Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FONTE RAMOS | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA INDEFERIMENTO LIMINAR | ||
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Data do Acordão: | 12/03/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | ÁGUEDA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.23 Nº2 , 27 Nº1 A) DO CIRE | ||
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Sumário: | I – Na petição inicial, que não provenha do apresentante do devedor, são facultativas as indicações a que alude o art.23 nº2 alíneas b), c) e d) do CIRE. II – Em princípio, o tribunal só deve proferir despacho de aperfeiçoamento quando a petição careça de elementos essenciais e apresente vícios sanáveis, enquadráveis na previsão da alínea a) do nº1 do art.27 do CIRE ( indeferimento liminar). III – Não se verificando irregularidades com aquelas características e ainda que incumprido despacho liminar, o juiz deve mandar prosseguir o processo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I. No Tribunal Judicial da Comarca de Águeda, no processo de insolvência supra referido, instaurado por A (…). contra B (…), melhor identificados nos autos, aquela sociedade, na qualidade de credora, requereu a declaração de insolvência do demandado, aduzindo a factualidade pertinente e concluindo que o mesmo se encontra impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações. Juntou aos autos uma certidão do assento de nascimento do demandado (no qual se encontra averbado o seu casamento) e quatro facturas relativas a vendas de materais de construção que efectuou ao demandado nos meses de Abril a Julho de 2007, com prazo de vencimento de 30 dias e cujos valores diz não terem sido pagos, afirmando ainda que existem outras empresas nas mesmas circunstâncias da requerente e foram instaurados vários processos executivos contra o requerido, nomeadamente os indicados na petição inicial sob o item 8º. Requereu a citação do requerido para contestar e, designadamente, para juntar aos autos a relação dos seus credores, moradas destes e respectivos créditos, a lista de todas as acções e execuções instauradas contra o mesmo, bem como todos os restantes documentos referidos no art.º 24º do CIRE, bem como para indicar o valor do activo e os cinco maiores credores. Em 28.01.2009, dia seguinte à distribuição, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: Sob pena de indeferimento, ao abrigo do disposto no art.º 27.º, n.º 1, al. b) do CIRE, notifique a requerente para, em cinco dias, dar cumprimento ao disposto nas als. b), c) e d), do n.º 2, do art.º 23.º, do referido Código, sendo que tais faltas não foram devidamente justificadas nem o poderiam ser no caso concreto, identificando o cônjuge do devedor e indicando o regime de bens do casamento, juntando certidão do assento de casamento e da convenção antenupcial se existir, mais resultando conhecer a requerente a existência doutros credores do devedor. Mais deverá certificar nos autos a quantia exequenda em causa nos processos executivos a que alude, a penhora de bens efectuada nos mesmos, se houve ou não oposição às execuções ou às penhoras e o estados desses autos. Transcorrido o aludido prazo, a requerente pediu a concessão de (novo) prazo nunca inferior a 15 dias, afirmando que as ditas certidões não lhe haviam sido remetidas, não obstante terem sido requeridas às entidades competentes. Na sequência deste requerimento, a Mm.ª Juíza indeferiu liminarmente a petição inicial, em 12.3.2009, com a seguinte fundamentação: A requerente foi notificada (...) para, em cinco dias, dar cumprimento ao disposto nas als. b), c) e d), do n.º 2, do art.º 23.º, (...), tendo-se considerado que tais faltas não foram devidamente justificadas nem o poderiam ser no caso concreto. Contrariamente ao que se lhe impunha por força do despacho dado e das citadas disposições legais, a requerente, no prazo fixado, não procedeu em conformidade, não se tendo tais faltas por devidamente justificadas desde logo tendo em consideração que os elementos em causa e a que se reportam as citadas disposições legais devem constar dos autos logo aquando da instauração da acção e estava ao alcance da requerente a respectiva obtenção prévia. Assim, ao abrigo do disposto no art.º 27.º, n.º 1, al. b), do CIRE, decide-se indeferir liminarmente a petição inicial. (...) Inconformada com tal decisão, a requerente interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: 1ª A douta sentença é nula, uma vez que o Juiz a quo não se pronuncia sobre questão que deveria apreciar, nos termos do disposto no artigo 668° n.° 1 alínea d) do CPC. 2ª À petição inicial juntou a recorrente o documento a que estava obrigada (certidão do Registo Civil do devedor), conforme dispõe o artigo 23° n.° 2 alínea d) do CIRE. 3ª As certidões cuja junção foi ordenada não constituem documentos de junção obrigatória com a petição inicial, pelo que a sua falta não é fundamento para o indeferimento liminar da petição, nos termos do art.º 27° n.° 1 alínea b). 4ª A recorrente diligenciou no sentido da obtenção atempada das certidões, e não o tendo conseguido por facto que não lhe é imputável e do qual deu conhecimento ao Tribunal a quo, deveria este ter entendido tal falha como justificada, nos termos do artigo 146° do CPC, e deferido o pedido de prorrogação do prazo. Pede a “anulação” da decisão em apreço e o deferimento do pedido de prorrogação do prazo para a junção das certidões requeridas. O recurso foi admitido para subir imediatamente nos autos e com efeito meramente devolutivo sobre a decisão em crise, fixando-se provisoriamente o valor da causa no montante equivalente ao da alçada da Relação. A única questão a decidir consiste assim em saber se existia fundamento para o aludido indeferimento liminar ou se, considerado o regime jurídico aplicável, antes se impunha o prosseguimento da acção. * II. 1. Os factos a considerar na decisão do recurso são apenas os aludidos do relatório (ponto I), para os quais se remete e que aqui se dão por reproduzidos.[1] 2. A apresentação à insolvência ou o pedido de declaração desta faz-se por meio de petição escrita, na qual são expostos os factos que integram os pressupostos da declaração requerida e se conclui pela formulação do correspondente pedido. Na petição, o requerente: a) sendo o próprio devedor, indica se a situação de insolvência é actual ou apenas iminente e, quando seja pessoa singular, se pretende a exoneração do passivo restante, nos termos das disposições do capítulo I do título XII; b) Identifica os administradores do devedor e os seus cinco maiores credores, com exclusão do próprio requerente; c) Sendo o devedor casado, identifica o respectivo cônjuge e indica o regime de bens do casamento; d) Junta certidão do registo civil, do registo comercial ou de outro registo público a que o devedor esteja eventualmente sujeito. Não sendo possível ao requerente fazer as indicações referidas (...), solicita que sejam prestadas pelo próprio devedor (art.º 23º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa/CIRE, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18.3)[2]. Quando o pedido não provenha do próprio devedor, o requerente da declaração de insolvência deve justificar na petição a origem, natureza e montante do seu crédito (...) e oferecer (...) os elementos que possua relativamente ao activo e passivo do devedor. O requerente deve ainda oferecer todos os meios de prova de que disponha (...) (art.º 25º, n.ºs 1 e 2). No próprio dia da distribuição, ou, não sendo viável, até ao 3º dia útil subsequente, o juiz: a) Indefere liminarmente o pedido de declaração de insolvência quando seja manifestamente improcedente, ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis de que deva conhecer oficiosamente; b) Concede ao requerente, sob pena de indeferimento, o prazo máximo de cinco dias para corrigir os vícios sanáveis da petição, designadamente quando esta careça de requisitos legais ou não venha acompanhada dos documentos que hajam de instruí-la, nos casos em que tal falta não seja devidamente justificada (art.º 27º, n.º 1). 3. Contrariamente ao que é hoje a solução geral do processo civil, o CIRE manteve a apreciação liminar do requerimento inicial, a qual pode conduzir ao indeferimento do pedido ou ao aperfeiçoamento da petição, especial forma de tramitação que poderá compreender-se em razão do regime da insolvência, das suas consequências e dos interesses envolvidos, pretendendo-se assim um controlo judicial prévio, de forma a assegurar que não são decretadas insolvências em casos de manifesta improcedência ou sem que se encontrem reunidos os necessários pressupostos processuais.[3] As alíneas b) a d) do n.º 2 do art.º 23º identificam elementos e documentos que devem ser indicados na petição inicial ou a ela juntos mas, na hipótese de processo aberto a requerimento do credor, não lhe sendo possível fazer as indicações ou junções em causa, o requerente tem a faculdade de pedir que as mesmas sejam prestadas pelo devedor, o qual fica vinculado a assim agir, em conformidade com o dever geral de cooperação (art.ºs 266º e 519º do CPC, ex vi do art.º 17º do CIRE), sendo que a eventual falta de colaboração do devedor não obstará ao prosseguimento da acção. Se o requerente/credor não fornecer as informações e os documentos em causa nem usar da dita faculdade, o tribunal deverá proferir o aludido despacho de aperfeiçoamento, sendo que, se a situação se mantiver, nem por isso se justificará o indeferimento liminar, devendo o tribunal ordenar que o devedor supra a omissão, porquanto não estamos em presença de elementos que se mostrem indispensáveis para a normal marcha do processo e concretização dos seus objectivos, que não são estruturalmente condicionantes da apreciação da situação do devedor, antes destinados a facilitar a concretização/produção das consequências ligadas à declaração de insolvência e a adopção de medidas que ela implica, as quais, todavia, não ficam impossibilitadas pela ausência dos elementos e documentos em falta.[4] Daí que, em princípio, o tribunal, perante irregularidades da petição, só deve proferir despacho de aperfeiçoamento quando esteja perante vícios sanáveis e em face de elementos essenciais (o processo não fica legalmente em condições de poder prosseguir, na hipótese de permanência do vício, após o decurso do prazo de cumprimento do despacho de aperfeiçoamento). Se o tribunal proferir despacho de aperfeiçoamento quando não ocorrem vícios com aquelas características, independentemente de o requerente dar ou não cumprimento ao despacho, o juiz deve mandar prosseguir o processo, por não se verificarem os pressupostos do indeferimento liminar fixados na alínea a) do n.º 1 do art.º 27º.[5] 4. Face ao descrito enquadramento jurídico e doutrinal e porque no caso em apreço estamos perante vícios sanáveis/corrigíveis da petição inicial, a solução a dar ao presente caso não poderá ser diferente da propugnada em II. 3., de resto, a única que permite respeitar elementares regras do processo civil (inclusive, a da economia processual), a finalidade do processo especial de insolvência e uma adequada concretização prática dos mencionados normativos. No caso vertente, a requerente aduziu os factos concretos que servem de fundamento ao efeito jurídico pretendido, juntou os documentos atrás referidos e pediu que outros elementos (documentos e informações) fossem prestados pelo requerido/devedor, o qual, conhecendo os factos da sua vida profissional/empresarial, pessoal e familiar, em melhores condições se encontra de os obter e indicar, (ainda) em tempo oportuno.[6] Os elementos em falta, não indispensáveis à normal marcha do processo (não essenciais ou decisivos na fase inicial da tramitação deste processo especial), eram e são passíveis de suprimento pela própria requerente (que se viu impossibilitada de o fazer dentro do exíguo prazo que lhe foi concedido, e justificou esse facto), por intermédio do devedor/requerido e no desenvolvimento da lide (cfr., nomeadamente, art.ºs 29º, n.º 2; 30º, n.º 2; 36º, alíneas f) e g); 128º; 129º e 149º). Por conseguinte, mostrando-se preenchidos os requisitos legais, o processo deverá prosseguir a sua tramitação com a citação do devedor, nos termos do art.º 29º - o processo poderá e deverá prosseguir a sua tramitação e não será intempestiva ou tardia a indicação e/ou junção, em momento posterior, na forma indicada, dos elementos em falta mencionados no despacho recorrido.[7] Não se verificando, in casu, os pressupostos do indeferimento liminar fixados na alínea a) do n.º 1 do art.º 27º e mostrando-se prejudicado o conhecimento do demais invocado nas “conclusões do recurso”, importa revogar o despacho recorrido, devendo o processo prosseguir os seus regulares termos, podendo-se, inclusive, convidar a requerente a juntar aos autos os elementos e os documentos entretanto obtidos e citando-se depois o requerido nos termos legais. * III. Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão impugnada, que deverá ser substituída por despacho adequado ao prosseguimento do processo. Custas do recurso a cargo da massa insolvente, caso venha a ser decretada a insolvência, nos termos do art.º 304º. Notifique.
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