Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
59/08.2TBGVA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: PROVA DOCUMENTAL
ADMISSIBILIDADE
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Data do Acordão: 12/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GOUVEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 341º DO C.CIV.; 523º, NºS 1 E 2, E 543º, Nº 1, DO CPC.
Sumário: I – Na apreciação da admissibilidade de um documento não deve entrar o juízo sobre a força probatória do mesmo, ou seja, não há que curar, nessa ocasião, de saber se esse documento é suficiente à prova do facto que se alega visar ao requerer-se a respectiva junção.

II – O que importa fazer, ao aferir da apontada admissibilidade, é saber se o facto que se alega pretender-se provar com o documento está já assente ou se é indiferente à solução da causa (seja pela sua irrelevância intrínseca, seja pela circunstância de, embora alegadamente conexo com a factualidade discutida no pleito, não poder ser tomado em consideração neste), ou se é totalmente estranho à matéria que se discute na acção.

III – São desnecessários os documentos que digam respeito a factos da causa já assentes, sendo impertinentes os documentos relativos a factos cuja prova seja irrelevante para a sorte desta.

IV – Desnecessários ou impertinentes, a junção de documentos que assim se devam considerar carece de utilidade no processo, pelo que não deve o juiz admiti-la – artº 543º, nº 1, CPC.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A)A...”, com sede em...., intentou, no Tribunal Judicial de Gouveia, acção declarativa especial, para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, contra “B....”, com sede ..., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 7.696,90, acrescida de juros de mora vencidos no montante de € 883,10, acrescidos dos que se vencessem, à taxa de juro comercial em vigor e até integral pagamento.

Sustentou, em síntese que o peticionado era o devido pela Ré com respeito ao serviço que ela, Autora, no exercício da actividade de transporte rodoviário de mercadorias, lhe havia prestado e a que respeitavam as facturas n.ºs A/788 e A/816, datadas de 22.12.2006 e de 12.02.2007, nos montantes de € 3.536,86 e de € 4.489,10, respectivamente.

B) A Ré, na contestação que ofereceu, além de se defender por impugnação, embora aceitando ter prestado os serviços cujo pagamento é peticionado, invocou a prescrição do crédito, bem como a compensação de créditos, referindo, no que a esta última excepção respeita, em síntese:

- Que, conforme é prática corrente dos usos do comércio internacional no âmbito do contrato de transporte internacional de mercadorias, sendo também a prática no caso particular da autora e da ré, quando por qualquer razão se evidenciam vícios na mercadoria, os destinatários apõem uma reserva na declaração de expedição CMR, imputando depois tais despesas ao transportador, através dos serviços da ré, que, por sua vez, os imputa, subsequentemente e por compensação, sobre créditos do transportador;

- Que, a autora prestou os serviços de transporte para a ré a que se reportam as facturas A/703 e A/618, sendo os expedidores a “C..., com destino, respectivamente, à empresa “D....” e à empresa “E....”;

- Que, embora tais facturas hajam sido pagas, as mercadorias a que respeitavam chegaram ao destino parcialmente destruídas, pelo que as destinatárias apuseram reservas à recepção daquelas, na sequência do que elaboraram relatórios de quantificação de danos e despesas, que a Autora recebeu e aceitou, no montante total de € 7.943,97, pelo que, em virtude da compensação deste crédito, nada tem a pagar a esta, nomeadamente, do preço dos serviços a que se reportam as facturas em que se alicerça o pedido.

Concluindo, pugnou pela sua absolvição do pedido.

C) A Autora, através do seu ilustre mandatário, que o fez ditando para a acta relativa à audiência de 07/05/2009, pronunciou-se sobre a invocada compensação, alegando, em síntese, carecer a Ré de legitimidade para a invocar, já que, muito embora tenha prestado os serviços de transporte identificados nas facturas referidas na contestação (A/703 e A/618), não os efectuou para a Ré, mas sim «… à Sociedade de Direito Alemão denominada F....», sendo que, tais facturas «… foram emitidas pela autora em nome daquela Sociedade Alemã, que as pagou por transferências bancárias provenientes da Alemanha, tendo a autora emitido os competentes recibos a favor da mesma…».

Nessa mesma audiência, o ilustre mandatário da Ré, entre outros, juntou um documento que referiu como tendo sido emitido pela Sociedade E...... alegando que esta, no mesmo, “subroga a ré nos seus direitos quanto ao sinistro do camião de matrícula VI-00-00, melhor descrito no CMR 200”.

Dizendo pretender responder a tal excepção suscitada pela autora, pronunciou-se, ainda, o ilustre mandatário da Ré quanto à ilegitimidade desta para invocar a compensação de créditos.

No despacho proferido no final dessa audiência, decidiu, o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, além do mais, conceder o prazo de “vista” de dez dias, para pronúncia quanto aos documentos juntos, e considerar não escrita, porque inadmissível, toda a matéria alegada pela Ré como resposta à arguida ilegitimidade para invocar a compensação.

D) Tendo prosseguido a audiência de julgamento no dia 05/06/2009[1], no seu início, o ilustre mandatário da Ré requereu a junção aos autos de um requerimento e dos documentos que acompanhavam este (declaração de sub-rogação da F... na R., respectiva tradução e faxes trocados entre a A. e a R.)

- Em tal requerimento a Ré, negando carecer de legitimidade para reclamar os referidos transportes, veio alegar que ter sido “sub-rogada nos direitos da F... por Declaração emitida por ela em 31.07.06, que ora se junta acompanhada da respectiva tradução certificada”;

- Do documento, traduzido, respeitante à aludida declaração de subrogação, consta, além do mais:

«(…) Declaração para B.... relativamente aos sinistros da D... e da E....

Vimos pela presente confirmar que o transportador A..., provocou sinistros em dois transportes de pedra natural:

- Carregamento na C..., Portugal a 01.07.2006 para o cliente D..., tendo sido feita uma reserva de material danificado no CMR n° 0632 (A....)

Factura de transporte da A... Lda. à F...: A/703 de 13.07.2006

- Carregamento na C..., Portugal a 06.02.2006 para a E...

Conforme reserva feita no CMR n° 0200 (A.....) Factura de transporte da A... à F...: A/618 de 15/02/2006

Estas facturas foram pagas por nós, F.... à Fa. A....

Sub-rogamos a B.... para nos representar em todos os direitos que nos assistem, para nos representar na reclamação junto do Transportador e tomar todas as medidas necessárias (tribunais/Ca de Seguros, etc), que resultam dos contratos de transporte acima referidos cujo cumprimento foi defeituoso. (…)».

E) Sobre a admissão de tais documentos recaiu despacho proferido para a acta dessa audiência de 05/06/2009, despacho esse, considerando-os impertinentes e irrelevantes para a decisão da causa, não admitiu a respectiva junção aos autos.

II – Deste despacho apelou a Ré, que, a finalizar a sua douta alegação de recurso, apresentou as conclusões que se seguem:

[……………………………………………………………………………]

Dizendo violadas as normas dos art.ºs 523°, n.°s 1 e 2 e 505°, do CPC, a Apelante terminou defendendo a revogação da decisão impugnada e a substituição desta por uma outra que admita a junção aos autos dos documentos em causa.

III - Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)[2], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2, “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [3]).

Assim, a questão a solucionar é a de saber se deveria ter sido admitida a junção dos documentos que a Ré requereu e que viu indeferida pelo despacho impugnado.

IV - A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I “supra”.

Desde já se adianta que o despacho recorrido, a nosso ver, decidiu acertadamente a questão que havia a solucionar, com adequada fundamentação, merecendo a nossa concordância a não admissão da junção aos autos dos documentos em causa, sendo este um dos casos em que bem poderia esta Relação limitar-se a negar procedência ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada (art.º 713.º, n.º 5, do CPC).

Ainda assim, não se deixará de explicitar a nossa concordância quanto ao julgado.

Enquanto meios de prova, os documentos têm por escopo a demonstração da realidade dos factos alegados (art.º 341º do CC e 523.º, n.º 1, do CPC).

Devendo, por regra, ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (art. 523.º, n.º 1, do CPC), ou seja, com a petição inicial, caso visem fazer prova dos fundamentos da acção, ou com a contestação, se o respectivo escopo for provar os fundamentos da defesa, os documentos podem, contudo, ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1.ª instância (art. 523.º, n.º 2, do CPC), ou, verificado o respectivo condicionalismo, na fase de recurso (art. 524.º, n.º 1, do CPC).

Atento o assinalado escopo, bem se compreende a não admissibilidade da junção de documentos sem relevo para esse efeito.

Na apreciação da admissibilidade de um documento não deve entrar, porém, o juízo sobre a força probatória do mesmo, ou seja, não há que curar, nessa ocasião, de saber se esse documento é suficiente à prova do facto que se alega visar ao requerer-se a respectiva junção.

O que importa fazer, ao aferir da apontada admissibilidade, é saber, se o facto que se alega pretender-se provar com o documento está já assente, ou se é indiferente à solução da causa (seja pela sua irrelevância intrínseca, seja pelo circunstância de, embora alegadamente conexo com factualidade discutida no pleito, não poder ser tomado em consideração neste), ou se é totalmente estranho à matéria que se discute na acção.

São desnecessários os documentos que digam respeito a factos da causa já assentes, sendo impertinentes os documentos relativos a factos cuja prova seja irrelevante para a sorte desta.

Desnecessários ou impertinentes, a junção de documentos que assim se devam considerar carece de utilidade no processo, pelo que não deve o juiz admiti-la (cfr. art.ºs 543º nº 1).

O escopo da junção requerida consistia em provar que a Ré era agente da sociedade alemã “F....” e que esta havia subrogado nela os seus direitos sobre a Autora, nomeadamente os resultantes da contabilização dos danos relacionados com os fornecimentos a que respeitavam as facturas n.ºs A/618 e A/703.

Só que, percorrendo a contestação não se vislumbra alusão factual a essa subrogação da “F...”, ou, sequer, uma menção a esta firma, inexistindo, consequentemente, qualquer referência à Ré enquanto agente desta empresa.

As notas de débito mencionadas na contestação não foram aí relacionadas com a F....”, mas antes referidas como emitidas pelas sociedades D... e E... (cfr. art.º 59º, 60º, 67º e 68º).

Só na resposta à ilegitimidade da Ré para invocar a compensação, que a autora arguiu, é que aquela faz referência à “F....” e à aludida subrogação. Tardiamente, porque, sendo a declaração datada de 31/07/2006, os factos que com ela se pretendia provar poderiam e deveriam, para deles poder tira proveito a Ré, ser alegados na contestação, não lhe valendo dizer agora, apelidando essa arguição de “facto novo”, que foi apenas em resultado da ilegitimidade arguida pela Autora é que se manifestou a necessidade de alegar o atinente à dita subrogação.

Acresce que, como expressamente se relatou “supra” foi decidido, em despacho (de 07/05/2009) relativamente ao qual não houve impugnação, considerar não escrita, porque inadmissível, toda a matéria alegada pela Ré como resposta à sua ilegitimidade para invocar a compensação.

E, em boa parte, o que a Ré acabou por fazer no requerimento em que pediu a junção aos autos dos documentos em causa, foi, afinal, “a reboque” de justificar tal junção, reeditar, com “roupagem” diversa, a resposta cuja validade tinha visto ser negada por aquele despacho.

Contudo, apresenta-se como insofismável, salvo o devido respeito, a constatação de que não encontram respaldo na factualidade alegada tempestivamente pela Ré, os factos atinentes à sua qualidade de agente da “F....” e à subrogação efectuada por esta, motivo pelo qual, ainda que alegadamente conexos com as facturas referidas para invocar a compensação, estes não sejam, efectivamente, por não se identificarem com os alegados na contestação e não poderem ser tomados em consideração, factos relevantes para a sorte da causa, devendo, consequentemente, reputar-se de impertinentes os documentos cuja junção visava a respectiva prova.

Em conclusão: O despacho recorrido revela-se, pois, acertado, com correcta interpretação das disposições legais pertinentes, não tendo infringido as normas que a Apelante refere como violadas, designadamente, as previstas nos art.ºs 523°, n.°s 1 e n°2 e 505º, do CPC.

Improcedendo, pois, em face de tudo o exposto, as doutas conclusões da Apelante, é de manter o despacho impugnado.

Em síntese, dir-se-á, pois:

1 - Na apreciação da admissibilidade de um documento não deve entrar o juízo sobre a força probatória do mesmo, ou seja, não há que curar, nessa ocasião, de saber se esse documento é suficiente à prova do facto que se alega visar ao requerer-se a respectiva junção.

2 - O que importa fazer, ao aferir da apontada admissibilidade, é saber, se o facto que se alega pretender-se provar com o documento está já assente, ou se é indiferente à solução da causa (seja pela sua irrelevância intrínseca, seja pelo circunstância de, embora alegadamente conexo com factualidade discutida no pleito, não poder ser tomado em consideração neste), ou se é totalmente estranho à matéria que se discute na acção.

3 - São desnecessários os documentos que digam respeito a factos da causa já assentes, sendo impertinentes os documentos relativos a factos cuja prova seja irrelevante para a sorte desta.

4- Desnecessários ou impertinentes, a junção de documentos que assim se devam considerar carece de utilidade no processo, pelo que não deve o juiz admiti-la (cfr. art.ºs 543º nº 1).

V - Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a Apelação e manter o despacho recorrido.

Custas pela Apelante.


[1] Há lapso na data indicada como sendo aquela em que teve lugar a audiência - 05 de Maio de 2009 -, como foi evidenciado no despacho de 11/9/2009, que admitiu o recurso da Ré, havendo que proceder à competente rectificação.
[2] Os preceitos que deste Código forem citados, reportam-se, salvo indicação em contrário, à redacção introduzida pelo DL n.º 304/07, de 24/08.
[3] Consultáveis na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.