Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
850/13.8TBLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: BALDIOS
ASSEMBLEIA DE COMPARTES
EXPLORAÇÃO ECONÓMICA
CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
LIQUIDAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 12/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JC CÍVEL 
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 39/76 DE 19/1, LEI Nº 68/93 DE 4/9, LEI Nº 72/2014 DE 2/9, LEI Nº 75/2017 DE 17/8, ARTS.334, 483 CC
Sumário: 1. - Os baldios são terrenos com afetação exclusiva, em modo comunitário, à satisfação de necessidades privadas, pelos indivíduos de determinada comunidade local, que pode reduzir-se aos moradores de uma aldeia, pertencendo, geração após geração, aos respetivos compartes – mesmo que pouco numerosos –, em regime de propriedade coletiva.

2. - Não pertencem, por isso, ao domínio público ou ao domínio privado do Estado ou das autarquias locais, não sendo o interesse público ou o interesse geral da população de uma autarquia local que cabe acautelar, mas aquela específica propriedade imemorial em modo comunitário.

3. - As receitas provenientes da exploração económica de um baldio cabem à respetiva assembleia de compartes, uma vez constituída.

4. - Se essa assembleia de compartes é impedida por outra entidade (ainda que assembleia de compartes de outros baldios da mesma freguesia) de receber essas receitas, por aquela as fazer suas, sob invocação de se tratar de um baldio de todas as populações da freguesia, constitui-se essa entidade em obrigação indemnizatória, pelo indevidamente recebido, mas apenas após a constituição daquela assembleia de compartes.

5. - O efeito retroativo da relação contratual invalidada só assume relevância, por regra, entre as partes no contrato, prevalecendo aqui, com exclusão de terceiros, as razões determinantes do princípio da relatividade dos contratos.

6. - Provando-se a existência do dano, mas não o respetivo quantum, é de relegar a fixação do valor indemnizatório para ulterior incidente de liquidação se ainda for de ter como possível essa fixação com recurso a outras provas, caso em que não deve o julgador socorrer-se de imediato da equidade no arbitramento indemnizatório.

7. - Só pode haver abuso do direito, designadamente no exercício do direito de ação de nulidade ou indemnizatória, se, em violação da boa-fé objetiva, a prevalência do direito que se pretende exercer conduzir a resultados clamorosos/intoleráveis, ou atentar gravemente contra os bons costumes ou o fim social ou económico desse direito.

8. - Não ocorre abuso no exercício daquele direito de ação se a assembleia de compartes de um baldio, uma vez constituída e sentindo-se lesada, pretende a nulidade de um contrato anteriormente celebrado, referente à exploração económica desse baldio, por assembleia de compartes de outros baldios da mesma freguesia, bem como indemnização por danos sofridos, mesmo em caso de inércia de exercício dos respetivos compartes, durante anos, até à sua constituição em assembleia de compartes.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


I – Relatório

ASSEMBLEIA DE COMPARTES DOS BALDIOS DA FREGUESIA DE K (....) , da freguesia de K (...) , concelho de Y (...) , com os sinais dos autos,

intentou ([1]) ação declarativa comum contra

ASSEMBLEIA DE COMPARTES DOS BALDIOS DO LUGAR DE WA... e WB.... , da freguesia de K (...) , concelho de Y (...) , também com os sinais dos autos ([2]),

pedindo assim:

«1- Deve reconhecer-se (…) que o prédio identificado na al. A) do art. 8º, e o segmento do prédio identificado na B) do art. 8º, onde estão instaladas as torres com os aerogeradores nºs 8, 9 e 10 do “Parque Eólico de K (...) I”, são terrenos baldios dos moradores da freguesia de K (...) , consequentemente se condenando a Ré a reconhecer que prédio identificado na al. A) do art. 8º, e o segmento do prédio identificado na B) do art. 8º, onde estão instaladas as torres com os aerogeradores nºs 8, 9 e 10 do “Parque Eólico de K (...) I”, são terrenos baldios dos moradores da freguesia de K (...) , abstendo-se, ela, doravante, de praticar qualquer ato que, de algum modo, limite ou dificulte o pleno exercício dos direitos da Autora sobre tais prédios;

2- Deve reconhecer-se (…) que a linha delimitadora daqueles dois terrenos baldios, na zona onde estão colocadas as torres nas quais estão instalados os aerogeradores nºs 8, 9 e 10 do “Parque Eólico de K (...) I”, é a linha de água referida nos arts. 32º e 33º, consequentemente se condena[n]do a Ré a reconhecer que o terreno identificado na al. B), na zona onde estão colocadas as torres onde estão instalados os aerogeradores nº s 8, 9 e 10 do “Parque Eólico de K (...) I” é delimitado do prédio identificado na al. A) do mesmo art. 8º, através da linha de água referida nos arts. 31º e 32º;

3- Porque inexistem moradores no lugar do WB... e apenas existem 3 moradores no lugar de WA... e porque inexistem terrenos baldios que sejam administrados e geridos apenas pelos moradores destas duas localidades, deve declarar-se a extinção, por inexistência de objeto e ilegalidade na sua constituição, da Ré;

4- Deve a Ré, ou se esta for declarada extinta, aqueles que integrem os seus órgãos sociais, ser condenada/os a pagar à Autora a diferença entre o valor que o ICNF reteve, e que lhe era devido, proveniente da venda de árvores existentes dentro dos limites dos terrenos em questão nestes autos e que por causa deste litígio aquele departamento do Estado cativou, caso esse montante não lhe seja devolvido integralmente. Caso esse montante seja restituído apenas parcialmente à Autora, deve, então, a Ré, ou se esta for declarada extinta, aqueles que integrem os seus órgãos sociais, ser condenada/os a pagar à Autora a diferença entre o valor que o ICNF não restituiu e aquele que lhe era devido, proveniente da venda de árvores existentes dentro dos limites dos terrenos em questão nestes autos e que por causa deste litígio aquele departamento do Estado cativou. Acrescida, qualquer uma dessas quantias, dos juros moratórios à taxa legal para as operações não comerciais, devidos desde a data da cativação desses valores até à do efetivo integral pagamento e da sanção pecuniária à taxa legal, devida desde a data da prolação da sentença até à do efetivo e integral pagamento desse montante (…). Relegando-se para liquidação em execução de sentença o apuramento do montante deste crédito da Autora.».

Alegou, em síntese, que:

- por posse histórica, afetação ou usucapião, toda a área de território definida pelos limites dos prédios descritos nas al.ªs A) e B) do art.º 8.º da petição inicial (com exceção dos prédios urbanos e rústicos particulares existentes no seu interior) se encontra constituída como terreno baldio da comunidade local formada pelos moradores dos lugares da freguesia de K (...) , que assim o adquiriram comunitariamente;

- a R. vem assumindo comportamentos que põem em causa o direito dos moradores de todos os lugares da freguesia de K (...) , representados pela A., a possuírem e gerirem o prédio identificado na al.ª A) do dito art.º 8.º e, bem assim, o espaço de terreno integrante do prédio identificado em B) do mesmo artigo, onde estão instaladas as torres com os aerogeradores n.ºs 8, 9 e 10 do “Parque Eólico de K (...) I”;

- em razão de tais comportamentos, o ICNF passou a reter a parte devida aos compartes no preço de venda de árvores existentes dentro dos limites dos terrenos baldios em questão, tratando-se de crédito da A., cujo montante esta desconhece, a contabilizar em liquidação de sentença.

A R. contestou e deduziu reconvenção, assim pedindo no sentido de:

«a) ser a Autora/Reconvinda condenada [a] reconhecer (…) que o terreno baldio melhor descrito supra no art. 4.º desta Contestação, com os limites supra identificados no art. 104.º desta contestação/Reconvenção, onde se encontram instaladas, no que se refere ao “Parque Eólico de K (...) I”, as torres com aerogeradores identificadas como n.ºs 8, 9 e 10, com a cor amarela, na planta junta pela Autora/Reconvinda como doc. 53 e ainda, no que diz respeito ao “Parque Eólico de K (...) II”, as torres com aerogeradores identificados com n.º 1 a 13, a cor verde na planta junta pela Autora/Reconvinda como doc. 53, são baldios dos moradores dos lugares de WA... e WB.... , abstendo-se a mesma de praticar qualquer acto que limite ou dificulte o pleno exercício dos direitos da Ré/Reconvinte sobre tal prédio;

b) serem declarados nulos e de nenhum efeito todos os contratos celebrados pela Autora/Reconvinda, que tenham por objeto o baldio supra identificado no art. 4.º desta contestação, por terem sido celebrados por entidade que não tinha poderes de gestão e administração do baldio em causa, condenando-se também a Autora/Reconvinda a reconhecê-lo, com as legais consequências;

c) deve a Autora/Reconvinda ser condenada a entregar à Ré/Reconvinte todas as quantias que indevidamente recebeu, de todas e quaisquer entidades, em especial da Autoridade Florestal Nacional/ICNF e da E (…), S.A., que tenham provindo, de qualquer forma, da utilização do baldio supra identificado no art. 4.º (…), acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, desde a data em que a mesma recebeu tais quantias, até efetivo e integral pagamento, relegando-se para execução de sentença o apuramento do montante concreto do crédito da Ré/Reconvinte».

Alegou que a posse e gestão de toda a área do prédio referido no art.º 4.º da sua contestação, com os limites e composição referidos nesse articulado, desde tempos imemoriais, sempre foi exercida pelos moradores dos lugares de WA... e WB.... , continuamente, sem oposição, e na convicção de exercício em conjunto e de forma comunitária do direito de propriedade.

Na réplica, a A. veio pugnar pelo insucesso da matéria de contestação e de reconvenção.

Deduzidos incidentes de intervenção provocada, foi admitida a intervenção principal provocada da Freguesia de K (...) , da sociedade “E (…) S. A.” (firma para a qual a “E (…), S. A.” se alterou) e da sociedade “E (…)S. A.”, vindo estas, associando-se à A., apresentar os seus articulados, assim concluindo pela procedência da ação e improcedência da reconvenção.

Admitida a reconvenção, saneado o processo e definidos o objeto do litígio e os temas de prova, sem reclamações, procedeu-se à audiência final, com produção de provas.

Após o que foi proferida sentença (datada de 02/01/2018), com o seguinte dispositivo (quanto ao aqui relevante):

«Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente por provada e em conformidade:

a) Reconheço e declaro que o segmento do prédio identificado na alínea B) do ponto 8º dos factos provados, onde estão instaladas as torres com os aerogeradores nºs 8, 9 e 10 do “Parque Eólico de K (...) I”, integra terreno baldio dos moradores da freguesia de K (...) consequentemente se condenando a Ré a reconhecer que o segmento do prédio identificado na B) do ponto 8º dos factos provados, onde estão instaladas as torres com os aerogeradores nºs 8, 9 e 10 do “Parque Eólico de K (...) I”, é terreno baldio dos moradores da freguesia de K (...) , abstendo-se, ela, doravante, de praticar qualquer ato que, de algum modo, limite ou dificulte o pleno exercício dos direitos da Autora sobre tais prédios.

b) Reconheço e declaro que a linha delimitadora daqueles dois terrenos baldios, na zona onde estão colocadas as torres nas quais estão instalados os aerogeradores nºs 8, 9 e 10 do “Parque Eólico de K (...) I”, é a linha de água referida nos pontos 24º e 25º dos factos provados, consequentemente se condenado a Ré a reconhecer que o terreno identificado na al. B), na zona onde estão colocadas as torres onde estão instalados os aerogeradores nº s 8, 9 e 10 do “Parque Eólico de K (...) I” é delimitado do prédio identificado na al. A) do mesmo art. 8º, através da linha de água referida nos nos pontos 24º e 25º dos factos provados.

No mais julgo a ação improcedente absolvendo a ré do pedido.

Julgo a reconvenção parcialmente procedente e em conformidade:

a) Reconheço e declaro que o terreno baldio melhor descrito supra no ponto 8º alínea A) dos factos provados, com os limites supra identificados no mesmo ponto, onde se encontram instaladas, no que diz respeito ao “Parque Eólico de K (...) II”, as torres com aerogeradores identificados com n.º 1 a 10 e 13, a cor verde na planta junta pela Autora/Reconvinda como doc. 53, são baldios dos moradores dos lugares de WA... e WB.... , abstendo-se a mesma bem como as intervenientes de praticar qualquer ato que limite ou dificulte o pleno exercício dos direitos da Ré/Reconvinte sobre tal prédio;

b) Declaro parcialmente nulo o contrato que em 29 de dezembro 2006 o Conselho Diretivo da Autora celebrou com a empresa E (…) SA, aludido no ponto 19º dos factos provados, destinado à instalação do denominado “Parque Eólico de K (...) II”, epigrafado de “Contrato de Cessão de Exploração”, no que respeita às 11 torres com aerogeradores, identificadas, cada uma delas, com os nºs 1 a 10 e 13, a cor verde na planta junta pela Autora/Reconvinda como doc. 53, instaladas dentro dos limites do prédio identificado na al A) do ponto 8º dos factos provados;

c) Condeno a Autora/Reconvinda a entregar à Ré/Reconvinte todas as quantias que recebeu, após a data da constituição da ré (3/3/2012), da Autoridade Florestal Nacional/ICNF e da E (…), S.A., que tenham provindo, de qualquer forma, da utilização do baldio supra identificado no ponto 8º, alínea A) dos factos provados, relegando-se para execução de sentença o apuramento do montante concreto do crédito da Ré/Reconvinte, acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa legal, desde a data em que forem liquidadas tais quantias, até efetivo e integral pagamento.

No mais julgo a reconvenção improcedente, absolvendo a autora reconvinda e as intervenientes do pedido.».

Desta decisão veio a A., inconformada, interpor o presente recurso, apresentando alegação, com as seguintes

(…)

Recorre também a Interveniente “E (…) S. A.”, apresentando alegação, com as seguintes

(…)

Nas suas contra-alegações, a R./Recorrida pugna pela rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto apresentada pela A., por inobservância de ónus legal a seu cargo, pelo bem fundado da sentença e pela decorrente improcedência dos recursos interpostos.


***

Os recursos foram admitidos como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com os efeitos determinados – meramente devolutivo, o recurso da A., e suspensivo, o da Interveniente “E (…) …” –, tendo sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tais regime e efeitos fixados. 

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


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II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([3]) –, incidindo a apelação sobre a decisão da matéria de facto e de direito, importa saber ([4]):

a) Se é (in)admissível a impugnação da decisão da matéria de facto empreendida pela A.;

b) Se, não sendo objeto de rejeição, devem as impugnações da decisão da matéria de facto proceder;

c) Se cabem à A., e não à R., os direitos quanto à gestão comunitária dos terrenos baldios em causa;

d) Se é ilegal a constituição da R.;

e) Se não foi demonstrado nem quantificado o crédito da R./Reconvinte;

f) Se o pedido de declaração de nulidade contratual assenta em abuso do direito.


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III – Fundamentação

A) Matéria de facto

1. - Na sentença foram julgados provados os seguintes factos:

«1º Após três reuniões devidamente convocadas, respetivamente para os dias 25 de setembro de 1977, 30 de setembro de 1977 e 5 de outubro de 1977, que não se chegaram a realizar por falta de quórum [art1PI].

2º Através de Editais convocatórios datados de 28 de outubro de 1977 e afixados nos lugares de costume pela Junta de Freguesia de K (...) , reuniram-se em Assembleia, os Compartes do Baldio da Freguesia K (...) , no dia 6 de novembro de 1977 [art2PI].

3º No cumprimento da Ordem de trabalhos prevista foi constituída a Assembleia de Compartes dos Baldios da Freguesia de K (...) , escolhido o meio de administração dos terrenos baldios (o da al. b) do art. 9º da Lei 39/76) e eleito o Conselho Diretivo (tudo isto – art. 1º a 3º -, conforme o conteúdo do doc. nº 1, 2, 3 e 4) [art3PI].

4º A Ata dessa Assembleia dos Compartes dos Baldios da Freguesia de K (...) foi remetida, pelos órgãos sociais eleitos, aos Serviços Florestais, que da mesma deram conhecimento ao Exº Sr. Administrador Florestal da L (...) , que dela tomou conhecimento em 11 de março de 1978, (doc. nº 5) [art4PI].

5º Em reunião da Assembleia de Compartes, convocada através Editais datados de 3 de fevereiro de 2013 e afixados nos lugares de costume pelo Sr. Presidente da Mesa da Assembleia, realizada no dia 24 de fevereiro de 2013, no cumprimento da Ordem de Trabalho aí prevista, foram eleitos os órgãos sociais: Mesa da Assembleia, Conselho Diretivo e Comissão Fiscalizadora (doc. nº 6) [art5PI].

6º Em reunião da Assembleia de Compartes realizada no dia 16 de março de 2013, em 2ª convocação, convocada através Editais datados de 10 de março de 2013 afixados nos lugares de costume pelo Sr. Presidente da Mesa da Assembleia, no cumprimento da Ordem de Trabalho aí prevista, foi aprovado a revogação da delegação de poderes de gestão dos terrenos baldios que anteriormente tinha sido conferida à Junta de Freguesia, bem assim, a constituição do subscritor como mandatário da Autora para interpor a presente ação e a interposição desta ação (doc. nº 7) [art6PI].

7º A freguesia de K (...) é composta por vários lugares, a saber: K (...) , WA... , WB... , XA (...) , XB (...) , XC (...) , XD (...) , XE (...) , XF (...) , XG (...) , XH (...) , XI (...) , XJ (...) , XL (...) , XM (...) , XN (...) , XO (...) , XP (...) , XQ (...) , XR (...) , XS (...) , XT(...) , XU (...) , XV (...) e XZ (...) [art7PI].

8º Dentro dos limites da freguesia de K (...) existem, entre outros, os seguintes prédios rústicos [art8PI]:

A) - Baldio que se compõe de terreno matagoso e pedregoso com castanheiros e oliveiras, com 510 ha, inscrito na matriz predial sob o art. 0001 (...) º e ali dado a confrontar: do norte com o ZI (...) e limite da freguesia de Y (...) , do sul com Baldio da Junta de Freguesia de K (...) (o prédio abaixo descrito na al. B)), do nascente com os limites do concelho da L (...) e V (...) , do poente com F (...) e limite da freguesia de Y (...) denominado de “ WA... e WB... ” (doc nº 8 a fls. 39);

B) - Um terreno composto de terreno matagoso e pedregoso, inscrito na matriz sob o art. 1112 (...) º e ali dado a confrontar do norte com terrenos pertencentes às áreas dos lugares de XT (...) , XU (...) e XA (...) , do sul com limite do concelho de V (...) , do nascente com baldio dos lugares de WA... e WB.... e do poente com limites do concelho de P (...) , mas que, efetivamente confronta do norte com o Baldio (o prédio acima descrito sob a al. A), do sul com os limites do concelho de P (...) , do nascente com os limites do concelho de V (...) e do poente com terrenos pertencentes às áreas dos lugares de XT (...) , XU (...) e XA (...) , denominado Baldio, mas que, para os compartes representados pela Autora, tem várias outras denominações, consoante o concreto local que dentro do mesmo se pretenda identificar, designadamente, ZA (...) , ZB (...) , ZC (...) , ZD (...) , ZE (...) , ZF (...) , ZG (...) , ZH (...) (doc nº 9).

9º Dentro dos limites do prédio descrito no art. anterior sob a al. A) existem as aldeias de WA... e WB.... [art9PI].

10º Dentro de tais limites existem prédios rústicos e urbanos pertencentes a privados [art10PI].

11º Dentro dos limites do prédio descrito no art. 8º, al. B) existem as aldeias de XB (...) , K (...) , XQ (...) , XR (...) , Xt (...) , XU (...) , XV (...) e XZ (...) [art11PI].

12º Dentro de tais limites existem prédios rústicos e urbanos pertencentes a privados [art12PI].

13º Desde tempos imemoriais, seguramente há muito mais de cem ou duzentos anos, quiçá desde que se fundaram os lugares que hoje constituem a freguesia de K (...) , que têm vindo a ser os moradores de todos os lugares desta freguesia quem tem vindo, de forma continuada, a possuir e gerir toda a área do prédio descrito no art.º 8º, alínea B) [art13PI].

14º Antes da submissão dos mesmos ao regime florestal para aí conduziam os seus gados e rebanhos que aí apascentavam; aí roçavam mato (estrumes verdes); recolhiam lenhas, torga; faziam carvão; retiravam pedras; colocavam colmeias de abelhas de onde extraíam cera e mel [art14PI]

15º Gerindo esta utilização comunitária dessa área de território de acordo com as necessidades dos povos da freguesia, tendo em vista assegurar a subsistência dos mesmos [art15PI].

16º Os Serviços Florestais depositaram à ordem da Junta de Freguesia de K (...) , quantias referentes a o pagamento de 60% da venda de material lenhoso no perímetro florestal de P (...) – K (...) (documentos de fls. 55 a 57) [art20PI].

17º Os Serviços Florestais/ICNF depositaram ou transferiram para o Conselho Diretivo dos baldios da freguesia de K (...) , quantias referentes a o pagamento de 60% da venda de material lenhoso no perímetro florestal de P (...) – K (...) , tendo aquele emitido os respetivos recibos (documentos de fls. 58 a fls. 77) [art21PI].

18º A Junta de Freguesia de K (...) , em nome da Autora, celebrou, em 1 de dezembro de 1998, com a “E (…) SA” um contrato destinado à instalação do denominado “Parque Eólico de K (...) ”, também conhecido por “Parque Eólico de K (...) I”, epigrafado de “Contrato de Arrendamento e Recibo”, através do qual foram instalados, dentro dos limites do prédio identificado na al B) do art. 8º, 15 torres com aerogeradores, identificadas, cada uma delas, com os nºs 1 a 15, a cor amarela do doc. que se junta com o nº 53, contrato este que foi objeto de 3 aditamentos: em 16/09/03, 29/12/06 e 29/06/12 (doc.s nºs 30, 31, 32 e 33) [art24PI].

18º-A A Interveniente E (…) S.A., por força do contrato de arrendamento em questão e, bem assim, dos respetivos aditamentos ao mesmo, tem instalado nas parcelas de terrenos baldios tomadas de arrendamento à Junta de Freguesia de K (...) e supra melhor identificadas e dentro dos limites do prédio rustico identificado pela Autora no artigo 8º alínea B) da PI (terreno a mato e pinhal inscrito na matriz predial sob o artigo 1112 (...) º) um parque eólico, concretamente o Parque Eólico de K (...) , sendo certo que o mesmo é composto por 15 aerogeradores cada um deles com os números 1 a 15, melhor identificados a cor amarela no documento junto pela Autora à PI como doc. nº 53 [art 6 contestação interveniente EDP Renováveis].

19º Já em 29 de dezembro 2006 o Conselho Diretivo da Autora celebrou com a mesma empresa um contrato destinado à instalação do denominado “Parque Eólico de K (...) II”, epigrafado de “Contrato de Cessão de Exploração”, através do qual foram instalados 13 torres com aerogeradores, sendo que dentro dos limites do prédio identificado na al A) do art. 8º foram instaladas 11 torres com aerogeradores, identificadas, cada uma delas, com os nºs 1 a 10 e 13, a cor verde do doc. que se junta com o nº 53, e dentro dos limites do prédio identificado na al. B) do art. 8º foram instaladas as torres identificadas, cada uma delas, com os nºs 11 e 12, a cor verde do doc. que se junta com o nº 53, sendo que, relevante para estes autos são apenas 3 torres com aerogeradores, identificados através dos nºs 8, 9 e 10, a cor amarela3 do doc. que se junta com o nº 53, contrato este que em 21/07/08 foi objeto de uma cessão de posição contratual a favor da “E (…), SA”, sociedade da E (…) SA (doc.s nºs 34 e 35) [art25PI e 61 e 62 da contestação].

19º-A A Interveniente E (…), por força dos contratos supra identificados, tem instalado nas parcelas de terrenos baldios melhor identificadas nas Cláusulas Primeira e Segunda do aludido contrato de cessão de exploração e dentro dos limites do prédio rustico identificado pela Autora no artigo 8º alínea A) da PI (terreno a mato e pinhal inscrito na matriz predial sob o artigo 0001 (...) º) um parque Eólico, concretamente o Parque Eólico de K (...) II, sendo o mesmo é composto por 13 aerogeradores, respectivas plataformas de montagem, subestação, valas de cabos, caminhos de acesso e torres meteorológicas permanentes, dentro dos limites do prédio identificado na alínea A) do artigo 8º da PI foram instalados 11 aerogeradores, cada um deles com os números 1 a 10 e 13, melhor identificados a cor verde no documento junto pela Autora à PI como doc. nº 53 e sendo que dentro dos limites do prédio identificado na alínea B) do artigo 8º da PI (terreno de mato e pinhal inscrito na matriz sob o artigo 1112 (...) º) foram instalados dois aerogeradores, cada um deles com o numero 11 e 12 melhor identificados a cor verde no documento junto pela Autora à PI como doc. nº 53[art 8 contestação interveniente Eólica do ZH (...) ].

20º Nesses contratos, reconhecendo-se o direitos dos povos da freguesia de K (...) a possuírem os terrenos em questão, ficou expressamente reconhecido o direito a manterem nos mesmos o pastoreio, a cortar matos e a efetuar outras culturas herbáceas [art26PI].

21º Em razão do contrato referido no art. 24º da PI foi a Junta de Freguesia quem passou a receber, inicialmente, as contraprestações devidas pela empresa nele contratante, em nome dos compartes da freguesia de K (...) , sendo hoje a Autora, através do seu Conselho Diretivo quem recebe tais montantes (doc.s nºs 36, 37 e 38) [art27PI].

22º Em razão do contrato referido no art. 25º da PI passou a ser a Autora, através do seu Conselho Diretivo, quem passou a receber as contraprestações devidas pela empresa nele contratante (doc.s nºs 39, 40, 41, 42, 43, 44 e 45) [art28PI].

23º A fruição e gestão dos moradores de toda a freguesia de K (...) , sobre os terrenos identificados no art.º 8º alínea B) (respeitando os terrenos particulares existentes no seu interior), concretizadas nos atos supra alegados, era feita à vista de toda a gente, de forma continuada e sem interrupção ou oposição de quem quer que fosse, designadamente dos aludidos moradores daqueles lugares de WA... e do WB... , agindo os moradores de todos os lugares da freguesia de K (...) na convicção de que tais prédios lhes pertenciam, em conjunto e de uma forma comunitária, para apoio à sua atividade agrícola [art29PI].

24º A delimitação sul/sudoeste do prédio identificado na al A) do art. 8º com o da al. B) do mesmo art., no que interessa para estes autos, é feita por uma linha de água que corre entre vertentes [art32PI]

25º Linha de água essa que se situa, para quem está localizado junto da torre onde está instalado o aerogerador com o nº 10 do “Parque Eólico de K (...) I”, identificada a cor amarela no doc. nº 53, ao ZH (...) , virado de frente (para poente), do lado direito [art33PI].

26º Essa linha de água acaba por se encontrar com uma outra que corre do lado esquerdo, atenta a orientação referida no art. anterior (mas que já se situa dentro dos limites do prédio identificado na al. B) do art. 8º), e com outras que lhe vão afluindo, dando origem à Ribeira da XA (...) de ZG (...) (tudo isto – art. 32º a 34 – como melhor se pode ver do teor do doc. nº 34) [art34PI e 104 da contestação quanto à configuração da linha de água].

27º A linha delimitadora, a sul, do prédio identificado na al. A) do art. 8º, com o prédio identificado na al. B) do mesmo art., encontra-se definida a vermelho no doc. que se junta com o nº 53 [art35PI].

28º Já a linha delimitadora, a norte, do prédio identificado na al. B) do art. 8º, com o prédio identificado na al. A) do mesmo art., encontra-se definida a azul no doc. que se junta com o nº 53 [art36PI].

29º O lugar do WB... há já cerca de 20/30 anos que está deserto, sem moradores [art40PI].

30º No lugar de WA... vivem hoje, como residentes daquele local, apenas 3 moradores: um natural da freguesia de K (...) e outros dois naturais de outro concelho que não o de Y (...) [art41PI].

31º Pessoas moradoras em locais muito variados de Portugal (isto é: não moradores na freguesia de K (...) ), foram, ao longo do tempo, adquirindo aos herdeiros dos anteriores moradores daquele local as casas e os terrenos que lhes pertenciam [art42PI].

32º Ou com capitais próprios ou integrados no denominado “Projeto das Aldeias de Xisto”, foram restaurando aquelas casas e recomeçando a trabalhar as terras [art43PI].

33º Aquelas casas situadas em WA... que recuperaram são moradias de férias ou de fins de semana [art45PI].

34º F (…), intitulando-se de Presidente do Conselho Diretivo da Assembleia de Compartes dos Baldios de WA... e WB.... , enviou um ofício à Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de 21 de maio de 2012, a requerer a retificação da titularidade do prédio rústico inscrito sob o art. 6.490º da freguesia de K (...) (o prédio identificado na al. A) do art. 8º), no sentido de tal titularidade passar a estar inscrita em nome da Ré (doc. nº 46) [art49PI].

35º Através de carta datada 05/11/12, enviada à E (…), a Ré veio reclamar para si a administração/gestão dos terrenos baldios situados na cumeada da serra, no local onde se encontram implantados/ instalados os aerogeradores nºs 8, 9 e 10 do Parque Eólico de K (...) I por força do contrato aludido no art. 24º e os aerogeradores nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 do Parque Eólico de K (...) II, por força do contrato aludido no art. 25º (doc. nº 47) [art50PI].

36º Em data que se desconhece oficiou ao Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), no sentido de reclamarem para si as verbas devidas à Autora em razão de cortes e da venda de lotes de árvores existentes na área do prédio acima identificado na al. A) do art. 8º, na área do mesmo submetido ao regime florestal [art51PI].

37º Em razão do comportamento da Ré, o ICNF, sem prévio conhecimento da Autora, tem vindo a reter e, muito provavelmente, continuará a reter, até que estes autos findem com sentença a reconhecer o direito sobre os terrenos baldios em questão, a parte devida aos compartes no preço da venda de árvores existentes dentro dos limites dos mesmos, que ele efetue, montantes estes que a Autora desconhece, uma vez que aquele departamento da administração não lhe forneceu essa informação, apesar de, nesse sentido, por ela ter sido instado (doc.s nºs nº 48, 49, 50,51 e 542) [art53PI].

38.º Desde tempos imemoriais, isto é, há mais de 100, 200 e até 300 anos, sempre os moradores dos lugares de WA... e WB.... possuíram e geriram o terreno matagoso e pedregoso com castanheiros e oliveiras, com 510 ha, inscrito na matriz predial sob o art. 0001 (...) º [art6contestação].

39.º Ali levando a apascentar os seus gados e rebanhos [art7contestação].

40.º Roçando os matos, recolhendo as lenhas e torga, fazendo carvão, colocando colmeias de abelhas e recolhendo o mel e a cera [art8contestação].

41.º Neles plantando carvalhos, castanheiros e oliveiras e deles recolhendo os respetivos frutos [art9contestação].

42.º Gerindo a utilização comunitária da área de terreno correspondente ao terreno matagoso e pedregoso com castanheiros e oliveiras, com 510 ha, inscrito na matriz predial sob o art. 0001 (...) º, tendo em vista assegurar a subsistência dos mesmos [art10contestação].

43.º A posse e gestão dos moradores dos lugares de WA... e WB.... , sobre o terreno matagoso e pedregoso com castanheiros e oliveiras, com 510 ha, inscrito na matriz predial sob o art. 0001 (...) º, com exceção dos terrenos pertencentes a particulares, existentes no seu interior, sempre foi feita à vista de toda a gente, de forma continuada e sem interrupção ou oposição de quem quer que fosse [art12contestação].

44.º Em 2009 a Junta de Freguesia de K (...) requereu junto do Serviço de Finanças de Y (...) , que todos os prédios rústicos inscritos em nome do Baldio do VV(...) fossem averbados em seu nome (doc. 2) [art28contestação]

45.º Tal requerimento mereceu o seguinte despacho: “Face ao abaixo informado e tendo em conta o requerido, ainda que não tenha exibido o título aquisitivo, a Junta de Freguesia, enquanto entidade pública, goza de presunção de verdade. Nestes termos, defiro o pedido ordenando os averbamentos solicitados.” (cfr. doc. 2) [art29contestação].

46.º Tendo a Ré tido conhecimento de tal conduta, em 21.05.2012, requereu junto de tal Serviço de Finanças a reposição da situação anterior e a sua inscrição em nome da Assembleia de Compartes dos Baldios do WA... e WB.... (doc. 3) [art30contestação].

47.º Após o exercício do direito de Audição prévia, foi reposta a situação anterior e o Serviço de Finanças procedeu à inscrição de tal terreno baldio em nome da Assembleia de Compartes dos Baldios de WA... e WB.... (doc.s 4, 5 e 6) [art31contestação].

48.º No dia 19 de Novembro de 2011 e 17 de Dezembro de 2011, reuniu-se um grupo de 10 compartes, com vista ao desencadeamento do processo de constituição da Assembleia de Compartes dos Baldios do lugar de WA... e WB.... , nos termos do disposto no art. 33.º da Lei dos Baldios (doc.s 9 e 10) [art72contestação].

49.º Tendo sido convocada, através de Editais afixados nos locais de costume e através de publicação do jornal local “O Mirante”, n.º 407 de 01.02.2012, para o dia 03.03.2012, a primeira Assembleia (Constituinte) dos Compartes dos Baldios de WA... e de WB... (doc. 11) [art73contestação].

50.º Reunião esta que se veio a realizar no dia para a qual foi convocada, mas apenas às 17 horas, uma vez que, pelas 16 horas, não se mostrava presente número suficiente de compartes para que a Assembleia pudesse funcionar [art74contestação].

51.º Tudo de acordo com a convocatória supra referida e tal como consta da respetiva Ata (doc. 12) [art75contestação].

52.º Em tal Assembleia de Compartes foi aprovada por unanimidade a constituição da Assembleia de Compartes dos Baldios de WA... e WB.... (crf. doc. 12) [art76contestação];

53.º Tendo sido ainda eleitos os corpos diretivos da Assembleia de Compartes, tudo conforma ata de tal Assembleia (cfr. doc. 12) [art77contestação].

54.º Os 10 compartes “fundadores” da Assembleia de Compartes são proprietários, pelo menos, de um imóvel, onde têm instalada uma segunda habitação, onde pernoitam, tomam refeições, recebem familiares e amigos, sempre que o entendem e de acordo com a sua única e exclusiva vontade [art82 contestação].

55º O Parque Eólico em causa (PE K (...) ) começou a ser construído em Abril de 2004, tendo entrado em serviço ou exploração em Abril de 2005 no que aos aerogeradores 1 a 13 concerne, sendo que os aerogeradores nº 14 e nº 15 reportam-se a uma situação de Sobreequipamento do aludido Parque, com inicio de construção em Abril de 2013 e entrada em serviço ou exploração em Julho de 2014 [art10 contestação interveniente E (…)].

56º Ali (PE K (...) ) tendo sido instalados os respectivos aerogeradores com as necessárias fundações e torres [art11 contestação interveniente E (…)]

57º a subestação a que o parque veio a ser ligado [art12 contestação interveniente EDP Renováveis]

58º as necessárias valas de cabos [art13 contestação interveniente E (…)]

59º e, bem assim, as imprescindíveis vias de comunicação de acesso aos aerogeradores, necessárias quer à construção/implantação dos mesmos, quer à sua manutenção ao longo do seu período de vida útil [art14 contestação interveniente E (…)].

60º Todos estes atos, de construção e manutenção, do referido parque eólico, bem como já os anteriores estudos necessários à avaliação do recurso ali existente (vento), por forma a determinar a viabilidade económica do mesmo, designadamente com a implantação de torre de medição de vento – Estação Meteorológica PORT 169 ZF(...) , constituída por uma torre metálica treliçada de 40 metros de altura que mediu o vento, ininterruptamente, entre 2000 e 2003 e, pese embora fora da zona em litigio, colocada num local próximo do local de implantação do aerogerador AG 4 do PE K (...) -, foram levados a cabo à vista de toda a gente [art15 contestação interveniente E (…)]

61º de forma pública [art16 contestação interveniente E (…)]

62º e pacífica [art17 contestação interveniente E (…)]

63º sem qualquer oposição ou resistência, de quem quer que seja [art18 contestação interveniente E (…) Renováveis]

64º concretamente, de qualquer morador ou comparte de WA... e ou WB... [art19 contestação interveniente E (…)].

65º O Parque Eólico em causa (PE K (...) II) começou a ser ali construído em Julho de 2009, tendo entrado em serviço ou exploração em Setembro de 2009 no que aos aerogeradores 1 a 10, 11 e 12 concerne, sendo que o aerogerador nº 13 reporta-se a uma situação de Ampliação/Reforço de Potência do Parque Eólico de K (...) II, com inicio de construção no segundo trimestre de 2013 e entrada em serviço ou exploração no terceiro trimestre do ano de 2013 [art11 contestação interveniente E (…)].

66º ali tendo sido instalados os respectivos aerogeradores com as necessárias fundações e torres [art12 contestação interveniente].

67º a subestação a que o parque veio a ser ligado [art13 contestação interveniente].

68º as necessárias valas de cabos [art14 contestação interveniente].

69º e, bem assim, as imprescindíveis vias de comunicação de acesso aos aerogeradores, necessárias quer à construção/implantação dos mesmos, quer à sua manutenção ao longo do seu período de vida útil [art15 contestação interveniente].

70º Todos estes atos, de construção e manutenção, do referido parque eólico, bem como já os anteriores estudos necessários à avaliação do recurso ali existente (vento), por forma a determinar a viabilidade económica do mesmo, designadamente com a implantação de torre de medição de vento – Estação Meteorológica PORT 169 ZI (...) , constituída por uma torre metálica treliçada de 40 metros de altura que mediu o vento ininterruptamente entre 2002 e 2008 e colocada num local muito próximo do local de implantação do aerogerador AG 5 do PE K (...) II -, foram levados a cabo à vista de toda a gente, de forma pública e pacífica, sem qualquer oposição ou resistência, nunca tendo tido, repisa-se a oposição de quem quer que seja, concretamente de qualquer morador ou comparte de WA... e ou WB... ou de qualquer outra entidade/órgão [art16 contestação interveniente].».

2. - E foi julgado não provado:

«Da petição inicial

A) …mas que, para os compartes representados pela Autora, tem várias outras denominação, consoante o concreto local que dentro do mesmo se pretenda identificar, designadamente ZJ (...) , ZL (...) , ZM (...) , ZN (...) , ZO (...) , ZP (...) , ZQ (...) , ZR (...) , ZS (...) , ZT (...) , ZU (...) , ZY (...) , ZW (...) , ZV (...) , ZX (...) , ZZ (...) e ZK (...) .

B) … da Freguesia de K (...) …

13º Os moradores dos restantes lugares da freguesia de K (...) têm vindo, de forma continuada, a possuir e gerir toda a área do prédio descrito no art.º 8º, alínea A).

16º Depois da submissão ao Regime Florestal, e dentro das zonas daqueles prédios submetidas ao aludido regime, mantiveram-se, até ao presente, o tipo de utilização e gestão acima referido que se compatibilizasse com as regras de proteção florestal que eram impostas pelos Serviços Florestais que, sempre, consideraram aqueles prédios sob a jurisdição da Junta de Freguesia de K (...) por os considerarem baldios paroquiais daquela freguesia.

23º Fora das zonas daqueles prédios submetidas ao Regime Florestal continuou a manter-se, até ao presente, o regime de posse e gestão acima alegado.

29º … quer antes quer depois de parte de tal área de terreno ter sido submetida ao Regime Florestal.

44º Tais pessoas não residem permanentemente em WA... ou WB... , nem em qualquer outro dos lugares (aldeias ou lugarejos) de K (...) , mas antes sim noutros locais de Portugal, designadamente (...), (...), (...), (...), (...), (...).[conclusivo]

Da contestação

4º O prédio rústico inscrito na matriz predial respetiva sob o art. 0001 (...) .º sempre foi possuído e gerido apenas e só pelos moradores dos lugares de WA... de WB... .

5º O prédio rústico inscrito na matriz predial respetiva sob o art. 0001 (...) .º sempre foi conhecido, apenas e tão só como Baldio do VV(...) de WA... e WB.... .

13.º Agindo os moradores dos lugares de WA... e WB.... , na convicção que tal baldio lhes pertence, em conjunto e de forma comunitária, para apoio à sua atividade agrícola.

61.º Em virtude de tais contratos, foram instalados no baldio melhor descrito supra no art. 4.º desta Contestação, no que diz respeito ao “Parque Eólico de K (...) I”, as torres com aerogeradores identificadas como n.ºs 8, 9 e 10, com a cor amarela, na planta junta pela Autora como doc. 53.» ([5]).

B) Admissibilidade da impugnação da decisão de facto

Tendo ambas as Apelantes (A. e Interveniente E (…)…”) apresentado impugnação da decisão da matéria de facto, a R./Apelada pugna, desde logo, pela rejeição da impugnação oferecida pela A./Recorrente, por inobservância de ónus legais a seu cargo, o de indicação, nas conclusões, dos concretos meios probatórios convocados e das exatas passagens da gravação, quanto a provas gravadas, em que se funda o recurso, com identificação dos minutos e segundos do correspondente ficheiro, ainda que tenha procedido a facultativa transcrição de depoimentos gravados.

Ora, é sabido que, ao impugnar a decisão da matéria de facto, o recorrente deve indicar, para além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, enunciando-os na motivação de recurso e sintetizando-os nas respetivas conclusões, os concretos meios probatórios que, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, impunham decisão diversa da adotada quanto aos factos impugnados, indicando com exatidão, se for o caso, as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição ([6]), tudo para mostrar a decisão diversa que, a seu ver, deve ser proferida no plano fáctico (n.ºs 1 e 2, al.ª a), do art.º 640.º do NCPCiv.).

É que, em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria litigiosa, face aos elementos a que teve acesso, tratando-se, assim, da verificação quanto a um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas (formação e fundamentação da convicção), aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento.

Para tanto, se o Tribunal de 2.ª instância é chamado a fazer o seu julgamento dessa específica matéria de facto, o mesmo é comummente restrito a pontos concretos questionados – os objeto de recurso, no mesmo delimitados –, procedendo-se a reapreciação com base em determinados elementos de prova, concretamente elencados, designadamente certos depoimentos indicados pela parte recorrente.

Como explicita Abrantes Geraldes ([7]), “A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões”. E acrescenta que se, “para atingir o resultado declarado o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspectiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir os objectivos pretendidos” ([8]).

Especificamente em matéria de impugnação da decisão de facto, à luz do art.º 640.º do NCPCiv., refere o mesmo Autor:

“… podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora passa a vigorar sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;

b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;

c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;

d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto” ([9]).

Para depois concluir: “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça. Rigor a que deve corresponder o esforço da Relação quando, debruçando-se sobre pretensões bem sustentadas, tenha de reapreciar a decisão recorrida …” ([10]).

Assim sendo, constituindo as conclusões o mecanismo de delimitação do âmbito do recurso, delas deve constar o respetivo objeto, também em matéria de impugnação da decisão de facto, seja quanto ao âmbito fáctico da impugnação recursória (concretos pontos de facto impugnados, por incorretamente julgados), seja quanto ao âmbito probatório (concretos meios de prova convocados e, se gravados, indicação exata das passagens da gravação a ponderar), seja ainda quanto ao objetivo pretendido (indicação clara da decisão que, em concreto, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, os factos concretos que deverão, finalmente, ser julgados provados, não provados ou alterados/reformulados no seu conteúdo) ([11]).

É certo que vem sendo entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça – cfr. Ac. STJ de 19/02/2015 ([12]) – que:

«… a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.

Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC.  

É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC.

Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º 1 do referido artigo 640.º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada.

(…)

Outra problemática consiste em saber se tais requisitos do ónus impugnativo devem constar, formalmente, das conclusões recursórias ou se bastará incluí-los no corpo alegatório.

Segundo certo entendimento, a lei não consagra norma expressa sobre tal inclusão no quadro conclusivo, como o faz relativamente à impugnação de direito, nos termos do artigo 639.º, n.º 1 e 2, do CPC. Outro entendimento vai no sentido de que, constituindo a especificação dos pontos concretos de facto um fator de delimitação do objeto de recurso, nessa parte, pelo menos a sua especificação deverá constar das conclusões recursórias, por força do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugadamente com o art.º 640.º, n.º 1, alínea a), aplicando-se, subsidiariamente o preceituado no n.º 1 do art.º 639.º, todos do CPC.

Nesta segunda linha de entendimento, não parece que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam figurar da síntese conclusiva, já que não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, traduzindo-se antes em elementos de apoio à argumentação probatória.».

Nesta perspetiva, os ónus a que aludem as al.ªs a) e c) do n.º 1 do art.º 640.º do NCPCiv. – especificação dos pontos de facto concretos considerados incorretamente julgados e sentido da decisão a proferir sobre a respetiva impugnação – têm uma função delimitadora do objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto, razão pela qual devem constar das conclusões da apelação, o mesmo não acontecendo, porém, com o dito âmbito/objeto probatório (provas a considerar e passagens da gravação), bastando que este consta da alegação do recurso.

Ora, vistas as conclusões da aqui A./Apelante, delas não consta aquele âmbito probatório da impugnação, embora conste a identificação dos factos impugnados e o diverso sentido decisório pretendido para os mesmos.

Resta, então, verificar se esse âmbito probatório foi enunciado, de forma aproveitável, na antecedente alegação recursiva.

E, percorrida esta, constata-se que a A. ali identificou claramente as provas a sindicar, documentais ou testemunhais, e, quanto a estas últimas, ao menos relativamente às testemunhas (…) (cfr. fls. 904 v.º a 911 v.º), procedeu à indicação das passagens da gravação, inclusive com segmentos de transcrição.

Assim, ante o que consta, nesta parte, da alegação do respetivo recurso, é de admitir a impugnação da A./Recorrente, tal como é admissível a impugnação da Interveniente “Eólica…”, a qual, por sua vez, cumpriu nas suas conclusões recursivas, os ónus legais a seu cargo.

C) Do erro no julgamento da matéria de facto

(…)

Em suma, improcedem as impugnações da decisão da matéria de facto, razão pela qual permanece inalterado, tornando-se definitivo, o quadro fáctico (o provado e o não provado) fixado na sentença.


***

D) Matéria de Direito

1. - Da (in)existência de posse comunitária pelos moradores de WA... e WB....

Defende a A./Apelante, em contraposição ao Tribunal recorrido, que não logrou provar-se a existência de concretos atos de gestão pelos moradores dos lugares de WA... e WB.... no terreno baldio em discussão – nem uma posse contínua, exclusiva e na convicção de domínio comunitário, para apoio à atividade agrícola –, posto que tem sido tal A. a fazê-lo, mediante a celebração de contrato com a Interveniente “E (…)” e gestão florestal por intermédio dos Serviços Florestais.

Ao assim esgrimir, esta Apelante sustentava-se na empreendida impugnação da decisão da matéria de facto – atinente a esta matéria –, no que, como visto, não logrou sucesso.

Por isso, permanecendo inalterado o factualismo da sentença impugnada, falece este pressuposto do recurso.

Subsiste, pois, a conclusão jurídica da sentença no sentido de “reconhecer-se que toda a área do prédio descrito no art.º 8º, alínea B) é baldio dos moradores da freguesia de K (...) e que o terreno matagoso e pedregoso com castanheiros e oliveiras, com 510 ha, inscrito na matriz predial sob o art. 0001 (...) º é baldio dos moradores de WA... e WB.... .” (itálico aditado).

Isto, por persistir como provado (pontos 38. a 43.) que:

- Desde há mais de 100, 200 e até 300 anos, sempre os moradores dos lugares de WA... e WB.... possuíram e geriram o terreno matagoso e pedregoso com castanheiros e oliveiras, com 510 ha, inscrito na matriz predial sob o art. 0001 (...) º;

- Ali levando a apascentar os seus gados e rebanhos;

- Roçando os matos, recolhendo as lenhas e torga, fazendo carvão, colocando colmeias de abelhas e recolhendo o mel e a cera;

- Neles plantando carvalhos, castanheiros e oliveiras e deles recolhendo os respetivos frutos;

Gerindo a utilização comunitária da área de terreno correspondente ao terreno matagoso e pedregoso com castanheiros e oliveiras, com 510 ha, inscrito na matriz predial sob o art. 0001 (...) º, tendo em vista assegurar a subsistência dos mesmos;

- Fazendo-o os moradores dos lugares de WA... e WB.... , sobre o terreno matagoso e pedregoso com castanheiros e oliveiras, com 510 ha, inscrito na matriz predial sob o art. 0001 (...) º, com exceção dos terrenos pertencentes a particulares, existentes no seu interior, sempre à vista de toda a gente, de forma continuada e sem interrupção ou oposição de quem quer que fosse.

Permanecendo julgado como não provado, em consonância, que os moradores dos restantes lugares da freguesia de K (...) tenham vindo, de forma continuada, a possuir e gerir toda a área desse mesmo prédio.

Não procede, pois, nesta parte, o inconformismo da A./Apelante (cfr. conclusões 10.ª a 14.ª do seu recurso).

2. - Da ilegalidade de constituição da R.

Invoca a A./Recorrente que a constituição da R. é ilegal, por violação da lei e dos costumes locais, fundamentando que os cidadãos que integram o respetivo “universo de compartes” não podem ser considerados como moradores do lugar do WA... (estando o de WB... há muito deserto), por apenas ali terem habitações destinadas a utilização em períodos de vilegiatura, não desenvolvendo no lugar atividades correlacionadas com a necessidade de usar, fruir e gerir o terreno baldio, pelo que não são compartes (conclusões 15.ª a 17.ª).

Ora, nesta parte vem, efetivamente, provado que «O lugar do WB... há já cerca de 20/30 anos que está deserto, sem moradores» (ponto 29.).

Também se provou que «No lugar de WA... vivem hoje, como residentes daquele local, apenas 3 moradores: um natural da freguesia de K (...) e outros dois naturais de outro concelho que não o de Y (...) » (ponto 30.).

Mas sem esquecer que «Pessoas moradoras em locais muito variados de Portugal (isto é: não moradores na freguesia de K (...) ), foram, ao longo do tempo, adquirindo aos herdeiros dos anteriores moradores daquele local as casas e os terrenos que lhes pertenciam» (ponto 31.), «Ou com capitais próprios ou integrados no denominado “Projeto das Aldeias de Xisto”, foram restaurando aquelas casas e recomeçando a trabalhar as terras» (ponto 32.), sendo agora recuperadas «moradias de férias ou de fins de semana» (ponto 33.).

Por outro lado, em «19 de Novembro de 2011 e 17 de Dezembro de 2011, reuniu-se um grupo de 10 compartes, com vista ao desencadeamento do processo de constituição da Assembleia de Compartes dos Baldios do lugar de WA... e WB.... , nos termos do disposto no art. 33.º da Lei dos Baldios» (ponto 48.), com publicitada convocação da «primeira Assembleia (Constituinte) dos Compartes dos Baldios de WA... e de WB... » (ponto 49.).

A qual veio a ser realizada no dia para que foi convocada (ponto 50.), tudo «de acordo com a convocatória supra referida e tal como consta da respetiva Ata» (ponto 51.) e com aprovação em «tal Assembleia de Compartes (…) por unanimidade [d]a constituição da Assembleia de Compartes dos Baldios de WA... e WB.... » (ponto 52.), tendo «sido ainda eleitos os corpos diretivos da Assembleia de Compartes, tudo conforma ata de tal Assembleia» (ponto 53.).

Ora, «Os 10 compartes “fundadores” da Assembleia de Compartes são proprietários, pelo menos, de um imóvel, onde têm instalada uma segunda habitação, onde pernoitam, tomam refeições, recebem familiares e amigos, sempre que o entendem e de acordo com a sua única e exclusiva vontade» (ponto 54.).

Assim, e como dito na sentença – sem que esta Apelante mostre o contrário –, «A Lei nº72/2014, de 2 de Setembro veio alterar a redação do artº 1º, nº3, do artigo da Lei nº68/93, de 4 de Setembro, no sentido de considerar compartes “todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde se situam os respetivos terrenos baldios ou que aí desenvolvem uma atividade agroflorestal ou silvopastoril”, quando ao abrigo da anterior redação se bastava com o facto de serem “moradores de uma ou mais freguesias ou partes delas que, segundo os usos e costumes, tinham direito ao uso e fruição do baldio”.

(…) uma vez provado que a Assembleia de Compartes Baldios do lugar de WA... e WB.... foi constituída em 2012, não é aplicável a alteração introduzida no nº 3, do art. 1º da Lei dos Baldios, Lei nº68/93, de 04/9, com a redação dada pela Lei nº 72/2014, de 2 de Setembro.

Na verdade, pese embora alguns dos compartes que estiveram presentes na primeira assembleia (constituinte) dos compartes dos baldios de WA... e WB.... aí não terem a sua morada fiscal, tal não é impeditivo de os mesmos se considerarem moradores, nomeadamente do lugar do WA... . Isto porque não é o caráter permanente ou temporário da utilização de um dado património habitacional que dá ou tira a qualidade de morador de um determinado lugar, sendo certo que por força do disposto na 2.ª parte, do n.º 1 do art. 82.º do C.C., se a pessoa residir alternadamente em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer um deles.

Não foi por isso ilegal o processo de constituição da ré.

O art.º 1.º da Lei dos Baldios (Decretos-Lei n.º39/76, de 19/1) definiu os baldios como “terrenos comunitariamente usados e fruídos por moradores de determinada freguesia ou freguesias ou parte delas” e o art.º 1.º da Lei n.º 68/93, de 4/9) consigna que “são baldios os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais”, explicitando que “comunidade local é o universo dos compartes” e que “são compartes os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso e fruição do baldio” sendo que, na redação da Lei nº 72/2014 consideram-se como “compartes todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde se situam os respetivos terrenos baldios ou que aí desenvolvam uma atividade agroflorestal ou silvopastoril”.

Entretanto a Lei n.º 75/2017, de 17 de agosto veio estabelecer o novo Regime aplicável aos baldios e aos demais meios de produção comunitários e revogar a Lei n.º 68/93, de 4 de setembro), definindo baldios como “terrenos com as suas partes e equipamentos integrantes, possuídos e geridos por comunidades locais” nomeadamente “Terrenos considerados baldios e como tais possuídos e geridos por comunidade local, mesmo que ocasionalmente não estejam a ser objeto, no todo ou em parte, de aproveitamento pelos compartes, ou careçam de órgãos de gestão regularmente constituídos” explicitando que “O universo dos compartes é integrado por cidadãos com residência na área onde se situam os correspondentes imóveis, no respeito pelos usos e costumes reconhecidos pelas comunidades locais, podendo também ser atribuída pela assembleia de compartes essa qualidade a cidadão não residente” (artº 7º, nº 2).

(…)

Já acima se concluiu que o processo de constituição da ré não enferma de qualquer ilegalidade e agora que existe pelo menos um baldio dos moradores de WA... e WB.... , razão pela qual não deverá ser declarada a extinção, por inexistência de objeto e ilegalidade na sua constituição, da Ré.».

Assim, provado, como persiste, que no lugar de WA... vivem hoje ainda – noutros tempos foram mais –, como residentes permanentes daquele local, três moradores, a que acrescem outras pessoas que foram, ao longo do tempo, ali adquirindo casas e terrenos ou restaurando as casas antigas e recomeçando a trabalhar as terras, inclusive para uso em férias e fins de semana, com os dez compartes “fundadores” a serem proprietários de, pelo menos, um imóvel, onde têm instalada uma segunda habitação, tal é quanto basta para se considerar que continua a haver, sem interrupção, compartes em WA (...) , os quais se constituíram, em tempo e segundo os trâmites aplicáveis, em assembleia de compartes do dito baldio ([13]) ([14]).

Em suma, improcede a argumentação em contrário da A./Apelante.

E se, como visto, o baldio em questão o é, desde tempos imemoriais e com exclusividade, dos comportes das localidades de WA... e WB.... , agora constituídos em assembleia de compartes, só pode ter-se como infundada e abusiva, salvo o devido respeito, a pretensão de que se trata, diversamente, de um baldio que cabe, em termos comunitários, a um maior “universo de compartes”, “globalizando-se” a toda a freguesia de K (...) ([15]), mediante unilateral/imposta “representação” (não concedida/atribuída por alguém de WB... ou sequer por aqueles comportes da aldeia de WA... , que, embora minoritários, continuam dotados de vontade autónoma e atuante, não podendo ser representados por outrem, contra a sua vontade, na esfera dos seus próprios interesses e em seu prejuízo).

Não colhe, pois, a argumentação construída pela A./Recorrente nas suas conclusões 18.ª a 21.ª, impedindo que se lhe confira legitimidade substancial para a celebração de contratos – como o discutido nos autos – que tenham por objeto o dito baldio aqui em discussão.

3. - Da (não) demonstração e quantificação do crédito da R./Reconvinte

Defende a A./Reconvinda que cabia à contraparte demonstrar o crédito invocado, através dos seus elementos integradores, e o respetivo montante pecuniário, o que, a seu ver, não foi feito, razão pela qual pretende a total improcedência do petitório reconvencional ou, caso não se julgasse válido e eficaz o contrato celebrado com a Interveniente (intitulado “contrato de cessão de exploração”), uma fixação limitada do quantum do crédito reclamado pela R./Apelada.

Na sentença expendeu-se assim:

«(…) o contrato outorgado em 29/12/2006, atento o disposto nos artºs 892º e 939º do Código Civil e artº 4º da Lei n.º 68/93, de 04 de Setembro (atualmente artº 6º da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto), por incidir sobre coisa alheia e por falta de legitimidade do Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia de K (...) , é parcialmente nulo (exceto no que respeita aos dois aerogeradores, cada um deles com o numero 11 e 12 melhor identificados a cor verde no documento junto pela Autora à PI como doc. nº 53).

A ré pede ainda que a Autora/Reconvinda seja condenada a entregar à Ré/Reconvinte todas as quantias que indevidamente recebeu, de todas e quaisquer entidades, em especial da Autoridade Florestal Nacional/ICNF e da E (…), S.A.

Alega que a conduta da Autora/Reconvinte, que ilegitimamente se apropriou do seu terreno baldio lhe causou avultados prejuízos, uma vez que a mesma se viu impedida de receber as quantias que lhe eram devidas pelos cortes de árvores que ocorreram dentro dos limites do terreno supra melhor descrito, bem como a receber as quantias pagas pela EE (…)S.A., em virtude da instalação dentro dos limites do terreno baldio aqui em causa, de torres com aerogeradores.

Provado ficou que os Serviços Florestais/ICNF depositaram ou transferiram para o Conselho Diretivo dos baldios da freguesia de K (...) , quantias referentes ao pagamento de 60% da venda de material lenhoso no perímetro florestal de P (...) - K (...) , tendo aquele emitido os respetivos recibos (documentos de fls. 58 a fls. 77).

Mais se provou que em razão do contrato referido no art. 25º da PI passou a ser a Autora, através do seu Conselho Diretivo, quem passou a receber as contraprestações devidas pela empresa nele contratante (doc.s nºs 39, 40, 41, 42, 43, 44 e 45).

Nos termos do artigo 609º, nº 2 do Código Processo Civil, se não houver elementos para fixar a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.

(…)

No caso, porque não existem elementos para fixar o montante das quantias recebidas da Autoridade Florestal Nacional/ICNF e da E (…), S.A., estas devem ser liquidadas em execução de sentença.

Como os créditos são ilíquidos apenas são devidos juros desde a data em que forem liquidados (art. 805/3 do CC).» (itálico aditado).

Que dizer?

Dir-se-á, desde logo, que nada haverá a objetar quanto à decretada nulidade parcial daquele “contrato de cessão de exploração”, por via da causa invalidante detetada – por incidir sobre coisa alheia ([16]) e decorrente ilegitimidade substantiva do Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia de K (...) .

Também é certo que o efeito jurídico da (declaração de) nulidade contratual – esta invocável a todo o tempo por qualquer interessado e até de conhecimento oficioso (art.º 286.º do CCiv.) – é o efeito retroativo a que alude o art.º 289.º do CCiv., devendo ser restituído tudo o que houver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (n.º 1).

Mas tal restituição deve operar entre as partes, em termos recíprocos, razão pela qual o preceito do art.º 290.º do CCiv. estabelece, quanto ao momento da restituição, que as obrigações (restitutórias) “devem ser cumpridas simultaneamente”, inclusive com aplicabilidade da disciplina legal da figura da exceção de não cumprimento do contrato.

Isto é, se, na sua validade e vigência, os contratos civis estão sujeitos ao princípio da relatividade dos contratos – com o sentido de que, por regra, os efeitos contratuais só valem entre as partes contratantes, não se estendendo, pois, a terceiros, que não estão, naturalmente, sujeitos a contratos celebrados por outrem e em que se não tenham, de algum modo, vinculado –, também a relação contratual inválida não sai desse horizonte de abrangência, o horizonte dos sujeitos celebrantes, quanto à legal obrigação restitutória.

Dito de outro modo, se o “contrato de cessão de exploração”, que é inválido, só vincularia as partes caso fosse válido – só estas estariam sujeitas às obrigações decorrentes do vínculo contratual assumido –, também, do mesmo modo, a obrigação restitutória decorrente do efeito retroativo da declaração de invalidade só às mesmas partes se poderia impor, as quais devem, reciprocamente e simultaneamente, restituir o recebido.

Restituição, pois, inter partes, e não a terceiros, como tal estranhos ao vínculo contratual invalidado.

Donde que não fosse de acolher, salvo o devido respeito, uma obrigação de restituição, por efeito da invalidade contratual, a um terceiro, como, no caso, a aqui R./Reconvinte, que nada prestou ou recebeu no âmbito do dito contrato, ao qual é alheia.

Certo é, por outro lado, que a mesma Reconvinte alegou, como visto, ilegítima apropriação pela A./Reconvinda do seu terreno baldio, assim lhe causando “avultados prejuízos”, por impedimento de receber montantes pecuniários referentes ao corte de árvores e ao que vem sendo pago pela instalação de torres com aerogeradores, montantes esses que a A. fez seus, sem a eles ter direito.

Tal justifica, então, ante o que vem provado, a atribuição de indemnização pelos atendíveis danos causados ([17]), indemnização essa de acordo com o estabelecido no art.º 483.º, n.º 1, do CCiv., cujos pressupostos (facto, ilicitude, culpa/negligência, dano e nexo de causalidade) se mostram verificados in casu, como também apontado na sentença em crise.

E se não é possível, na sentença, fixado já o dano, contabilizar ainda o respetivo montante – perspetivando-se, todavia, como possível, com recurso a provas suplementares, a quantificação plena em fase de ulterior liquidação ([18]) –, então deverá, como entendeu o Tribunal a quo, condenar-se “no que vier a ser liquidado” posteriormente, em adequado incidente de liquidação (cfr. art.ºs 609.º, n.º 2, e 360.º, n.º 3, ambos do NCPCiv.).

É esta a situação que se verifica in casu – fixado já o dano, resta contabilizar adequadamente o respetivo montante (com projeção no plano indemnizatório), a ter de ser sujeito a ulterior incidente de liquidação ([19]), embora correspondente aos valores, a determinar, indevidamente recebidos pela A./Reconvinda, por esta deles ter privado a Reconvinte – após a sua constituição –, que a eles passou a ter direito, como já determinado na sentença apelada e dentro dos limites do quantum peticionado na reconvenção (à qual foi atribuído e fixado o valor de € 20.000,00), a não poderem ser ultrapassados (cfr. despacho de fls. 576 do processo físico).

Assim, provado que a constituição da R./Reconvinte ocorreu em 03/03/2012 – data da aprovação da constituição da Assembleia de Compartes dos Baldios de WA... e WB.... e eleição dos respetivos corpos diretivos (cfr. pontos 49. a 53. dos factos provados) –, só a partir de então lhe assiste o direito indemnizatório pretendido, já que anteriormente, por não ter existência legal, não poderia receber os montantes pecuniários pagos e aqui discutidos.

Quer dizer, e como sentenciado, os montantes pecuniários a atender para cômputo indemnizatório são apenas os que hajam sido entregues à A., com referência aos ditos terrenos baldios de WA... e WB.... , após a data de 03/03/2012 (constituição da R.) e dentro do peticionado.

Mas haverá abuso no exercício do direito, seja quanto ao pedido de declaração de nulidade do discutido contrato, seja quanto ao decorrente direito indemnizatório assim perspetivado?

4. - Do abuso do direito

Com efeito, pugna a Interveniente/Recorrente “E (…)…” pela existência de abuso do direito quanto à peticionada e decretada nulidade parcial do contrato, por via de violação do princípio da confiança sempre gerada pelos moradores de WA... e WB.... na mesma Interveniente, abuso esse a justificar a inibição da pretensão invalidante.

Cabe, pois, verificar se ocorre tal abuso no exercício do direito, tendo o Tribunal recorrido vindo a pronunciar-se no sentido negativo.

Ora, esse abuso do direito teria de estar consubstanciado – encontrar respaldo – no elenco dos factos provados.

E, percorridos estes, não se vê em que terão os ditos moradores de WA... (e WB... ), por ação ou omissão, violado a confiança que houvessem incutido na sociedade Interveniente, com a qual, aliás, não entraram em qualquer relação, contratual ou outra.

Na verdade, não se vê em que houvessem eles, com alguma sua conduta relevante, suscitado/incutido naquela qualquer confiança em que não invocariam a nulidade do contrato – de si invocável, como visto, a todo o tempo por qualquer interessado e de conhecimento oficioso do Tribunal – ou dela não se prevaleceriam, apesar de lesados.

O que seria expetável, por razoável, era que viesse a ocorrer reação, como houve, no plano judicial, no que nem sequer se tardou muito significativamente, sendo compreensível que se demorasse algum tempo a preparar uma eventual instauração de ação judicial, a qual acabou por ser intentada, antecipadamente, pela aqui A., com oportuna dedução de reconvenção pela contraparte, uma vez constituída, também em tempo, a R./reconvinte.

Não se descortina, assim, qualquer violação do princípio da confiança que houvesse sido suscitada, deixando intocada, por isso, a pretensão invalidante e indemnizatória da Reconvinte/Apelada, mesmo se «os “compartes” dos lugares do WA (...) e do WB... nunca impugnaram a constituição da Autora» (cfr. conclusão 29.ª da apelação da Interveniente) e «nunca contestaram e impugnaram qualquer uma das deliberações» da mesma A. (conclusão 30.ª), guardando, ainda tempestiva e eficazmente, a sua “impugnação”/pretensão para este contexto de litigância jurídico-processual ([20]).

Inexiste, em suma, abuso do direito.

Sendo certo que, no mais esgrimido pela Interveniente/Apelante nas suas conclusões jurídicas, também improcede a sua argumentação, o que ocorre pelas razões já expostas a propósito do recurso da A., para que se remete, ficando prejudicado o demais aduzido, designadamente quanto a vícios de constituição/eleição/deliberação/intervenção no âmbito da aqui R./Apelada, enquanto (mais uma) assembleia de compartes de baldios.


***

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Os baldios são terrenos com afetação exclusiva, em modo comunitário, à satisfação de necessidades privadas, pelos indivíduos de determinada comunidade local, que pode reduzir-se aos moradores de uma aldeia, pertencendo, geração após geração, aos respetivos compartes – mesmo que pouco numerosos –, em regime de propriedade coletiva.

2. - Não pertencem, por isso, ao domínio público ou ao domínio privado do Estado ou das autarquias locais, não sendo o interesse público ou o interesse geral da população de uma autarquia local que cabe acautelar, mas aquela específica propriedade imemorial em modo comunitário.

3. - As receitas provenientes da exploração económica de um baldio cabem à respetiva assembleia de compartes, uma vez constituída.

4. - Se essa assembleia de compartes é impedida por outra entidade (ainda que assembleia de compartes de outros baldios da mesma freguesia) de receber essas receitas, por aquela as fazer suas, sob invocação de se tratar de um baldio de todas as populações da freguesia, constitui-se essa entidade em obrigação indemnizatória, pelo indevidamente recebido, mas apenas após a constituição daquela assembleia de compartes.

5. - O efeito retroativo da relação contratual invalidada só assume relevância, por regra, entre as partes no contrato, prevalecendo aqui, com exclusão de terceiros, as razões determinantes do princípio da relatividade dos contratos.

6. - Provando-se a existência do dano, mas não o respetivo quantum, é de relegar a fixação do valor indemnizatório para ulterior incidente de liquidação se ainda for de ter como possível essa fixação com recurso a outras provas, caso em que não deve o julgador socorrer-se de imediato da equidade no arbitramento indemnizatório.

7. - Só pode haver abuso do direito, designadamente no exercício do direito de ação de nulidade ou indemnizatória, se, em violação da boa-fé objetiva, a prevalência do direito que se pretende exercer conduzir a resultados clamorosos/intoleráveis, ou atentar gravemente contra os bons costumes ou o fim social ou económico desse direito.

8. - Não ocorre abuso no exercício daquele direito de ação se a assembleia de compartes de um baldio, uma vez constituída e sentindo-se lesada, pretende a nulidade de um contrato anteriormente celebrado, referente à exploração económica desse baldio, por assembleia de compartes de outros baldios da mesma freguesia, bem como indemnização por danos sofridos, mesmo em caso de inércia de exercício dos respetivos compartes, durante anos, até à sua constituição em assembleia de compartes.   


***

V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedentes as apelações e, em consequência, manter a decisão recorrida, com a clarificação, porém, quanto ao direito indemnizatório reconhecido à R./Reconvinte, de o capital da indemnização a liquidar ter de se conformar com o valor do pedido reconvencional formulado (o de € 20.000,00).

Custas da apelação da Interveniente/Apelante a suportar por esta, estando a A./Recorrente, vencida no recurso que interpôs, delas isenta (art.º 4.º, n.º 1, al.ª x), do RCProc.).

***

Coimbra, 11/12/2018

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Em 07/11/2013 (cfr. fls. 44 dos autos em suporte de papel).
([2]) São, por outro lado, intervenientes a JUNTA DE FREGUESIA DE K (...) , do concelho de Y (...) , e as sociedades “E (…), S. A.” (firma para a qual “E (…), S. A.” se alterou), e “E (…)S. A.”, estas também com os sinais dos autos.
([3]) Processo instaurado após 01/09/2013, em plena vigência, pois, do NCPCiv., aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 (cfr. art.ºs 1.º e 8.º).
([4]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão das precedentes.
([5]) Sic, mencionando-se ainda que “Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, não se referindo a demais matéria vertida pelas partes nos respetivos articulados por ser conclusiva, de direito ou sem relevo para a decisão da causa.”.
([6]) Cfr. art.º 640.º do NCPCiv., bem como Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 126 e segs., e Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, pág. 153, e ainda, no mesmo sentido, Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, Lisboa, págs. 253 e segs.. Vide também Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 80. No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência do STJ, podendo ver-se, por todos, os Ac. desse Tribunal Superior de 04/05/2010, Proc. 1712/07.3TJLSB.L1.S1 (Cons. Paulo Sá), e de 23/02/2010, Proc. 1718/07.2TVLSB.L1.S1 (Cons. Fonseca Ramos), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
([7]) Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 115. 
([8]) Op. cit., p. 118, com itálico aditado. 
([9]) Op. cit., ps. 126 e seg., com itálico aditado. 
([10]) Cfr. op. cit., ps. 128 e seg..
([11]) Com efeito, aconselha a boa técnica jurídica – na senda, aliás, do teor literal do art.º 640.º, n.º 1, al.ª b), do NCPCiv. – que das conclusões conste o âmbito probatório da impugnação, sem prejuízo de, a constar da alegação, poder ser ainda considerado pelo Tribunal.
([12]) Proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1 (Cons. Tomé Gomes), disponível em www.dgsi.pt, com itálico e sublinhado aditados. 
([13]) Note-se que resulta apurado que o uso/aproveitamento comunitário (pelos moradores dos lugares de WA... e WB.... ) sobre o terreno baldio – terreno matagoso e pedregoso com castanheiros e oliveiras, com 510 ha, inscrito na matriz predial sob o art.º 0001 (...) .º – sempre foi feito, desde tempos imemoriais, à vista de toda a gente e sem interrupção ou oposição (facto 43.º).
([14]) É certo – como enfatizado no Ac. TRC de 02/02/2016, Proc. 2682/14.7T8VIS-D.C1 (Rel. Fonte Ramos), em www.dgsi.pt – que foi abandonada a tradicional função económico-social dos baldios (enquanto “terrenos comunitariamente usados e fruídos por moradores de determinada freguesia ou freguesias, ou parte delas”), passando a entender-se, numa nova “leitura”, que a forma legal de administrar os baldios é através de órgãos democraticamente eleitos, sendo que tal administração só poderia ser “devolvida” aos compartes se estes se organizassem, para o exercício dos atos respetivos, em assembleia de compartes. E acrescenta-se em tal aresto que os «baldios são terrenos que só podem ser usados ou fruídos, para satisfação de necessidades privadas, pelos indivíduos pertencentes a determinada comunidade local; pertencem aos próprios utentes ou compartes, em regime de propriedade colectiva (também denominada comunhão de mão comum e que existe quando a dois ou mais indivíduos pertença, em contitularidade, um direito único sobre um património global afectado a certo fim)».
([15]) Como salientado no Ac. TRC de 31/01/2006, Proc. 3283/05 (Rel. Cardoso de Albuquerque), em www.dgsi.pt: «I- Os terrenos baldios não pertencem ao domínio público, nem ao domínio privado do Estado ou das autarquias locais, constituindo, antes, propriedade comunal ou comunitária dos moradores de determinada freguesia ou localidade desta e que exerçam aí a sua actividade. (…) III- Não é o interesse público ou o interesse geral da população servida pelas autarquias locais que a lei dos baldios pretende proteger, antes a preservação de uma forma de propriedade sui generis, regida em parte por regras consuetudinárias».
([16]) Como enfatizado no Ac. STJ de 15/12/1992, Proc. 081709 (Cons. Santos Monteiro), em www.dgsi.pt, “Os baldios integram os bens comunitários a que se refere a Constituição - artigo 82, n. 4, alínea b) - e que não estão apenas na posse e gestão das comunidades locais, mas também na sua titularidade, isto é, pertencentes à comunidade” respetiva. No mesmo sentido, entre outros, o Ac. STJ de 19/06/2014, Proc. 310/09.1TBVLN.G1.S1 (Cons. Silva Gonçalves), também em www.dgsi.pt, afirmando que os baldios «são bens comunitários afectos à satisfação das necessidades primárias dos habitantes de uma circunscrição administrativa ou parte dela e cuja propriedade pertence à “comunidade” formada pelos utentes de tais terrenos que os receberam dos seus antepassados, para, usando-os de acordo com as necessidades e apetências, os transmitirem intactos aos vindouros».
([17]) Como enunciado no Ac. STJ, de 29/10/2002, Proc. 02A2849 (Cons. Ribeiro Coelho), em www.dgsi.pt: «I. Os baldios são terrenos possuídos e geridos por comunidades locais, sendo a comunidade local o universo dos compartes e sendo estes os moradores de uma ou mais freguesias com direito ao uso e fruição do baldio – art. 1 da L 68/93 de 4/9. // II. A esta assembleia cabe discutir e votar a aplicação das receitas, sob proposta do conselho directivo – arts. 15, n. 1, al. i) e 21, al. a). // III. Mas, tratando-se de receitas depositadas e provenientes de aproveitamento de baldios em regime florestal ao abrigo do DL n. 39/76, de 19/1, os respectivos montantes serão entregues pelos serviços da Administração deles detentores à junta ou juntas de freguesia da área do baldio, para que esta ou estas elaborem um plano de utilização dos mesmos montantes, a submeter à aprovação da assembleia de compartes – art. 38, ns. 1, 4 e 5. // IV. O dinheiro respectivo não se destina a ser despendido pela junta, já que a respectiva destinação cabe à assembleia de compartes».
([18]) Já na hipótese contrária, a de não poder ser averiguado – nem sequer posteriormente, com recurso a outras provas (que logo se conclua não existirem) – o valor exato dos danos, o tribunal julgará, imediatamente, em equidade dentro dos limites que tiver por provados (cfr. art.º 566.º, n.º 3, do CCiv.).
([19]) Cfr. neste sentido, inter alia, o Ac. TRP de 12/01/2016, Proc. 758/13.7TVPRT.P1, subscrito pelos aqui Relator e Exm.º Desembargador 1.º Adjunto, disponível em www.dgsi.pt.
([20]) Como sintetizado, por exemplo, no Ac. STJ de 17/05/2016, Proc. 1118/09.0TBCHV,G1.S1 (Cons. Pinto de Almeida), em www.dgsi.pt, «O abuso do direito é um meio pelo qual se visa evitar que, no exercício de um qualquer direito (faculdade ou poder legal), sejam intoleravelmente ultrapassados os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito; traduz-se na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido». Nesse aresto considerou-se que «Afronta, de forma flagrante, o princípio da boa fé e o fim social e económico do direito (de uso e fruição comunitária), a pretensão do autor – representante de assembleia de compartes dos baldios de V –, de, em decorrência do reconhecimento da nulidade do contrato-promessa celebrado de alienação gratuita do mesmo terreno (…), ver restituída a parcela de terreno ocupada pela sociedade ré – concessionária do sistema multimunicipal de abastecimento de água e saneamento –, acarretando a destruição de obra de indiscutível interesse público (saneamento e abastecimento de água) e de custo avultado, concluída em momento posterior ao da constituição dos órgãos de gestão e administração dos baldios, à vista de toda a gente; circunstancialismo em que perde relevo o prejuízo ao mesmo imposto, pela reduzida extensão da ocupação, pela extensa área remanescente e tendo em conta a utilização que as populações fazem dos terrenos baldios, caracterizada por actividades tradicionais, notoriamente em franco declínio (roçar mato, apanha de lenha, pastoreio)». Situação muito diversa, assim, da discutida nos presentes autos, em que está apenas em causa, quanto à pretensão da R./Reconvinte, a nulidade contratual e a indemnização por proventos impedidos, tudo, pois, num exercício não desproporcionado/desequilibrado nem contraditório ou violador do princípio da boa-fé (designadamente, na vertente da confiança suscitada e defraudada), muito menos em termos manifestos/clamorosos/intoleráveis.