Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1/16.7GTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: PENA ACESSÓRIA
INIBIÇÃO DO EXERCÍCIO DA CONDUÇÃO
Data do Acordão: 02/20/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (J L CRIMINAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 69.º DO CP
Sumário: I – A pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, sendo a sua finalidade a intimidação da generalidade dirigindo-se, ainda, à perigosidade do agente, razão pela qual dentro da moldura penal abstrata de três meses a três anos, há que atender à culpa do arguido e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuserem a favor ou contra ele.

II – Como condutor profissional tem o arguido o particular dever de conhecer os elevados riscos da condução sob a influência de álcool, e das consequências que lhe podem advir, não só criminal e civilmente, mas ainda para o exercício da condução profissional de veículos com motor.

III – A condução de veículo automóvel na via pública, com capacidades intelectuais diminuídas, nomeadamente a nível de atenção, rapidez de reflexos e coordenação motora, por o agente estar influenciados por elevados níveis de álcool ingerido, constitui um elevado risco para a sociedade, cuja segurança urge proteger através da aplicação de adequada pena acessória para evitar a reincidência neste crime rodoviário.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

           

     Relatório

Pelo Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, Juízo Local Criminal da Guarda, Juízo Local Criminal da Guarda, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido

, filho de … e de …, nascido a ... de .... de 1969, natural de …, ...., divorciado, motorista, residente em …,

imputando-se-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 8 de Outubro de 2018, decidiu condenar o arguido … pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Cód. Penal, na pena principal de 60 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, ou seja, na multa de € 420,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses.

           Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido …, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1.ª A taxa que o arguido apresentava quando foi fiscalizado pela autoridade competente era de 1,31 g/l, pelo que se encontrava apenas 0,11 g/l acima do valor que confere significado criminal à conduta praticada.

2ª Em sede de audiência de discussão e julgamento, confessou integralmente e sem reservas os factos, sempre colaborando com a justiça.

3ª O ilícito praticado resultou de uma actuação ocasional dadas as normais festividades daquela altura do ano, pois o arguido não é um criminoso habitual, nem pauta a sua conduta por comportamentos violadores das regras gerais de convivência societária.

4ª O arguido apenas tem um antecedente criminal por um crime de natureza totalmente diversa do que está em apreço nos presentes autos.

5ª O recorrente é motorista profissional de veículos pesados de mercadorias, pelo que a verdadeira inibição imposta não é de conduzir, mas sim de trabalhar… dado que cinco meses de inibição de conduzir levará naturalmente ao seu despedimento.

6ª Da análise do processo, resulta que o arguido aceitou inicialmente a suspensão provisória do mesmo, tendo chegado a cumprir o período proposto de três meses de inibição de conduzir e só por um lapso na entrega das licenças de condução, a suspensão foi revogada e vê-se agora o arguido sujeito a uma nova pena acessória sobre os mesmos factos.

7ª A douta sentença recorrida enferma de demasiada severidade dado o grau de culpa do arguido (que se afigura como diminuto), pelo que deverá ser reduzida a pena acessória ao seu limite mínimo.

8ª A sentença recorrida violou os artigos 40º, 69º, 70º e 71º, todos do Código Penal.

Termos em que deve ser proferido Acórdão que julgue procedente o presente recurso, revendo e diminuindo a medida da pena acessória para uma próxima do limite mínimo estabelecido.

O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção integral da decisão recorrida.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que deve ser ponderada a procedência do recurso do arguido.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte:

            Factos provados

A) No dia 1 de Janeiro de 2016, pelas 5:33, o arguido … conduzia o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula …, na EN 16, na localidade da …, concelho da ….

B) Nessas circunstâncias, ao ser submetido pela autoridade policial a teste de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado, o arguido apresentou uma TAS registada de 1,38g/l, à qual, após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, corresponde a uma TAS apurada de 1,31g/l, não tendo desejado efectuar contraprova.

C) Agiu o arguido deliberada livre e conscientemente, querendo e sabendo que conduzia veículo automóvel na via pública, com uma taxa de álcool superior à legalmente permitida e que infringia, desta forma, as regras de circulação rodoviária, tendo perfeito conhecimento que a sua conduta era proibida e punida criminalmente.

D) O arguido trabalha como motorista internacional de veículos pesados, mediante o que aufere o rendimento líquido de aproximadamente €1.000,00 por mês. Vive com uma filha, que se encontra a trabalhar, e suporta renda de casa no valor de €250,00 por mês. Tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade.

E) O arguido foi já condenado no âmbito do processo n.º 1270/16.8T9GRD, do Juízo Local Criminal da Guarda, pela prática no dia 1 de Janeiro de 2016 de um crime de falsificação de documento, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €7,00, no total de €1.050,00. Tal condenação transitou em julgado a 12 de Outubro de 2017 e a respectiva pena foi já declarada extinta.

F) O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais foi acusado.

Factos não provados.

Da audiência de discussão e julgamento não resultaram como não provados quaisquer factos com relevância para a boa decisão da causa.

Motivação

 O tribunal baseou a sua convicção essencialmente nas declarações prestadas em audiência pelo arguido, o qual confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais foi acusado e que aqui se tiveram como revelantes, conjugadas ainda com o talão de fls. 4, que expressa o resultado obtido pelo aparelho alcoolímetro e do qual não existem razões para duvidar.

Consigna-se que não fizemos constar da factualidade provada ou não provada o narrado no 4º parágrafo da acusação deduzida, na medida em que não o entendemos de todo

como minimamente relevante para a economia da presente sentença, tratando-se apenas da descrição de tramitação processual anterior e que resulta dos autos.

Finalmente, o arguido depôs ainda sobre a sua condição familiar e económica em termos acerca dos quais não existiram razões para duvidar e como se deu como provado, e quanto ao apontado antecedente criminal do arguido, foi relevante o respectivo CRC de fls. 125 a 127.


 *

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Como bem esclarecem os Conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques, «Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art. 684.º, n.º3 do CPC. [art.635.º, n.º 4 do Novo C.P.C.]» (in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801).  

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente … a questão a decidir é a seguinte:

- se a pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses viola o disposto nos artigos 40.º, 69º, 70º e 71º, todos do Código Penal, devendo ser reduzida para o seu limite mínimo legalmente estabelecido ou para medida mais próxima deste limite.

Passemos ao seu conhecimento.

O Tribunal a quo fundamentou a aplicação ao arguido … da pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 5 meses, considerando para tanto “essencialmente os mesmos elementos” tidos em conta para a aplicação da pena principal. Ou seja, o nível das exigências de prevenção geral é especialmente elevado atenta a frequência e banalização com que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez é praticado nos dias de hoje e face ainda à elevadíssima sinistralidade rodoviárias que se verifica no nosso país; as exigências de prevenção especial são reduzidas atendendo a que o arguido apresenta ainda hoje apenas um antecedente criminal pela prática de um crime de falsificação de documento, o qual não assume aqui especial relevância, na medida em que se reveste de natureza totalmente diversa daquele que está em apreço nos presentes autos; e a culpa é de grau mediano, nada sendo de relevar de especial a favor ou contra o arguido, sendo pouco significativa a confissão integral e sem reservas pois os factos em causa são inequívocos e foram presenciados em flagrante delito por agentes da autoridade.

O recorrente … defende a redução da pena acessória de 5 meses de proibição de conduzir que lhe foi aplicada, para o seu limite mínimo legal ou para medida mais próxima deste limite, alegando para o efeito, no essencial o seguinte:

- A TAS que apresentava quando foi fiscalizado pela autoridade competente era de apenas 0,11 g/l acima do valor que confere significado criminal à conduta praticada;

- Confessou integralmente e sem reservas os factos, sempre colaborando com a justiça;

- O ilícito praticado resultou das normais festividades da altura do ano;

- Apenas tem um antecedente criminal por prática de um crime de natureza totalmente diversa do que está em apreço nos presentes autos;

- É motorista profissional de veículos pesados de mercadorias, pelo que a verdadeira inibição imposta é de trabalhar, pelo que 5 meses de inibição de conduzir levará naturalmente ao seu despedimento;

- O arguido aceitou inicialmente a suspensão provisória do mesmo, tendo chegado a cumprir o período proposto de três meses de inibição de conduzir e só por um lapso na entrega das licenças de condução, a suspensão foi revogada, vendo-se agora o arguido sujeito a uma nova pena acessória sobre os mesmos factos;

- A douta sentença recorrida enferma de demasiada severidade dado o diminuto grau de culpa do arguido.

Vejamos.

É pacífico que o ora recorrente …, com a sua conduta dada como provada, praticou um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al a) do Código Penal.

O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, imputado ao arguido, é crime de perigo abstrato, que não pressupõe a demonstração da existência de um perigo concreto para o bem jurídico protegido, que no caso é a segurança rodoviária e, indiretamente, a segurança das pessoas e património de quem se cruza na via pública com o condutor portador de uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l.

O art.69.º, n.º1, alínea a) do Código Penal, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, estatui que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos quem for punido por crime previsto nos artigos 291.º e 292.º.

Esta sanção inibitória tem natureza de pena acessória, como resulta claramente do texto do art.69.º, do Código Penal, da sua inserção sistemática e do elemento histórico, traduzindo-se numa censura adicional pelo crime praticado.[4] 

No dizer do Prof. Figueiredo Dias esta pena acessória está ligada a “um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa.”.[5]

A pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, sendo a sua finalidade a intimidação da generalidade dirigindo-se, ainda, à perigosidade do agente, razão pela qual dentro da moldura penal abstrata de três meses a três anos, há que atender à culpa do arguido e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuserem a favor ou contra ele.

Muito embora distintas nos seus pressupostos, quer a pena principal, quer a acessória, assentam num juízo de censura global pelo crime praticado e daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art.71.º do Código Penal.

Nos termos do art.71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.

A culpabilidade ali referida é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal. O facto punível não se esgota com a ação ilícita-típica, necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, “ isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sócio-comunitário.”[6].

O requisito de que sejam levadas em conta, na determinação da medida concreta da pena, as exigências de prevenção, remete-nos para a realização in casu das finalidades da pena.

De acordo com o art.40.º, n.º1, do Código Penal, a aplicação de penas (e de medidas de segurança) visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

O objetivo último das penas é a proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais.

Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).

A prevenção geral radica no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, isto é, no significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade e visa satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito.[7]

É a prevenção geral positiva que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem atuar considerações de prevenção especial.

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é , à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente , com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º2 do art.71.º do Código Penal, são, no ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, «…por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.72.º-1 [atual art.71.º]; são numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável.».

Para o mesmo autor, esses fatores podem dividir-se em “Fatores relativos à execução do facto”, “Fatores relativos à personalidade do agente” e “Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”. [8]

Podemos agrupar, nas alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º, do Código Penal, os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto. 

Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa (art.40.º, n.º 2 do C.P.), designadamente por razões de prevenção.

No presente caso, no âmbito dos “Fatores relativos à execução do facto”, temos a considerar um grau de ilicitude do facto mediano, pois conduzia um veículo ligeiro de mercadorias, na EN, numa localidade com uma T.A.S. de pelo menos 1,31 g/l (TAS registada de 1,38 g/l, deduzido o erro máximo admissível), portanto não muito acima do mínimo legal para a condução em estado de embriaguez constituir a prática de um crime.

Podendo o crime ser cometido com negligência, resulta dos factos provados que o arguido agiu com dolo, pois «… agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, bem querendo e sabendo que conduzia um veículo automóvel na via pública, com uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida e que infringia desta forma, as regras de circulação rodoviária, tendo perfeito conhecimento que a sua conduta era proibida e punida criminalmente.».

Admitimos, face às regras da experiência comum, que a motivação para a ingestão de álcool no dia 1 de janeiro tenha decorrido das normais festividades do início do ano, mas tal não justifica, nem desculpabiliza, a condução de veículos com motor em estado de embriaguez, tanto mais que na noite dessa data é até mais intenso o trânsito de pessoas e veículos dentro das localidades, do que noutras noites.    

Como condutor profissional tem o arguido o particular dever de conhecer os elevados riscos da condução sob a influência de álcool, e das consequências que lhe podem advir, não só criminal e civilmente, mas ainda para o exercício da condução profissional de veículos com motor.

No que respeita aos fatores relativos à personalidade do arguido e aos relativos à sua conduta anterior e posterior ao facto realçamos as circunstâncias do mesmo se mostrar integrado na família e no trabalho, pois vive com uma filha e trabalha como motorista internacional de veículos pesados.

É de modesta condição social, uma vez que tem o 6.º ano de escolaridade e de remediada situação económica, considerando o rendimento apurado e as despesas inerentes ao agregado familiar.

O Tribunal da Relação não tem dúvidas que a pena acessória de inibição de conduzir, vai contender com a sua familiar e a atividade laboral, mas a inibição temporária de conduzir é um importante meio de salvaguarda da sociedade, de prevenção geral de intimidação e de prevenção especial, tutelada pela lei.

A condução de veículo automóvel na via pública, com capacidades intelectuais diminuídas, nomeadamente a nível de atenção, rapidez de reflexos e coordenação motora, por o agente estar influenciados por elevados níveis de álcool ingerido, constitui um elevado risco para a sociedade, cuja segurança urge proteger através da aplicação de adequada pena acessória para evitar a reincidência neste crime rodoviário.

Beneficia da confissão integral e sem reserva dos factos, mas esta é uma circunstância quase irrelevante uma vez que o arguido foi detido em flagrante delito, não desconhecendo assim que a prova se mostrava praticamente feita.

Não consta dos factos provados que o arguido … tenha chegado a cumprir o período proposto de três meses de inibição de conduzir e só por um lapso na entrega das licenças de condução, a suspensão provisória do processo lhe foi revogada, vendo-se agora o arguido sujeito a uma nova pena acessória sobre os mesmos factos.

O que resulta dos autos é algo bem diferente e que está longe de abonar em favor da personalidade e da conduta do arguido posterior aos factos e que vem reforçar as exigências de prevenção especial.

Como o recorrente bem menciona, o mesmo aceitou a suspensão provisória do processo pelos factos ora em apreciação.

Porém, o que resulta do processo é que o arguido …, para cumprir a injunção de proibição de conduzir 3 meses que lhe foi aplicada nestes autos, não fez entrega nos autos quer do original da sua carta de condução nacional, quer o original da sua licença internacional de condução.

Mais ainda, resulta do proc. n.º 1270/16.8T9GRD, do Juízo Local Criminal da Guarda, que o arguido … foi objeto de condenação em pena de multa, transitada em julgado a 12 de Outubro de 2017, pela prática de um crime de falsificação de documento.

Embora o crime de falsificação de documento e o crime de condução em estado de embriaguez, sejam de natureza diversa, uma vez que os bens jurídicos são diversos, no caso concreto existe uma íntima conexão entre os dois, como resulta da decisão condenatória proferida no proc. n.º 1270/16.8T9GRD, junta aos presentes autos.

Efetivamente, o crime de falsificação pelo qual o arguido foi condenado, resulta de logo a seguir aos factos aqui em apreciação ter requerido ao IMT – Guarda, a emissão de um duplicado da sua carta de condução originária, com a menção de “extravio”, declaração que sabia ser falsa, e através da qual veio obter uma 2.ª via da carta de condução que entregou  nestes autos para cumprimento da injunção aplicada em sede de suspensão provisória do processo, mantendo consigo o original das cartas de condução para poder continuar a exercer a condução estradal.  

Perante todo o exposto, entendemos que as razões de prevenção especial não são diminutas, mas pelo menos medianas e as de prevenção geral são elevadas, pois este tipo de crime encontra-se massificado, sendo praticado diariamente nas nossas estradas.

A culpa, enquanto juízo de censura dirigido ao arguido pelo facto de ter conduzido na via pública um veículo automóvel ligeiro de passageiros com uma T.A.S. de pelo menos 1,38 g/l, quando podia e devia assim não ter atuado, é também mediana.

O limite mínimo e máximo da pena acessória aplicável ao arguido é de 3 meses e 3 anos, pelo que a pena acessória de 5 meses de proibição de conduzir veículos motorizados, que lhe aplicada pelo Tribunal a quo, junto do limite mínimo legal.

Considerando os factos provados e a personalidade do arguido que destes resulta, as finalidades da pena acessória, bem como os critérios da jurisprudência seguidos por este Tribunal da Relação, entendemos que a pretensão do arguido/recorrente de redução da pena acessória aplicada para o limite mínimo ou mais próximo do limite mínimo, não seria adequada aos factos, nem proporcional à sua perigosidade que resulta do seu passado criminal e da condução com uma TAS de pelo menos 1,31 g/l, e punha em causa as necessidades de prevenção geral neste tipo de crimes.

Não se reconhecendo a violação pela decisão recorrida dos critérios de determinação da pena acessória, enunciados no art.71.º do Código Penal e tendo respeitado os que resultam ainda dos artigos 40.º e 69.º, n.º1, al. a) e 70.º do mesmo Código impõe-se negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e manter a douta sentença recorrida.

 Decisão

 Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido … e manter a douta sentença recorrida.

             Custas pelo recorrente, fixando em 4 Ucs a taxa de justiça (art.513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).


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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).                     

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Coimbra, 20 de Fevereiro de 2019

Orlando Gonçalves (relator)                

Alice Santos (adjunta)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º, pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.  
[4] “Actas da Comissão de Revisão do Código Penal, n.ºs 5, 8, 10 e 41, edição do Ministério da Justiça, 1993.

[5]  “Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime”, Notícias Editorial, § 205. 

[6]  Prof. Fig. Dias, in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230. 

[7] Cf. Prof. Anabela Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra, 1995, págs. 371 e 374. 
[8]  “As consequências jurídicas do crime”, Aequitas – Editorial Notícias, pág. 210 e 245 e seguintes.