Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
798/05.0TBACN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: INSOLVÊNCIA
PRESTAÇÃO DE CONTAS
OPOSIÇÃO
IRREGULARIDADE
Data do Acordão: 01/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 62.º, N.ºS 1 E 3 DO CIRE ; ARTIGO 10.º, 20.º, N.º 1 E 26.º, N.º 2, 5 E 6 DA LEI N.º 32/04 DE 22.7
Sumário: 1. Transitada em julgado a decisão que julgara validamente prestadas as contas apresentada pelo administrador de insolvência, de onde resultara crédito a seu favor (remuneração e reembolso de despesas), por força do caso julgado, nenhuma oposição pode ser feita à quantia aí apurada;

2. Não tendo sido notificado da conta, onde, aliás, tais rubricas aí não foram levadas, indevidamente, e podendo dela reclamar até ao recebimento das importâncias que lhe são devidas, optando, contudo, por requerer no processo principal o pagamento, de nenhum prazo peremptório dispunha fosse para o obter, fosse para arguir qualquer irregularidade do próprio pagamento.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


I. Relatório
A...., administrador de insolvência nomeado nos presentes autos de insolvência, requerida contra “B...., Lda.”, veio recorrer do despacho da Ex.ma Juíza do Tribunal Judicial da comarca de Alcanena que lhe indeferiu o pagamento de honorários (€ 1.210,00) e despesas (€ 839,13), devidos e suportadas nesses autos, com o fundamento de já há muito haver sido pago e ser extemporâneo o respectivo pedido.
Admitido o recurso, apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões:
a) - Por sentença proferida em 19.10.06 no Apenso de Prestação de Contas, transitada em julgado, foram julgadas validamente prestadas as contas apresentadas pelo administrador de insolvência nos termos do art.º 62.º, n.ºs 1 e 3 do CIRE, contas essas que incluem o pagamento dos honorários vencidos no montante de € 1.210,00 e o reembolso de despesas no montante de € 1.023,85;
b) – O despacho que reconheceu não ter sido dado pagamento aos honorários e despesas devidos ao administrador de insolvência por força dessa sentença e que ordenou o referido pagamento na sequência do requerimento apresentado pelo agravante, também transitou em julgado;
c) – O pagamento de € 250,00 processado a fls. 683 é tão só o pagamento parcial das despesas efectuadas e documentadas nos autos e corresponde à provisão que lhe deveria ter sido paga por ocasião da nomeação do administrador de insolvência, nos termos do art.º n.º 6 da Lei n.º 32/04 de 22.7;
d) - O despacho recorrido, ao recusar o pagamento da remuneração e o reembolso do remanescente das despesas devido ao ora agravante, por sentença transitada em julgado, com fundamento em que o mesmo já foi pago a fls. 683, na medida em que assenta num erro sobre os factos, enferma de erro manifesto e/ou contraria manifestamente uma decisão proferida nos presentes autos e já transitada em julgado, pelo que havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma questão concreta da relação processual, cumprir-se-á a que primeiramente tiver transitado em julgado, ou seja, a do Apenso de Prestação de Contas;
e) – O despacho recorrido, ao fundamentar a decisão na extemporaneidade da actuação processual do agravante no que concerne ao pagamento da remuneração e reembolso devidos, não o faz por referência a qualquer norma legal supostamente violada, não indicando o respectivo fundamento de direito;
f) – A sentença de 19.10.06 que julgou validamente prestadas as contas apresentadas pelo administrador de insolvência e o despacho que ordenou o pagamento dos honorários e despesas ao agravante não atribuíram ou remeteram ao agravante o ónus de solicitar tal pagamento, inferindo-se claramente do despacho de 27.4.07 que compete ao tribunal providenciar oficiosamente por tal pagamento;
g) – O agravante não foi notificado da conta, não podendo, por conseguinte, dela reclamar, não lhe tendo sido imposto qualquer prazo;
h) – Suscitou as “irregularidades ao nível dos pagamentos” apenas quando lhe foi indeferido o pagamento da remuneração e o reembolso das despesas que lhe são devidos, nos termos dos art.ºs 10.º, 20.º, n.º 1 e 26.º, n.º 2, 5 e 6 da Lei n.º 32/04 de 22.7 e por força da sentença que julgou prestadas as contas apresentadas e do despacho de 27.4.07 que ordenou o pagamento requerido pelo agravante, pelo que o seu requerimento é tempestivo;
i) – O agravante tem incontestável e irreversivelmente o direito a receber uma remuneração no montante de € 1.210,00 e a ser reembolsado das despesas apresentadas na prestação de contas, no montante de € 1.023,85 acrescidas da despesa superveniente à prestação de contas, no montante de € 65,28, documentada nos autos e deduzida do montante de € 250,00 processado a fls. 683, já liquidado;
j) – O tribunal a quo ao decidir como decidiu, não considerou a norma constante do art.º 669.º, n.º 2 alín. b) e n.º 3 do CPC e violou as normas constantes dos art.ºs 158.º, n.º 1, 666.º, 871.º, n.º 1, 673.º, n.º 2, do CPC, bem como as normas constantes dos art.ºs 19.º, 20.º, n.º 1 e 26.º, n.º 2, 5 e 6, da Lei n.º 32/04 de 22.7.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foi tabelarmente mantido o despacho recorrido.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II. Fundamentos
1. De facto
De relevante para a decisão e porque pacificamente aceite, pode elencar-se a seguinte matéria de facto provada:
a) – O recorrente A.... foi nomeado administrador de insolvência na sentença declaratória de insolvência, proferida a 2.2.06 nos autos de insolvência n.º 798/05.0TBACN do Tribunal Judicial da Comarca de Alcanena;
b) – Nessa sentença, além do mais, ordenou-se fosse dado pagamento ao administrador da importância de € 250,00 a título de 1.ª prestação de provisão para despesas, ficando o pagamento da 2.ª, do mesmo montante, diferido para logo que fosse elaborado o relatório previsto no art.º 155.º do Cód. Insol. e Rec. Empresa (CIRE);
c) - Em 27.2.06 foi emitida a “nota de despesas” dessa importância de € 250,00 (fls. 137);
d) – Mercê da procedência dos embargos à insolvência, foi revogada a sentença declaratória da insolvência por sentença de 16.6.06, sem que a mesma atingisse a fase de apresentação do relatório por parte do administrador;
e) – Na sequência dessa decisão foi o administrador notificado para apresentar as respectivas contas, no prazo de 10 dias, o que fez (fls. 654);
f) – No apenso C) de Prestação de Contas requereu o recorrente-administrador o pagamento da importância total de € 2.233,85 (sendo € 1.210,00 a título de honorários e € 1.23,85 de despesas, a que há que subtrair a importância de € 333,32 de retenção de IRS), importância aquela reduzida para € 2.049,13 por força da quantia adiantada de € 250,00 em 27.2.06 e da factura superveniente (21.9.06), na importância de € 65,28, pela publicação em DR do anúncio da prestação de contas;
g) – Após o legal contraditório, foi aí proferida sentença, em 18.10.06, que julgou validamente prestadas as contas, sentença essa que transitou em julgado;
h) – Nesse processo foi lançada cota a consignar a elaboração da conta no processo principal de insolvência, conta essa completamente omissa quanto à remuneração do administrador e despesas acobertadas por aquela sentença;
i) – Tal conta não foi notificada ao administrador;
j) – Após as custas apuradas, nos termos por ela definidos e após correição, solicitou o administrador informação sobre a falta de pagamento dos seus honorários e reembolso de despesas;
l) – A Ex.ma Juíza pediu, sobre o requerido, informação à secção que, em 23.4.07, conclui com informação de que não fora dado pagamento ao requerido, solicitando fosse ordenado o que fosse tido por conveniente e relevada a respectiva falta;
m) – A Ex.ma Juíza, relevando a falta, despachou na mesma data a ordenar se providenciasse pelo pagamento, o que foi notificado ao recorrente;
n) – A secção emitiu, então, uma “nota de honorários” na importância de € 250,00, que o recorrente - administrador viria a receber;
0) – Após peripécias várias e renovando o recorrente o pedido de pagamento, a Ex.ma Juíza a quo lançou, em 17.7.08, o seguinte despacho recorrido:
- “ Este Tribunal tem vindo a pronunciar-se - sucessivamente – sobre a pretensão do requerente desde 3.4.08, e no mesmo sentido, pelo que não estamos em crer que o mesmo desconheça o sentido do nosso último despacho, o mesmo é dizer, mais uma vez, que se indefere o quanto requer. E isto – novamente – por força do teor de fls. 683, de resto, o adiantado, desde logo, na referida data. Por outras palavras, e para que dúvidas não sobejem, o requerente já foi pago (cfr. fls. 683, em 23.4.07) e os autos considerados findos; quase um ano volvido (cfr. fls. 685, em 18.3.08), vem alegar irregularidades ao nível dos pagamentos, donde, extemporaneamente, não podendo este, assim como outros, tribunais, estar na dependência de epifanias tardias por parte dos seus intervenientes. Discordando, assiste-lhe o direito de recorrer”.
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2.2. De direito
São duas as questões a apreciar no recurso:
a) – Que com o pagamento da importância de € 250,00 em 23.4.07 (fls. 683) o recorrente administrador de insolvência já fora pago da sua actividade e do reembolso de despesas;
b) – Se é extemporâneo o pedido de arguição de irregularidades do pagamento da remuneração de administrador de insolvência e do reembolso de despesas.
Vejamos:
1. Antes de mais, há que dizer que com o processado subsequente ao despacho que ordenou que a secção providenciasse pelo pagamento das importâncias solicitadas nada credibilizou a justiça e só a desatenção dos sucessivos intervenientes fez com que o recorrente esteja desembolsado em grande medida, não só da devida remuneração, como das despesas que suportou, pois só recebeu, a título da 1.ª, a importância de € 250,00 e da 2.ª igual quantia, e que os autos mantenham (ainda) escusada tramitação.
Dito isto, a razão está, sem dúvida, do lado do recorrente.
Com efeito, o despacho recorrido, ao dizer que com o pagamento da importância de € 250,00 a título de remuneração o recorrente já fora pago, não atentou nem na nota de despesas de fls. 137 dos presentes autos que, na sequência da sentença declaratória de insolvência, correspondia à 1.ª prestação da provisão de despesas (n.º 6 do art.º 26.º e da Lei 32/04 de 22.7 e art.º 1.º da Portaria n.º 51/05 de 20.1), nem no que dispunha, rectius, não dispunha (v. art.º56.º, n.º 3, alíns. c), f) e g), do CCJ), a conta de fls. 667, nem sobretudo na decisão transitada em julgado no Apenso C) de Prestação de Contas do administrador, que as julgara tal como haviam sido apresentadas pelo recorrente e por cujo pagamento reclama agora, após dedução daquela quantia de € 250,00 e adição da factura superveniente (publicação no DR do anúncio das contas), a importância de € 2.049,13.
Com efeito, não tendo havido recurso dessa decisão, nos termos do art.º 671.º, n.º 1, do CPC a mesma passou a ter força obrigatória dentro e fora do processo, não mais podendo ser discutida (salvo nos apertados termos do recurso de revista), sendo que, de acordo com o disposto no art.º 673.º do mesmo diploma legal, a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
Isto é, a sentença que apreciou as contas tornou-se obrigatória quanto às importâncias apresentadas pelo administrador, no caso como dívidas.
Dizer ter sido pago, o pagamento, como excepção peremptória que é, em termos de conceitualização processual, incumbia fosse demonstrado, in casu, pelo próprio processo, enquanto “devedor” das importâncias reclamadas.
E o que os autos evidenciam?
- Que o administrador, confessadamente, aliás, apenas recebeu a importância de € 250,00 correspondente à referida nota de despesas (1.ª prestação) e igual quantia a título de remuneração pela nota de honorários de fls. 683, importância esta cujo quantitativo concreto se não enxerga, até porque, o que era devido a esse título e com vencimento na data da nomeação como administrador, seria a quantia de € 1.000,00 (n.º 2 do art.º 26.º da cit. Lei n.º 32/04 e art.º 1.º da mencionada Portaria n.º 51/05).
E, porque também não houve renúncia quanto à importância solicitada, está assim a mesma em dívida. Com uma precisão, que não altera o quantitativo global.
De remuneração, porque recebera a importância de € 250,00, tem a receber o diferencial, como no reembolso das despesas, para lá do montante da factura correspondente à publicação de anúncio da própria prestação de contas (€ 65,28, haverá que ser deduzida também, a provisão de despesas, na importância de € 250,00 já recebida (€ 1210,00 - € 250,00) + [(€ 467,81- € 250,00) + (€ 806,04+65,28)] = € 2.049,13.
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2. Quanto à 2.ª questão, da extemporaneidade da arguição das irregularidades ao nível dos pagamentos, igualmente falece razão ao despacho recorrido.
Para lá de o despacho recorrido não ter concretizado a pseudo-extemporaneidade, antes se ficando por inconsequente e talvez escusada acrimónia, importa salientar que a falta de pagamento das importâncias em dívida nada tem que ver com qualquer inércia do recorrente.
Com efeito, em 1.º lugar, não foi notificado da conta elaborada (que, aliás, repete-se, é omissa relativamente a tais pagamentos), pelo que até ao recebimento sempre poderia dela reclamar (n.º 2, alín. b) do art.º 60.º do CCJ), em 2.º lugar, o pagamento, julgadas as contas, não dependia de requerimento seu e, em 3.º lugar, quando o fez, estranhando, ele sim, a inércia do processo, logo o tribunal ordenou à secção que providenciasse pelo pagamento (fls. 680).
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3. Concluindo:
a) – Transitada em julgado a decisão que julgara validamente prestadas as contas apresentada pelo administrador de insolvência, de onde resultara crédito a seu favor (remuneração e reembolso de despesas), por força do caso julgado, nenhuma oposição pode ser feita à quantia aí apurada;
b) – Não tendo sido notificado da conta, onde, aliás, tais rubricas aí não foram levadas, indevidamente, e podendo dela reclamar até ao recebimento das importâncias que lhe são devidas, optando, contudo, por requerer no processo principal o pagamento, de nenhum prazo peremptório dispunha fosse para o obter, fosse para arguir qualquer irregularidade do próprio pagamento.
c) – Assim sendo, há que revogar o despacho judicial que contrariamente ao exposto decidiu.
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III. Decisão
Face a todo o exposto, dando provimento ao agravo, revogam o despacho recorrido e em consequência deferem o pagamento ao recorrente da importância peticionada de € 2.049,13, com a consequente reforma da conta.
Sem custas.