Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
51/19.1T8SRE-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: PRESCRIÇÃO
LETRAS E LIVRANÇAS
INÍCIO DO PRAZO
Data do Acordão: 02/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 70º E 77º DA LULL.
Sumário: O prazo de prescrição a que se reportam os art.º 70º e 77º da LULL inicia-se a partir da data de vencimento que vier a ser aposta pelo portador de uma livrança que lhe tenha sido entregue incompleta nesse elemento, contanto que tal data não seja anterior ao momento em que se verificou o facto que, à luz do respectivo pacto, legitimou o preenchimento do título.
Decisão Texto Integral:





Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Na execução para pagamento de quantia certa que no Juízo de Execução de Soure, Comarca de Coimbra, a C... move a A..., M..., J... e M..., tendo como títulos executivos duas livranças subscritas por E..., Lda e avalizadas pelos Executados, veio o Executado A... alegar a prescrição dos títulos dados à execução, o respectivo preenchimento abusivo e a não verificação dos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade, pugnando pela consequente extinção da execução.

Contestou a Exequente/Embargada refutando as excepções invocadas, demonstrando a justeza do preenchimento dos títulos em face dos valores em dívida nos dois contratos celebrados com a principal devedora, e alegando a desnecessidade de interpelação dos devedores antes do preenchimento dos títulos. Rematou com a improcedência dos embargos.

No saneador foi julgada improcedente a excepção da prescrição.

Desta decisão foi interposto e admitido recurso de apelação, ao qual foi fixado o regime de apelação autónoma (art.º 644º, nº 1, al.ª b) do CPC), com efeito meramente devolutivo.

Este recurso veio, no entanto, a subir com o recurso da sentença final.

A final foi prolatada sentença onde os embargos foram julgados totalmente improcedentes.

De novo inconformado, desta sentença recorreu o Executado/Embargante, recurso admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

São estes os factos que estão provados e não mereceram qualquer impugnação:

...

                                                                                         *

A apelação da decisão que julgou improcedente a excepção da prescrição.

A questão que neste recurso vem suscitada pelo Embargante prende-se essencialmente com o saber em que data se iniciou a contagem do prazo prescricional de três anos para a acção cambiária contra o apelante (como avalista nas livranças dadas à execução), prescrição que aquele sustenta achar-se já consumada na data em que foi instaurada a presente execução (02.05.2019).

Houve contra-alegação da Exequente que pugnou pela improcedência do recurso.

Nas conclusões que delimitam o objecto deste recurso insurge-se o Embargante A..., enquanto avalista da principal obrigada nas duas livranças dadas à execução, contra a decisão de julgar improcedente a excepção da prescrição do direito de acção cambiária que com base nos títulos a Exequente tinha contra ele. Insurgência que radicaria no facto de, no cômputo do prazo prescricional de três anos, aplicável a tais livranças ex vi dos art.ºs 70º e 77º da LULL, ter sido tomada em conta a data de 1 de Julho de 2016 nelas aposta como data de vencimento, quando, para o apelante, por força do disposto no nº 1 do art.º 91º do CIRE essa data teria de ser a da declaração da insolvência da principal devedora E..., declaração que é de 16 de Fevereiro do mesmo ano.  De forma que, a ser tida em conta esta última como a data de vencimento dos títulos, estes, isto é, os direitos cambiários neles fundados, estariam prescritos no momento da instauração da execução que se verificou em 2 de Maio de 2019.

Cremos, no entanto, que não tem razão, como se tentará demonstrar.

A prescrição é o instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não exercitados durante certo tempo fixado na lei e que varia conforme os casos[1].

Como outros prazos, o prazo prescricional está sujeito a causas de interrupção e suspensão, sendo a interrupção promovida pelo titular do direito exercida através de citação ou notificação judicial de acto que exprima a intenção do seu exercício (art.º 323º, nº 1, do CC).

No presente recurso, está em discussão, não directamente o momento da interrupção da prescrição cambiária, mas o do início do prazo prescricional de 3 anos resultante dos art.ºs 70º e 77º da LULL.

Na esteira de doutrina e jurisprudência que sobre o tema já então vinha fazendo o seu caminho – e em recurso onde também se discutia a questão de prescrição da acção cambiária contra o avalista de livranças, entregues ao credor incompletas, mas em que as datas de vencimento apostas no ulterior preenchimento eram posteriores à data da declaração da insolvência da principal devedora – escreveu-se no Acórdão desta Relação de 28.11.2018, proferido no P. 4762/16.5T8CBR, disponível em www.dgsi.pt:

“A questão não é pacífica na jurisprudência, a qual, maioritariamente, tende a considerar que no caso de letra/livrança em branco o prazo prescricional ora em análise corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador, desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento – sobre esta problemática e solução aqui seguida, veja-se Carolina Cunha, in Manual de Letras e Livranças, Almedina, 2016, pág.s 200 a 206.

Concordando-se no mesmo aresto com a referida Autora quando esta conclui que “o direito cambiário emergente de um título cambiário em branco‘(…) torna-se exercitável a partir do momento em que o respectivo portador está legitimado a preenchê-lo – tipicamente, a partir da ocorrência do incumprimento e subsequente resolução do contrato fundamental. Ou seja, a verificação do pressuposto a que o preenchimento está submetido faculta-nos a determinação da data de vencimento que deve ser aposta no título e assim acaba, reflexamente, por traçar um limite factual taxativo ao exercício da faculdade de preenchimento: pode ocorrer até ao final do prazo de prescrição cambiária.

Por conseguinte, não é correcto afirmar que o credor tem a faculdade de indicar livremente a data de vencimento a apor no título: está vinculado, quanto a esse parâmetro como quanto aos outros, pelo que resulta do acordo de preenchimento. E se é verdade que não está propriamente obrigado a preencher o título no exacto momento em que procede a resolução do contrato fundamental por incumprimento, a verdade é que impende sobre si o ónus de o fazer com alguma brevidade, sob pena de, decorridos (no máximo) três anos sobre esse instante perder definitivamente a possibilidade de exercitar o direito cambiário. Se persistir em preencher e/ou accionar o título para lá desse limite temporal, indicando uma data de vencimento posterior, incorre em preenchimento abusivo e culposo nos termos do art. 10.º da LU e, por referência à data de vencimento correcta, o direito cambiário deve considerar-se prescrito’”. [2]

Salvo o respeito devido, e sem embargo dos ponderosos argumentos aduzidos, não podemos aderir à solução assim dada à questão formulada – solução que iria de encontro à pretensão do aqui recorrente –  sendo esta mesma questão que agora volta a ser submetida à apreciação desta Relação.

Se não vejamos.

Decorre dos elementos juntos aos autos, designadamente dos que acompanharam o requerimento de embargos, que a obrigada principal e subscritora “E..., LDA foi declarada insolvente por sentença de 16 de Fevereiro 2016, facto este aceite na decisão recorrida e, de resto, não controvertido entre as partes.

Sendo certo que a declaração de insolvência acarreta o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva (art.º 91.º, n.º 1, do CIRE), pensamos que considerar como data de vencimento das livranças a data do vencimento da obrigação para o principal devedor viola ostensivamente o princípio cambiário da literalidade.

Desde logo porque data do vencimento da obrigação não se identifica com a data do seu incumprimento.

Com efeito, compulsados os acordos de preenchimento dos títulos que foram firmados com a celebração dos contratos, constata-se que só o incumprimento das obrigações assumidas pela sociedade mutuária aparece como pressuposto legitimador do preenchimento das livranças – cfr. o constante da cláusula 14ª do contrato de mútuo de 27.11.2007 (articulado com o da cláusula 17ª e da cláusula 7ª, nºs 1, 2 e 3, do contrato de abertura de crédito de 21.10.2009 e o teor dos factos provados em 4.1.1, 4.1.3, 4.1.4 e 4.1.5.

O estatuído no nº 1 do art.º 91º do CIRE tem como objectivo permitir que imediatamente à declaração de insolvência todos os credores tenham acesso à execução universal dos bens do devedor como se todos os respectivos créditos se encontrassem vencidos, ressalvando-se obviamente aqueles em que a obrigação esteja subordinada a condição suspensiva. Os números seguintes do mesmo artigo visam evitar o benefício do credor com os juros que lhe adviriam do vencimento antecipado do seu crédito (cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE ANOTADO, Quid Juris, 2006, p. 369).

Em todo o caso, não há que levantar objecção a que a declaração de insolvência da devedora principal de 16 de Fevereiro de 2016 seja equiparada ao facto/pressuposto legitimador da aposição da data de vencimento nas livranças dadas à execução, ou seja, ao incumprimento.

Contudo, o vencimento que efectivamente foi aposto nas livranças – 01 de Julho de 2016 – localizou-se numa data que corresponde a quatro meses e alguns dias após a declaração de insolvência.

Não vemos nenhuma razão para fazer “retrotrair” o vencimento das livranças à aludida data de 16 de Fevereiro de 2016.

O cerne da questão – melhor dito: a verdadeira questão – suscitada pelo apelante no presente recurso reside em saber se o credor cambiário se demorou a preencher as livranças – avalizadas pelo apelante apenas com a assinatura – para além do que lhe era consentido pelos respectivos pactos de preenchimento. Ou seja, se, afinal, houve desrespeito/abuso destes pactos no que concerne às datas de vencimento com que os títulos foram efectivamente completados.

Como tem sido entendido, o desrespeito do acordo ou pacto de preenchimento do título cambiário incompleto conduz a um só resultado: passa a valer o preenchimento de harmonia com o que foi convencionado sem ter sido seguido.

Porém, carece totalmente de fundamento a ideia de que não foram observados os acordos firmados quanto ao preenchimento das livranças entregues só com as assinaturas dos avalistas.

É sabido que no cumprimento de qualquer obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, o artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil impõe às partes que procedam de boa .

Ninguém ousará negar que é, no mínimo, desejável que o obrigado cambiário num título entregue ao credor apenas assinado, ou seja, incompleto, não permaneça anos à espera do preenchimento após a ocorrência do facto que, nos termos oportunamente pactuados, autoriza o credor a completar o título.

Todavia, o título cambiário é, na realidade, uma mera datio pro solvendo (art.º 840º, nº 1, do C. Civil): a obrigação do devedor que entrega um título cambiário incompleto ou em branco ao credor para facilitar a satisfação do seu crédito existe antes e independentemente de aquele ser completado.

O problema não é, portanto, de imprescritibilidade prática do título como pretende alguma jurisprudência[3] - mas, tão só, de dotar o credor de um novo meio de cumprimento pelo devedor, agora mediante a obrigação cambiária incorporada no título, novo meio que aquele poderá accionar se e quando lhe convier.

Significa isto que o obrigado cambiário, seja ele o obrigado principal ou um garante (avalista no título), não pode considerar-se “surpreendido” – leia-se, “prejudicado” – pelo não preenchimento do título no momento do incumprimento. É que já então ele sabe ou pode saber que a obrigação não foi cumprida, ou, pelo menos, que o credor não recebeu a prestação a que tinha direito. E tem nesse momento um bom remédio para mais tarde não vir a ser confrontado com o preenchimento do título a que se vinculou: basta dirigir-se ao credor e pagar.

Se é exacto que com a verificação do pressuposto legitimador acordado o portador passa a ter o direito ao preenchimento do título nos termos pactuados, também pode acontecer que haja abuso do direito quando esse preenchimento ofende a boa fé, designadamente quando ele tem lugar com uma dilação absolutamente injustificada [4].

Como se viu, na situação descrita nos autos, as livranças foram preenchidas quando haviam decorrido uns escassos quatro meses e meio sobre a insolvência da principal devedora.

Por um lado, o mero transcurso de um lapso temporal desta dimensão entre a insolvência da principal devedora e o preenchimento das livranças (incompletas) não podia gerar nos respectivos avalistas – nos quais se incluía o embargante ora apelante – qualquer fundada expectativa de ali não virem a ser responsabilizados.

Por outro lado, nenhum argumento pode ser retirado dos factos trazidos aos autos que reverta em desabono da boa da Exequente e aqui apelada enquanto portadora dos títulos.

Não se configurando nenhum abuso do direito do credor, valerá inexoravelmente o vencimento que literalmente foi aposto nos títulos.

Salvo o respeito devido, fazer tábua rasa de um elemento com uma tal objectividade é entrar no campo de ficções que subvertem por inteiro os princípios inerentes à circulação dos títulos cambiários, nomeadamente o princípio da literalidade.

Na verdade, em lado nenhum a lei cambiária exige que o credor preencha o título com a data de vencimento do facto/pressuposto legitimador segundo o contrato de preenchimento – facto que, em princípio, coincidirá com o incumprimento. É, p. ex., plausível que, perante o incumprimento ou a insolvência do principal obrigado, os garantes queiram ainda negociar um pagamento parcial com o credor e que este adira a essa negociação, retardando o preenchimento do título.

Além do mais, o ficcionar o vencimento de um título – que foi entregue incompleto nesse elemento – na data da verificação do facto que legitima o seu preenchimento – como sustentam as posições acima identificadas – equivale a criar uma ilegal preclusão ou supressão do direito ao preenchimento atribuído credor/portador; e, por via de uma diferente contagem do prazo prescricional a partir dessa ficção de vencimento, a impor-lhe uma injusta extinção das obrigações assumidas pelos vinculados cambiários.

E não só.

A “sugestão” de que esse direito desaparece ou deixa de poder ser actuado ao fim de três anos sobre o incumprimento – ou sobre outro facto legitimador à luz do pacto de preenchimento – corresponde a instituir uma espécie de “prescrição” – igualmente sine lege da faculdade conferida ao credor de preencher o título com a data do seu vencimento.

Não há na lei um prazo para o preenchimento de um título cambiário entregue ao credor num estado de incompletude após a ocorrência do facto legitimador desse preenchimento[5]. Nem se pode dizer que há um abuso do preenchimento quando o credor/portador apõe no título uma data de vencimento que vai para além do decurso do próprio prazo prescricional contado desse facto legitimador.

O respeito do acordo ou pacto de preenchimento de uma livrança que é exigido pelos art.ºs 10º e 77º da Lei Uniforme só não autoriza que esse preenchimento tenha lugar em momento anterior ao da verificação do facto legitimador ali previsto.

O preenchimento com uma data posterior vale sempre como “data do vencimento” para efeito da contagem do prazo prescricional do art.º 70º da LULL, aplicável às livranças ex vi do art.º 77º.

Esta tem sido a jurisprudência pacífica, ou, pelo menos, largamente prevalecente, do nosso mais alto Tribunal, como se lembrou no Ac. do STJ de 04.07.2019, proferido no P. 4762/16.5T8CBR-A.C1[6], disponível em www.dgsi.pt, onde foi referida a idêntica orientação, entre outros, dos acórdãos de 12/11/2002 (proc. nº 3366/02), de 30/09/2003 (proc. n.º 2113/03), de 29/11/2005 (proc. nº 3179/05), de 09/02/2012 (proc. n.º 27951/06.6YYLSB-A.L1.S1), de 19/10/2017 (proc. n.º 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt; e também do acórdão proferido em 19/06/2019 no proc. nº 1025/18.5T8PRT.P1.S1 (na altura não publicado).

De sorte que a decisão recorrida não merece censura.

                                                                                                        *

A apelação da sentença.

Neste recurso o Embargante quer ver revogada a decisão que julgou a exigível a sua obrigação cambiária de avalista nas livranças dadas à execução sem que tivesse havido uma interpelação prévia ao respectivo preenchimento pela portadora e ora Exequente.

Contra-alegou a Exequente, batendo-se pela improcedência do recurso.

Apreciando.

A questão da necessidade da interpelação do avalista previamente ao preenchimento do título incompleto tem colhido uma resposta quase unânime da jurisprudência no sentido de que não resulta da lei que a falta de interpelação nesse momento obste ao exercício do direito cartular pelo respectivo portador.

Diversamente, o entendimento que tem vingado é o de que, não tendo sido dada ao obrigado cambiário a oportunidade de pagar antes do preenchimento, a sua interpelação para cumprir a obrigação cambiária, já constituída e eficaz pelo preenchimento do título, é uma interpelação para cumprimento de uma obrigação (pecuniária) sem prazo certo, que, como tal, pode operar-se (e opera-se) através da citação para a acção (executiva) onde lhe são exigidos todos os montantes devidos. O seu efeito é, exclusivamente, o de marcar o início da mora e da contagem dos inerentes juros, ex vi dos art.ºs 777º, nº 1, 805º, nº 1 e 802º, nºs 1 e 2, do C. Civil. Nesta direcção podem ver-se, entre outros, os Acórdãos do STJ de 21.10.2020, proferido no P. 1384/14.9TBGMRA.G1.S1, 08.10.2020, proferido no P. nº 4410/16.3T8VNF-B.G1.S1, 24.10.2019, proferido no P. 1418/14.7TBPVZ-B.P2.S2 e a jurisprudência convergente aí citada.

Destarte, o credor que não cumpre o “ónus de informar” o avalista do preenchimento do título incompleto (em regra, pelo incumprimento da obrigação principal), apenas “sofrerá” a penalização de não poder obter dele a indemnização pecuniária pelo lapso temporal transcorrido entre a data do vencimento com que o título foi preenchido e o momento da interpelação que deriva da citação para a acção executiva.

A exequente não provou – como lhe competia – o que alegara quanto à interpelação do Executado/Embargante para pagar os montantes que ia inscrever nas livranças em 01.07.2016, interpelação que se teria realizado mediante as cartas de 01.06.2016 (cfr. fls. 56 e 78). É o que decorre do facto dado como não provado em 4.2.2.

Está aqui em causa a mora intercorrente entre o vencimento dos títulos e a entrada da execução.

Pelo que em consonância com o que se expressou, só lhe assistirá o direito a cobrar-se dos juros de mora vencidos a partir da citação do Embargante ora apelante.

Em conformidade, a parte do pedido executivo atinente aos juros de mora contabilizados desde o vencimento das livranças até à instauração da execução - €1.041.186,87 – e ao respectivo imposto de selo - €41.647,48 - não é devida.

Donde que, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, os embargos tenham de proceder nesta parte.

Pelo exposto, acordam:
1. Em julgar totalmente improcedente a apelação respeitante à decisão que julgou improcedente a excepção da prescrição, a qual vai confirmada;
2. Em julgar parcialmente procedente a apelação da sentença final, em função do que julgam os embargos de executado procedentes quanto à parte do pedido executivo atinente aos juros de mora contabilizados desde os vencimentos das livranças exequendas até ao momento da instauração da execução (€1.041.186.87) e respectivo imposto de selo, e, bem assim, quanto aos juros vencidos até à citação do Embargante, declarando nessa parte extinta a Execução, a qual prosseguirá apenas para cobrança do valor das livranças dadas à execução e dos respectivos juros de mora, calculados à taxa legal, desde a citação do Embargante até efectivo pagamento.

Custas na proporção de 4/5 pelo Embargante/Executado e 1/5 pela Exequente/Embargada.

Coimbra, 18 de Fevereiro de 2021

Sumário:

O prazo de prescrição a que se reportam os art.º 70º e 77º da LULL inicia-se a partir da data de vencimento que vier a ser aposta pelo portador de uma livrança que lhe tenha sido entregue incompleta nesse elemento, contanto que tal data não seja anterior ao momento em que se verificou o facto que, à luz do respectivo pacto, legitimou o preenchimento do título.

                                                           ***


[1]Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina, 1972, p.445.
[2] Invocando a aludida Autora no mesmo sentido a posição de Gonsalves Dias, in Da Letra e da Livrança, vol. IV, pág.s 561/2.
 
[3] Cfr. nomeadamente o Ac. desta Relação de 11.06.2019, p. no P. 5046/16.4T8CBR-A.C1.
[4] Abuso este que tem que ver com a boa- no exercício dos direitos (art.º 334º do CC), sendo por isso inteiramente distinto do preenchimento abusivo e culposo a que se reporta o art.º 10º da LULL.
[5] O que também não significa que, como se disse, o título que tenha sido preenchido num prazo injustificável não possa ser fundamento de invocação de abuso do direito contra o credor que levou a efeito tal preenchimento.
[6] Acórdão este que revogou, aliás, o supracitado Acórdão desta Relação de 28.11.2018.