a 126: não assiste qualquer razão ao arguido já que houve distribuição na secção Central deste Tribunal, relativamente ao interrogatório daquele.
Aliás, como facilmente se pode constatar em livro próprio existente na mesma secção.
Face ao exposto e sem necessidade de maiores considerações indefere-se à requerida nulidade”.

No dia 05/11/2003, procedeu-se a primeiro interrogatório judicial do arguido A.... Findo o mesmo, considerou o Mmo Juiz de Instrução indiciarem fortemente os autos a prática, por aquele mesmo arguido, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artº 170 n° 1 do C. Penal.
Findo o interrogatório, ao arguido foram impostas as seguintes medidas de coacção: TIR, obrigação de apresentação quinzenal perante as autoridades policiais da área da sua residência e proibição de se ausentar para o estrangeiro, nos termos do disposto nos arts 196, 198, 200 n° 1, alínea b) e 204, alíneas a) e c) do C. Processo Penal.
Posteriormente, no dia 27/01/2004, foi o mesmo arguido submetido a novo interrogatório judicial de arguido detido, tendo-se entendido indiciarem os autos a prática, por aquele, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art 170 n° 1 do C. Penal, um crime de auxílio á imigração ilegal e um crime de angariação de mão-de-obra ilegal, p. e p. pelos arts 134-A, nºs 1 e 2 e 136-A, nos 1 e 2 do DL n°234/98 de 08/08, na redacção dada pelos DL nºs 04/01 de 10/01 e 34/03 de 25/02, bem assim um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. pelo art. 6° n° 1 da Lei n° 22/97 de 27/06, com as alterações introduzidas pela Lei n° 98/01 de 25/08.
Entendendo ser a única medida adequada e proporcional ao caso sub-judice, determinou a Mma Juiz de Instrução que o arguido A... aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito á medida de coacção de prisão preventiva, nos termos do disposto nos arts 193, 194, 202, n° 1, alínea a) e 204, alíneas b) e c) do C. Processo Penal.
No dia 02/02/2004, o referido arguido requereu a nulidade da busca ordenada em 16/01/2004, bem assim o interrogatório realizado ao mesmo arguido, no dia 27/01/2004.
Alegou, em resumo, o arguido, as seguintes razões:
-Na sequência de mandado de detenção do Ministério Público, o ora arguido foi sujeito a primeiro interrogatório judicial, nos presentes autos, no dia 05/11/2003.
-Nesta data, foi o arguido interrogado pelo Mmo Juiz do 1° Juízo, do Tribunal Judicial da Covilhã.
-Em 16/01/2004, pelo Ministério Público foram emitidos novos mandados de detenção do arguido, bem assim promovida a passagem de mandados de busca a quatro locais.
-O inquérito não foi presente ao Juiz do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, a quem tinha sido distribuído para a realização do 1º interrogatório judicial, mas sim á Juiz do 2º Juízo do mesmo Tribunal.
-Autorizou, a Mma Juiz do 2º Juízo, do Tribunal Judicial da Covilhã, a realização das referidas buscas, tendo ela procedido, também, á realização do 2º interrogatório judicial do arguido, levado a cabo no dia 27/01/2004.
-Ora, tal constitui uma nulidade insuprível, nos termos do disposto no art 119 alínea a) do CPP, já que para a prática de tais actos era competente o Juiz do 1º Juízo, deste Tribunal e não a Mma Juiz do 2º Juízo, face ao preceituado nos arts 72 n° 1, 73 e 77 n° 1, alínea b) da Lei n° 03/99 de 13/01 e art 32 n° 9 da Constituição da República Portuguesa (preceito legal este que consagra o princípio do Juiz legal ou natural).
Sobre tal requerimento, recaiu despacho, proferido pela Mma Juiz do 2º Juízo, deste Tribunal, nele se referindo:
-Não assistir razão ao arguido, por haverem sido respeitados os provimentos emitidos pelos Magistrados Judiciais deste Tribunal, constantes do respectivo Livro de Provimentos, dos quais foi dado conhecimento ao Conselho Superior de Magistratura.
-Com efeito, de acordo com provimento lavrado no dia 10/11/1994, "a intervenção de cada Juiz em processos de inquérito pendentes será em função do respectivo Delegado do Procurador da República com quem trabalha".
-Considerando que o Procurador Adjunto a quem foi distribuído o presente inquérito está afecto ao 2º Juízo, deste Tribunal, é o Juiz deste Juízo que terá intervenção neste inquérito, tal como sucedeu relativamente á autorização das aludidas buscas e ao 2° interrogatório do arguido.
O Juiz do l° Juízo apenas presidiu ao l° interrogatório judicial do arguido, no dia 05/11/2003, por ser ele o Juiz que se encontrava de serviço, como Juiz de Instrução, naquela data; serviço este que é efectuado rotativamente, á semana, pelos três Juizes existentes neste Tribunal Judicial da Covilhã. O 2° interrogatório do arguido foi efectuado pela Juiz do 2° Juízo, por ser esta que se encontrava de serviço, como Juiz de Instrução, naquela mesma data, segundo o aludido critério.
Relativamente a tal despacho judicial, o arguido apresentou novo requerimento, no qual alegou o seguinte:
O processo ora em causa não foi distribuído como exige o n° 1 do artº 72 da Lei n° 03/99, violando o aludido provimento tal diploma legal.
-O referido provimento permite que a Procuradoria escolha o Juiz que quer ver a julgar um determinado caso, bastando para isso que o processo seja entregue ao Procurador Adjunto A, B ou C, conforme queira que nele intervenha o Senhor Juiz do l°, 2° ou 3° Juízo.
-O sistema de rotatividade semanal, relativamente ao serviço urgente do JIC, permite uma gestão das detenções, de molde a que o interrogatório seja feito pelo Juiz que o Procurador Adjunto que tem o processo queira escolher.
-O aludido provimento e sistema de rotatividade semanal do serviço de JIC violam o princípio do Juiz natural e a Lei nº 03/99, verificando-se a nulidade prevista na alínea a) do art 119 do CPP.
Sobre tal requerimento, recaiu despacho, proferido pela Mma Juiz do 2° Juízo, deste Tribunal, nele se referindo não assistir razão ao arguido, já que houve distribuição na secção central, deste Tribunal, relativamente aos interrogatórios do arguido, como se pode constatar em livro próprio existente na mesma secção.
Destes dois últimos despachos judiciais interpôs recurso, o arguido, alegando, em síntese, o seguinte:
-Remete-se para o teor dos aludidos requerimentos a fundamentação de facto e de direito do presente recurso.
-Os referidos despachos judiciais violaram o princípio do Juiz natural, consignado no art 32 n° 9 da CRP, bem assim o disposto nos arts 72 nos 1 e 2 e 73 da Lei 03/99 de 13/01.
-Assim sendo, devem ser revogados os doutos despachos judiciais em apreço, decretando-se a nulidade dos actos de 05/11/2003 e de 27/01/2004, bem como todos os actos jurisdicionais feitos em tal processo.

Dispõe o nº1 do art 72 da Lei nº 3/99 de 13/1:
Nos tribunais com mais de um juízo há um juiz de turno, que preside à distribuição e decide as questões com ela relacionadas”.
E º nº 1 do art 73 estatui:
“Nos tribunais judiciais de 1ª instância organizam-se turnos para assegurar o serviço urgente durante as férias judiciais”.
E o nº 2:
“São ainda organizados turnos, fora do período referido no número anterior, para assegurar o serviço urgente previsto no Código de Processo Penal e na Organização Tutelar de menores que deva ser executado aos sábados e feriados que não recaiam ao domingo”.
Portanto de acordo com estas normas só é possível a organização de turnos para efeitos de distribuição, ou seja, para presidir à distribuição e decidir questões que se levantem no âmbito da distribuição.
Organizam-se, ainda, turnos para assegurar o serviço urgente durante as férias judiciais e para assegurar o serviço urgente previsto no CPP e na OTM que deva ser executado aos sábados e feriados.
Fora destas situações a lei não prevê a organização de quaisquer turnos.
No caso vertente, os autos são distribuídos de acordo com um sistema de rotatividade de juizes. Ora tal é contrário à lei e o provimento no qual se escuda o Sr juiz, também não tem qualquer apoio legal.
Os provimentos são permitidos desde que proferidos conforme a lei.
O facto de um processo ser “distribuído” em função do Sr Procurador a que o processo “pertence” é negar a própria essência da distribuição que se destina a sortear o juiz que vai ter jurisdição sobre ele, de forma aleatória, para assim se não poder suspeitar da sua imparcialidade.
Repare-se que a aplicação do principio da igualdade de armas levaria a que os processos pudessem também ser afectos a determinado juiz em função do advogado que neles tem intervenção.
A distribuição faz-se de harmonia com as regras estabelecidas nos artigos 209 e seguintes do Código de Processo Civil.
Tais normas não foram aplicadas.
Ou seja, o processo não foi ainda distribuído. Não tendo o processo sido distribuído não pode falar-se em violação do principio do juiz natural estabelecido constitucionalmente. O que sucede é que esse juiz ainda não foi encontrado, impondo-se que o seja de imediato.
Apesar de o artigo 210, nº 1, do CPCivil, estabelecer que a falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum acto do processo, o CPPenal, dada até a matéria em jogo, é muito mais exigente.
Na verdade, dispõe o art 119, a) deste último diploma, que constitui nulidade insanável a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição do Tribunal.
Ou seja, o processo enferma, ab initio, de nulidade insanável por ainda não ter sido encontrado o juiz com jurisdição sobre ele com observância das normas legais aplicáveis e que são as que regulam a distribuição.

Nestes termos, na procedência do recurso anulo os actos de 5 de Novembro de 2003 e 27 de Janeiro de 2004, bem como, todos os actos jurisdicionais feitos no processo sem que o mesmo tenha sido distribuído, remetendo-se à 1ª instância com o dever de tirar as ilações necessárias desta anulação, até porque se ignora o estado em que o processo se encontra e a relevância dos actos praticados no desenvolvimento da lide.

Sem custas.

Coimbra, 17 de Novembro de 2004