Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1582/04.3TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: PROVA POR RECONHECIMENTO DE PESSOAS
Data do Acordão: 05/06/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 147º DO CPP
Sumário: 1- Só com a revisão da lei processual penal operada com a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o «reconhecimento por fotografia, filme ou gravação» passou a constituir um tipo de reconhecimento (a par dos reconhecimentos por descrição, presencial e com resguardo – n.ºs 1, 2 e 3 do art. 147º), o qual só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento presencial, como dispõe o n.º 5 do referido preceito.
2- Quando no n.º 5 do art.º 147º do CPP se alude a “investigação criminal”, não se está a referir a uma fase processual, devendo ser interpretada como uma actividade material de descoberta da verdade, onde o objectivo é procurar o responsável pelo crime.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


I - RELATÓRIO

A... veio interpor recurso da decisão que o condenou pela prática, em co-autoria, de dois crimes de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 1, ambos do Código Penal, nas penas parcelares de 2 anos de prisão (no crime em que é ofendido B...) e 2 anos e 4 meses de prisão (no crime em que é ofendido N...). Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 3 anos de prisão.

Na procedência parcial do pedido de indemnização civil deduzido por B... foi o arguido/demandado condenado a pagar-lhe a quantia de € 11.979,56 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora.

Foi ainda o arguido absolvido da prática, em co-autoria, de três crimes de burla qualificada, por que vinha acusado, em relação aos ofendidos F..., S... e P....
E, mais foi absolvido do pedido de indemnização civil que contra si havia sido formulado por P....
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São do seguinte teor as conclusões da motivação que apresentou:
1- Cingindo-se este recurso aos crimes de que foram ofendidos apenas duas pessoas - B... e N… - importa verificar, através das actas de audiência - que a única prova testemunhal produzida no que ao recorrente se refere, reside nos próprios ofendidos.
2- Na verdade, mais ninguém presenciou os factos criminosos, a não ser os próprios ofendidos.
3- As testemunhas restantes, ou foram arroladas pelos demandantes civis e não presenciaram os factos ou são inspectores da PJ., que também nada viram dos factos e se limitaram à instrução do inquérito.
4- O ofendido B..., inquirido a fls. 90, reconheceu a fotografia (que a P.J. lhe apresentou) do recorrente como sendo um dos indivíduos que o burlou.
5- Todavia, o mesmo ofendido B..., em diligência de reconhecimento presencial pessoal (auto de fls. 119), não reconheceu o recorrente.
6- Aplicando-se o n.º 5 do art. 147º do C.P.P. não é possível, em boa fé, senão concluir-se que estes reconhecimentos, em inquérito, NÃO PODEM SERVIR COMO MEIO DE PROVA.
7- Quanto ao ofendido N..., também aconteceu o mesmo, ou seja, inquirido a fls. 384, reconheceu a fotografia do recorrente como sendo a de um dos indivíduos que o burlaram.
8- Todavia, em auto de reconhecimento pessoal presencial, o mesmo ofendido não reconheceu o recorrente (auto de fls. 390 e 391).
9- Voltando a aplicar-se o n.º 5 do art. 147°, do C.P.P., não é possível, em boa fé, concluir-se que estes reconhecimentos em inquérito NÃO PODEM SERVIR COMO MEIO DE PROVA.
10- Da restante prova recolhida em inquérito nada mais foi elencado que permita identificar o recorrente como autor de qualquer dos crimes imputados, nomeadamente prova documental ou científica (não foram colhidas impressões digitais ou de ADN).
11- O recorrente foi julgado na sua ausência.
12- Em audiência de julgamento, foram inquiridos os 5 ofendidos.
Chamados a visualizar as fotografias do recorrente (fls. 1510 a 1514)) DOIS dos ofendidos reconheceram-nos como o de um dos indivíduos participantes nos crimes respectivos e três não o fizeram.
Assim sendo, o douto tribunal recorrido decidiu condenar o recorrente pelos DOIS crimes respeitantes àqueles DOIS ofendidos que o reconheceram através das aludidas fotografias, ao mesmo tempo que absolve dos três crimes cujos ofendidos não o fizeram.
13- Todo este mecanismo de raciocínio aparece bem espelhado no ponto III - Motivação, do Acórdão recorrido, podendo sem hesitações concluir-se que os reconhecimentos fotográficos em audiência foram determinantes para as decisões condenatórias e absolutórias.
14- Tratando-se de reconhecimento por fotografia que não foi seguido de reconhecimento pessoal efectuado nos termos do n.º 2 do art. 147º, NÃO PODEM VALER COMO MEIO DE PROVA – n.º 5 do mesmo artigo.
Mesmo o reconhecimento por fotografia em audiência não foi efectuado segundo as exigências do mencionado n.º 2 do art. 147° do C.P.P..
Isto é, o ofendido é chamado a reconhecer somente as fotografias do recorrente.
Na verdade, nem sequer se teve o cuidado elementar de colocar várias fotografias (do recorrente e as outras pessoas que apresentem as maiores semelhanças pessoais com o recorrente).
Só por isto, e pelas regras da experiência comum (bastando o bom senso). NÃO VALEM TAIS RECONHECIMENTOS COMO MEIO DE PROVA.
15- Este reconhecimento fotográfico em audiência resultou positivo passados que foram 6 (seis) anos sobre os factos.
Tudo isto, quando menos de um anos depois dos factos, os mesmos ofendidos - colocados perante a pessoa do recorrente ao lado de outras pessoas, em inquérito (outros de fls. 119 e 390), os ofendidos não o reconheceram.
16- Alegaram os inspectores da P.J. como desculpa de mau pagador, que, entre os factos que foram vítimas e a realização desses autos de reconhecimento pessoal em inquérito, o recorrente alterou a sua fisionomia.
Tal argumento foi recolhido pelo tribunal colectivo.
Perguntará a Defesa se, no Estabelecimento Prisional de Torres Novas onde o recorrente se encontrava ao tempo das aludidas fotografias e reconhecimentos pessoais, existem cirurgiões estéticos capazes de alterar significativamente a fisionomia dos detidos.
17- Como se tudo isto já não bastasse será altamente "instrutivo" proceder à audição da inquirição em audiência dos ofendidos.
18- Quanto à inquirição do ofendido B... pode concluir-se: de um parece acaba-se pela certeza. Não obstante, o recorrente nunca teve cicatrizes na cara (as próprias fotografias de fls. 1511 e segs o demonstram), sempre teve "entradas" frontais pronunciadas (como as referidas fotografias demonstram) não é nem nunca foi moreno (o recorrente não tem as possibilidades de Michael Jackson)
19- Quanto à inquirição do ofendido N..., pode concluir-se que: de uma parece e depois de muita instância do MºPº, acaba-se pela certeza. Este ofendido não viu cicatrizes na cara, ou sinal o burlão tinha barba de 2 ou 3 dias, tinha cabelo ondulado farto e preto, e não tinha entradas, o rosto era redondo. Não fez reconhecimento por fotografia prévia ao reconhecimento pessoal; Compare-se agora com as próprias fotografias do recorrente exibidas a este ofendido e tirem-se as consequências.
20- De qualquer forma a condenação na pena efectiva de três anos de prisão não atende ao decurso do tempo (6 anos após os factos), ao bom comportamento anterior (a condenação em Abrantes surgiu em datas muito próximas dos factos destes autos) e o bom comportamento posterior.
Tal como se não teve em conta a doença incapacitante que afecta o recorrente e que foi demonstrado documentalmente.
Ainda assim, sempre a execução de qualquer pena de prisão deverá ser suspensa na sua execução já que o recorrente após a suspensão da pena no Tribunal de Abrantes não mais praticou qualquer ilícito, assim se provando a suficiência de ameaça da pena para responder às exigências de prevenção geral e especial.

O recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto e os pontos que considera incorrectamente julgados são os seguintes:
O tribunal recorrido bastou-se pelo reconhecimento fotográfico do recorrente efectuado pelos dois ofendidos, sem qualquer outra prova complementar, sem confirmar tal reconhecimento fotográfico através de um reconhecimento pessoal.
O tribunal não teve sequer em conta a descrição física do burlão efectuado pelos ofendidos por confronto até com as próprias fotografias exibidas de fls. 1510 a 1514.
A prova que deve ser renovada consiste nas inquirições dos dois ofendidos (aliás, de resto nada mais foi oferecido pela Acusação como resulta bem claro da motivação - ponto III do Acórdão recorrido).
As passagens a que alude o n.º 4 do art. 4120 do C.P.P. já se acham transcritas atrás, com referência aos respectivos suportes técnicos.
Violaram-se os artigos:
-147° n.º 5 do C.P.P. - porque foram valorados reconhecimentos fotográficos positivos (só no caso do primeiro ofendido, já que no caso do segundo nem isso ocorreu) seguidos de reconhecimentos pessoais negativos efectuados em inquérito.
147º n.º 7 e n.º 2 do CPP - porque se procedeu a reconhecimento fotográfico em audiência (que não foi seguido de reconhecimento pessoal) e, mesmo assim sem se terem exibido fotografias de outras pessoas de apresentação semelhante, juntamente com as do recorrente.
Nestes termos, deve o presente recurso obter provimento, anulando-se o Acórdão recorrido por ter feito uso de métodos proibidos de prova e absolvendo-se o recorrente dos restantes dois crimes, por que foi acusado e condenado em primeira instância.
De qualquer forma e por mera cautela a pena de prisão deverá ser sempre suspensa na sua execução.
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Respondeu o MºPº junto do Tribunal a quo defendendo a improcedência do recurso.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.
Os autos tiveram os vistos legais.
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II- FUNDAMENTAÇÃO

Do acórdão recorrido consta o seguinte (por transcrição):
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
Um indivíduo não identificado e o arguido, na execução de um plano que previamente haviam delineado, com o propósito comum de, em conjugação de esforços, vigarizarem cidadãos incautos e de os espoliarem do dinheiro que pudessem, dirigiram-se a Viseu, em 11.12.2001 (terça-feira), dia do mercado semanal desta cidade.
Assim, na manhã desse dia, nas imediações da Casa de Saúde S. Mateus, em Viseu, o indivíduo não identificado, em conformidade com o que havia combinado com o arguido, abeirou-se do assistente B... (agricultor, nascido a 16.01.1929) e perguntou-lhe se o mesmo conhecia um tal Dr. Vasconcelos, médico, ao que o assistente B... respondeu negativamente.
Entretanto, de acordo com o plano previamente delineado, surge naquele local o arguido, a quem o aludido indivíduo, fingindo não o conhecer, pergunta também se conhece o referido médico.
O arguido, seguindo o plano traçado por ele e pelo indivíduo não identificado, responde a este – depois de se apresentar como “Chefe das Finanças de Viseu” – que aquele médico já havia falecido.
Acto contínuo, o indivíduo não identificado contou ao arguido e ao assistente B... que tinha um irmão muito rico que tinha morrido, o qual deixou muito dinheiro para dar, podendo fazê-lo ao assistente, caso este se dispusesse a entregar determinada quantia.
Confiando que aquele lhe pudesse oferecer quantia superior, o assistente dirigiu-se então, sozinho, à dependência do Crédito Predial Português, sita na Rua Formosa, em Viseu, onde levantou a quantia de 1.700.000$00 (8 479,56 €).
De seguida, regressou junto do indivíduo não identificado e do arguido, após o que entregou a quantia que trazia ao dito indivíduo.
Acto contínuo, o indivíduo não identificado pegou numa bolsa de pano vermelha e entregou-a ao assistente B..., metendo-lha debaixo do braço, ao mesmo tempo que lhe dizia para guardar a totalidade do dinheiro e esperar alguns minutos por eles, enquanto iam a uma igreja rezar uma oração.
O assistente B... concordou por acreditar que tinha em seu poder na bolsa de pano vermelha todo o dinheiro (o dele e o que aquele lhe prometera) mas esta apenas continha guardanapos simulando maços de notas.
De seguida, o referido indivíduo e o arguido abandonaram o local, levando com eles o dinheiro do assistente.
O assistente ainda esperou no local cerca de uma hora mas em vão, pois o indivíduo não identificado e o arguido não regressaram.
Nessa altura, o assistente abriu a bolsa que lhe havia sido entregue pelo indivíduo não identificado e verificou então que a mesma continha apenas papéis sem valor no seu interior.
O indivíduo não identificado e o arguido A... agiram com o propósito concretizado de, através dos enganos supra relatados e que astuciosamente urdiram, levarem a que lhes fosse entregue a mencionada quantia em dinheiro e de a fazerem sua, apesar de bem saberem que a mesma não lhes pertencia e que agiam contra a vontade do respectivo dono, o assistente B..., a quem causaram, desse modo, um prejuízo de 8.479,56 €.
O indivíduo não identificado e o arguido A... agiram de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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Mais tarde, em 26.02.2002 (terça-feira), dia do mercado semanal desta cidade, um indivíduo não identificado e o arguido, na execução de um plano que previamente haviam delineado, animados pelo propósito comum de, em conjugação de esforços, vigarizarem cidadãos incautos e de os espoliarem do dinheiro que pudessem, dirigiram-se outra vez a Viseu.
Assim, na manhã desse dia, nas imediações da Casa de Saúde S. Mateus, em Viseu, o indivíduo não identificado, em conformidade com o que havia combinado com o arguido, abeirou-se do ofendido N... (funcionário público aposentado, nascido a 05/11/30) e perguntou-lhe se o mesmo conhecia um determinado médico, ao que o ofendido N...respondeu negativamente.
Acto contínuo, o referido indivíduo não identificado contou ao ofendido que tinha um irmão muito rico que falecera, o qual deixou avultada quantia em dinheiro para dar ao Dr. Vasconcelos e a outra pessoa, podendo fazê-lo ao ofendido caso este se dispusesse a entregar determinada quantia.
Entretanto, de acordo com o plano previamente delineado, surge naquele local o arguido, cumprimentando-os e apresentando-se como Chefe das Finanças de Viseu, corroborando a “história” que o indivíduo não identificado havia já relatado ao ofendido.
Confiando que o indivíduo não identificado lhe pudesse oferecer quantia superior a 3.000 contos, o ofendido N... logo se prontificou a ir à sua residência buscar a sua caderneta da Caixa Geral de Depósitos (CGD).
Desconhecendo o plano urdido pelo referido indivíduo e pelo arguido, o ofendido deslocou-se a sua casa e regressou para junto destes que o aguardavam junto à casa de Saúde de S. Mateus.
De seguida, o ofendido exibiu a sua caderneta ao indivíduo não identificado e ao arguido, mostrando o seu saldo bancário.
Após, estes sugeriram-lhe que fosse levantar a quantia que afirmava ter em depósito, à dependência da CGD, sita junto ao Hospital de Viseu, ao que o ofendido acedeu.
O ofendido N... de nada suspeitou e concordou em deslocar-se àquela dependência bancária a fim de levantar as suas poupanças.
Assim, o ofendido dirigiu-se à referida agência da CGD onde levantou o total de 14.963,94 €, regressando ao local combinado, onde aqueles o esperavam.
De seguida, o ofendido entregou a referida quantia ao indivíduo não identificado, tendo este e o arguido entregue ao ofendido uma bolsa de pano vermelho, dizendo-lhe que esta continha muito dinheiro.
Após disseram-lhe para guardar todo o dinheiro e esperar por eles naquele sítio por alguns minutos, enquanto iam rezar uma oração a uma igreja.
De seguida, o indivíduo não identificado e o arguido, abandonaram o local, levando com eles o dinheiro do ofendido.
O ofendido, por acreditar que tinha em seu poder muito dinheiro, anuiu e esperou no local durante algum tempo, mas em vão, pois o indivíduo não identificado e o arguido não regressaram.
Decorrido esse tempo, o ofendido abriu a bolsa que lhe havia sido entregue e verificou então que a mesma apenas continha guardanapos (toalhetes) no seu interior.
O indivíduo não identificado e o arguido A... agiram com o propósito concretizado de, através dos enganos supra relatados e que astuciosamente urdiram, levarem a que lhes fosse entregue a mencionada quantia em dinheiro e de a fazerem sua, apesar de bem saberem que a mesma não lhes pertencia e que agiam contra a vontade do respectivo dono, o ofendido N..., a quem causaram, desse modo, um prejuízo de 14.963,94 €.
O indivíduo não identificado e o arguido A... agiram de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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Em 05.03.2002, dois indivíduos não identificados, na execução de um plano previamente delineado, animados pelo propósito comum de, em conjugação de esforços, vigarizarem cidadãos incautos e de os espoliarem do dinheiro que pudessem, dirigiram-se a Santa Comba Dão.
Assim, na manhã desse dia, nas imediações do Centro de Saúde de Santa Comba Dão, o ofendido F... (pedreiro reformado, nascido a 12.06.1924) foi abordado por um dos referidos indivíduos que lhe perguntou se conhecia um determinado médico, ao que o ofendido respondeu negativamente.
Entretanto, surge no local o segundo indivíduo, a quem foi perguntado se conhecia o referido médico, tendo este indivíduo simulado um telefonema para a Ordem dos Médicos, após o que informou que aquele médico tinha falecido há acerca de 3 meses.
Após estabeleceu-se uma conversa entre os dois indivíduos e o ofendido F..., em termos não concretamente apurados, no decurso da qual foi sugerida ao ofendido a entrega de 3.000 contos como forma de vir a receber uma quantia superior.
Desconhecendo o conluio entre os dois indivíduos e confiando que, dessa forma, iria receber quantia superior, o ofendido F... dirigiu-se a uma instituição bancária não determinada onde tentou levantar a referida importância, o que não conseguiu por esta não se encontrar disponível.
De seguida, o ofendido dirigiu-se à agência da Caixa Geral de Depósitos em Santa Comba Dão onde apenas logrou proceder ao levantamento de 2.093,05 €, após o que regressou então junto daqueles indivíduos, a quem entregou a referida quantia.
Uma vez na posse daquela quantia, um dos indivíduos entregou ao ofendido uma bolsa de pano vermelho pedindo-lhe que a guardasse e esperasse por eles, ao que o ofendido acedeu por acreditar que a bolsa continha muito dinheiro.
De seguida, os referidos indivíduos abandonaram o local, levando consigo o dinheiro do ofendido, o qual esperou no local durante algum tempo mas em vão, pois os referidos indivíduos não regressaram.
Nessa altura, o ofendido abriu a bolsa que lhe havia sido entregue por um dos referidos indivíduos e verificou então que ela apenas continha guardanapos no seu interior.
Os referidos indivíduos não identificados agiram com o propósito concretizado de, através de engano que astuciosamente urdiram, levarem a que lhes fosse entregue a mencionada quantia em dinheiro e de a fazerem sua, apesar de bem saberem que a mesma não lhes pertencia e que agiam contra a vontade do respectivo dono, o ofendido F..., a quem causaram, desse modo, um prejuízo de 2.093,05 €.
Agiram de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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Em 03.04.2002, três indivíduos não identificados, na execução de um plano que previamente haviam delineado, com o propósito comum de, em conjugação de esforços, vigarizarem cidadãos incautos e de os espoliarem do dinheiro que pudessem, deslocaram-se à Sertã, fazendo-se transportar num veículo automóvel.
Assim, na manhã desse dia, junto ao Centro de Saúde da Sertã, o ofendido S... (agricultor, reformado, nascido a 01.09.1930) foi abordado pelos referidos indivíduos que estabeleceram com ele uma conversa de conteúdo não concretamente apurado.
Na sequência dessa conversa os três indivíduos convenceram o ofendido a emprestar dinheiro com a promessa de juros elevados pelo que se dirigiram todos a Figueiró dos Vinhos a fim de que o ofendido procedesse ao levantamento do seu dinheiro na Caixa Geral de Depósitos (CGD) daquela localidade.
Aí chegados, o ofendido dirigiu-se à referida agência bancária, onde procedeu ao levantamento de quantia não determinada.
De seguida, dirigiram-se todos a Ansião, após o que o ofendido se dirigiu à CGD desta localidade onde levantou a quantia de 4.478 €, acrescida de 24,66 € respeitante a juros.
De seguida, o ofendido entregou as quantias levantadas em Figueiró dos Vinhos e em Ansião, no total de cerca de 1.800 contos (equivalente a 8.978,36 €), aos referidos indivíduos por acreditar que, assim, iria receber juros mais elevados.
Em circunstâncias não apuradas, o ofendido S... recebeu dos referidos indivíduos uma bolsa de mão, em tecido de bombazina, de cor “bordeaux”, de formato rectangular, que continha papéis, o que o ofendido desconhecia, após o que aqueles se ausentaram levando com eles o dinheiro do ofendido.
Os referidos indivíduos agiram com o propósito concretizado de, através de engano que astuciosamente urdiram, levarem a que lhes fossem entregues as mencionadas quantias em dinheiro e de as fazerem suas, apesar de bem saberem que as mesmas não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do respectivo dono, o ofendido S..., a quem causaram, desse modo, um prejuízo de cerca de 1.800 contos (correspondente a 8.978,36 €).
Agiram de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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Em 16.04.2002 (terça-feira), dia do mercado semanal de Viseu, dois indivíduos não identificados, na execução de um plano que previamente haviam delineado, com o propósito comum de, em conjugação de esforços, vigarizarem cidadãos incautos e de os espoliarem do dinheiro que pudessem, deslocaram-se a esta cidade, fazendo-se transportar num veículo automóvel.
Assim, na manhã desse dia, nas imediações do Hospital de Viseu, o assistente P... (marceneiro reformado, nascido a 10.02.1932) foi abordado por um dos referidos indivíduos que lhe perguntou se conhecia um determinado médico, ao que o assistente respondeu negativamente.
Entretanto, surge no local o segundo indivíduo, dizendo que trabalhava no Hospital, o qual simulou uma chamada telefónica, após o que disse que aquele médico tinha falecido.
De seguida, estabeleceu-se uma conversa entre os dois indivíduos e o assistente P..., em termos não concretamente apurados, no decurso da qual foi sugerida ao assistente a entrega de dinheiro como forma de vir a receber uma quantia superior.
Desconhecendo o conluio entre os dois indivíduos e acreditando que, dessa forma, iria receber quantia superior, o assistente P... e os referidos indivíduos dirigiram-se, no dito veículo, às dependências de Viseu do Banco Sotto Mayor (no Alto do Caçador), da Nova Rede (em Repeses) e do Banco Atlântico, onde o assistente levantou as quantias de € 4.239,78, € 2.992,78 e € 5.985,57 respectivamente, que entregou aqueles indivíduos.
Depois, em circunstâncias não concretamente apuradas, o assistente recebeu dos referidos indivíduos uma bolsa de pano vermelho que continha papéis, o que o assistente desconhecia, após o que aqueles indivíduos se ausentaram, levando com eles o dinheiro do assistente.
Os referidos indivíduos agiram com o propósito concretizado de, através de engano que astuciosamente urdiram, levarem a que lhes fossem entregues as mencionadas quantias em dinheiro e de as fazerem suas, apesar de bem saberem que as mesmas não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do respectivo dono, o assistente P..., a quem causaram, desse modo, um prejuízo de 13.218,13 €.
Os referidos indivíduos agiram de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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A situação acima descrita trouxe arrelias, angústia, medo, tristeza e transtornos ao assistente B... que se sentiu ofendido na sua honra, honestidade e dignidade, o que lhe causou mágoa e problemas emocionais.
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Ao ser vítima do plano acima descrito, o assistente P... ficou triste, amargurado e abatido pois levantou parte das poupanças de uma vida.
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À data da prática dos factos o arguido não tinha antecedentes criminais.
Por acórdão de 5/12/2002, transitado em julgado em 9/7/2003, proferido no âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 121/02.5PAABT do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes, o arguido foi condenado pela prática, como co-autor, de um crime de burla previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 ambos do Código Penal na pena de 20 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de três anos, com referência a factos ocorridos em 6/5/2002.
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Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, para além dos acima descritos ou que com eles estejam em oposição, designadamente que:
- fosse o V... o comparticipante nos factos descritos relativamente ao assistente B...;
- o indivíduo não identificado contasse ao assistente B... e ao arguido que o irmão muito rico padecia de cancro, em fase terminal, não conseguindo agora cumprir pessoalmente uma promessa que fizera devido ao avançado estado da doença que o acometera;
- o indivíduo não identificado continuasse a sua “história” dizendo que o seu irmão lhe pedira então para concretizar o seu desejo de cumprir a promessa que consistia em doar mil contos ao médico – pelo facto de o mesmo o ter sempre tratado muito bem – e outros mil contos a quem fornecesse elementos que permitissem localizar o referido clínico;
- enquanto isso, o referido indivíduo abrisse uma bolsa de pano vermelho escuro contendo, aparentemente, vários maços de notas de 5.000$00;
- logrando captar a atenção de B..., o referido indivíduo acrescentasse que, uma vez que o médico já falecera, estava disposto a distribuir os dois mil contos pelo assistente e pelo arguido A..., desde que estes prometessem distribuir metade pelos necessitados desta cidade e que conseguissem ambos demonstrar que eram pessoas sérias e abastadas, pois não queria entregar o dinheiro a pessoas com dívidas que, por esse motivo, se sentissem tentadas a apropriar-se de todo aquele numerário em vez de repartirem metade pelos necessitados;
- o arguido A... se prontificasse de imediato a ir levantar dinheiro para provar que era pessoa séria e abastada, pelo que se afastou do local, regressando cerca de trinta minutos depois, exibindo uma determinada quantia em notas de 5.000$00 (enroladas) e entregando-a ao dito indivíduo que logo a introduziu numa bolsa de pano vermelho escuro;
- o assistente B..., ao ver o arguido A... regressar com o dinheiro na mão, se prontificasse também a ir levantar dinheiro ao banco para provar que era pessoa abastada, desconhecendo o plano urdido pelo referido indivíduo e pelo arguido;
- o referido indivíduo, ao receber a quantia entregue pelo assistente, introduzisse este dinheiro numa bolsa de pano vermelho escuro onde se encontravam outras importâncias;
- uma vez na posse do dinheiro, o referido indivíduo, aproveitando um momento de distracção do assistente, ocultasse a bolsa que continha o dinheiro trocando-a por outra em tudo idêntica àquela;
- fosse o V... o comparticipante nos factos descritos relativamente ao ofendido N...;
- o referido indivíduo não identificado contasse ao ofendido N... e ao arguido que o irmão muito rico padecia de cancro, em fase terminal, não conseguindo agora cumprir pessoalmente uma promessa que fizera devido ao avançado estado da doença que o acometera;
- logrando captar a atenção de N..., o referido indivíduo não identificado continuasse a sua “história” dizendo que o seu irmão lhe pedira então para concretizar o seu desejo de cumprir a promessa que consistia em doar mil contos ao médico – pelo facto de o mesmo o ter sempre tratado muito bem – e outros mil contos à Igreja;
- enquanto isso, o referido indivíduo mostrasse ao ofendido uma bolsa de pano vermelho escuro contendo, aparentemente, vários maços de notas em euros;
- durante a conversa entre o indivíduo não identificado, o arguido e N..., este dissesse que tinha vindo a uma consulta mas que não foi atendido pelo facto de o médico não ter comparecido ao serviço;
- nessa altura, e com vista a ganhar a confiança de N..., o indivíduo não identificado afirmasse que conhecia esse médico e simulasse um telefonema para o mesmo, utilizando o seu telemóvel, após o que disse ao ofendido que podia voltar no dia seguinte pois seria atendido pelo médico às 10.00h;
- de seguida, de acordo com o plano que delineara com o indivíduo não identificado, o arguido simulasse outra chamada telefónica e, depois de falar durante alguns minutos ao telemóvel, dissesse ao dito indivíduo que o médico que ele procurava já tinha falecido;
- acto contínuo, o arguido sugerisse ao dito indivíduo que, uma vez que o tal médico já falecera, poderia distribuir o dinheiro do irmão pelos dois, referindo-se a ele e ao ofendido Albino, assegurando que ambos se encarregariam de o distribuir pelos necessitados;
- logo retorquisse o indivíduo não identificado que não poderia entregar o dinheiro a qualquer pessoa, mas apenas a quem provasse ser pessoa de bem, abastada e sem dívidas, pois, se assim não fosse, poderiam sentir-se tentados a apropriar-se do dinheiro do irmão em vez de o repartirem pelos necessitados;
- o arguido se prontificasse de imediato a ir levantar dinheiro, pelo que se afastou do local, regressando cerca de quinze minutos depois, exibindo uma determinada quantia em dinheiro que afirmou ser de mil e duzentos contos, entregando-a ao indivíduo não identificado que de imediato a meteu numa bolsa de pano vermelho escuro;
- o ofendido N... se deslocasse à dependência bancária na companhia do indivíduo não identificado e do arguido, a fim de levantar as suas poupanças, fazendo-se transportar no veículo pertencente ao ofendido;
- na referida agência da CGD dissessem ao ofendido que o levantamento da quantia de 3.000 contos não poderia ser efectuado de imediato;
- o ofendido saísse à rua e transmitisse ao indivíduo não identificado e ao arguido – que o aguardavam no exterior – que a aludida operação bancária era um pouco demorada;
- o indivíduo não identificado e o arguido combinassem com o ofendido que este, logo que conseguisse levantar o dinheiro, deveria ir ter com eles ao local onde se haviam encontrado pela primeira vez, junto à Casa de Saúde de S. Mateus;
- o indivíduo não identificado, ao receber a quantia entregue pelo ofendido N…, introduzisse este dinheiro numa bolsa de pano vermelho escuro onde se encontravam outras importâncias;
- uma vez na posse do dinheiro, o referido indivíduo, aproveitando um momento de distracção do ofendido, ocultasse a bolsa que continha o dinheiro trocando-a por outra em tudo idêntica àquela;
- o arguido A... fosse comparticipante, conjuntamente com o V…, nos factos descritos em relação ao ofendido F…;
- um dos referidos indivíduos não identificados contasse ao outro e ao ofendido F... que tinha um irmão muito rico que padecia de cancro, em fase terminal, o qual havia feito uma promessa que agora não conseguia cumprir pessoalmente devido ao avançado estado da doença que o acometera;
- o referido indivíduo continuasse a sua “história” dizendo que o seu irmão lhe pediu então para concretizar o seu desejo de cumprir a promessa que consistia em doar 500 contos à Igreja de Santa Comba Dão e outros 500 contos a quem lhe indicasse a localização da igreja e se comprometesse a repartir aquela quantia pelos necessitados;
- enquanto isso, o referido indivíduo mostrasse ao ofendido uma bolsa de pano vermelho escuro contendo, aparentemente, vários maços de notas em euros;
- logrando captar a atenção de F..., o referido indivíduo acrescentasse que estava disposto a distribuir 500 contos pelo ofendido e pelo outro indivíduo, desde que estes demonstrassem que eram pessoas sérias e abastadas, pois não queria entregar aquela quantia a pessoas que tivessem dificuldades económicas porque poderiam sentir-se tentadas a apropriar-se da totalidade do dinheiro em vez de o distribuírem pelos mais necessitados;
- o referido indivíduo acrescentasse ainda que o ofendido e o outro indivíduo deveriam mostrar-lhe em numerário a quantia de 1500 contos (cada um deles);
- o segundo indivíduo exibisse de imediato um maço de notas que retirou de um dos bolsos do seu casaco, afirmando que o mesmo totalizava a quantia de 1500 contos, após o que o entregou ao primeiro indivíduo;
- o primeiro indivíduo logo introduzisse o maço de notas na referida bolsa de pano vermelho escuro;
- o segundo indivíduo incentivasse o ofendido a ir levantar idêntica quantia ao banco para que pudessem ambos receber os 500 contos prometidos pelo primeiro indivíduo;
- um dos indivíduos não identificados, ao receber a quantia entregue pelo ofendido F..., introduzisse este dinheiro numa bolsa de pano vermelho escuro onde já havia guardado o maço de notas apresentado pelo outro indivíduo;
- uma vez na posse do dinheiro, aproveitando um momento de distracção do ofendido, o referido indivíduo ocultasse a bolsa que continha o dinheiro trocando-a por outra em tudo idêntica àquela;
- o arguido A... fosse comparticipante, conjuntamente com o V… e o X..., nos factos descritos em relação ao ofendido S...;
- os três indivíduos não identificados se fizessem transportar no veículo de marca NISSAN, modelo BLUEBIRD, com a matrícula UU-00-00 e o distintivo GPL na traseira (veículo a gás);
- um dos referidos indivíduos se dirigisse ao ofendido, simulando que já o conhecia, dizendo-lhe que era o Gomes, funcionário das Finanças, a fim de ganhar a sua confiança;
- o ofendido S... acreditasse que aquele indivíduo o conhecia;
- no decurso da conversa, de acordo com o que haviam previamente combinado, um dos indivíduos dissesse que precisava de uma quantia avultada com urgência para cumprir uma promessa que o seu irmão – que se encontrava bastante doente – havia feito;
- um dos indivíduos, seguindo o plano estabelecido, se prontificasse a ir ao banco levantar 3500 contos para emprestar ao outro pelo que se afastou do local, regressando cerca de trinta minutos depois, exibindo uma carteira comprida contendo uma grande quantidade de notas em euros e entregando-a aquele que de imediato a meteu numa bolsa em tecido vermelho escuro;
- ao ver um dos indivíduos entregar aquela quantia ao outro, o ofendido S... se oferecesse também para emprestar dinheiro a este;
- o ofendido se dirigisse à dependência da CGD de Figueiró dos Vinhos, acompanhado por um dos indivíduos, enquanto os outros aguardaram na viatura a uma distância de cerca de 100 metros do banco;
- na CGD, o ofendido dissesse que pretendia levantar a importância de 9.000 € mas apenas lograsse levantar 4.500 €, pois aquela agência, naquele momento, não dispunha de liquidez para lhe entregar a totalidade da quantia pretendida;
- se dirigissem todos a Ansião por sugestão dos referidos indivíduos;
- o ofendido se dirigisse à CGD de Ansião acompanhado por um dos referidos indivíduos;
- um dos indivíduos não identificados, ao receber a quantia entregue pelo ofendido S..., introduzisse este dinheiro numa bolsa de pano vermelho escuro onde já se encontrava o dinheiro do outro indivíduo;
- uma vez na posse do dinheiro, aproveitando um momento de distracção do ofendido, o referido indivíduo ocultasse a bolsa que continha o dinheiro trocando-a por outra em tudo idêntica àquela;
- o arguido A... fosse comparticipante, conjuntamente com o V…, nos factos descritos em relação ao assistente P...;
- os dois indivíduos não identificados se fizessem transportar no veículo de marca NISSAN, modelo BLUEBIRD, com a matrícula UU-00-00 e o distintivo GPL na traseira (veículo a gás);
- um dos referidos indivíduos contasse ao assistente que tinha um irmão muito rico que padecia de cancro de fígado, em fase terminal, o qual havia feito uma promessa que agora não conseguia cumprir pessoalmente devido ao avançado estado da doença que o acometera;
- logrando captar a atenção do assistente, o referido indivíduo continuasse a sua “história” dizendo que o seu irmão lhe pediu então para concretizar o seu desejo de cumprir a promessa que consistia em “distribuir dois mil contos pelas Misericórdias” e pelo médico que procurava, pois este era muito amigo do seu irmão e sempre o havia tratado muito bem;
- enquanto isso, o referido indivíduo mostrasse ao assistente uma bolsa de pano vermelho escuro contendo, aparentemente, vários maços de notas em euros;
- o referido indivíduo – que simulou que não conhecia o outro indivíduo – contasse de novo a história que havia já relatado ao assistente, logo lhe sugerindo o segundo indivíduo que, uma vez que o tal médico falecera, poderia distribuir o dinheiro do irmão pelos dois, referindo-se a ele próprio e ao queixoso, assegurando que ambos se encarregariam de o distribuir pelos necessitados;
- o primeiro indivíduo retorquisse que não poderia entregar o dinheiro a qualquer pessoa, mas apenas a quem provasse ser pessoa de bem, abastada e sem dívidas, pois, se assim não fosse, poderiam sentir-se tentados a apropriar-se do dinheiro do irmão em vez de o repartirem pelos necessitados;
- o segundo indivíduo se prontificasse de imediato a ir levantar dinheiro, pelo que se afastou do local, regressando cerca de trinta minutos depois, exibindo uma determinada quantia em dinheiro que afirmou ser de duzentos contos, entregando-a ao primeiro indivíduo que de imediato a meteu numa bolsa vermelha;
- o assistente, ao ver este indivíduo regressar com o dinheiro na mão, logo se prontificasse também a ir levantar dinheiro ao banco para provar que era pessoa abastada, desconhecendo o plano urdido por aqueles dois indivíduos;
- um dos indivíduos não identificados, ao receber a quantia entregue pelo assistente P..., introduzisse este dinheiro numa bolsa de pano vermelho escuro onde já se encontravam outras importâncias;
- uma vez na posse do dinheiro, aproveitando um momento de distracção do assistente, o referido indivíduo ocultasse a bolsa que continha o dinheiro trocando-a por outra em tudo idêntica àquela;
- no período compreendido entre 2001 e 2002 (pelo menos), o arguido A..., conjuntamente com o V..., fosse useiro e vezeiro em comportamentos ilícitos do tipo supra descrito, que praticou por todo o país, conseguindo dessa prática reiterada os proventos necessários à sua vida em comunidade.
*
III – Motivação:
A) Factos provados:
A convicção do colectivo de Juízes que constituem este Tribunal quanto aos factos dados como provados assenta na apreciação, articulação e análise crítica dos vários elementos de prova quer os constantes dos autos discutidos em audiência quer as declarações prestadas pelos assistentes e os depoimentos prestados pelas testemunhas, com destaque para:
- as declarações prestadas pelo assistente B..., o qual referiu as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os factos se desenvolveram, desde o momento em que foi abordado nas imediações da Casa de Saúde S. Mateus até à altura em que percebeu que havia sido enganado, o que tudo fez por se ter convencido que a história que lhe contavam era verdadeira pelo que a tal, e convencido que iria receber dinheiro, anuiu, assim como descreveu o aspecto fisionómico de cada um dos indivíduos que o abordaram, após o que indicou, sem qualquer dúvida ou reserva, as fotografias constantes de fls. 1511 e 1514, referentes ao arguido A..., como correspondendo ao segundo indivíduo que o abordou (que identificou como sendo o mais novo), o qual se apresentou como “Chefe das Finanças de Viseu”, sendo certo que, como ofendido que é, demonstrou conhecimento directos dos factos;
- o depoimento prestado pela testemunha N..., a qual relatou as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os factos se desenrolaram, desde o momento em que foi abordado nas imediações da Casa de Saúde S. Mateus até à altura em que percebeu que tinha sido enganado, o que tudo fez por se ter convencido que a história que lhe contavam era verdadeira pelo que a tal, e convencido que iria receber dinheiro, anuiu, assim como descreveu o aspecto fisionómico de cada um dos indivíduos que o abordaram, indicando, de seguida, sem qualquer dúvida ou reserva, as fotografias constantes de fls. 1510, 1511, 1512 e 1514, referentes ao arguido A..., como correspondendo ao segundo indivíduo que o abordou (que identificou como sendo o mais novo), o qual se apresentou como “Chefe das Finanças de Viseu”, sendo certo que, como ofendido que é, demonstrou conhecimento directos dos factos( - O simples acto de uma testemunha na audiência identificar o arguido como autor dos factos em julgamento insere-se no âmbito da prova testemunhal e não no âmbito da prova por reconhecimento – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7/11/2007, disponível em www.dgsi.pt/jtrp. );
- os depoimentos prestados pelas testemunhas F... e S... e as declarações prestadas pelo assistente P..., as quais relataram, no que a cada uma diz respeito, a forma como os factos se desenrolaram, sendo de referir que as mesmas, confrontadas com as fotografias de fls. 1510, 1511, 1513 e 1514, referentes ao arguido A…, não lograram identificar, sem qualquer dúvida ou reserva, o arguido como sendo um dos autores dos factos delituosos;
- o depoimento prestado pela testemunha Emídio Lopes Rodrigues, a qual referiu ter visto o assistente P... a sair sozinho de um carro onde estavam duas pessoas e a dirigir-se ao Banco Millenium, em Repeses, assim como referiu que, depois, ele saiu do banco e aquelas pessoas chegaram, tendo o assistente arrancado com eles no carro;
- os depoimentos prestados pelas testemunhas C... e D..., respectivamente Coordenador de Investigação Criminal e Agente da Polícia Judiciária, a prestarem serviço na Directoria de Coimbra, as quais referiram as diligências realizadas no âmbito da investigação dos factos em causa nos presentes autos.
A segunda testemunha referiu ainda que, desde a detenção do arguido A… em Abrantes, no dia 6/5/2002 (auto de detenção de 136 a 138), até à data em que foram efectuados os reconhecimento pessoais (5/7/2002) pelos ofendidos P..., B..., S... e N..., cujo resultado foi negativo (autos de fls. 119, 120, 234 e 384 respectivamente), o arguido A… alterou, de forma significativa, a sua fisionomia, o que, aliás, se pode constatar através da comparação de fls. 474 e 475 entre as fotografias que foram tiradas ao arguido no dia em que foi detido pela PSP de Abrantes (6/5/2002) e as fotografias que lhe foram tiradas na Polícia Judiciária em 8/7/2002, sendo que estas são semelhantes às que constam de fls. 139, as quais foram tiradas ao arguido justamente no dia em que foram efectuados os reconhecimentos pessoais pelos ofendidos (5/7/2002);
- o exame dos documentos constantes dos autos, com destaque, para os elementos bancários de fls. 8 a 10, a fotografia de fls. 219, o auto de exame directo de fls. 251, o auto de apreensão de fls. 355, as fotocópias de cadernetas da CGD de fls. 359 e verso e 367 e os talões de levantamento de fls. 665 e 749.
Relativamente à matéria respeitante aos pedidos de indemnização cível a convicção baseou-se, para além das declarações prestadas pelos demandantes, nos depoimentos prestados pelas testemunhas J..., E..., S... e Y..., as duas primeiras no que respeita ao pedido deduzido por B... e as outras duas relativamente ao pedido deduzido por P..., as quais, dadas as suas relações de amizade com os demandantes, demonstraram conhecimento dos factos, não infirmado por qualquer forma, bem como no teor dos documentos de fls. 8 a 10 e 749.
Quanto aos antecedentes criminais do arguido bem como à condenação sofrida a convicção resulta do respectivo certificado do registo criminal junto aos autos (fls. 1214) bem como do teor da certidão de fls. 537 a 576 e 607 a 661 e ainda da certidão de fls. 1065 a 1086.
*
B) Factos não provados:
A convicção do colectivo de Juízes que constituem este Tribunal quanto aos factos considerados como não provados resulta de uma falta de prova em face da conjugação e análise da prova produzida nos termos supra expostos donde se retira a conclusão que os ofendidos F..., S... e P... efectivamente levantaram e entregaram as ditas quantias mercê da actuação supra descrita.
No entanto, uma vez que os ofendidos S... e P... não reconheceram o arguido A... como sendo comparticipante nos factos em apreço, tal como resulta dos autos de reconhecimento pessoal de fls. 234 e 119 respectivamente, nem, com certeza, eles e o ofendido F... o identificaram através das fotografias que constam dos autos em audiência de julgamento, sendo certo que nenhuma das testemunhas inquiridas sabia algo acerca da sua identificação, não pode concluir-se que a pessoa que actuou conjuntamente com o V... (ofendidos F... e P...) ou com este e o X... (ofendido S...) fosse o ora arguido A....
Portanto, não existem provas seguras que permitam concluir ter sido o ora arguido A... comparticipante nos factos em apreço, face ao que se impõe, na dúvida, que se tenha por não demonstrada a sua participação nos factos em análise.
***

APRECIANDO

Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas limitam o seu objecto, verifica-se que o recorrente vem impugnar a decisão sobre a matéria de facto, por considerar que o tribunal a quo se bastou pelo reconhecimento fotográfico do ora recorrente efectuado pelos dois ofendidos, sem qualquer outra prova complementar e sem confirmar tal reconhecimento fotográfico através de um reconhecimento pessoal.
*
No presente recurso vêm suscitadas duas questões. Alega o recorrente que os reconhecimentos fotográficos efectuados não podem servir, nem ser valorados como meio de prova, porquanto:
a) foram valorados reconhecimentos fotográficos positivos, seguidos de reconhecimentos pessoais negativos, efectuados em inquérito, com violação do artigo 147°, n.º 5 do CPP; e,
b) procedeu-se a reconhecimento fotográfico em audiência (que não foi seguido de reconhecimento pessoal) e, mesmo assim sem se terem exibido fotografias de outras pessoas de apresentação semelhante, juntamente com as do recorrente, com violação do artigo 147º, n.ºs 7 e 2 do CPP.
*
A-
Antes de mais, como resulta da Motivação da decisão recorrida, cumpre salientar que o tribunal não se serviu dos “reconhecimentos” fotográficos realizados em sede de inquérito para formar a sua convicção.

Só com a revisão da lei processual penal operada com a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o «reconhecimento por fotografia, filme ou gravação» passou a constituir um tipo de reconhecimento (a par dos reconhecimentos por descrição, presencial e com resguardo – n.ºs 1, 2 e 3 do art. 147º), o qual só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento presencial, como dispõe o n.º 5 do referido preceito.
Até então, o que acontecia em fase de inquérito e que comummente se designava por “reconhecimento fotográfico”, era a exibição de fotografias pelos agentes policiais, aos ofendidos ou a testemunhas, tendo em vista a identificação dos autores do crime. Tratava-se de um ponto de partida para a investigação propriamente dita.
Mas, tal como agora, esses “reconhecimentos” só tinham valor como prova se fossem seguidos de reconhecimento pessoal, efectuado nos termos do n.º 2 do artigo 147º do CPP.
No caso vertente, os “reconhecimentos” ocorreram em Maio/2002 (cfr. fls. 391: “foi-lhe exibido um álbum contendo diversas fotografias de indivíduos referenciados pelo mesmo tipo de crime de que havia sido vítima”), e foram seguidos de reconhecimentos presenciais, em 5-7-2002, os quais resultaram negativos (cfr. autos de fls. 120 e 384 e os demais autos referentes aos outros ofendidos). Diga--se, a propósito, que outro não poderia ser o resultado do reconhecimento pessoal, já que o arguido (desde a sua detenção em 6-5-2002) alterou de modo radical a sua aparência, deixando crescer barba e bigode, e com um corte de cabelo diferente, muito mais curto e rapado à frente, como se observa pelas fotografias de fls. 139, 474 e 475 (o que também foi referido em audiência pela testemunha D..., Agente da Polícia Judiciária), não se compreendendo a ironia constante da 16ª conclusão.
Por conseguinte, não tendo esses “reconhecimentos” fotográficos valor como prova, não deixaram de ser válidas tais diligências policiais de investigação.
*
B-
Vem o recorrente questionar a forma como se procedeu ao seu reconhecimento fotográfico em audiência, já que não foram exibidas fotografias de outras pessoas de apresentação semelhante, juntamente com as do recorrente, o qual também não foi seguido de reconhecimento pessoal, mostrando-se violado o disposto no artigo 147º, n.ºs 7 e 2 do CPP.
Sustenta, assim, o recorrente que, tal como está espelhado na Motivação do acórdão recorrido, tendo os reconhecimentos fotográficos em audiência sido determinantes para as decisões condenatórias e absolutórias, não podendo os mesmos valer como meio de prova, devendo ser também absolvido dos restantes dois crimes por que vinha acusado.

Efectivamente, como resulta da Motivação da decisão recorrida, foram os reconhecimentos fotográficos realizados em audiência essenciais, pois, foi com base nos mesmos (ainda que articulados com outros elementos de prova) que o tribunal a quo alicerçou a sua convicção, condenando o arguido relativamente aos crimes cujas vítimas o reconheceram como um dos autores dos factos imputados, ao serem confrontadas com as fotografias de fls. 1510, 1511, 1512 e 1514, e absolvendo-o quanto aos três crimes em que os ofendidos não o conseguiram identificar.

Ora, tendo o julgamento dos presentes autos ocorrido após as alterações da Lei n.º 48/2007, os reconhecimentos efectuados em audiência de julgamento estão sujeitos às exigências formais previstas no artigo 147º do CPP, conforme o expressamente estabelecido no n.º 7 deste preceito - «O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer».

Em sentido contrário vinha a orientação do STJ, destacando-se o Acórdão de 6-9-2006, disponível in www.dgsi.pt que decidiu:
«I- Conforme jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal, o reconhecimento em audiência de certa pessoa como autora de determinado facto não está sujeito aos requisitos exigidos no art. 147º do CPP.
II- É que em tais casos o que se valoriza é o depoimento da testemunha, apreciado nos termos do art. 127º do CPP, e não a «prova por reconhecimento» a que alude o referido art. 147º.
III- E esta interpretação do art. 147º não viola o princípio das garantias de defesa consagrado no artigo 32º, n.º 1, da CRP, ou qualquer outra norma constitucional, como entendeu o TC no Ac. n.º 425/05, de 25-08-2005.».

In casu, a audiência de julgamento teve lugar na ausência do arguido, nos termos do artigo 334º, n.ºs 2 e 4 do CPP (despacho de fls. 1533/1534), o que inviabilizou a possibilidade de reconhecimento presencial.
A este propósito, não deixamos de salientar que, no caso de burlas como a dos autos, onde inexistem testemunhas presenciais, procuram os arguidos não estar presentes em audiência, de forma a não serem confrontados e reconhecidos pelas vítimas; este é, sem dúvida, um caso em que o tribunal deve ordenar a presença do arguido em audiência, nos termos do n.º 3 do artigo 334º do CPP.

Em consequência, restou ao tribunal o reconhecimento por fotografias (as de fls. 1510, 1511, 1512 e 1514, que o tribunal solicitou ao Governo Civil de Lisboa; pena é que o tribunal não se tivesse munido de álbuns fotográficos).
Com o reconhecimento, sendo este um método de garantia da fiabilidade da prova, pretende-se que o risco de erro seja o mais reduzido possível.
Por outro lado, um reconhecimento pressupõe uma escolha numa pluralidade. Ou seja, num reconhecimento por fotografia “não é admissível que se mostre uma única fotografia do suspeito. É preciso que se exiba a fotografia do suspeito em conjunto com uma ampla variedade de outras fotos de pessoas de características similares” – cfr. Ac. do STJ de 15-3-2007, in CJ, tomo I, pág. 213.

No caso vertente, limitou-se o tribunal, em audiência, a mostrar aos ofendidos unicamente fotografias do arguido, sem que as mesmas estivessem integradas num lote/painel de outras fotos respeitantes a pessoas diversas, mas, se possível, com características semelhantes às do arguido. Logo, não tendo sido válido o reconhecimento em termos formais, não podia tal prova ser valorada pelo tribunal recorrido.
Acresce que, como já mencionámos, deve o reconhecimento fotográfico ser seguido de reconhecimento pessoal, como dispõe o n.º 5 do citado artigo 147º.
Discordamos do Magistrado do MP quando, na sua resposta, refere que “Partindo da letra da lei, salienta-se que o reconhecimento por fotografia só não tem valor como meio de prova se não for seguido do reconhecimento presencial, mas apenas quando aquele for obtido “no âmbito da investigação criminal” (sublinhado nosso) – cfr. o n.º 5 do citado art. 147º do Código de Processo Penal.”
Ora, este entendimento não se compagina com o disposto no n.º 7 do preceito, de que o reconhecimento está sujeito ao formalismo prescrito pelo art. 147º seja qual for a fase do processo em que ocorrer.
Por conseguinte, quando no n.º 5 se alude a “investigação criminal”, não se está a referir a uma fase processual, devendo ser interpretada como uma actividade material de descoberta da verdade, onde o objectivo é procurar o responsável pelo crime.

Constata-se, assim, que o tribunal a quo valorou uma prova que não foi produzida de acordo com a lei. Logo, atendeu a um meio de prova nulo (artigo 118º, n.º 3 do CPP), pelo que deve ser efectuado novo julgamento, já que perdeu eficácia a produção da prova realizada – art. 328º do CPP.
Na audiência a ter lugar, devem os reconhecimentos fotográficos ser efectuados de acordo com a lei e, revelando-se imprescindível a presença do arguido em audiência, deverá determinar-se a sua comparência (nos termos do n.º 3 do artigo 334º do CPP) para a realização de reconhecimento presencial, sem prejuízo de, caso o arguido falte, serem retiradas as devidas consequências.

*****

III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:
- Conceder provimento parcial ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, ordenando-se a realização de novo julgamento.
Sem custas.


*****
Coimbra,