Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
225/12.6T4AGD.1.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: INCIDENTE DE REVISÃO
AGRAVAMENTO DA INCAPACIDADE
FACTOR 1.5.
BONIFICAÇÃO
Data do Acordão: 07/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: Nº 5 DAS INSTRUÇÕES GERAIS DA TNI
Sumário: I – Embora a questão não seja totalmente isenta de dúvidas, por ser susceptível de mais do que uma interpretação, do que nos é dado a perceber, ao nível dos tribunais superiores, tem-se vindo a formar uma corrente no sentido de que o factor 1.5 é aplicável à soma da incapacidade inicial atribuída com o agravamento resultante da decisão proferida no incidente de revisão.

II - “A «bonificação» prevista no nº 5 das Instruções gerais da TNI aplica-se, por regra, quando à data da alta o sinistrado tem 50 anos ou mais [única situação aqui em análise]. Mas a aplicação do factor 1.5 – com fundamento na idade do sinistrado – pode igualmente ser aplicável nos casos em que só após a data da alta a referida idade é atingida pelo sinistrado.

III - Na verdade, o factor 1.5 – com fundamento na idade do sinistrado – não está dependente de qualquer agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão [pressupostos do pedido de revisão] mas apenas e tão só de um factor: a idade do sinistrado.

IV – E se assim é, ressalvando sempre opinião contrária, a «bonificação» deve ser aplicada ao sinistrado, independente do pedido de revisão, na medida em que a aplicação do factor 1.5 depende apenas do factor idade (nos termos da TNI aprovada pelo DL nº 341/93, de 30.09, a aplicação do factor 1.5 dependia, ao contrário da actual TNI, da verificação do requisito idade e também do requisito perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho).

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrado F..., nascido em 18.05.1965, servente da pedreiro, e responsável A... PORTUGAL, S.A. veio aquele requer exame médico de revisão às lesões que para si resultaram do acidente de trabalho ocorrido em 10.05.2011.

Realizado o requerido exame, o Sr. perito médico respondeu aos quesitos propostos do seguinte modo;

Tendo em conta as lesões já assentes e decorrentes do acidente de trabalho tais lesões mostram-se agravadas? Sim.

2º Qual o grau de incapacidade que deve ser atribuído ao sinistrado, nos termos da TNI? IPP fixável em 38,8%.

3º O sinistrado necessita de tratamentos complementares, em caso afirmativo, quais? Sim, necessita de meia elástica e medicação, as quais devem ser fornecidas pela seguradora

Mais concluiu o Srº perito ser o sinistrado portador das lesões descritas no Cap. VI 2.2 B da TNI, o que lhe acarreta, com aplicação do factor 1.5, o coeficiente global de incapacidade de 10,8% com IPATH.

Não se conformando com o referido resultado veio a seguradora solicitar a realização de junta médica.

Aos quesitos propostos.

1. Quais as sequelas sofridas pelo sinistrado?

2. Existe agravamento das sequelas, se sim em que grau e natureza de IPP?

3. Está o sinistrado capaz para o seu trabalho habitual?

Responderam:

1º- As referidas a fls. 152

2º- Sim.

3º- IPP de 11,88%, com IPATH”.

Mas, enquanto os peritos do tribunal e do sinistrado entendem que este se encontra afectado de IPATH, o perito da seguradora entende que essa IPATH não se verifica discordando, nesta parte, do parecer dos outros peritos.

Na atribuição da IPP de 11,8% foi aplicado o factor 1,5 (0,11 x 0,72 = x 1,5 = 11,88%.

II Seguidamente foi proferida sentença, em cuja parte dispositiva se lê:

Pelo exposto e ao abrigo dos normativos citados, julgo procedente o presente incidente de Revisão de Incapacidade, e, em consequência:

a) Declaro que o sinistrado, F..., em virtude do acidente de trabalho objecto destes autos, se encontra afectado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 0,5388, com IPATH, desde 11/10/19;

b) Condeno a entidade responsável – A... Portugal, S.A., a pagar ao sinistrado, F..., uma pensão anual e vitalícia de €3.505,23 – três mil, quinhentos e cinco euros e vinte e três cêntimos -, cuja, devidamente actualizada será de €3.779,26 – três mil, setecentos e setenta e nove euros e vinte e seis cêntimos -, com efeitos a partir de 11/10/19, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos à taxa legal, até integral pagamento.

c) Condeno a entidade responsável – A... Portugal, S.A., a pagar ao sinistrado, F..., o subsídio de elevada incapacidade permanente de €4.768,07 – quatro mil, setecentos e sessenta e oito euros e sete cêntimos.

III – Inconformada veio a seguradora apelar, alegando e concluindo:

...

Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, julgando procedente o incidente de Revisão de Incapacidade:

a) Declare que o sinistrado, F..., em virtude do acidente de trabalho objecto destes autos, se encontra afectado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 0,3988, com IPATH, desde 11/10/19;

b) Condene a entidade responsável – A... Portugal, S.A., a pagar ao sinistrado, F..., uma pensão anual e vitalícia de € 3.266,87 – três mil, duzentos e sessenta e seis euros e oitenta e sete cêntimos -, a qual, devidamente actualizada, será de € 3.417,09 – três mil, quatrocentos e dezassete euros e nove cêntimos -, com efeitos a partir de 11/10/19, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos à taxa legal, até integral pagamento.

c) Condene a entidade responsável – A... Portugal, S.A., a pagar ao sinistrado, F..., o subsídio de elevada incapacidade permanente de €4.535,65 – quatro mil, quinhentos e trinta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos.

Contra alegou o MºPº, concluindo:

1. A questão central prende-se, não com a admissibilidade da aplicação do factor. 1.5, mas com o cálculo do mesmo.

2. A Mª Juíza procedeu à soma dos coeficientes de incapacidade arbitrados, inicialmente e em sede de revisão, e após aplicou ao coeficiente global de incapacidade a bonificação 1.5 : 0,20 +0,08+0792 = 0.3592 x 1.5= 53,88%.

3. Com base nesta IPP fixou os valores a pagar a cargo da entidade responsável, a ora recorrente.

4. Considera, pelo contrário, a recorrente que fixado o coeficiente global do agravamento da incapacidade permanente haverá somente que somá-lo ao coeficiente inicialmente fixado, ou seja: 0,11 (agravamento actual) x 0,72 (desvalorização anterior) = 0,0792 x 1.5 =11,88% + 28%= 39,88% .

5. Defende, assim, que a bonificação, em sede de incidente de revisão, havendo agravamento de incapacidade, aplicar-se-á apenas à diferença entre a percentagem da incapacidade inicial e aquela que resultou do agravamento.

6. Cremos não lhe assistir razão! - A LAT, efectivamente, não nos diz como efectuar o cálculo do factor de bonificação, num incidente de revisão, havendo agravamento, isto é, se o factor deve incidir apenas na parte do agravamento ou sobre a totalidade da incapacidade.

7. Porém, de acordo com o teor Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1/02/2016 que acompanhamos “se a «pensão revista» deve ser calculada do mesmo modo que a pensão inicial, então a alteração da mesma deve ser feita como se a «nova pensão» estivesse a ser fixada desde o início (…) mas agora com mais um elemento: o factor 1.5”.

8. “E tal entendimento não ofende o caso julgado formado pelo despacho homologatório/sentença relativamente à fixação da pensão inicial, na medida em que esta incapacidade (…) [a que acresce o factor 1.5] e esta «nova» pensão – decorrente do incidente de revisão – só produzem efeitos desde a data do pedido de revisão”.

9. Assim, em nossa opinião, o cálculo efectuado na douta sentença para aplicação do factor de bonificação não padece de qualquer vício.

10. Consequentemente, nenhum reparo há a fazer aos montantes em que a recorrente foi condenada.

11. Termos em que deverá o recurso interposto pela arguida improceder, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos, assim se fazendo.

IV – A 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:

a) O sinistrado, F..., nascido em 31/5/1965, melhor identificado nos autos, encontra-se actualmente, e em resultado do acidente de trabalho objecto do presente processo, ocorrido em 10/05/11, com uma Incapacidade Permanente Parcial de 0,5388, com Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual – IPATH;

b) À data do acidente, trabalhava sob autoridade, direcção e fiscalização de C..., Ldª., com a categoria profissional de servente e auferia a retribuição mensal de €485,00x14 +126,50x11+30,12x11, num total anual de €8.512,82;

c) A responsabilidade por acidentes de trabalho em relação ao referido sinistrado encontra-se transferida para a seguradora, A... Portugal, S.A., pela totalidade do salário e subsídios auferidos;

d) Em 14/02/14 foi proferida sentença, onde lhe foi fixada a Incapacidade Permanente Parcial de 0,28, desde 18/12/12, que ora, se encontra agravada nos termos referidos em a);

V – Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões importa saber se em sede de incidente de revisão, havendo agravamento de incapacidade, o factor de bonificação 1.5 atribuído neste incidente apenas se deve aplicar à diferença entre o coeficiente da incapacidade fixada inicialmente e aquele que resultou do agravamento ou se, ao invés, aquele factor deve ser aplicado à totalidade da incapacidade de que o sinistrado é portador (inicial + agravamento).

O tribunal a quo entendeu que o sinistrado após o incidente de revisão ficou afectado da IPP de 53,88% correspondente à soma da IPP inicialmente fixada (28%) acrescida da alteração ou acréscimo decorrente do incidente de revisão (7,92% obtidos sem aplicação do factor 1.5) e sobre o valor da incapacidade assim obtido (28% + 7,92% = 35,92%) aplicou o factor 1,5 (35,92% x 1.5 = 53,88%).

A questão reside em saber se o factor 1,5 podia ser aplicado sobre a incapacidade inicial de 28% ou apenas sobre o acréscimo resultante do incidente de revisão, ou seja, sobre 7,92%.

Embora não resulte expressamente do auto de exame médico por junta médica, como a própria recorrente, aliás, reconhece, aquele factor foi atribuído pelos Srºs peritos por, entretanto, o sinistrado ter atingido 50 anos de idade, idade esta que não tinha quer à data do acidente, quer na data a partir da qual pensão passou a ser devida (dia seguinte ao da alta), quer mesmo na data em que foi proferida a sentença que inicialmente fixou a pensão.

Embora a questão não seja totalmente isenta de dúvidas por ser susceptível de mais do que uma interpretação, do que nos é dado a perceber, ao nível dos tribunais superiores, tem-se vindo a formar uma corrente no sentido de que o factor 1.5 é aplicável à soma da incapacidade inicial atribuída com o agravamento resultante da decisão proferida no incidente de revisão, de que é exemplo o acórdão da Relação do Porto de 01.02.2016, procº 975/08.1TTPNF.P1, onde se lê:

“A «bonificação» prevista no nº 5 das Instruções gerais da TNI aplica-se, por regra, quando à data da alta o sinistrado tem 50 anos ou mais [única situação aqui em análise]. Mas a aplicação do factor 1.5 – com fundamento na idade do sinistrado – pode igualmente ser aplicável nos casos em que só após a data da alta a referida idade é atingida pelo sinistrado.

Na verdade, o factor 1.5 – com fundamento na idade do sinistrado – não está dependente de qualquer agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão [pressupostos do pedido de revisão] mas apenas e tão só de um factor: a idade do sinistrado. Com efeito, o legislador «ficcionou» que a partir daquela idade as lesões tendem a agravar-se com a consequente maior limitação da capacidade de trabalho do sinistrado/trabalhador.

E se assim é, ressalvando sempre opinião contrária, a «bonificação» deve ser aplicada ao sinistrado, independente do pedido de revisão, na medida em que a aplicação do factor 1.5 depende apenas do factor idade [nos termos da TNI aprovada pelo DL nº341/93, de 30.09, a aplicação do factor 1.5 dependia, ao contrário da actual TNI, da verificação do requisito idade e também do requisito perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho].

Por isso, e dado que na data do seu pedido de revisão o sinistrado já tinha completado 50 anos de idade é aplicável o factor 1.5.

Resta averiguar se esse factor deve ser multiplicado pela IPP fixada no incidente de revisão (13%) ou pela diferença entre esta IPP e a fixada inicialmente (5%), na medida em que na data da cura clínica o sinistrado ainda não tinha completado 50 anos de idade.

A revisão da incapacidade não gera uma nova pensão mas uma alteração do montante da pensão já fixada, pelo que “no cálculo de uma pensão consequente de alteração de incapacidade deve usar-se a mesma fórmula que se usou para o cálculo da pensão inicial” – acórdão da Relação de Coimbra de 05.01.1984, na CJ, ano 1984, tomo 1, página 86, acórdão da Relação de Lisboa de 03.07.1983, na CJ, ano 1983, tomo 4, página 194, acórdão da Relação do Porto de 08.06.1998, na CJ, ano 1998, tomo 3, página 255, do STJ de 17.06.1983 no BMJ 328, página 458 e do STJ de 25.03.1983 no BMJ 325, página 499.

No mesmo sentido, e a título de exemplo, os acórdãos desta Secção Social de 12.12.2005 [relatado pelo 1ºadjunto] e de 05.11.2007 [relatado pela aqui relatora] em Acidentes de Trabalho, Jurisprudência, 2000-2007, páginas 294 e 320. Tem sido esta a posição desta Secção Social.

No caso dos autos ocorreu um agravamento da incapacidade do sinistrado: antes tinha uma IPP de 5% e agora tem uma IPP de 13% mas também tem mais de 50 anos na data do seu pedido de revisão.

A LAT não nos diz como se deve proceder quando o sinistrado, depois de já ter sido fixada uma pensão por força da atribuição de uma IPP, atinge os 50 anos.

E na falta de elementos, e em homenagem ao princípio da unidade do sistema jurídico, se a «pensão revista» deve ser calculada do mesmo modo que a pensão inicial, então a alteração da mesma deve ser feita como se a «nova pensão» estivesse a ser fixada desde o início, não obstante só ser devida desde a data do pedido de revisão.

Por outras palavras: a IPP de 13% atribuída ao sinistrado em função do incidente é a que tem de ser considerada para o cálculo da pensão como se esta estivesse a ser fixada inicialmente, mas agora com mais um elemento: o factor 1.5.

E tal entendimento não ofende o caso julgado formado pelo despacho homologatório/sentença relativamente à fixação da pensão inicial, na medida em que esta incapacidade de 13% [a que acresce o factor 1.5] e esta «nova» pensão – decorrente do incidente de revisão – só produzem efeitos desde a data do pedido de revisão [igual critério seguimos para o caso de a pensão, por força do incidente de revisão, passar a ser actualizável].”

No caso em análise foi exatamente isso que passou.

Somou-se o coeficiente atribuído resultante do agravamento ao inicialmente atribuído e, sobre a totalidade obtida, aplicou-se o factor 1.5 (28% + 7,92% = 35,92% x 1.5 = 53,88%), fixando-se os efeitos da nova IIP a partir de 11/10/19 (data do pedido de revisão)

Ora, não se vislumbrando razões para divergir da citada corrente jurisprudencial, a decisão recorrida deve consequentemente manter-se.

VI Termos em que se delibera julgar a apelação totalmente improcedente com integral confirmação da sentença impugnada

Custas a cargo da apelante.


Coimbra, 10 de Julho de 2020

(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)