Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
838/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. FERNANDES DA SILVA
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL
Data do Acordão: 05/13/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTº 27º DO DL 433/82, DE 27/02 ; LEI Nº 109/2001, DE 24/12 . LEI Nº 99/2003, DE 27/08 .
Sumário:

I – No que respeita à prescrição do procedimento por contra-ordenação importa ter presente a sucessão de leis no tempo, desde que os factos a que respeita a infracção possam ser abrangidos nessa sucessão, com decorre do artº 27º do DL 433/82, de 27/02, na versão dada pelo DL 244/95, de 14/09 ( que estabelecia dois prazos para o efeito : um, de 2 anos, para as contra-ordenações a que fosse aplicável uma coima de valor superior a 750.000$00 ; outro, de um ano, para os restantes casos ) , e da Lei nº 109/2001, de 24/12 ( que dilatou o anterior prazo de dois anos para três anos, criando um terceiro escalão ) .
II – Com a entrada em vigor da Lei nº 99/2003, de 27/08 ( que aprovou o novo Código do Trabalho ), que revogou legislação de natureza contra-ordenacional, importa ter presente a nova moldura sancionatória aplicável a cada situação, para se poder determinar qual daqueles regimes prescricionais é o mais favorável ao caso .
III – A ponderação e opção pelo regime prescricional mais favorável do procedimento contra-ordenacional constitui uma questão temporalmente delimitada e não pode deixar de considerar-se no contexto global do quadro normativo em vigor ao tempo da prática do facto em cotejo com sobrevinda modificação legal .
IV – A escolha do regime da prescrição há-de fazer-se entre o regime que vigorava aquando da consumação da infracção e o que se lhe suceder ( o da lei posteriormente modificada ) , sendo aplicável o que for considerado globalmente mais favorável
Decisão Texto Integral: 1
Rec. 838/04.
R.C.O.
Leiria.
DQT. 2.









Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

1 – O IDICT, Delegação de Leiria, na sequência de auto de Notícia levantado em 4 de Dezembro de 2000, aplicou à arguida ‘BB’, conforme decisão de fls. 82, a coima de 9.310 Euros, por infracção às disposições conjugadas dos arts. 10º/1 do DL. 421/83, de 2 de Dezembro, na redacção dada pela Lei 118/99, de 11/8, qualificada como infracção muito grave e punível, em abstracto, com a coima de 1.400.000$00 a 4.900.000$00.

2 – Não se conformando com o assim decidido, a arguida impugnou judicialmente a decisão da Autoridade Administrativa junto do Tribunal do Trabalho Leiria.
A sua pretensão foi indeferida – fls. 292 e seguintes.

3 – A Instituição Bancária arguida, ainda inconformada, recorreu agora para esta Instância, alegando e concluindo:
1. O Recorrente é parte ilegítima no presente processo de contra-ordenação laboral, ilegitimidade que constitui uma excepção de conhecimento oficioso.
2. O BB, arguido no presente processo, foi incorporado por fusão no Banco Comercial Português, S.A..

3. Com a inscrição da fusão no registo comercial, o arguido Banco Pinto & Sotto Mayor, S.A extinguiu-se, nos termos do artigo 112°, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais, facto que ocorreu em 30.6.2000.

4. Com a extinção do Banco Pinto & Sotto Mayor extinguiu-se também a responsabilidade contra-ordenacional a que os presentes autos se reporta.

5. Nos termos do disposto no artigo 2° do Regime Geral das Contra-Ordenações Laborais, aprovado pela Lei n° 116/99, de 4 de Agosto, a estas contra-ordenações aplica-se subsidiariamente o regime geral das contra-ordenações que consta do Dec.-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n° 356/89, de 17 de Outubro e pelo Dec.-Lei n° 244/95, de 14 de Setembro.

6. De harmonia com o preceituado no artigo 32° do citado Dec.-Lei n° 433/82, as normas do Código Penal aplicam-se no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações.

7. Nos termos do artigo 127° do Código Penal a responsabilidade criminal extingue-se pela morte,

8. E nos termos do artigo 128° do mesmo Código a morte do agente extingue, tanto o procedimento criminal, como a pena ou a medida de segurança.

9. O princípio da não transmissibilidade da responsabilidade criminal ou contravencional consagrado nas citadas disposições do Código Penal, e no artigo 30°, n.º3, da Constituição da República, aplica-se também no âmbito do direito contra-ordenacional ex vi do disposto nos supra referidos artigos 2° do regime aprovado pela Lei n° 116/99 e 32° do Dec.-Lei n° 433/82,

10. O que quer dizer que, também nas contra-ordenações, a morte do agente (se se tratar de uma pessoa singular) ou a sua extinção (se se tratar de uma pessoa colectiva) têm como consequência a extinção da responsabilidade e do procedimento contra-ordenacionais,

11. O que bem se compreende por não haver contra-ordenação sem negligência e a negligência, como elemento subjectivo da infracção, não poder separar-se da pessoa do agente.

12. Tendo-se extinguido o agente da infracção noticiada, nos termos supra mencionados, extinguiu-se também, e simultaneamente, a responsabilidade pela contra-ordenação a que o auto de notícia alude, bem como o respectivo procedimento contra-ordenacional (citados artigos 30°, n.º3, da Constituição da República e 127° e 128° do Código Penal, aplicáveis por força do disposto nos artigos 2° do regime aprovado pela Lei n° 116/99 e 32° do Dec.-Lei n° 433/82, supra referidos).

13. Responsabilizar a sociedade incorporante por uma infracção supostamente praticada pela sociedade incorporada, implicaria a admissão da possibilidade de subrogação no cumprimento das penas,

14. Entendimento este claramente proibido face ao estatuído no artigo 30.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual: " A responsabilidade penal é insusceptível de transmissão". O mesmo é dizer que, o artigo 112.º, a) do Código das Sociedades Comerciais, interpretado no sentido da transmissibilidade da responsabilidade contra-ordenacional ou penal, é materialmente inconstitucional à luz do artigo 30.º, n.º3 da CRP , na medida em que tal implicaria uma subrogação do cumprimento da pena, proibida por esta norma constitucional.

15. A decisão recorrida, não obstante ter dado como reproduzida a proposta do Senhor Instrutor, bem como a menção de tal proposta fazer parte integrante da decisão, não é fundamentada, não é alusiva às normas infringidas, não descreve os factos imputados à arguida e os meios de prova obtidos.

16. A omissão de referência a tais elementos gera a nulidade da decisão por violação do disposto nos artigo 58° n.º 1, do D.L. 433/82 de 27 de Outubro. Sendo que a sua omissão gera nulidade - cfr. 379° n.º 1 al. a) do C.P .P . aplicável ex vi art. 41° n.º 1 do D.L. 433/82.

17. Ou a sua inexistência por omissão dos elementos aludidos em a) - Sentença do Tribunal do Trabalho de Aveiro Proc. 1/00 que correu termos pela 2ª Secção daquele Tribunal.

18. A figura da "proposta de decisão" tinha sede legal no artigo 55° do Decreto-Lei n° 491/85, de 26 de Novembro, diploma que foi expressamente revogado pelo artigo 2° do Decreto preambular da Lei n° 116/99, pelo que se encontra expressamente revogada a figura da "proposta de decisão". Assim sendo, a remissão da decisão para uma figura juridicamente inexistente no processo equivale à remissão para um vazio legal, não cumprindo, como tal, as exigências legais estabelecidas no artigo 58° no1 do Decreto-Lei n° 433/82, e o artigo 58° do Decreto-Lei n° 433/82, interpretado no sentido em que estão reunidos os seus pressupostos com a mera remissão para a proposta de decisão, figura que não existe na lei, é claramente inconstitucional, por violação do artigo 32°, n.º10, da CRP.

19. Nem é sustentável, como tem feito alguma jurisprudência, que a decisão se encontre devidamente fundamentada ao abrigo do artigo 125° n.º1 do CPA.

20. Efectivamente, o CPA não é aplicável ao processo contra-ordenacional, desde logo porque a previsão da lei de Autorização o impede, pois esta foi concedida para o Governo legislar sobre a matéria da alínea u) do n.º1 do actual artigo 165° da CRP , e não para a alínea d) da mesma disposição.

21. Por outro lado, o regime das Contra-Ordenações não remete para o CPA como legislação subsidiariamente aplicável, mas sim para o Código de Processo Penal - cfr. Sentenças que se juntam como docs. 1 e 2. Assim, também por isto não é fundamentada a decisão da Sra. Subdelegada do IDICT .

22. Só uma interpretação restritiva do artigo 125° do CPA, no sentido de que o mesmo se não aplica em processo de contra-ordenação, está conforme com a Constituição. O mesmo é dizer que o artigo 125° do CPA, interpretado no sentido da sua aplicação em processo de contra-ordenação, na medida em que viola o direito de defesa do arguido, garantido pelo artigo 32°, n.º10 da Constituição, é materialmente inconstitucional.

23. No presente processo, quem confirmou os Autos de Notícia e quem aplicou a coima foi a mesma pessoa física: a Senhora Delegada do IDICT de Leiria- Dr.a Maria Ângela Camossa Coelho Paulo Neto, como facilmente se verifica das assinaturas apostas no Confirmo e na Decisão.

24. Ao confirmar o Auto de Notícia e ao outorgar, simultaneamente, a decisão recorrida, a Senhora Delegada supra referida violou expressamente o disposto no artigo 39°, n.º1, al. c), do Código de Processo Penal e, ainda, o preceituado no artigo 41°, n.º2, do Regime Geral das Contra-Ordenações Laborais (Dec.-Lei n.o 433/82), tomando a sua decisão, também por este motivo, uma decisão nula.

25. O legislador ordinário, ao dispor, no n.º1 do artigo 41 ° do RGIMOS, que deverão aplicar-se os preceitos reguladores do processo criminal devidamente adaptados, limitou-se a verter, no direito das contra-ordenações, a ideia e os princípios estruturantes no plano constitucional. O que, aliás, o n.º 2 do mesmo preceito vem ainda reforçar ao prescrever que, no processo de aplicação da Coima e das sanções acessórias, as autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal.

26. Daí que as normas contidas nos artigos 39°, n.º 1, alínea c ), e 40° do CPP devam ser interpretadas em conformidade com a Constituição no sentido da sua aplicação em processo de contra-ordenação. Elas serão, por isso mesmo, inconstitucionais, por violação do artigo 32°, n° 10, da CRP, quando interpretadas restritivamente no sentido da sua inaplicabilidade em processo de contra-ordenação.

27. Mesmo que assim não sucedesse, sempre seria anulável a decisão, porquanto viola escancaradamente o disposto no artigo 44°, alínea d) do CPA, uma vez que o acto de confirmo é notoriamente, por manifestar a vontade da Sra. Subdelegada, o seu entendimento sobre os factos constantes do Auto de Notícia, um parecer sobre a questão a resolver, e a al. d) do art. 44° do CPA impede que quem tiver dado parecer sobre a questão a resolver possa praticar o acto administrativo decisório.

28. A Sra. Delegada estava, também por isso, impedido de decidir por ter dado o seu parecer- confirmação do Auto de Notícia.

29. A decisão recorrida é, pois, nestes termos, anulável.

30. Desde que foi levantado o Auto de Notícia de 4 de Dezembro de 2000, até à prolação da decisão de 20 de Dezembro de 2002. passaram mais de dois anos! ! !

31. Existe, pois uma irregularidade processual que gera a invalidade parcial da decisão recorrida, nos termos do artigo 123° do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 41°, n.º 1 do Decreto-Lei 433/82.

Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso anulando-se ou revogando-se a decisão recorrida e arquivando-se os autos.

4 – Respondeu o Ministério Público, concluindo no sentido da improcedência do recurso.

5 – Já nesta Instância, o Exm.º Proc.-Geral Adjunto subscreveu mui douto parecer em que acompanha a contra-minuta oferecida no Tribunal 'a quo', alertando para a ponderação da aplicação do regime mais favorável ao arguido, decorrente da entrada em vigor do Código do Trabalho, uma vez que os factos imputados não foram despenalizados.

6 – Notificada da posição assumida, a arguida voltou aos Autos para dar como reproduzido o que já adiantara, aproveitando para suscitar a problemática da prescrição do procedimento contra-ordenacional.

7 – Voltou a intervir o Ministério Público para se pronunciar no sentido da improcedência da sua pretensão.

Recebido o recurso e colhidos os vistos dos Exm.ºs Adjuntos, vamos ora ponderar e decidir.
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II – DOS FUNDAMENTOS

1 - DE FACTO
Vem seleccionada, porque tida por provada, a seguinte factualidade:
» - Em 4 de Dezembro de 2000, pelas 18:40 horas, foi efectuada uma visita inspectiva pelo senhor Inspector Adjunto António Manuel Fernandes Neto, da IGT, à Agência do BB, sita na Rua Principal, Maceira Lis, Leiria;
» - Nas mencionadas circunstâncias de tempo e lugar, encontravam-se na aludida Agência o Sub-Gerente Agostinho Pereira Luís Gameiro (com isenção de horário de trabalho), e os trabalhadores Sónia Sofia Baptista de Oliveira (nível IV) e Daniel Lopes de Carvalho (nível 8);
» - Na dita Agência e à data a que se alude acima os trabalhadores mencionados no ponto anterior estavam sujeitos ao horário de trabalho com início às 8:30 horas e termo às 16:30 horas, com intervalo para almoço de uma hora (das 13 às 14 horas no caso do trabalhador Daniel Lopes de Carvalho e das 12 às 13 horas no caso da trabalhadora Sónia Sofia B. de Oliveira);
» - No livro de registo de trabalho suplementar existente na referida Agência não haviam sido anotadas as horas de início da prestação de trabalho suplementar;
» - À data a que se alude no item primeiro o BB tinha ao seu serviço 4.174 trabalhadores e apresentava um volume de negócios de 131.883.744 contos;
» - Por escritura pública lavrada no dia 15 de Dezembro de 2000 no 1º Cartório Notarial de Lisboa, operou-se a fusão, por incorporação, do BB no BCP IF, SGPS, Sociedade Unipessoal, Ldª, sociedade esta que por sua vez e pela mesma escritura foi também incorporada, por fusão, no «Banco Comercial Português, S.A.».

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2 – O DIREITO

Lembrando que esta Instância conhece apenas da matéria de Direito, por via de regra, e que o ‘thema decidendum’ se nos apresenta delimitado pelas conclusões da respectiva motivação, avancemos para o conhecimento da questões em que se analisa o objecto do presente recurso.

Importa começar por tratar, por imperativo lógico de prejudicialidade, das suscitadas questões prévias da ilegitimidade do Recorrente, ante a incorporação neste, por fusão, do ‘BB’ e da prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Sobre ambas já repetidamente nos debruçámos em intervenções anteriores, sendo sempre destinatária das respectivas decisões a ora Recorrente.
Por tal motivo, seremos necessariamente breves e esquemáticos, remetendo para a fundamentação mais circunstanciada constante, entre outros, dos Arestos tirados nos Recursos n.ºs 603/04, da sessão de 25 de Março e 3875/03, da sessão de 15 de Abril, p.p.

2.1 – Os factos a que respeita a infracção aqui noticiada reportam-se a 4 de Dezembro de 2000.
Ao tempo vigorava, no que tange à prescrição do procedimento por contra-ordenação, a redacção do art. 27º do DL. 433/82, de 27 de Fevereiro, na versão que lhe foi dada pelo DL. 244/95, de 14/9, que estabelecia dois prazos para o efeito: um, de dois anos para as contra-ordenações a que fosse aplicável uma coima de valor superior a 750.000$00; outro, de um ano para os restantes casos.

Tal previsão normativa foi alterada pela Lei 109/2001, de 24/12, que dilatou o falado prazo de dois anos para três anos, criando um terceiro escalão.
Pretexta a recorrente que, tendo a Lei 99/2003, de 27/8, (que aprovou o Código do Trabalho), entrado em vigor em 1.12.2003, e revogado a legislação ao abrigo da qual a arguida foi administrativamente sancionada, correspondendo-lhe, na nova Codificação, uma moldura sancionatória mais favorável, deverá ser esta a aplicável...
...E assim, considerando que a infracção imputada constitui ora uma contra-ordenação apenas grave (versus muito grave na legislação revogada), punível, como no caso, com uma coima entre 15 e 40 UC’s, o prazo de prescrição é o da alínea b) do art. 27º do DL. 433/82, na versão anterior à Lei n.º 109/2001, de 24/12, ou seja, um ano...
...Pelo que, considerando o teor dos Acórdãos do S.T.J., n.ºs 6/2001 e 2/2002, e visto o mais referido quanto às notificações da decisão administrativa e do despacho de admissão do recurso da mesma interposto, decorreu já o prazo de prescrição de um ano e meio antes de ocorrer a respectiva suspensão, pelo que a prescrição se verificou em 4.6.2002, a não ser que tenha havido suspensão, cujo tempo teria de ser ressalvado...o que no caso não aconteceu.

Salvo o devido respeito, não se verificou esta excepção, falhando de todo a razão à Recorrente.
Com efeito:
Sendo fora de dúvida que a arguida sempre beneficiará do princípio, relativo à sucessão dos regimes sancionatórios no tempo (segundo o qual a lei vigente à data da prática do facto for posteriormente modificada se aplicará a lei mais favorável ao arguido – art. 3º/2 do RGCO, 'ex vi' do art. 615º do Código do Trabalho) e sendo, por isso, certo – e independentemente do mais – que a moldura sancionatória relevante é a acima já falada de 15 a 40 UC’s, a solução por si preconizada não se nos afigura, todavia, sufragável, com o devido respeito, como sucintamente vamos demonstrar.

A ponderação e opção pelo regime mais favorável, quanto ao ponto em apreciação, (: a sucessão da lei relativa aos prazos prescricionais do procedimento contra-ordenacional), constitui uma questão temporalmente delimitada e não pode deixar de considerar-se no contexto global do quadro normativo em vigor ao tempo da prática do facto em cotejo com a sobrevinda modificação legal.

Ou seja – dito de outro modo talvez mais claro – a escolha do regime da prescrição há-de fazer-se entre o regime que vigorava aquando da consumação da infracção e o que se lhe sucede, o da lei posteriormente modificada, sendo aplicável o que for considerado globalmente mais favorável.
Coloca-se assim entre a redacção do art. 27º do DL. 433/82, vigente ao tempo, (Dezembro de 2000) e a que lhe foi dada em finais de 2001, pela Lei n.º 109/2001 ...
...E considerando, necessariamente, o correspondente enquadramento normativo, maxime o regime de punição então em vigor.
Deste modo, e visto que a coima aplicável ao caso ultrapassava largamente o montante máximo aí previsto (750.000$00), a prescrição do procedimento seria a prevista na alínea a) do art. 27º: dois anos.
Se atentarmos na circunstância de ao tempo se não poder contar com o ‘apport’ trazido posteriormente, de forma impositiva, pelos Acórdãos do S.T.J., n.ºs 6/2001 e 2/2002 (in D.R., I Série-A, de 30.3.01 e de 5.3.02, respectivamente), sempre se imporá concluir que o regime da lei nova e ora vigente será o mais favorável...independentemente de se nos afigurar que, em qualquer dos cenários, (dois ou três anos, nas versões do art. 27º antes e depois da Lei 109/2001), não transcorreu ainda o prazo da prescrição.
Destarte – e porque se trata, 'in casu', de uma contra-ordenação a que é aplicável uma coima de valor superior a 2.493,99 Euros – o procedimento só se extinguirá, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática da infracção hajam decorrido os três anos do prazo normal, acrescido de mais metade, com ressalva do tempo de suspensão, que não pode ultrapassar seis meses – arts. 27º, b), 27º-A, n.º2 e 28º, n.º3, todos do DL. 433/82, na redacção da falada Lei n.º 109/2001.

Não pode, pois, aproveitar-se duplamente do princípio da sucessão e aplicação da lei no tempo, com o alcance pretendido pela recorrente: a circunstância de se ter modificado posteriormente a lei relativa ao regime sancionatório não contende com o quadro normativo vigente, ao abrigo do qual se determinou o regime prescricional, cuja lei não sofreu alteração.
Ou seja: à consideração do regime prescricional mais favorável – que não foi objecto de qualquer alteração e cujos pressupostos se estabilizaram antes – irreleva de todo a circunstância da posterior alteração da moldura sancionatória ou de punição.

Em resumo:
Não ocorreu a prescrição, improcedendo consequentemente tal pretensão.

2.2 –
Impõe-se-nos considerar ora a arguida ilegitimidade da Recorrente ‘Banco Comercial Português, S.A.’, sociedade incorporante, por a originariamente arguida ‘BB’ se ter alegadamente extinguido em 30.6.2000, por inscrição, no registo comercial, da respectiva fusão.
Reafirmamos o entendimento que enforma a tese desta Secção, bem conhecido da Recorrente, segundo o qual, tendo uma sociedade sido incorporada, por fusão, numa outra, esta é responsável pelos ilícitos contra-ordenacionais cometidos pela primeira, não se extinguindo o procedimento contra-ordenacional com o acto da fusão.
Damos aqui por reproduzidos os fundamentos constantes (entre tantos outros, de que foi destinatária a ora impetrante) dos Arestos já tornados públicos na C.J. dos anos de 2001 e 2002, nos Tomos II/55 e I/62, respectivamente.
Daí a legitimidade da Recorrente e a consequente improcedência das razões que suportam as correspondentes asserções conclusivas.

2.3 – A decisão administrativa, na senda do raciocínio e fundamentos já tantas vezes expendidos, não é nula ou inexistente, por suposta omissão dos elementos a que alude o art. 58º/1 do RGCO ao remeter para a proposta de decisão, com alusão de que tal peça fica a fazer parte integrante da decisão, apesar de se reconhecer o brilho da argumentação e a indiscutível perseverança da recorrente.

Escrevemos já vezes sem conta sobre a inverificação desse pretendido vício, por considerarmos aplicável no caso a previsão do art. 125º/1 do CPA.
Mantendo-se naturalmente o mesmo entendimento, bastamo-nos com a fundamentação constante, dentre tantos outros, dos Acórdãos tirados nos Recursos n.ºs 2780/03, 3074/03, 3536/03 e 699/04, em que foi sempre recorrente o ora impetrante BCP, S.A.
(Junte cópia, não obstante).
Soçobram as correspondentes conclusões, não existindo qualquer vício ou afrontamento de norma constitucional.

2.4 –
No que respeita à alegada incompatibilidade da senhora Delegada do IDICT que apôs o ‘confirmo’ no Auto de Notícia e proferiu a decisão, reiteramos o já dito noutras intervenções, remetendo para os identificados textos.
É, a nosso ver, perfeitamente legal a coexistência, na mesma pessoa física, de quem intervém nos dois falados momentos do procedimento : a confirmação nunca será um acto conformativo da acusação, em sentido técnico-jurídico e, menos, um parecer substantivo sobre qualquer questão controvertida a dirimir nos Autos, limitando-se tal intervenção à mera verificação das condições formais da sua legalidade e conferindo apenas eficácia ao Auto de Notícia.

Vencidas ficam assim as correspondentes asserções conclusivas, não ocorrendo qualquer nulidade, anulabilidade ou inconstitucionalidade das identificadas, ou outras.

2.5 –
Por fim, irreleva igualmente a pretextada irregularidade processual pretensamente geradora de invalidade parcial da decisão recorrida, baseada no alegado decurso de prazo superior a 2 anos entre o levantamento do Auto de Notícia e a prolação da decisão, face ao disposto nos arts. 41º/1 do RGCO e 123º do C.P.P., uma vez que foram ultrapassados os 60 dias a que se referia o art. 25º/3 da Lei 116/99, entretanto revogada.
Tal problemática, não obstante, mereceu já resposta detalhada (cfr. entre tantos outros o Ac. proferido no R.C.O. n.º 3073/03, da sessão de 6.11.03).
A inobservância de tal prazo apenas poderia desencadear responsabilidade disciplinar interna, não se lhe associando qualquer consequência processual.

2.6 –
Isto posto - e assente, como vimos de concluir, que não se verificam os impedimentos dirimentes opostos à subsistência da infracção e da responsabilidade da arguida – importa agora considerar os efeitos decorrentes da entretanto ocorrida modificação da lei vigente ao tempo da prática do facto, à luz do prescrito no n.º2 do art. 3º do DL. 433/82, de 27 de Outubro, 'ex vi' do art. 615º do Código do Trabalho.
Ocorrendo modificação posterior da lei então vigente aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido.
Entrou em vigor, em 1.12.2003, a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho.
A legislação ao abrigo da qual se autuou e sancionou a arguida foi revogada, passando os ilícitos comportamentos a ser ora previstos e punidos nos termos dos arts. 204º e 663/2 do Código do Trabalho.
Com esta Codificação, a qualificação da infracção imputada à arguida foi alterada, sendo agora considerada apenas como ‘grave’.
A respectiva moldura sancionatória passou a ser, em abstracto, e para os casos de actuação negligente, de 15 a 40 UC’s, bem mais benevolente quando comparada com a anteriormente prevista.

Tudo visto e ponderando, em conformidade com o disposto no art. 18º do RGCO, a gravidade da contra-ordenação em causa, o grau de culpa do agente, já devidamente caracterizado, e a situação económica da sociedade bancária arguida, considera-se adequado aplicar-lhe a coima de 24 UC’s.


III –
Nos termos expostos – e na procedência parcial do recurso – delibera-se condenar a arguida Recorrente na coima de 24 (vinte e quatro) UC’s.
Custas pela Recorrente, com cinco UC’s de taxa de justiça.
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COIMBRA,