Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
282/06.4GATUB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO
Data do Acordão: 05/13/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 127º DO CPP
Sumário: 1. Dúvida e convicção constituem como que a face e verso do critério geral de apreciação da prova, limitando-se reciprocamente.
2. Ambas devem ser fundamentadas na apreciação crítica e racional dos meios de prova.
3. Acabando a livre convicção positiva onde surge a dúvida razoável; e deixando de subsistir a dúvida razoável quando o tribunal estabelece a convicção positiva ancorada numa análise objectiva e racional dos meios de prova validamente produzidos e valorados em conformidade com os critérios legais.
4. A livre convicção assenta na legalidade da prova, nos critérios de apreciação vinculada e, na ausência destes, na razoabilidade da sua apreciação á luz do critério previsto no art. 127º do CPP. E o princípio in dubio pro reo assenta, afinal, no mesmo critério.
5. Uma e outro estão limitados pela legalidade da prova, pela prova de apreciação vinculada, pela razoabilidade da análise crítica dos meios de prova produzidos oralmente em audiência, pela objectividade e racionalidade da análise em função das regras do convívio social, da proximidade ou distanciamento dos depoentes em relação ao caso e/ou pessoas envolvidas no processo, do seu interesse no resultado do processo, das humanas paixões subjacentes a cada depoimento, na falível condição humana.
Decisão Texto Integral: I.
Nos presentes autos, após realização da audiência de discussão e julgamento, o Tribunal Colectivo decidiu:
1 – Julgar a acusação procedente e condenar A..., como autor de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), na pena de três (3) anos de prisão.
2 – Julgar o pedido de indemnização civil procedente e condenar o arguido a pagar à ofendida a quantia de €6 382,45 (seis mil, trezentos e oitenta e dois euros e quarenta e cinco euros) a título de danos patrimoniais e €1 500,00 (mil e quinhentos euros a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros legais a partir desta condenação, como pedido, à taxa fixada por lei para os juros legais
*
Não se conformando com tal decisão, dela recorre o arguido.
Na motivação formula as seguintes CONCLUSÕES (reprodução, por sacanner, salvos os pontos em que transcrevem pontos da decisão que vão reproduzidos em outro local)
1. – Reprodução da decisão, supra descrita.
2. Porém encontra-se o douto acórdão recorrido ferido pela deficiente decisão sobre a matéria de facto.
3. - Descrição dos pontos n.º1 a 4, 6 e 9 da matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido que vai reproduzida infra.
4. - Reprodução dos pontos n.º1 a 4 da matéria de facto dada como NÃO provada pelo tribunal recorrido, que vai reproduzida infra.
5. No que respeita à ocorrência do furto e às suas circunstâncias, o tribunal baseia a sua convicção nas testemunhas de acusação, que não presenciaram o furto, mas apenas as suas consequências;
6. Refere que “Relativamente a autoria do furto a convicção baseou-se no facto de ter sido encontrada uma impressão digital do arguido no puxador da porta arrombada”.
7. O Tribunal descreve também a versão apresentada pelo Arguido:
- o arguido não nega que esteve no local;
- reside em Lisboa, mas veio a Viseu à procura de uma familiar da sua esposa, mas não a encontrou;
- veio com outra pessoa, a testemunha C..., que foi ouvida em audiência, e que o trouxe no seu automóvel;
- de regresso a Lisboa, já noite dentro, estiveram numa discoteca situada nas imediações de Oliveira do Hospital e seguiram depois pela estrada que passava em Midões porque necessitavam de levantar dinheiro na Caixa Multibanco, o que fizeram;
- foi nestas circunstâncias que pararam junto ao estabelecimento comercial assaltado;
- enquanto a testemunha C... foi levantar dinheiro, o arguido saiu do veículo e deslocou-se em direcção ao estabelecimento comercial e foi então que deparou com a porta aberta, verificando que no seu interior havia roupas no chão, logo tendo concluído que tinha ocorrido um assalto;
- fechou a porta do estabelecimento e disse para a testemunha C... algo como “vamos embora que houve um assalto”, pelo que, entraram no veículo e continuaram a marcha.

8. Acrescenta o Tribunal que “A testemunha C... depôs no mesmo sentido do Arguido”.
9. E no decurso da fundamentação reconhece ainda; “Resta acrescentar que o arguido necessitou de um veículo para fazer o transporte das roupas e que podem ter existido outros participantes, pois acções destas exigem pessoas que vigiem para possibilitarem a fuga com êxito em situação de perigo de captura ou descoberta. Porém, quanto a estes aspectos nada se alegou na acusação”.
10. Não obstante, conclui o Tribunal: “A explicação que o arguido da para ter aparecido no puxador a sua impressão digital não é verosímel, devendo-se concluir que o facto por ele narrado não corresponde à realidade histórica efectivamente ocorrida”
11. E para justificar esta conclusão, o Douto Tribunal recorre à teoria do filósofo françês Georg H. Von Wright, que para explicar a “lógica da acção humana” estabelece a distinção entre “fazer algo” e “dar lugar a algo”; a acção humana só é explicável em termos teleológicos, isto é, tendo em conta as suas finalidades; como tal, o acto alegado pelo arguido, no sentido de fechar a porta da loja ao verificar que tinha havido furto, há-de ter tido uma finalidade; e como a finalidade (fecho da porta) não é explicável por quaisquer premissas racionais, a explicação do arguido baseia-se em factos inexistentes.
12. Ora parece evidente que não se pode suprir a falta de provas recorrendo a teorias sobre o comportamento humano. E muito menos vindas de um filósofo, em vez de um psicólogo, um perito forense, etc. Os filósofos servem para levantar dúvidas e não para as resolver.
13. Para além disso, esta teoria esbarra em dois paradigmas, provenientes da experiência comum:
a) nem todas as pessoas reagem da mesma maneira, porque não há dois indivíduos iguais;
b) se o arguido estava, como afirma e foi confirmado por uma testemunha, embriagado, não se lhe podia exigir uma actuação “lógica ou “racional”.
14. O Douto Acórdão recorrido, para justificar o seu raciocínio (de que a tese do arguido não seria credível) procura depois ajuda no passado criminal deste, recorrendo a um Acórdão do mesmo Tribunal, proferido no Processo nº 52/00.3GATBU que descreve um furto efectuado pelo Arguido, em que teria partido o vidro de uma loja de roupa, e deixado impressões digitais.
15. Para concluir daí que, se de facto o Arguido tivesse deparado com a loja assaltada, teria tido o cuidado de não deixar impressões digitais na porta, uma vez que já tinha sido condenado uma vez por esse tipo de prova.
16. Ora se o Arguido não tinha assaltado a loja, nenhum motivo teria para apagar as impressões digitais (“Quem não deve, não teme”). E além disso se, como referiu, estava embriagado, também não teria a consciência necessária para se preocupar com esse pormenor. Pela experiência comum, a última coisa com que um bêbedo se preocupa é com o lugar onde põe as mãos...
17. E se a ideia do Tribunal é apontar semelhanças nos dois casos, sempre se apontará algumas diferenças: o “modus operandi” do assalto é diferente (num caso recorre-se ao arremesso de pedras para a montra, noutro arromba-se a fechadura); no primeiro caso o Arguido confessou o crime; neste último caso há uma testemunha presencial que confirma a tese do arguido.
18. Terá assim que se concluir que o Tribunal não dispunha de provas para considerar provados os factos nºs 1, 2, 3, 4 e 6.
19. Pelo contrário, estes factos são desmentidos por:
a) - o depoimento do Arguido;
b) - o depoimento da testemunha C... confirmando a versão do Arguido, que o tribunal não analiza nem desmente;
c) - o próprio depoimento da assistente S..., que confirma haver uma discoteca perto do local, e uma caixa multibanco ao lado do seu estabelecimento, tal como o arguido e a testemunha de defesa declararam;
d) - o facto de haver uma só impressão digital, sendo que o Tribunal dá como provado que a fechadura foi arrombada, tipo de actuação que exige o uso das duas mãos;
e) - o facto de o Tribunal reconhecer que era necessário um veículo para fazer o transporte e outros participantes, sendo certo que não se considera provado a existência nem de um nem de outros;
f) o Tribunal considerar provado que não foi feita qualquer busca em casa do arguido, nem lhe foram apreendidas quaisquer roupas;
g) o Tribunal não acreditar no Arguido quando este afirma que estes factos ocorreram à 1 hora, mas depois vem considerar provado que ocorreram entre as 19 horas de 16/12/2006 e as 7 horas de 17/12/2006, período temporal que abrange aquela hora.
20. Por outro lado, todas estas circunstâncias deveriam ter levado o Tribunal, em obediência ao princípio “in dubeo pro reo” a dar como provados os factos nºs 1, 2, 3 e parte do 4 (“que não dispusesse de qualquer veículo com capacidade para levar aquela roupa”) que considerou “não provados”.
21. Para prova desses factos, e dos elementos que contrariam os já referidos factos dados como provados, poderá o Douto Tribunal da Relação, se o entender pertinente, escutar os registos áudio das declarações do Arguido, da assistente S..., e da testemunha C..., sugerindo-se que o faça na totalidade dos mesmos, de forma a aferir da sua credibilidade (pela espontaneidade, convicção, tom de voz, etc).
22. Termos em que deve ser anulado o Douto Acórdão recorrido, absolvendo-se o Arguido, de acordo com o principio “in dubeo pro reo”, uma vez que a Douta Decisão recorrida reconhece basear a sua convicção quanto à autoria do furto apenas na existência de uma única impressão digital, compatível com a versão do arguido. E se entender necessária a renovação da prova, esta deve incidir sobre a repetição dos citados depoimentos.

23. Para além disso, e reportando-nos à MATÉRIA DE DIREITO, o Douto Acórdão recorrido é NULO por falta de exame crítico das provas.
24. Como se referiu, na fundamentação diz-se que “A testemunha C... depôs no mesmo sentido do arguido”. Mas enquanto põe em causa a versão do arguido, nada diz sobre o depoimento da testemunha. Se é credível ou não, e porque não. E sobre a importância deste depoimento, não é demais lembrar que se trata da única testemunha presencial dos factos descritos pelo Arguido, pelo que se revela essencial à descoberta da verdade material. Ou seja, não faz a análise critica da prova testemunhal produzida em audiência.
25. Ora, dispõe o Art. 374º nº 2 do CPP que, ao relatório da sentença, “...segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como unia exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a convicção do tribunal”.
26. “Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (“thema decidendum”) nem os meios de prova (“thema probandum”), mas os elementos que, em razão das regras da experiência ou critérios lógicos, constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência” (Marques Ferreira, in “Jornadas de Direito Processual Penal”, p. 229-230.
27. Como refere Germano Marques da Silva (“Curso de Processo Penal, ifi 2a Ed. P. 294), “é hoje entendimento generalizado que um sistema de processo penal inspirado nos valores democráticos não se compadece com decisões que hajam de impôr-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. Por isso que todos os códigos exijam a fundamentação das decisões judiciais, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito”.
28. “Bem julgar exige que se fundamentem as sentenças com seriedade, não só para fornecer uma argumentação juridicamente sólida, como também para enunciar aquela que realmente guiou o juiz. É sempre possível encontrar uma construção jurídica “juridicamente viável” e que permita justificar uma decisão que, na realidade, foi tomada por outros motivos...” (Antoine Garapon, “Bem Julgar”, Ed. Instituto Piaget, p. 320).
29. A douta decisão recorrida não analizou críticamente a prova produzida, pelo que padece do vício de falta de fundamentação, que a torna nula, de acordo com os artºs 374º nº 2 e 379º nº 1 al. a) do CPP.
30. TERMOS EM QUE DEVE SER ANULADA, ASSIM SE FAZENDO A MELHOR JUSTIÇA!
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Respondeu a digna magistrada do MºPº junto do tribunal recorrido sustentando a total improcedência do recurso, alegando, em resumo, que o acórdão não enferma da nulidade invocada e assenta numa apreciação da prova conforme com os critérios legais.
No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Ex. Mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual se pronuncia no sentido de que o recurso não merece provimento.
Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP, tendo respondido o recorrente, renovando a fundamentação aduzida na motivação.
Corridos os vistos e realizado o julgamento, mantendo-se a validade e regularidade afirmadas no processo, cumpre conhecer e decidir.

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II.

1. Nos termos do art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. Constituindo entendimento uniforme que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso - cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173, fazendo eco da jurisprudência uniforme daquele alto tribunal.
Não sendo detectada a existência de vícios de conhecimento oficioso, o objecto do recurso consiste, assim, na reapreciação da matéria de facto (factos constitutivos do crime e da sua autoria) com o fundamento na indevida valoração do depoimento do arguido e da testemunha que confirmou a sua versão em audiência) e na apreciação da nulidade do acórdão recorrido por falta de exame crítico da prova.
Estas questões suscitadas serão analisadas as pela ordem de precedência lógica indicada nos artigos 368º/369º do CPP, por remissão do art. 424º, n.º2 do mesmo diploma - em primeiro lugar a nulidade da sentença e só depois a reapreciação do mérito.
Para a sua apreciação importa ter presente a matéria de facto dada como provada e não provada pelo tribunal recorrido, bem como a motivação que suporta tal decisão, com vista a apurar o fundamento das críticas que lhe são dirigidas.
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2. A decisão do tribunal recorrido, quanto à MATÉRIA DE FACTO, com a motivação que a suporta, é a seguinte:
A) Factos provados.
1 - Em hora não concretamente apurada mas situada entre as 19.00 horas do dia 16 de Dezembro de 2006 e as 07.00 horas do dia 17 de Dezembro de 2006, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento pronto-a-vestir «S...» sito em Midões - Tábua.
2 - Aí chegado, e utilizando objecto cujas características não foi possível apurar, forçou a fechadura da porta de entrada daquele estabelecimento, partindo-a, logrando desta forma abri-la, e entrando de seguida para interior do referido estabelecimento.
3 - Já no seu interior, o arguido retirou diversas peças de roupa que aí se encontravam, nomeadamente calças de ganga e bombazine de criança, camisolas de criança, calças de ganga e bombazine de homem e senhora, camisola de malha de homem e senhora, swetts, casacos de malha de senhora, blusões de ganga, camisolas de algodão de senhora, calças de tecido de homem e senhora e saias de senhora, no valor global de €6.382,45 euros.
4 - Após o que se retirou, apoderando-se das mesmas.
5- As referidas peças de roupa eram propriedade do pronto-a-vestir «S...» pertença de S… .
6 - Ao agir da forma descrita, e do modo como o fez, partindo a fechadura da porta do estabelecimento pronto a vestir «S...», logrando desta forma penetrar no seu interior, actuou o arguido com intenção de fazer coisa sua as referidas peças de vestuário, sabendo que as mesmas não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade e sem consentimento do seu legítimo dono.
7 - Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e penalmente punida.
8 - O arguido vive com a esposa e filhos (quatro) e netos (seis); não sabe ler, nem escrever; aufere por mês, pelo menos €100,00 a €150,00 euros. Dedicou-se à venda de roupa em feiras e presentemente dedica-se à recolha de sucatas.
O arguido foi condenado no âmbito do processo comum colectivo n.º 46/01 do 1.º juízo do tribunal judicial de Viseu, pela prática de cinco crimes de furto qualificado e falsas declarações, na pena de 05 anos e03 meses de prisão.
O arguido foi condenado no âmbito do processo comum colectivo 171/00.8GAANS do Tribunal Judicial de Ansião na pena de 02 anos e 06 meses de prisão, que cumulada com a pena do processo n.º 46/01 do 1.º juízo do tribunal Judicial de Viseu, levou à condenação do arguido na pena de 06 anos e03 meses de prisão.
O arguido foi condenado no âmbito do processo comum colectivo n.º 52/00.3GATBU, do Tribunal judicial de Tábua, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 03 anos de prisão. Foi condenado na pena de 07 anos de prisão em cúmulo das penas aplicadas nos processos n.º 171/00.8GAANS do Tribunal Judicial de Ansião, 46/01 do 1.º juízo do tribunal Judicial de Viseu, 552/00.5GCVIS, do 1.º juízo criminal de Viseu.
O arguido foi condenado no âmbito do processo comum singular 26/00.4PECBR, do Tribunal Judicial de Coimbra na pena de 125 dias de multa, à taxa de €2,50 euros por dia, pela prática de um crime de desobediência.
9 - Não foi feita qualquer busca a casa do arguido, nem lhe foram apreendidas quaisquer peças de roupa furtada da loja.
10 - Os bens subtraídos eram propriedade de S... a qual, por não ter condições económicas, teve de fechar o estabelecimento de pronto-a-vestir, tendo ficado sem actividade profissional.
11 - Devido a estes factos a ofendida Sandra sentiu grande nervosismo e inquietação.
B) Factos não provados.
1 - Que a hora a que o arguido esteve junto ao estabelecimento comercial tenha sido a 01.00 hora e que viesse embriagado.
2 - Que tivesse empurrado a porta do estabelecimento para dentro e perguntado «Está aí alguém?»
Depois, o arguido referiu nas suas declarações que fechou a porta.
3 - Que tivesse abandonado o local por não lhe terem respondido e que não avisou as autoridades porque estava embriagado e como já tinha cadastro receou ser ligado pelas autoridades policiais ao assalto.
4 - Não provado que o arguido se deslocasse a pé e que não dispusesse de qualquer veículo com capacidade para levar aquela roupa.
C) Fundamentação da matéria de facto.
A convicção quanto aos factos provados dos n.º 1 a 7 baseou-se na conjugação dos seguintes elementos probatórios:
Em primeiro lugar, no depoimento da dona do estabelecimento comercial S... que descreveu as consequências do furto, isto é, a porta danificada na parte da fechadura, aberta e a ausência do recheio que aí se encontrava, constituído por roupas, roupas essa que depois conferiu e registou nos papéis que remeteu ao processo e confirmou em audiência, tratando-se de folhas 11 e 12 dos autos.
A testemunha B... confirmou o arrombamento da porta do estabelecimento, que verificou pela 07.00 horas da manhã, ao sair de casa.
Os elementos da GNR chamados ao local, as testemunhas D... e E..., também confirmaram o furto.
Não se suscitaram dúvidas, por conseguinte, quanto à ocorrência do furto e suas circunstâncias.
Quanto aos bens objecto do furto, a convicção baseou-se no depoimento da dona da loja, que se afigurou credível, tendo explicado a existência de número elevado de roupas com o facto de se tratar da época do Natal, período em que se vendem mais roupas e, por isso, havia mais roupas.
A testemunha D... também referiu que as prateleiras estavam vazias e a testemunha E... também descreveu o interior da loja como estando «vazia».
Relativamente à autoria do furto a convicção baseou-se no facto de ter sido encontrada uma impressão digital do arguido no puxador da porta arrombada.
O próprio arguido não nega que esteve no local.
Referiu que reside em Lisboa, mas que veio à cidade de Viseu com o fim de se encontrar com uma irmã da sua esposa, mas não a encontrou nos locais onde costumava acampar (o arguido é de etnia cigana).
Veio com outra pessoa, a testemunha C..., que foi ouvida em audiência, pessoa esta que o trouxe no seu automóvel.
De regresso a Lisboa, já noite dentro, estiveram numa discoteca situada nas imediações de Oliveira do Hospital e seguiram depois pela estrada que passava em Midões porque necessitavam de levantar dinheiro numa «caixa Multibanco», o que fizeram.
Foi nestas circunstâncias que pararam junto ao estabelecimento comercial assaltado. Enquanto a testemunha C... foi levantar dinheiro, o arguido saiu do veículo e deslocou-se em direcção ao estabelecimento comercial e foi então que deparou com a porta aberta, verificando que no seu interior havia roupas no chão, logo tendo concluído que tinha ocorrido um assalto. Fechou a porta do estabelecimento e disse para a testemunha C... algo como «vamos embora que houve um assalto», pelo que, entraram no veículo e continuaram a marcha.
A testemunha C... depôs no mesmo sentido do arguido.
Não há, pois dúvidas de que o arguido esteve no local na noite em que ocorreu o assalto.
No entanto, a alegação do arguido no sentido de que esteve no local é obrigatória face ao facto de ter sido recolhida a sua impressão digital no local.
Efectivamente, se o arguido não o admitisse, a conclusão que logo se retirava era a de que o arguido mentia, pois se a sua impressão digital estava no puxador da porta é porque tinha estado no local e se não admitia ter estado no local é porque isso lhe era desfavorável, mas para tal facto lhe ser desfavorável é porque tinha sido ele o autor do furto, só ele ou acompanhado por outro ou outros.
A explicação que o arguido dá para ter aparecido no puxador a sua impressão digital não é verosímil, devendo-se concluir que o facto por ele narrado não corresponde à realidade histórica efectivamente ocorrida.
Não correspondendo à realidade tal justificação só tem sentido se se destina a ocultar a verdadeira razão, que no caso consistiu em o arguido ter deixado a sua impressão digital porque foi autor do furto.
Cumpre mostrar as premissas desta conclusão
Antes de prosseguir, cumpre referir aqui algo sobre a acção humana, para melhor se compreender tal conclusão
Seguem-se nesta parte os ensinamentos do filósofo filandês Georg H. von Wright, explanados na obra traduzida para castelhano sob o título Explicación y Comprensión, pág. 111 a 122, Alianza Editorial.
Na acção humana, cumpre distinguir entre «fazer algo» e «dar lugar a algo».
Fazendo uma coisa damos lugar a outra: se pressiono o interruptor acendo a lâmpada.
A nossa acção, que consistiu em premir o interruptor, é a causa de um certo efeito, isto é, do acendimento da lâmpada.
Por outro lado, a acção apresenta dois aspectos: um interno e outro externo.
O interno consiste na intencionalidade da acção, na vontade que está «por detrás» das suas manifestações externas.
O externo pode também dividir-se em duas fases: uma traduzida no aspecto imediato da acção e a outra no seu aspecto remoto.
O aspecto externo imediato consiste na actividade física, muscular, como por exemplo na deslocação do braço e posicionamento do dedo que pressiona o interruptor.
O aspecto remoto é algum acontecimento em relação ao qual esta actividade muscular é causalmente responsável.
No caso, o acendimento da lâmpada.
É importante reparar que aquilo que constitui a unidade do aspecto externo de uma acção não é o vínculo causal que conecta entre si as diversas fases.
A unidade é constituída, sim, pela subsunção dessas fases debaixo de uma mesma intenção.
O que converte as fases anteriores e as posteriores em partes do aspecto externo da mesma acção é a possibilidade de podermos dizer que tais fases foram produzidas intencionalmente pelo agente na ocasião considerada.
Por conseguinte, quando o aspecto externo da acção consiste em várias fases relacionadas causalmente é correcto, em geral, individualizar uma dessas fases e identificá-la como o objecto da intenção do agente.
Tal fase foi aquilo que o agente quis fazer, isto é, o resultado da sua acção.
As fases anteriores a esse resultado são requisitos causais desse resultado e as fases posteriores ao resultado são as consequências dessa acção.
Se eu rodo o puxador de uma janela e puxo para o interior as folhas dessa mesma janela, abro a janela.
Necessariamente tive um fim em vista, que pode ter consistido, por exemplo, no querer refrescar o compartimento.
Com efeito, a acção humana só é explicável em termos teleológicos, isto é, tendo em conta as suas finalidades.
Passando ao caso dos autos.
O acto alegado pelo arguido, no sentido de ter fechado a porta da loja ao verificar que tinha havido um furto, há-de ter tido uma finalidade.
Só conhecendo a finalidade podemos explicar teleologicamente essa acção, ou seja, só conhecendo o seu fim a poderemos explicar, compreendendo-a.
O ponto de partida de uma explicação teleológica da acção consiste, pois, em alguém ter feito algo.
Então perguntamos: «porquê essa pessoa fez x ?».
A resposta consiste em afirmar: «com o fim de provocar y».
Damos por suposto que o agente considerou a conduta que procuramos explicar (x) como relevante para provocar a ocorrência de y e que aquilo que projectou com a sua conduta x foi provocar y.
Há, pois, uma conexão, um fio condutor ou uma argamassa, entre a acção, os seus resultados e a finalidade tida em vista.
Se o arguido fechou a porta depois de ter verificado que tinha ocorrido um furto, não fez isto por acaso, como podia ter feito outra coisa qualquer, quis, sim, obter esse resultado porque quis atingir um fim.
Qual fim?
Evitar que se descobrisse o furto? Do ponto de vista da explicação do arguido tal finalidade não encontra justificação. Porquê tal finalidade, se nada teve a ver com a autoria do furto?
Evitar que houvesse outro furto? Do ponto de vista da explicação do arguido tal finalidade também não encontra justificação, pois o que havia a furtar tinha sido já levado.
Sendo assim, não se encontra qualquer finalidade válida na conduta alegada pelo arguido, isto é, que o arguido, após verificar que a porta estava arrombada, a loja assaltada e algumas peças de roupa no chão, se decidisse a executar a acção de lançar a mão ao puxador da porta para a fechar.
Esta acção não tem qualquer finalidade válida racionalmente, isto é, não se integra em qualquer finalidade justificada pelas circunstâncias que possamos julgar como adequada a visar uma finalidade racional.
Temos de concluir, por conseguinte, que tal acção não existiu, considerando a hipótese do arguido não ter sido autor do furto.
Por outro lado, impunha-se que o arguido tivesse uma actuação diversa da que alega ter tido, tendo em conta o seu passado criminal.
Com efeito, como resulta do acórdão proferido no processo comum colectivo n.º 52/00.3GATBU, o arguido foi condenado neste tribunal, como autor de um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos de prisão.
Esta decisão foi proferida em 26 de Fevereiro de 2004, cerca de 3 anos antes dos factos referidos na acusação do presente processo.
Consta dos factos provados desse acórdão que o arguido «Na noite de 04 para 05 de Março de 2000, cerca das 05,00 horas, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado «Pronto a Vestir C…», propriedade de M..., sito na Rua…, Tábua.
2 - Ali chegado, decidiu no estabelecimento e retirar daí os objectos e valores que lá se encontrassem.
3 - No cumprimento de tal desígnio, o arguido, munido de dois paralelos que havia retirado da via pública, partiu o vidro da montra do aludido estabelecimento comercial e entrou através dela, sem para tal estar autorizado pelo seu proprietário, como sabia».
Na parte da indicação da convicção consta também: «Quanto aos factos provados a convicção baseou-se na confissão do arguido conjugada com o resultado do exame pericial às impressões digitais recolhidas no local (folhas 16)».
Ora, o arguido, perante a situação de ver a porta entreaberta e umas peças de roupa caídas no chão e tendo tido a noção de que tinha havido um assalto, se os factos tivessem ocorrido como ele diz, isto é, que o furto já tinha ocorrido quando ele chegou ao local, então o arguido ao ver a porta aberta não tinha tocado em nada, porque sabia já ter sido condenado por factos semelhantes e que havia sido detectada a sua presença devido a ter sido encontrada uma impressão digital sua na cena do crime.
Por isso, não tendo sido ele o autor do furto, deitar as mãos ao puxador e fechar a porta seria a última coisa que lhe passaria pela mente, pois era o acto contrário àquilo que seria de esperar, na medida em que o esperado era que não tocasse em nada para não assinalar a sua presença.
Não se consegue encontrar, por conseguinte, uma justificação para o arguido ter fechado a porta.
A conduta adequada para quem estivesse na posição do arguido era não ter tocado em nada.
Impõem-se, por isso, considerar que a razão para a impressão digital se encontrar no puxador não teve a ver com o facto do arguido não ter sido o autor do furto, mas sim com o facto de ter sido seu autor.
Até se pode dar o caso do arguido ter puxado efectivamente a porta para a fechar, mas, nesse caso, tal facto teria tido a finalidade de dificultar a constatação por transeuntes de que tinha ocorrido um furto.
Só que esta hipótese só logra compreensão no caso do arguido ter sido autor do furto.
Resumindo: o arguido explica o aparecimento da sua impressão digital no puxador da porta, dizendo que isso aconteceu porque colocou a mão no puxador e puxou a porta para a fechar.
Esta explicação contém uma finalidade (fecho da porta), que não é explicável por quaisquer premissas racionais.
Ou seja, não há premissas factuais capazes de justificar a presença de uma tal finalidade na mente do arguido.
Logo, a explicação baseia-se em factos inexistentes.
A explicação que sobra e que também permite a melhor compreensão dos factos consiste em concluir que o arguido foi autor do furto e daí ter sido encontrada a sua impressão digital no puxador da porta.
Esta conclusão é ainda corroborada pelo facto do arguido se dedicar à venda de roupas em feiras, na medida em que o tipo de objectos furtados lhe convinha à sua actividade.
Resta acrescentar que o arguido necessitou de um veículo para fazer o transporte das roupas e que podem ter existido outros participantes, pois acções destas exigem pessoas que vigiem para possibilitarem a fuga com êxito em situação de perigo de captura ou descoberta.
Porém, quanto a estes aspectos nada se alegou na acusação.
Quanto aos factos do n.º 7 cumpre referir que os factos anteriores só podem existir como tais tratando-se de resultados de acções dolosas, livres e voluntária. É sabido por todos que o furto é proibido e daí que seja cometido ocultamente, fora das vistas de terceiros não participantes.
Quanto aos factos do n.º 8 a convicção resultou das declarações do arguido e certificado de registo criminal.
Quanto aos factos do n.º 9 resulta do processo que não foi feita qualquer busca na casa ou veículos usados pelo arguido, nem lhe foi apreendida qualquer peça de roupa.
Quanto aos factos do n.º 10 a convicção resultou da globalidade da prova produzida não havendo qualquer dúvida em relação à propriedade dos bens furtados
No que respeita aos factos do n.º 11 a convicção resultou do depoimento da própria queixosa, bem como do depoimento da testemunha B..., relativamente ao encerramento do estabelecimento.
No que respeita aos danos morais a convicção resultou das regras da experiência.
A pessoa que abria todos os dias o estabelecimento e atendia os seus clientes; que pensava nas encomendas, fazia as encomendas e as vendia, ficou sem poder fazer nada disto de um dia para o outro.
A experiência diz-nos que quando alguém vive uma situação como a vivida pela queixosa, padece necessariamente de elevada inquietação e nervosismo resultantes da injustiça que sente por lhe terem feito o que fizeram, sendo certo também que o evento introduziu na vida quotidiana da vítima uma alteração radical.
Quanto aos factos não provados.
A convicção quanto aos factos não provados do n.º 1 e 2 baseou-se na ausência de elementos de prova sobre a hora a que o arguido esteve no local e que o mesmo estivesse embriagado.
Por outro lado, é contrário ao habitual, que, estando uma porta entreaberta, alguém leve a mão ao puxador para a abrir mais, na medida em que a acção habitual, porque é a mais fácil e cómoda, é empurrar a porta com as pontas dos dedos encostadas à folha da porta, mais ou menos à altura do peito.
Só se leva a mão ao puxador quando é necessário actuar sobre ele, seja para abrir a porta que está totalmente fechada, seja para fechar a porta que está aberta.
A função do puxador é essa, todas as pessoas sabem disso e agem de acordo com tal conhecimento.
Por conseguinte, é de concluir que foi outra a razão porque o arguido colocou a mão no puxador.
Aliás, a razão que ele indica é mais consentânea com a forma como as pessoas actuam.
Ele declarou em audiência que colocou a mão no puxador para fechar a porta, o que fez antes de abandonar o local.
A convicção quanto aos factos não provados do n.º 3 baseou-se na circunstância de não ter sido feita qualquer prova de que o arguido estivesse embriagado e de não haver qualquer indício de que tais motivos tivesses ocorrido no íntimo do arguido, sendo certo que se trata de factualidade contrária à dada como provada.
A convicção quanto aos factos não provados do n.º 4 baseou-se nas próprias declarações do arguido e testemunha C... que referiram seguirem ambos de automóvel.
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3. Apreciação
3.1. Nulidade do acórdão
Nas conclusões 23 a 30 invoca o recorrente a nulidade da sentença por falta de exame crítico da prova.
Nulidade que, a proceder, obsta à apreciação do mérito da decisão recorrida. Daí que se proceda à sua apreciação em primeiro lugar.
O artigo 374º do CPP, enunciando os requisitos da sentença, estabelece no seu n.º2 (redacção introduzida pela lei 59/98): Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Por sua vez o art. 379º do CPP postula:
1. É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no artigo 374º, n.ºs 2 e 3, alínea b)”.
(…)
Aliás todos os actos judiciais devem ser fundamentados, nos termos do Art. 97º, n.º4 do CPP (redacção dada pela Lei 59/98). Decorrendo a necessidade de fundamentação das exigências do Estado de Direito Democrático, expressamente cominada pelo art. 205º, n.º1 da Constituição da República, na redacção saída da revisão de 1997.
Como refere Marques Ferreira (Jornadas de Direito Processual Penal do C.E.J., O Novo Código de Processo Penal, ed. Almedina, p. 229-230) de acordo com os princípios informadores do Estado de Direito Democrático e no respeito pelo efectivo direito de defesa consagrado nos arts. 32º, n.º1 e 21º da Constituição a fundamentação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico e racional que lhe subjaz. E extraprocessualmente deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários não são apenas os sujeitos processuais, mas a própria sociedade.
No que à decisão da matéria de facto diz respeito, com a revisão do CPP operada pelo DL 59/98 de 25.08 foi acrescentada ao art. 374º, n.º2 a expressão “e exame crítico das provas”. Em vez da mera “indicação das provas” que constava da anterior redacção.
Exame crítico esse que é incompatível com uma informação meramente externa ou com simples enumeração dos meios de prova utilizados, exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal.

Sendo certo que como é referido no AC. TC 258/2001, DR IIS de 02.11.2001 “a fundamentação tem, pela natureza das coisas, de estar reportada e conexionada com a própria matéria de facto que constitui objecto do recurso, ou seja, a fundamentação tem de parecer estruturada em função da própria descrição daqueles factos”.

A exposição deve ser tanto quanto possível completa, mas concisa.
Não constituindo um repositório dos meios de prova (para o que existe a acta e a gravação) mas a explicitação, concisa, do percurso ou iter lógico e racional em que assenta a valoração dos meios de prova em que assenta a decisão, de forma a permitir a sua compreensão dessa apreciação pelos interessados e pela comunidade bem como a sua sindicância pelo tribunal de recurso.

Alega o recorrente que, afirmando a decisão “A testemunha C... depôs no mesmo sentido do arguido” e pondo em causa a versão do arguido, nada diz sobre o depoimento daquela testemunha, presencial dos factos, se é credível ou não, e porque não.
Ora, na motivação da decisão recorria, supra reproduzida para o efeito, o tribunal recorrido analisa de forma exaustiva, a versão dos factos apresentada em julgamento pelo arguido e “confirmada pela testemunha C..., que foi ouvida em audiência, pessoa esta que o trouxe no seu automóvel”, como ali é referido.
Os dois depoimentos apresentam a mesma explicação para a presença de impressões digitais do recorrente no manípulo da porta da loja cujo arrombamento e subtracção do respectivo recheio constitui o objecto do processo, definido pela acusação.
Versão essa – comum ao arguido e à testemunha – que, de acordo com a motivação da decisão, supra reproduzida, radica no seguinte:
«« No automóvel do C..., que o conduzia, o arguido deslocou-se de Lisboa, onde reside, a Viseu, com o objectivo de visitar familiares que não encontrou. (…) De regresso a Lisboa, estiveram numa discoteca, em Oliveira do Hospital e seguiram depois (em direcção a Lisboa) por Midões (comarca de Tábua) porque necessitavam de levantar dinheiro numa «caixa Multibanco». Foi para esse efeito que pararam junto ao estabelecimento comercial. Enquanto C... foi levantar o dinheiro, o arguido saiu do veículo e deslocou-se em direcção ao estabelecimento comercial e foi então que deparou com a porta aberta, verificando que no seu interior havia roupas no chão, logo tendo concluído que tinha ocorrido um assalto. Então fechou a porta do estabelecimento e disse para a testemunha C... “vamos embora que houve um assalto”. Entraram no veículo e continuaram a marcha (em direcção a Lisboa)»»».
Acrescenta depois o tribunal recorrido que a testemunha C... depôs no mesmo sentido do arguido. Após o que passa a analisar, exaustivamente, nos termos supra descritos que aqui se dão por reproduzidos, a credibilidade daquela versão dos factos - apresentada quer pelo arguido quer pela mencionada testemunha.
Assim, sendo a versão dos factos (melhor dizendo da justificação para a impressão digital do arguido no manípulo da porta), apresentada pelo arguido e pela testemunha, coincidente, como equaciona a decisão recorrida, é evidente que foi apreciada, de forma unitária, na descrição efectuada pelo relato da testemunha e pelo relato do arguido.
Concluindo, após a referida análise exaustiva dessa única versão, coincidente, dos factos (cfr. reprodução integral supra):
««Se o arguido fechou a porta depois de ter verificado que tinha ocorrido um furto, não fez isto por acaso, como podia ter feito outra coisa qualquer, quis, sim, obter esse resultado porque quis atingir um fim.
Qual fim? Evitar que se descobrisse o furto? Do ponto de vista da explicação do arguido tal finalidade não encontra justificação. Porquê tal finalidade, se nada teve a ver com a autoria do furto? Evitar que houvesse outro furto? Do ponto de vista da explicação do arguido tal finalidade também não encontra justificação, pois o que havia a furtar tinha sido já levado.
Sendo assim, não se encontra qualquer finalidade válida na conduta alegada pelo arguido, isto é, que o arguido, após verificar que a porta estava arrombada, a loja assaltada e algumas peças de roupa no chão, se decidisse a executar a acção de lançar a mão ao puxador da porta para a fechar.
Esta acção não tem qualquer finalidade válida racionalmente, isto é, não se integra em qualquer finalidade justificada pelas circunstâncias que possamos julgar como adequada a visar uma finalidade racional.
Temos de concluir, por conseguinte, que tal acção não existiu, considerando a hipótese do arguido não ter sido autor do furto»».
Ora, sendo a versão da testemunha coincidente com a do arguido, fazendo a decisão recorrida referência às duas fontes da mesma versão, analisando-a criticamente de forma exaustiva, é evidente que o depoimento da testemunha foi apreciado e valorado criticamente, de forma exaustiva.
Aliás a economia da motivação do recurso ao criticar, primeiro a valoração da prova em que assentou a decisão recorrida e só depois negar a existência dessa mesma valoração, previamente impugnada, evidencia que se trata de uma questão de discordância da análise crítica efectuada, pressupondo-a.
Impõe-se assim, manifestamente, a improcedência da invocada nulidade.
*

3.2. Valoração da prova
O recorrente põe em causa a valoração do seu depoimento e do testemunho de C... prestados em audiência, que não o teor desses depoimentos tidos em conta pela decisão recorrida. Invocando ainda a violação do princípio in dubio pro reo
Relativamente à autoria dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido na acusação, a decisão recorrida baseou-se antes de mais, na prova pericial – de apreciação vinculada que se sobrepõe ao princípio geral da livre apreciação (art. 163º do CPP) - que revelou, de forma incontornável, pela existência da impressão digital do arguido no puxador da porta do estabelecimento, que o arguido teve a sua mão, durante a noite do assalto ao estabelecimento.
Assim o que está em causa não é a sua presença no estabelecimento, na noite da ocorrência (como ele confirmou, resultando inequívoco da prova produzida em audiência que a pesquisa de impressões digitais foi efectuada na sequência, imediata, da denúncia do crime, logo na manhã seguinte). E não durante o dia, quando o estabelecimento estava aberto e é suposto as pessoas dirigirem-se às lojas com as finalidades de preceito.
Questiona-se antes a “justificação” apresentada pelo arguido para afastar o seu comprometimento naquilo que representa objectivamente a presença da marca indelével da sua mão no puxador, naquelas circunstâncias concretas de tempo e lugar. E a corroboração dessa justificação pela testemunha que diz tê-lo transportado no seu automóvel durante a referida noite.
Ora, se prova pericial está sujeita ao critério legal de apreciação vinculada (citado artigo 163º do CPP) já os depoimentos prestados oralmente em audiência estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos previstos pelo artigo 127º do CPP.
Com efeito, postula o referido art. 127º: Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
O princípio da livre convicção ressuma da apreciação crítica e racional dos meios de prova validamente produzidos, fundada nas regras da experiência mas também da lógica e da ciência, exigindo que a convicção do julgador seja objectivada e motivada, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.
As normas da experiência são como refere o prof. Cavaleiro Ferreira (Curso de Processo Penal, Vol II, pg 30) “...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum e, por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade”.
A livre convicção não pode nem deve significar o impressionista-emocional arbítrio ou a decisão irracional “puramente assente num incondicional subjectivismo alheio à fundamentação e a comunicação” – cfr. Prof. Castanheira Neves, citado por Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1, 43.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss), que no processo de formação da convicção há que ter em conta os seguintes aspectos:
- a recolha dos dados objectivos sobre a existência ou não dos factos com interesse para a decisão, ocorre com a produção de prova em audiência,
- é sobre estes dados objectivos que recai a livre apreciação do tribunal, como se referiu, motivada e controlável, balizada pelo princípio da busca da verdade material,
- a liberdade da convicção anda próxima da intimidade pois que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos conhecimentos não é absoluto, tendo como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, portanto, as regras da experiência humana.

Assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.
Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis) e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente — aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação — e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” - cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss..
A gravação dos depoimentos prestados oralmente em audiência permite o controlo e fiscalização, pelo tribunal superior, da conformidade da decisão com as afirmações produzidas em audiência. Mas não substitui a plenitude da comunicação que se estabelece na audiência pública com a discussão cruzada dos meios de prova, a oralidade e imediação, no confronto dialéctico dos depoentes por parte dos vários sujeitos processuais, no exercício permanente do contraditório, na discussão cruzada levada a cabo na plenitude da audiência pública.
Sendo certo que “só os princípios da oralidade e da imediação permitem avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Só eles permitem, por último, uma plena audiência desses mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso” – Cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, p. 233-234.
Daí que os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art. 347º, n.º2 do CPP – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, p. 126 e 127, que por sua vez cita o Prof. Figueiredo Dias e jurisprudência uniforme desta Relação, designadamente acórdãos 19.06.2002 e de 04.02.2004, nos recursos penais 1770/02 e 3960/03; 18.09.2002, recurso penal 1580/02; Ac. R. C. de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44.
A convicção do tribunal é formada antes de mais com base nos dados objectivos fornecidos pela prova documental, pericial e outras provas constituídas de apreciação vinculada. Conjugando e articulando criticamente esses meios de prova constituídos com os depoimentos prestados na audiência, estes apreciados em função do distanciamento de cada depoente do objecto do processo, da sua razão de ciência, das certezas e das lacunas dos depoimentos, das humanas paixões, da ligação de cada depoente ao objecto do litígio e aos sujeitos processuais, na comunicação dialéctica que se estabelece na audiência de discussão e julgamento, sob a fiscalização directa dos sujeitos processuais, sob a vigilância da comunidade, na publicidade da audiência.
Por outro lado a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza prática, empírica, moral, histórica – crf. Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, Barcelona, p. 615.
Toda a decisão judicial constitui - precisamente - a superação não só da dúvida metódica, como da referida “dúvida razoável” sobre a matéria da acusação. Daí a submissão do processo de formação da decisão a um rígido controlo formal e material, além da já referida exigência de motivação, a fim de assegurar os padrões de objectividade e rigor inerentes ao Estado de Direito moderno.
Exigindo-se a convicção do julgador sobre a prática dos factos da acusação para além da dúvida razoável e radicando o princípio in dubio pro reo na mesma dúvida razoável, este situa-se no âmago da livre apreciação da prova. Constituindo como que “o fio da navalha” onde se move a missão de julgar. Convicção “para lá da dúvida razoável” e “dúvida razoável” legitimadora do prncípio in dubio pro reo limitam-se e completam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção e da valoração da prova de apreciação vinculada e da livre apreciação dos restantes em conformidade com o critério do art. 127º do CPP. Sujeitos ambos à mesma exigência de legalidade da prova e da sua apreciação motivada e crítica, da objectividade, racionalidade e razoabidade dessa apreciação.
O princípio in dubio pro reo é considerado pela doutrina largamente maioritária um princípio estritamente atinente ao direito probatório, como tal relevante em termos da apreciação da questão de facto e não na superação de qualquer questão suscitada em matéria de direito – cfr. entre outros Cavaleiro Ferreira, Direito Penal Português, 1982, vol. 1, 111, Figueiredo Dias Direito Processual Penal, p. 215, Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, 1967-1968, p. 58.
Constituindo um princípio geral de direito (processual penal) cuja violação conforma uma autêntica questão-de-direito – Cfr. Medina Seiça, Liber Discipulorum, p. 1420; Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, 1974, p. 217 e segs.), criticando o entendimento contrário do STJ.
Significando que “em caso de dúvida razoável, após a produção de prova, tem de actuar em sentido favorável ao arguido” – formulação de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, ed. de 1974, p. 215, fazendo a síntese da doutrina.
Não é assim toda a dúvida, lançada em abstracto, que legitima o funcionamento deste princípio – estando em causa factos pretéritos existe sempre uma dúvida abstractamente possível sobre a sua verificação e/ou autoria, na certeza de que quem os aprecia não os presenciou. Mas apenas a dúvida argumentada que, em concreto - após a produção e análise crítica de todos os meios de prova relevantes e sua valoração de acordo com os critérios legais – deixa o julgador (objectivo e distanciado do objecto do processo) num estado em que permanece como razoavelmente possível mais do que uma versão do mesmo facto.
Com efeito “A própria dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme á razão ou racionalmente sindicável, pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do citado princípio razoável” – cfr. Ac. STJ de 04.11.1998, BMJ 481º, p. 265.
A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de formação de uma convicção positiva sobre a realidade e/ou a autoria de um facto, distingue-se da dúvida abstracta, meramente possível, ou hipotética. Apenas a dúvida séria e razoável - identificada, resultante da apreciação exaustiva e crítica dos meios de prova relevantes em conformidade com os critérios legais de produção e valoração da prova - impede a valoração dessa dúvida na perspectiva contrária ao interessa do arguido.
A dúvida deve ser argumentada, coerente, razoável – cfr. Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, Revue Française de Théorie, de Philosophie e de Culture Juridique, Vol. 23, (19966), p. 25.
Assim, dúvida e convicção constituem como que a face e verso do critério geral de apreciação da prova, limitando-se reciprocamente. Ambas devem ser fundamentadas na apreciação crítica e racional dos meios de prova. Acabando a livre convicção positiva onde surge a dúvida razoável; e deixando de subsistir a dúvida razoável quando o tribunal estabelece a convicção positiva ancorada numa análise objectiva e racional dos meios de prova validamente produzidos e valorados em conformidade com os critérios legais. A livre convicção assenta na legalidade da prova, nos critérios de apreciação vinculada e, na ausência destes, na razoabilidade da sua apreciação á luz do critério previsto no art. 127º do CPP. E o princípio in dubio pro reo assenta, afinal, no mesmo critério. Uma e outro estão limitados pela legalidade da prova, pela prova de apreciação vinculada, pela razoabilidade da análise crítica dos meios de prova produzidos oralmente em audiência, pela objectividade e racionalidade da análise em função das regras do convívio social, da proximidade ou distanciamento dos depoentes em relação ao caso e/ou pessoas envolvidas no processo, do seu interesse no resultado do processo, das humanas paixões subjacentes a cada depoimento, na falível condição humana.

Voltando ao caso dos autos, a questão está assim em saber se a convicção afirmada pelo tribunal recorrido, com base na prova pericial e na explicação dada pelo arguido e pelo seu condutor (ambos referem que o transportou no seu automóvel de Lisboa a Viseu e seguiam de regresso a Lisboa, depois terem estado numa discoteca em Oliveira do Hospital) para a presença das impressões digitais do arguido na porta da loja assaltada.
Ora, na verdade tais depoimentos, embora imaginativos, são de todo em todo improváveis, para além de desapoiados em qualquer indício probatório de natureza objectiva.
Não basta dizer, é preciso convencer, numa análise da prova em conformidade com os critérios legais de apreciação vinculada e do princípio da livre apreciação dos depoimentos prestados em audiência em conformidade com o citado critério do art. 127º.
Na alegada “boleia” de Lisboa a Viseu e regresso a Lisboa não faz sentido, desde logo, a inflexão para Oliveira do Hospital e depois para Midões, Tábua. Muito mais para quem diz ter ido a Viseu visitar alguém que não encontrou e atento o melhor piso e o percurso linear (e gratuito) pelo IP3.
Além de que nenhuma fonte de obrigação (jurídica ou natural) foi invocada, sequer, para o transporte, tão relevante em termos de quilometragem percorrida, efectuado gratuitamente.
É ainda improvável o motivo invocado da deslocação a Midões para levantar dinheiro na caixa ATM, manifestamente mais fácil de encontrar na Vila de Oliveira do Hospital do que em Midões. Mais ainda face à não justificada necessidade de dinheiro vivo aquela hora tardia.
Acresce que, tendo a testemunha, saído do automóvel para ir levantar dinheiro ao Multibanco, não podia ter “visto” o que o arguido fez, entretanto, na loja, designadamente se a porta estava ou não aberta, se havia roupas no chão e se o arguido se limitou a “fechar a porta”. E são ambos que dizem que “enquanto” a testemunha foi levantar dinheiro, o arguido saiu do veículo e verificou a porta aberta e que no seu interior havia roupas no chão.
Para além da improbabilidade de, em tantos quilómetros percorridos e localidades passadas, o arguido haver logo de dar com este estabelecimento com a porta arrombada. Tendo ainda tempo (enquanto o amigo foi ao dinheiro) para se aperceber de que havia roupa pelo chão. Continuando o despautério na alegação de que perante o cenário decidiu “fechar a porta” do estabelecimento - não fosse dar-se o caso de alguém assaltar (de novo!) o já (!) assaltado estabelecimento.
Tanto mais para alguém que já tinha sofrido uma condenação por assalto a outra loja, naquela mesma localidade, cerca de dois anos antes como revela a certidão da respectiva condenação referida na descrição da matéria de facto.
Arriscando deixar as suas impressões digitais no manípulo de um estabelecimento assaltado. E prevenindo um risco inexistente – devassa do já devassado – em vez de tomar as medidas que costumam ser tomadas perante tal situação quando se quer efectivamente prevenir o risco de novo assalto.
Repare-se ainda que a porta não estava “apenas” aberta, mas tinha sido forçada, necessariamente com o auxílio de ferramentas ou objecto contundente, o que explica a reduzida dimensão das impressões digitais encontradas, uma vez que estroncado o fecho da porta bastava um ligeiro toque de mão para a abrir.
Refira-se ainda que a decisão recorrida não refere que o arguido estivesse bêbado a ponto de não ter a noção do que fazia – e ele próprio assume que estava perfeitamente consciente, como lucidez revela a elaborada história daquela noite que conta.
Sendo incongruente a pretensão do recorrente quando, por um lado quer dar á sua negação dos factos o valor de prova plena a seu favor; e de outra banda pretende que afinal estava bêbado e não saberia o que fazia!
Também a interpretação do recorrente sobre o pensamento filosófico não é mais do que a sua, respeitando-se como tal se respeita. Mas é apenas a sua opinação, que não só não está demonstrada como o recorrente não cura, sequer, de tentar demonstrá-la, justificando-a.
A referência filosófica da decisão recorrida constitui apenas um argumento de reforço de que a apreciação efectuada se encontra de acordo com as regras da experiência. E o recorrente não põe em causa os pressupostos materiais (toda a acção humana tem um objectivo ajustado ao interesse do agente) mas apenas o pormenor de estilo/retórica.
É certo que o tribunal justificou, por excesso de zelo, a presença de outros agentes do crime (não identificados nem acusados), face à constatação da necessidade de um veículo automóvel para transportar a mercadoria. Mas fê-lo por excesso (só o arguido foi acusado pela irrefutabilidade da prova pericial), dado que se tratava de terceiros não acusados e porque tinha à sua frente, a testemunhar a “favor” do arguido, um candidato assumido para esse transporte. Face ao reconhecimento de que nessa noite andou de transportador do arguido!
Essa constatação não invalida, porém, a prova quanto ao recorrente, agarrado indelevelmente à porta do estabelecimento assaltado, na noite do assalto, pela prova pericial. Sendo certo que a prova produzida para tentar justificar a presença das impressões digitais é de todo inverosímil e como tal inadequada a fundar qualquer dúvida razoável sobre a implicação do arguido no caso submetido a juízo.

Assim, em conclusão, assentando a decisão recorrida na prova pericial que revela a presença incontestada no arguido com a mão na porta do estabelecimento assaltado, na noite do assalto, e sendo de todo em todo incongruente a versão que o arguido trouxe a juízo, acolitado pela testemunha que diz tê-lo transportado na sua viatura, durante essa noite, a decisão recorrida assenta em meios de prova legais, valorados em harmonia com os critérios legais, não resultando dela qualquer valoração de situação de dúvida razoável contra o arguido. Sendo certo que da análise da prova em conformidade com os aludidos critérios não se antolha a existência de qualquer situação de dúvida razoável.
Razões pelas quais se impõe a improcedência do recurso.
***

III. Nestes termos decide-se negar provimento ao recurso, julgando-o improcedente na totalidade. ----
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do instituto do apoio judiciário, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC.