Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
869/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
COCONVERSÃO DE INCAPACIDADE TEMPORÁRIA EM DEFINITIVA
Data do Acordão: 06/06/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 42º DO DL Nº 143/99, DE 30/04 .
Sumário: I – A incapacidade temporária converte-se em incapacidade permanente decorridos 18 meses consecutivos, devendo o perito médico do Tribunal reavaliar o respectivo grau de incapacidade .

II – Fazendo-se considerar como permanentes as incapacidades temporárias que ultrapassem 18 meses, e fixar nesse momento o grau de desvalorização, procura-se evitar o protelamento excessivo da atribuição das pensões em consequência da dilação do tratamento do sinistrado .

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

1 – Nos presentes Autos com processo especial emergente de acidente de trabalho, e uma vez frustrada a tentativa de conciliação a que oportunamente se procedeu, veio A..., devidamente identificada, desencadear, com o patrocínio oficioso do MºPº, a fase contenciosa apresentando Petição Inicial no Tribunal do Trabalho de Tomar contra ‘B... – Companhia de Seguros, S.A.’
Pediu, a final, a condenação desta a pagar-lhe, além do mais, o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 489,21 €., devida desde o dia imediato ao da alta, e ainda a pensão provisória anual de 7.643,89 €., a partir de 19.7.02 até à data da alta, conforme arts. 17º da LAT e 45º do respectivo Regulamento, tendo a sinistrada dois filhos a seu cargo.

Pretextou para o efeito, em resumo útil, que foi admitida ao serviço da Entidade Patronal ‘C...’ tendo sofrido um acidente quando se deslocava do local de trabalho para a sua residência, do que lhe resultou fractura do joelho direito.
A sua empregadora tem a responsabilidade infortunística transferida para a R. Seguradora.

2 – Citada, a R. veio contestar, alegando basicamente em sua defesa que na situação de IPA em que a A. se encontra não se pode presumir que o período de ITP de 26.2.03 até 26.3.03 seja de 20%, sendo que a conversão da ITA em IPA não traduz um quadro clínico fáctico, real, objectiva e subjectivamente verificado: a sinistrada é havida como que em situação de IPA, mas não necessariamente afectada de IPA.
Daí a ficção jurídica.
Assim, a pensão provisória emergente da conversão da ITA em IPA, e reportada ao período que mediou entre 19.7.02 e 26.3.03, não deve comportar qualquer acréscimo, designadamente por via dos dois filhos alegadamente a cargo da A.
3 – Elaborado o Despacho Saneador e realizada a Audiência de Julgamento, proferiu-se sentença, na sequência, julgando a acção parcialmente procedente, com condenação da R. a pagar à A. 12,47 €. A título de transportes ao Tribunal, o capital de remição correspondente à pensão devida desde 27.3.2003, no montante de 489,21 €., e juros de mora à taxa legal, absolvendo-a do pagamento da pensão provisória anual no valor de 7.643,89 €., a partir do dia 19.7.02 e até à data da alta.

4 – Já com advogado constituído, veio a A. interpor recurso, oportunamente admitido como apelação, tendo alegado e concluído assim:
· A douta sentença fez uma incorrecta interpretação dos factos e uma errada aplicação do direito no que diz respeito à interpretação do disposto no art. 42º da Lei n.º 143/99, de 30 de Abril;
· Nos termos do art. 42º desse diploma, a incapacidade temporária converte-se automaticamente em permanente pelo decurso do período de 18 meses após o acidente;
· Tal conversão não fica dependente de qualquer reavaliação do perito médico do Tribunal, sendo certo que este apenas é chamado a pronunciar-se sobre o grau de incapacidade, não possuindo qualquer poder para impedir a transformação da incapacidade temporária em permanente;
· A A. completou 18 meses de incapacidade temporária em 19.7.2002 e teve alta em 26.3.2003, pelo que a conversão da incapacidade temporária em permanente se operou em 19.7.2002, ou seja, antes daquela data;
· A A. continuou no período de baixa clínica muito após o dia 19.7.2002 e o facto de a R. não ter feito accionar em tempo útil o mecanismo da conversão de incapacidade, não pode ser inibidor daquela conversão, nem lesiva dos direitos da sinistrada, tanto mais que ela é automática;
· A douta sentença devia ter aplicado ao caso em apreço o art. 42º da Lei n.º 143/99, pelo que a R. deveria ter sido condenada a pagar à A. a pensão provisória anual de 7.643,89 €., a partir do dia 19.7.02 e até à data da alta – 26.3.2003, nos termos do art. 17º, n.º1, a), da Lei n.º 100/97, conjugado com o art. 45º da Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.

Sem resposta, subiram os Autos a esta Instância.
Colhidos os vistos legais – com o Exm.º P.G.A. a emitir douto Parecer no sentido do provimento do recurso – vamos analisar, ponderar e decidir.

II – DOS FUNDAMENTOS

1 – DE FACTO
Vem assente a seguinte factualidade:
» A A. foi admitida ao serviço da firma ‘C...’, com sede na zona industrial Nova, Ferrarias, Torres Novas, no dia 10.7.2000, trabalhando sob as suas ordens e direcção, como praticante de salsicheira/2º ano;
» No dia 18.1.2001, cerca das 02H00, em Torres Novas, quando se dirigia do local de trabalho para a residência, interveio num acidente de viação, caindo do velocípede com motor em que se deslocava, por este ter derrapado e sofreu fractura do joelho esquerdo;
» E como consequência directa e necessária, a A. sofreu os seguintes períodos de incapacidade temporária para o trabalho:
- ITA desde 19.1.2001 e desde 4.7.2002 até 24.12.2002;
- ITP de 20% desde 17.12.2001 até 3.7.2002 e desde 25.12.2002 até 26.3.2003, tendo completado 18 meses de incapacidade temporária no dia 19.7.2002;
» A Seguradora considerou a A. curada de tais lesões e deu-lhe alta no dia 26.3.2003;
» No exame médico realizado neste Tribunal foi atribuída à A. uma IPP de 8%, já que a mesma apresenta como sequelas gonalgia com instabilidade articular e atrofia da coxa esquerda com 2 cm;
» A Entidade Patronal celebrou com a R. Seguradora um contrato de seguro de acidentes de trabalho dos seus trabalhadores, titulado pela apólice n.º 001006055932, que garante a responsabilidade pelo salário base no valor de 387,19 €. X 14 meses + 65,84 €. de subsídio de alimentação x 11 meses + 136, 27 €. de subsídio de frio e trabalho nocturno x 11 meses, num total anual de 7.643,89 €.;
» A A. nasceu no dia 7.12.1965;
» Contemplando incapacidades temporárias, a Seguradora pagou à A. 10.058,49 €.;
» A A. teve despesas de transportes por deslocações a Tribunal no âmbito dos presentes Autos, no valor de 12,47 €.;
A sinistrada tem a seu cargo dois filhos, um menor e outro estudante.
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2 – O DIREITO
O objecto do recurso restringe-se, pela própria delimitação da apelante, à interpretação do disposto no art. 42º do D.L. n.º 143/99, de 30 de Abril.
Nos termos do n.º1 da norma interpretanda ‘A incapacidade temporária converte-se em permanente decorridos 18 meses consecutivos, devendo o perito médico do Tribunal reavaliar o respectivo grau de incapacidade’.
A requerimento da entidade responsável – e uma vez verificado que ao sinistrado está a ser prestado o tratamento clínico necessário – pode o MºPº prorrogar até 30 meses o prazo acima fixado, como se prevê no n.º2 do mesmo inciso legal.

De acordo com a equação do problema feita pela recorrente, a questão que se coloca é a de saber se a conversão da incapacidade temporária em permanente é automática pelo decurso do período de 18 meses…e se – acrescentamos ora – se lhe associam, também automática e necessariamente, sem mais, os pretendidos efeitos, maxime, a mesma desvalorização e, no caso, o direito à reclamada ‘pensão provisória’, assim aqui qualificada pela A. a prestação/pensão anual e vitalícia de 80% da retribuição, legalmente conferida pelo art. 17º, n.º1, a), da NLAT aos sinistrados afectados de Incapacidade Permanente Absoluta (IPA) para Todo e Qualquer Trabalho.

Tudo visto e ponderado, podemos desde já adiantar que bem se ajuizou na decisão sob protesto.
Vamos demonstrar porquê, reforçando os argumentos que estribam a fundamentação da solução alcançada.
Decisivo é, a nosso ver, surpreender a etiologia da norma interpretanda, pois assim se acederá, com a desejada segurança, ao propósito que lhe subjaz e à justeza do escopo visado.

Esta problemática foi já considerada noutras intervenções jurisprudenciais, (v.g. Acórdão desta Relação e Secção, de 16.11.95, in C.J. Ano XX, Tomo V, pg. 85), cuja argumentação e reflexão temos presente com vista a uma melhor percepção do sentido certo da ‘ratio legis’.

O art. 42º do D.L. n.º 143/99, de 30 de Abril, corresponde, no essencial, ao disposto no art. 48º do Dec. 360/71, que regulamentou a Lei n.º 2.127, de 3.8.65.
Sendo rigorosamente a mesma a sua razão de ser, lembremos os Considerandos adiantados pelo Legislador de 71.
No ponto 7. do Preâmbulo do Diploma, consignou-se expressamente:
‘Fazendo considerar como permanentes as incapacidades temporárias que ultrapassem dezoito meses e fixar nesse momento o grau de desvalorização, procura-se evitar o protelamento excessivo da atribuição das pensões em consequência da dilação do tratamento do sinistrado’ (sublinhados agora).
Mais se consignou, a seguir, que, assistindo embora aos interessados o direito de requererem a revisão das pensões assim fixadas, excluem-se tais pensões da remição até que seja dada alta definitiva do tratamento…’atento o carácter da incapacidade que lhes serve de fundamento’ – conforme prescrito no n.º3 do art. 64º.

Pretendeu-se, pois, fundamentalmente, com esta conversão legal da IT em IP (‘alta processual’ lhe chamou expressivamente Vítor Ribeiro, in ‘Prontuário do CEJ, n.º 39, pg. 23), evitar o prejuízo do sinistrado decorrente do protelamento excessivo da atribuição das pensões…por causa da dilação do tratamento.
Todavia, não pode ignorar-se que se está perante uma pensão sujeita a um regime especial, com legais limitações, enquanto não for dada alta definitiva ao sinistrado…
De tal modo assumido que, com vista a assegurar uma subsequente harmonização da ‘verdade processual’ (conversão reflectida nos termos do devido Exame Médico a realizar pelo Perito do Tribunal logo após o decurso dos 18 meses) com a ‘verdade clínica’(situação correspondente à cura, com o desaparecimento total das lesões ou a insusceptibilidade da sua modificação com terapêutica adequada), fica sempre disponível o incidente de revisão das pensões.

No caso presente:
Como se constata, as coisas não se tramitaram nos termos legalmente delineados, tendo sido inobservado o ‘modus agendi’ processual.
- É certo que a Seguradora deveria ter participado ao Tribunal competente, por escrito, no prazo de oito dias a contar da sua verificação, o caso dos Autos, (porque de Incapacidade Temporária para além dos doze meses), omissão que inviabilizou de facto o funcionamento em tempo oportuno do disposto no n.º1 do art. 42º do Regulamento da NLAT.
(A essa falta corresponde a sanção/contra-ordenação p.p. no n.º2 do art. 67º do Diploma).
Poderia/deveria no mínimo ter demonstrado que estava a ser ministrado à sinistrada o tratamento clínico necessário e requerido ao MºPº a prorrogação do tempo de Incapacidade Temporária até aos 30 meses.

- Certo é igualmente que quando se chega ao momento de ponderar os efeitos da ultrapassagem daqueles 18 meses de Incapacidade Temporária – não rejeitando o entendimento de que a conversão da IT em IP, sendo uma ficção, acontece ‘ope legis’, por forma, diga-se, automática, dispensando por isso intervenção jurisdicional nesse sentido – já à sinistrada tinha sido conferida ‘alta por cura clínica’ pelos serviços médicos da Seguradora…

- Sendo que a legalmente ficcionada conversão da IT em IP não significa a simultânea conversão do grau de desvalorização daquela nesta.
Como nos parece incontroverso, a natureza da incapacidade (Incapacidade Temporária vs. Incapacidade Permanente) e o respectivo grau de desvalorização são realidades independentes, juridicamente distintas. (Veja-se, neste sentido, o Acórdão do S.T.J. de 24.3.99, in C.J./S.T.J., Ano VII, Tomo I, pg. 302-3).
Daí a compreensível exigência legal de, aquando da ultrapassagem dos 18 meses de IT e da conversão desta em IP, fazer intervir o Perito Médico do Tribunal para ‘reavaliar (‘fixar’, no texto homólogo do art. 48º do Diploma de 71) o respectivo grau de incapacidade’.


- Importa considerar que, no caso, não só não foi reavaliado, para este concreto efeito, o respectivo grau de incapacidade, pelo perito Médico do Tribunal, quando se perfizeram os 18 meses de Incapacidade Temporária (completados a 19.7.2002), nem posteriormente, como, até pouco antes dessa data e logo após 25.12.2002, a IT foi considerada parcial, reduzida a 20%.

- Não deixaram de ser contempladas as Incapacidades Temporárias devidas por todo o tempo até à data da alta, a cujo título a Seguradora pagou à A. € 10.058,49.

- Por fim, a ‘verdade clínica’, na intervenção do Perito Médico do Tribunal após a alta/cura clínica, estabeleceu a desvalorização por Incapacidade Permanente Parcial (IPP) em 8%.

Isto posto:
Afigura-se-nos que a tese consubstanciada na Petição Inicial, parecendo irrepreensível na sua estruturação e consequência lógico-formal, não se compagina com a solução que, dentro da compreensão da norma de subsunção, temos por acertada.

É verdade que é a falada omissão da Seguradora em não participar ao Tribunal a ultrapassagem dos 12 meses de Incapacidade Temporária, (art. 18º/3 do Regulamento da NLAT), que dá origem ao embaraço, desencadeando a actuação da A.
Todavia, além de estar prevista uma adequada sanção para essa falta, (art. 67º/2 do mesmo Diploma), não seria de todo justo que, com base apenas nesse pressuposto formal, se conferisse à sinistrada uma pensão, que, embora reportada apenas ao período da conversão da IT em IP, (decorrido desde a ultrapassagem dos 18 meses de IT até à data da alta/cura clínica - a pretendida prestação é, por isso, apelidada de ‘pensão provisória’), está destinada aos casos extremos de IPA para todo e qualquer trabalho, 'ut' art. 17º, n.º1, a), da NLAT, quando a A. ficou afectada apenas de uma IPP de 8% !
‘Summum jus, summa injuria’, como diziam os latinos!

Ante a vocação e a axiologia da norma, acima analisadas, o caso decidendo não cabe no seu âmbito, se por mais não fôra pela incontornável e determinante circunstância de que a conversão da incapacidade (de Temporária em Permanente) não implica nem permite a concomitante conversão ou confirmação do respectivo grau, sendo requisito imprescindível a reavaliação do mesmo pelo perito Médico do Tribunal.

Como reagiria a A. se, no mesmo contexto, o grau de IT(P) fosse acidentalmente, à data da passagem dos 18 meses, de apenas 20%, como era pouco antes dessa data e passou a ser de novo um tempo depois?

Como bem se diz na decisão ‘sub judicio’, não pode perder-se de vista que se trata de uma ficção legal, com um objectivo específico, porque na realidade a sinistrada continuou com baixa clínica, em tratamentos, a receber a correspondente indemnização até à data da alta/cura clínica …não obstante a conversão legal impositiva.

Resumindo, para concluir, dir-se-á que, face à teleologia da norma em causa, a compreensão estrita e formalmente rigorista em que assenta a pretensão da A. conduziria a uma solução iníqua, redundando afinal num duplo sancionamento da falta da Seguradora e num injustificado benefício da sinistrada, que não foi previsto nem querido pelo legislador daquela regra.

Improcedem, pois, as conclusões da apelação, não tendo sido violadas as normas legais identificadas ou outras.

III – DECISÃO
Nos termos expostos, deliberam os Juízes desta Secção negar provimento ao recurso, confirmando a douta sentença impugnada.
Sem custas, por ainda estar isenta a recorrente, ao tempo.
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Coimbra,