Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1579/15.8T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: MANDATO FORENSE
DANO DA PERDA DE CHANCE
Data do Acordão: 01/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JC CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.562 CC
Sumário: 1.A figura da perda de chance não está conceptualizada na lei e conecta-se com o facto de alguém ser lesado no direito de obter uma vantagem futura, ou de não ser lesado, por facto de terceiro, sendo que esse facto pode fundar responsabilidade contratual ou extracontratual.

2. Não se confundindo com a perda de expectativa, pois aqui há uma esperança (com forte carga subjectiva) de um direito, por ter havido um percurso que a ele conduziria com forte probabilidade, sendo uma situação a inserir na dogmática da responsabilidade pré-contratual.

3. Na perda de chance não se busca, efectivamente, a indemnização pela perda do resultado querido, mas antes pela oportunidade perdida, como um direito em si mesmo. Deve estar demonstrada a causalidade naturalística entre a conduta - activa ou omissiva – e a perda de chance alegada.

4. Em geral, a mera perda de uma chance não terá virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória. Com efeito, a doutrina da perda de chance propugna, em tese, a compensação quando fique demonstrado, não que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente (o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final), mas, simplesmente, que foram reais e consideráveis as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

AUTOR: L (…), divorciado, residente na (…), Cadima.

RÉ: M (…), advogada, com domicílio profissional (…), Tocha.

Por via da presente ação ordinária, pretende o A. a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 78.976, 90.

Para o efeito alegou que, em solidariedade com co-Ré nesses autos, ter sido condenado em ação cível ao pagamento de € 41.789, 26. A ora Ré, nomeada pela Ordem dos Advogados para apresentar recurso de tal sentença, nunca emitiu opinião sobre o mesmo, tendo a sentença transitado em julgado e vindo a ser movida execução contra o A. no valor de € 73.976, 90, quantia que reclama, acrescida de € 5.000, 00, pela ansiedade, inquietação e revolta sofrida pelo A.

A Ré foi citado, tendo oferecido contestação que, por despacho de fls. 145, foi mandada desentranhar, por não haver sido paga a taxa de justiça devida.

A fls. 151 e 152 foi proferido despacho saneador e considerados confessados os fatos articulados na petição inicial.

A instância mantém-se válida e regular.

*

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que

«Pelo exposto, julga-se a ação improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido.

Custas pelo A.».

*

L (…) (…), freguesia de Cadima, Concelho de Cantanhede, AA nos presentes autos, notificado que foi, da Sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a Ré dos pedidos, não se conformando, veio dela interpor Recurso de Apelação, alegando e concluindo que:

(…)

*

Não foram produzidas quaisquer contra-alegações.

*

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

*

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

1 – No âmbito da ação com processo ordinário 865/06.2TBCNT, que correu termos no 2.º J do T.J. de Cantanhede, foi proferida sentença, a 18.2.2013, transitada a 14.3.2013, tendo o aí R., L (…) solidariamente com a Ré, M (…), sido condenado a pagar à aí A.,T (...) – (…), Ld.ª, a quantia de € 41.789, 26, com juros de mora desde a citação, acrescida de despesas e encargos bancários tidos pela demandante com desconto de letras de câmbio (doc. de fls. 161 e ss.).

2 – Pela ali demandante foi instaurada ação executiva contra aqueles dois RR. com vista à cobrança coerciva da quantia de € 41.789, 26, a que acrescem, nos termos do requerimento executivo, juros vencidos que se contabilizam no montante de 32.187,64 € juros estes contados a partir da citação, o que perfaz o montante global de 73.976,90 € (setenta e três mil novecentos e setenta e seis euros e noventa cêntimos) a que acrescem os juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

3 – Após prolação da sentença e na sequência de renúncia ao mandato pela advogada aí constituída pelo aqui A., foi a ora Ré nomeada pela Ordem dos Advogados patrona oficiosa ao aqui A. ali R. (fls. 205), não tendo a mesma apresentado recurso, apesar de haver sido procurada pelo ali R. para o efeito.

4 – Transitada em julgada a sentença, veio a ser instaurada execução contra o aqui A., ali R., e contra a co-Ré, nos termos já mencionados.

5 – A aqui Ré foi já acusada disciplinarmente pela respetiva ordem profissional nos termos de fls. 35 e ss

**

Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608°, do mesmo Código.

**

Das conclusões,  ressumam  as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz holística:

1.

Deve o Recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão de primeira Instância, dando como provado que a R. foi condenada no Processo disciplinar que correu na Ordem dos Advogados.

Declaradamente, não! Com efeito, resulta como incontroverso e incontrovertível - em função do que se revela, designadamente a fls. 71-73, v., dos Autos -, que, tal como vem alegado,

“A Ré, em sede de processo disciplinar, foi condenada pela Ordem dos Advogados, na pena de multa no valor de € 1.500,00 (mil e quinhentos Euros)”.

Com esse alcance e como emergência do resultado da prova produzida, acrescenta-se este ponto de matéria de facto, com o nº 6, aos demais considerados provados; e, ainda, com o nº 7:

“Como decorrência da Decisão do Processo disciplinar que correu na Ordem dos Advogados, Procº Nº 241/2013-C/D, documento junto aos autos em 22/06/2015, tendo, assim, sido a R. condenada no pagamento dessa multa, pela violação dos deveres constantes nos artigos 83º, 92º nºs 1 e 2, 93º nº 2, 95º nº 1 al a) b) do EOA”;

Por este meio passando a fazer parte integrante da matéria de facto considerada provada, assim satisfazendo, por ser de adequação e justiça, o impetrado.

Não obstante, também como emergência probatória consumada,

 “Não ficou provado que o eventual recurso a apresentar pela R. seria julgado procedente”.

Assim passando a integrar, nessa sua singularidade, o acervo dos factos não provados, e, assim, património integrante de tal matéria (não provada).

Ainda assim, e não obstante, sem que se perfile qualquer “Nulidade da Sentença - Fundamentos em oposição com a decisão e omissão de pronúncia, com violação das disposições legais do artº 607º/3 e 4º do CPC”.

Com efeito, é certo que, em função do disposto no art. 607º NCPC (sentença), na fundamentação de facto da sentença o juiz terá de tomar em consideração não só os factos que o julgador da matéria de facto deu como provados em função da sua livre apreciação das provas oferecidas, mas ainda outros que se lhe impõem independentemente desta, mas por força da lei, quais sejam os admitidos por acordo, os provados por documento ou por confissão reduzida a escrito e é em relação a estes que o art. 659.°, n.º 3 do CPC  (607º NCPC) lhe impõe que faça o exame crítico das respectivas provas (Ac. RG, de 13.9.2012: Proc. 568/08.3TBAVV.G1.dgsi.Net).

O que não deixou de ser feito, em dimensão sincopada, mas sem acarretar nulidade. Isto porque a nulidade do acórdão decorrente da alínea c) do n.º 1 do art. 668.º do CPC (615º NCPC) pressupõe que os fundamentos de facto e de direito nele invocados conduzam logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório, e as questões previstas na alínea d) do n.º 1 daquele artigo são os pontos essenciais de facto ou direito em que as partes centralizam o litígio, incluindo as excepções, o que nada tem a ver com a sua argumentação em defesa dos seus pontos de vista táctico-jurídicos (Ac. STJ, de 13.5.2004: Proc. 0481683.dgsi.Net). Não devendo confundir-se a contradição lógica, formal, entre fundamentos e decisão prevista na aI. c) do n.º1 do art. 668.º do CPC (615º NCPC) com o erro de julgamento, isto é, com a errada interpretação e/ou aplicação da lei (Ac. STJ, de 24.6.2004: Proc. 0481969.dgsi.Net). Sendo que a nulidade do acórdão por contradição entre os seus fundamentos de facto e de direito e decisão só ocorre quando os primeiros conduzirem logicamente ao resultado oposto à segunda (Ac. STJ, de 23.11.2006: Proc. 06B4007.dgsi.Net). O que, no presente circunstancialismo não acontece, pois que uma condenação corporativa, nos termos equivalentes à chancelada, não se repercute, sem mais, na dimensão recursiva pretendida, equivalente a putativo resultado jurisdicional, por isso mesmo, sem esse desiderato assegurado, sem iter processual garantístico adrede empreendido, tido por, em absoluto, indispensável.

A tal se não opõe, do mesmo modo, o disposto no, também invocado, art. 4º NCPC (igualdade das partes). Bem pelo contrário. Assim, pois, que o texto actual de tal normativo, ao reproduzir, sem alterações, o anterior art. 3.º-A, na redacção dada pelo DL n.º 180/96, de 25-9. 2, densifica que o princípio da igualdade das partes – como escrevia Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1.°, 1963, pág. 353 - «consiste em as partes serem postas no processo em perfeita paridade de condições, disfrutando, portanto, idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida. Inevitavelmente, ao serviço daquela ideia geral estão, desde logo, o princípio do contraditório e as normas relativas à distribuição do onus probandi». Sem que nenhuma, circunstancialmente, haja sido postergada, nos termos que os Autos evidenciam.

Tanto assim que - antecipe-se -, não foi demonstrada a causalidade entre a conduta da recorrida e o dano concreto e determinado, como vem pretendido.

O que, como se faz notar, decorre, por inevitabilidade processual, de o ónus de alegação da prova, como elemento pressuponente principiológico actuante e vinculador, consistir em cada uma das partes, que quer ver vingar as suas pretensões, ter de cuidar de que os factos, de que resulta a exactidão das suas afirmações jurídicas segundo as disposições do direito material, sejam levadas ao tribunal mediante as afirmações correspondentes (A. Anselmo de Castro, Dir. Processual Civil Declaratório, cd., 1981, 1.°-70). Deste modo, se a parte a quem incumbe o “onus probandi” fizer prova por si suficiente, o adversário terá, por seu lado, de fazer prova que invalide aquela; que a naturalize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza; não carece de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (M. Andrade, Noções Elementares Proc. Civil, 2.ª ed., 193; ed. 1979, 207). Em todo o caso, tal ónus respeita aos factos da causa, distribuindo-se entre as partes segundo certos critérios. Traduz-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, como quer que seja, sofrer tais consequências, se os autos não contiverem prova bastante desse facto - trazida, ou não, pela mesma parte (M. Andrade, Noc. Elementares Proc. Civil, 1979, 196).

Tal, pois, que não tem apenas a faculdade de fornecer a prova; ele deve provar, se quiser fazer reconhecer o seu direito. Não é obrigado a fornecer a prova; mas do não exercício do ónus depende a renúncia ao reconhecimento do direito que carece de prova. São perfeitos ou imperfeitos, consoante o resultado que asseguram depende somente da prestação que forma o conteúdo do ónus, ou essa prestação é, por si só, insuficiente. São ainda formais e materiais. O primeiro consiste no dever para as partes de produzir a prova; o segundo consiste na sujeição às consequências desfavoráveis resultantes da falta de prova (Cavaleiro de Ferreira, Curso, 1956, 11-304).

O que, em si, inviabiliza a (plena) conversão da retórica argumentativa de parte em elemento de objectivação, que só pode ter correspondência, como se equacionou, na verdade “real” consubstanciada naquilo que a revelação processual intra-diegética possibilita. E que, pelas razões indicadas, não pode ir além do que se consagra (mesmo rectificando) em decisório.

Sem que se possa, efectivamente, deixar de apreciar que ao mandatário/a forense não é apenas exigível a diligência do homem médio (n.º 2 do artigo 487º do Código Civil), já que lhe é imposto muito maior rigor na investigação, actualização e aplicação dos conhecimentos da sua arte e exercício de diligência.

Em todo o caso, a figura da perda de chance não está conceptualizada na lei e conecta-se com o facto de alguém ser lesado no direito de obter uma vantagem futura, ou de não ser lesado, por facto de terceiro, sendo que esse facto pode fundar responsabilidade contratual ou extracontratual. Não se confundindo com a perda de expectativa, pois aqui há uma esperança (com forte carga subjectiva) de um direito, por ter havido um percurso que a ele conduziria com forte probabilidade, sendo uma situação a inserir na dogmática da responsabilidade pré-contratual. É que, na perda de chance não se busca, efectivamente, a indemnização pela perda do resultado querido, mas antes pela oportunidade perdida, como um direito em si mesmo. Deve estar demonstrado – como matéria de facto da exclusiva competência das instâncias – a causalidade naturalística entre a conduta - activa ou omissiva – e a perda de chance alegada (Cf. Ac. STJ, de 09.12.2014, Relator: Sebastião Póvoas; também, a dissertação de Mestrado da Dra. Patrícia Cordeiro da Costa – “Dano de Perda de Chance e a sua perspectiva no Direito Português”; Mestre Rui Cardona Ferreira, in “A Perda de Chance revisitada [A propósito da Responsabilidade do Mandatário Forense”, Sep. ROA, 73, IV, Out-Dez 2013; Dra. Sara Lemos Meneses “Perda de Oportunidade: Uma Mudança de Paradigma ou um Falso Alarme” e Prof. Júlio Gomes, “Ainda sobre a figura do dano de perda de oportunidade ou perda de chance”, in II Seminário dos Cadernos de Direito Privado”, n.º especial, 2, Dezembro, 2012. O que não sai, no caso, demonstrado.

Em tal se consubstanciando a resposta à questão em 1.

 2.

A omissão da sua conduta, causou prejuízos avultados ao AA, devendo por isso o AA ser indemnizado.

A este pretexto, referencie-se – sequencialmente -, que a perda de chance não se confunde com perda de expectativa, já que aqui há uma esperança de um direito, por se ter percorrido um “iter” que a ele conduziria com forte probabilidade. Trata-se de situação dogmatizada na responsabilidade pré contratual.

Na perda de chance, ou de oportunidade, verificou-se uma situação omissiva que, a não ter ocorrido, poderia razoavelmente propiciar ao lesado uma situação jurídica vantajosa.

Diz respeito a imaginar ou prever a situação que ocorreria sem o desvio fortuito não podendo constituir um dano presente (imediato ou mediato) nem um dano futuro (por ser eventual ou hipotético) só relevando se provado que o lesado obteria o direito não fora a chance perdida.

Se um recurso não foi interposto, ou não foi alegado, e em consequência ficou deserto, não pode afirmar-se ter havido dano de perda de oportunidade, pois não é demonstrada a causalidade já que o resultado do recurso é sempre aleatório por depender das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores chamados a reapreciar a causa.

Concretizando, convoque-se referencial do Ac. STJ, de 29.04.2010, Relator: Sebastião Póvoas, segundo o qual:

«4.2.1 Tratando-se de deixar um recurso deserto – equivalente a não recorrer – há que fazer duas afirmações nucleares prévias: este Tribunal não pode sindicar a decisão não recorrida, aliás já transitada em julgado, em termos de aquilatar da eventual possibilidade de êxito do recurso; não pode garantir-se a procedência de um recurso nem tal afirmação pode sequer ser feita em termos de mera probabilidade.

Vejamos, então, numa mera perspectiva da chamada perda de chance.

4.3 Perante uma omissão que violou um imperativo contratual (ou legal) destinado a proteger interesses da outra parte, podem perfilar-se situações: ou perda de chance ou expectativa jurídica gorada.

Aqui já existe um percurso tutelado pelo direito tendo sido atingido um ponto a partir do qual o cidadão comum espera, legitimamente, ver o seu direito consolidado (cf. Prof. Galvão Telles, in “Expectativas Jurídicas”, apud “O Direito”, 90.º, 2; Prof. Oliveira Ascensão, “As Relações Jurídicas Reais”, 1962, 246 e Prof. Pessoa Jorge in “Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil”. 312 - “A palavra expectativa é equivoca; em geral significa a esperança de um direito ou de outra situação jurídica vantajosa. Mas nem toda a ‘spes juris’ se configura como uma expectativa juridicamente relevante; nela não se abrangem as previsões genéricas de aquisição de direitos sem fundamento legal, embora com fortes probabilidades de facto.”).

A figura da expectativa jurídica foi mais detalhadamente laborada em sede de responsabilidade pré contratual (cf., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2007 – 07 A402 – desta Conferência e v.g., Dr.ª Ana Prata – “Notas sobre a responsabilidade pré-contratual”, in “Revista da Banca”, 16 – Outubro-Dezembro de 1990 e Janeiro-Março de 1991 e Prof. Menezes Cordeiro – “Dolo na conclusão do negócio, culpa em contrahendo” – “O Direito”, 125, 1993, I-II).

4.4 A perda de chance é uma nova figura jurídica (surgida em França, em meados dos anos 60 do século XX – “perte de chance”) que, entre nós, tem merecido pouca atenção da doutrina e da jurisprudência, e mais aplicada nos estudos sobre responsabilidade médica (cf. Conselheiro Doutor Álvaro AA, ob. cit, 217; Dr.ª Rute Pedro, “A Responsabilidade Civil do Médico”, 179 e ss; Prof. Sinde Monteiro – “Aspectos Particulares da Responsabilidade Médica”, apud “Direito de Saúde e Bioética”, Lex, 1991).

Como instituto genérico a nível do direito civil, respigamos na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça os seguintes arestos: 6 de Março de 2007 – 07 A138; de 16 de Junho de 2009 – 1623/03. 1TCLRS.S1 – sendo 1.º Adjunto o ora Relator e 2.º o aqui 1.º, mas sem nominar a figura; de 9 de Fevereiro de 2006 – 06B016; e de 22 de Outubro de 2009 – 409/09.4YFLSB – este a concluir, no essencial, que a perda de chance não releva na vertente jurídica, “por contrariar o princípio da certeza dos danos e da causalidade adequada”; o de Fevereiro de 2006 a exigir a alegação e a demonstração, “que há uma forte probabilidade de a oportunidade se não voltar a repetir ou que a mesma se perdeu definitivamente”; e os de 6 de Março de 2007 e 16 de Junho de 2009 a afastarem, na prática, a perda de chance por, tratando-se de casos de concursos públicos, dependerem de juízos de discricionariedade e de manifesta álea tornando imprevisível a ocorrência do dano e assim afastando o nexo causal.

Na doutrina, o Dr. Júlio Gomes (apud “Direito e Justiça”, XIX, 2005, II), aproxima a perda de chance da já tratada expectativa jurídica limitando-a a “situações em que a chance já se ‘densificou’ o suficiente para, sem recair no arbítrio do juiz, se poder falar no que Tony Weir apelidou de ‘uma quase propriedade’, um ‘bem’.

Já o Dr. Carneiro de Frada insinua-a como relevante se considerada a perda de oportunidade um dano em si, e portanto tutelável (“Direito Civil. Responsabilidade Civil. Método do Caso”, 103), sendo que para o Dr. Paulo Mota Pinto, não há “base jurídica positiva para apoiar a indemnização em perda de chances”, parecendo-lhe preferível aceitar nesses casos inversão do ónus ou facilitação da prova: (“Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, I, 1103, nota).

A leitura destas posições oferece-nos algumas considerações.

Na responsabilidade civil (contratual ou aquiliana) a perda de chance mais não é do que uma oportunidade de obter uma futura vantagem patrimonial que se gorou.

Trata-se de “imaginar” ou prever a situação que ocorreria não fora o ilícito.

Não é um dano presente, no sentido de se achar concretizado no momento da fixação da indemnização.

Mas, em rigor, também não é um dano futuro por não se inserir na definição do n.º 2 do artigo 564.º do Código Civil.

É que os danos futuros têm de ser previsíveis (“podendo ter-se como certa ou suficientemente provada a sua verificação” – Prof. Pereira Coelho, in “O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil”) tendo por fonte a probabilidade, não podendo ser eventuais, incertos ou hipotéticos. Será “o desenvolvimento seguro de um dano actual.” (Prof. Vaz Serra – BMJ 84-253).

A perda de oportunidade não sendo, como se disse, um dano presente – imediato ou mediato – só pode ser qualificado de dano futuro mas eventual ou hipotético, salvo se a prova permitir que com elevado grau de probabilidade, ou verosimilhança concluir que o lesado obteria certo beneficio não fora a chance perdida.

Ora, “in casu”, estamos perante a deserção de um recurso de uma sentença de 1.ª instância para um Tribunal da Relação.

Sabido que o Direito não é, de todo, uma ciência exacta, de que são frequentemente reflexo as divergências doutrinárias e jurisprudenciais tendo qualquer recurso uma álea dependente das opções (ou perspectivas) dos julgadores, não sendo previsível, o resultado.

Aliás, é a própria essência do recurso, a reapreciação, ou reavaliação, do julgado pelo juízo “a quo”, nada garantindo que a decisão em crise venha a ser confirmada ou revogada, quando são possíveis várias soluções jurídicas.

Resulta assim que os Autores/recorrentes não conseguiram provar lesão patrimonial que, provavelmente, e de acordo com o curso normal das coisas, não teria sofrido se o recurso tivesse sido alegado e julgado.

Não foi, por isso demonstrado a causalidade entre a conduta do recorrente e um dano material concreto e determinado. (cf., Profs. Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 7.ª ed., 1997, 409 e Vaz Serra “Obrigação de Indemnização” BMJ – 84, n.º 5).

Como julgou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2008 – 08 A369 – desta Conferência, o artigo 563.º do Código Civil consagra o princípio da causalidade adequada na sua formulação negativa, por isso “o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis” (…) mas “terá de ser, em concreto, conditio sine qua non do dano, mas também, em abstracto, causa normal e adequada da sua verificação ainda que indirecta ou mediatamente.”»

Circunstancialmente, não foi possível formular um juízo de causalidade meramente naturalístico por relação de causa, assim inexistindo o pressuposto da obrigação de indemnizar.

Só poderia ficcionar-se o dano patrimonial através da figura de perda de chance, mas tal implicaria conferir à indemnização uma função punitiva, que não meramente reparatória, esta a exigir a alegação e prova de um dano emergente ou de um lucro cessante que não se apurou em concreto (cf., v.g. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2007 – 07 A138: “… o lesante é responsável por todos os prejuízos que necessariamente resultem do não cumprimento do contrato.”).

De concluir agora, também, pois, que a mera perda de chance irreleva para efeitos indemnizatórios por, só por si, não se enquadrar no princípio da causalidade adequada, e a indemnização não ter, como regra, função punitiva.

Só seria de atender se demonstrado, nexo de causalidade naturalístico e daí ser possível inferir pela normalidade, probabilidade e adequação da verificação do dano como resultado da conduta, em regra omissiva, do devedor.

Não pode, em consequência, perfilar-se qualquer dano patrimonial – mediato ou imediato – indemnizável.

Com esta tessitura institucional de sustentação, faz sentido considerar, como empreendido, em decisório, que:

«Deste modo, apenas a omissão ou ação do advogado mandatado que contenda com um sério, real e muito provável desfecho favorável ao lesado pode configurar o dano, já que o dano está associado à possibilidade real do êxito que se frustrou.

Por outras palavras é necessário que se possa concluir perante os elementos de facto disponíveis, que a pretensão gizada teria reais e razoáveis probabilidades de obter provimento, ou seja, perante cada hipótese concreta referente aos atos alegadamente omitidos, importaria aferir qual o grau de probabilidade segura de sucesso caso estes tivessem sido praticados, pois pode muito bem acontecer que o sucesso de determinada ação ou diligência processual, à luz de um desenvolvimento normal e típico, possa ser perspetivado como uma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina e jurisprudência então existentes; o ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado.

Impõe-se assim ao lesado, alegar e provar que, sem a omissão do advogado, o resultado alcançado seria diferenciado [no sentido visado], tendo de ser muito elevada a probabilidade de sucesso.

Do que vem de se expor resulta necessária a alegação e prova do nexo causal entre a sua censurável conduta (culposa) e os invocados prejuízos, não bastando, para tal, a simples alegação e prova de que foram omitidos determinados atos – falta de apresentação de recurso de sentença condenatória -, já que a denominada «perda de chance» ocorre quando uma dada ação ou omissão faz perder a alguém a sorte ou a «chance» de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo, devendo o mesmo ser avaliado de acordo com critérios de verosimilhança e para tal é necessário que sejam alegados os factos pertinentes.

Atendendo ao caso concreto, impunha-se que o autor alegasse em que medida a omissão de apresentação de recurso conduziria a um resultado diferenciado do ocorrido com tal omissão, isto é, em que medida seria altamente expetável que, apreciado, o recurso (de fato? de direito? Fosse favorável ao recorrente, o que manifestamente o A. não fez, pecando notoriamente pela alegação vaga, quando não conclusiva, da matéria fatual pertinente (acaso a R tivesse instaurado o competente recurso, com grande probabilidade, o aqui Autor teria sido absolvido)».

Com alcance similar ao expresso, no Ac. RC. de 20.01.2015, Relator: Alexandre Reis, se enuncia, noematicamente, que:

«em geral, a mera perda de uma chance não terá virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória. Com efeito, a doutrina da perda de chance propugna, em tese, a compensação quando fique demonstrado, não que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente (o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final), mas, simplesmente, que foram reais e consideráveis as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo.

A mesma doutrina distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, pelo que o lesante responde, apenas, na proporção e na medida em que foi autor do ilícito, sendo o dano que se indemniza constituído apenas pela perda de chance, que não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem igual à quantia que seria atribuída caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final. Sendo que, no nosso ordenamento jurídico, a identificação de um dano constitui pressuposto incontornável de toda a responsabilidade civil e daí que, perante a manifesta insuficiência de causa de pedir, o A. nunca poderia vir a demonstrar que a alegada actuação omissiva da Ré lhe acarretou a perda de chance ou de oportunidade invocada, através da sua provável condenação».

Com este alcance, pois, a presente acção - vollens, nollens -, não pode, pois, deixar de improceder, tal como decidido.

**

Podendo, assim, também concluir, sumariando (art. 663º, nº7 do NCPC) que:

1.

A nulidade do acórdão decorrente da alínea c) do n.º 1 do art. 668.º do CPC (615º NCPC) pressupõe que os fundamentos de facto e de direito nele invocados conduzam logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório, e as questões previstas na alínea d) do n.º 1 daquele artigo são os pontos essenciais de facto ou direito em que as partes centralizam o litígio, incluindo as excepções, o que nada tem a ver com a sua argumentação em defesa dos seus pontos de vista táctico-jurídicos.

2.

Não devendo confundir-se a contradição lógica, formal, entre fundamentos e decisão prevista na aI. c) do n.º1 do art. 668.º do CPC (615º NCPC) com o erro de julgamento, isto é, com a errada interpretação e/ou aplicação da lei. Sendo que a nulidade do acórdão por contradição entre os seus fundamentos de facto e de direito e decisão só ocorre quando os primeiros conduzirem logicamente ao resultado oposto à segunda. O que, no presente circunstancialismo não acontece, pois que uma condenação corporativa, nos termos equivalentes à chancelada, não se repercute, sem mais, na dimensão recursiva pretendida, equivalente a putativo resultado jurisdicional, por isso mesmo, sem esse desiderato assegurado, sem iter processual garantístico adrede empreendido, tido por, em absoluto, indispensável.

3.

A tal se não opõe, do mesmo modo, o disposto no, também invocado, art. 4º NCPC (igualdade das partes). Bem pelo contrário. Assim, pois, que o texto actual de tal normativo, ao reproduzir, sem alterações, o anterior art. 3.º-A, na redacção dada pelo DL n.º 180/96, de 25-9. 2, densifica que o princípio da igualdade das partes – como escrevia Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1.°, 1963, pág. 353 - «consiste em as partes serem postas no processo em perfeita paridade de condições, disfrutando, portanto, idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida. Inevitavelmente, ao serviço daquela ideia geral estão, desde logo, o princípio do contraditório e as normas relativas à distribuição do onus probandi». Sem que nenhuma, circunstancialmente, haja sido postergada, nos termos que os Autos evidenciam.

4.

Oart. 4º NCPC (igualdade das partes) densifica que o princípio da igualdade das partes consiste em as partes serem postas no processo em perfeita paridade de condições, disfrutando, portanto, idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida. Inevitavelmente, ao serviço daquela ideia geral estão, desde logo, o princípio do contraditório e as normas relativas à distribuição do onus probandi. Sem que nenhuma, circunstancialmente, haja sido postergada, nos termos que os Autos evidenciam. Tanto assim que não foi demonstrada a causalidade entre a conduta da recorrida e o dano concreto e determinado, como vem pretendido.

-

5.

A figura da perda de chance não está conceptualizada na lei e conecta-se com o facto de alguém ser lesado no direito de obter uma vantagem futura, ou de não ser lesado, por facto de terceiro, sendo que esse facto pode fundar responsabilidade contratual ou extracontratual. Não se confundindo com a perda de expectativa, pois aqui há uma esperança (com forte carga subjectiva) de um direito, por ter havido um percurso que a ele conduziria com forte probabilidade, sendo uma situação a inserir na dogmática da responsabilidade pré-contratual. É que, na perda de chance não se busca, efectivamente, a indemnização pela perda do resultado querido, mas antes pela oportunidade perdida, como um direito em si mesmo. Deve estar demonstrado – como matéria de facto da exclusiva competência das instâncias – a causalidade naturalística entre a conduta - activa ou omissiva – e a perda de chance alegada. O que não sai, no caso, demonstrado.

-

6.

 Em geral, a mera perda de uma chance não terá virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória. Com efeito, a doutrina da perda de chance propugna, em tese, a compensação quando fique demonstrado, não que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente (o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final), mas, simplesmente, que foram reais e consideráveis as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo.

7.

A mesma doutrina distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, pelo que o lesante responde, apenas, na proporção e na medida em que foi autor do ilícito, sendo o dano que se indemniza constituído apenas pela perda de chance, que não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem igual à quantia que seria atribuída caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final. Sendo que, no nosso ordenamento jurídico, a identificação de um dano constitui pressuposto incontornável de toda a responsabilidade civil e daí que, perante a manifesta insuficiência de causa de pedir, o A. nunca poderia vir a demonstrar que a alegada actuação omissiva da Ré lhe acarretou a perda de chance ou de oportunidade invocada, através da sua provável condenação.

8.

Verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, nº1, alíneas b), c) e e) do CPC (615° NCPC).

**

III. A Decisão:

Nestes termos, diferenciando o fundamento, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Sem custas.

*

António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Moreira do Carmo