Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
11/17.7T8TND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: PENA ACESSÓRIA
SUSPENSÃO
CONTRAORDENAÇÃO MUITO GRAVE ANTERIOR
Data do Acordão: 11/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JC GENÉRICA DE TONDELA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 141.º DO CE
Sumário: I - Tendo averbado no seu RIC, nos últimos 5 anos, uma contra ordenação muito grave no exercício da condução de veículos a motor, não poderia o arguido beneficiar da suspensão da execução da inibição de conduzir veículos a motor, nem mesmo mediante à prestação de caução de boa conduta, por não ser legalmente admissível.

II - O período de 5 anos conta-se entre a última condenação e a data da prática da nova infracção.

Decisão Texto Integral:









Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
 
I - Relatório
No processo supra identificado, o arguido A... , apresentou recurso da decisão, da Técnica Superior da ANSR, no uso de competência Delegada do Presidente, datada de15-05-2015, no âmbito do auto de contra-ordenação nº 915388693, que o condenou na sanção acessória de inibição de conduzir por um período de 45 dias, em virtude de o recorrente, no dia 08-11-2014, pelas 11:57 horas, no IP 3, ao km, 105, na zona de Valverde, área deste concelho de Tondela, imprimir a velocidade de 134,57 km/h ao veículo ligeiros de passageiros com a matrícula (...) , excedendo o limite de velocidade para o local em 34km/h.
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O tribunal a quo decidiu manter a inibição de conduzir, por 45 dias e suspender a execução daquela por um ano, mediante a prestação, no prazo de 10 dias, a contar do trânsito em julgado, de uma caução de boa conduta no montante de €1.000,00 (mil euros).
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O Ministério Público não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I. O arguido possui averbado no Registo Individual de condutor 1 (uma) contra ordenação muito grave praticada no exercício da condução de veículos a motor.
II. A primeira condenação aplicada ao arguido e que consta do Registo Individual de Condutor, foi praticada em 17.09.2009 e a decisão notificada àquele em 18.10.2010.
III. O cumprimento da sanção acessória de inibição de conduzir (pelo período de 30 dias), ocorreu entre o dia 13.12.2010 a 12.01.2011.
IV. O prazo de 5 (cinco) anos a que se alude no artigo 141º, nº 2 e 3, do Código da Estrada, deverá iniciar-se desde a data da decisão que condenou o infractor, ou seja, desde 18.10.2010.
V. A infracção que deu origem ao presente processo foi cometida em 08.11.2014, o que equivale a dizer que foi cometida dentro do prazo dos 5 (cinco) anos.
VI. Pelo que se conclui que o arguido, tendo averbado no seu RIC uma contra ordenação muito grave no exercício da condução de veículos a motor, nunca poderá beneficiar da suspensão da execução da inibição de conduzir veículos a motor, nem mesmo mediante à prestação de caução de boa conduta, por não ser legalmente admissível. – cfr. artigo 141º, nº 1 e 2, do Código da Estrada.
VII. Atento o acima referido, deverá o recurso ora apresentado proceder e a decisão proferida nos autos ser substituída por outra que considere improcedente o recuso de impugnação interposto pelo arguido, mantendo-se a decisão administrativa nos seus precisos termos».
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Notificado o arguido, nos termos do art. 411.º, n.º 6, para efeitos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, não respondeu.
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Nesta instância o Ex.mo Procurador-geral Adjunto, acompanhando a motivação de recurso, emite douto parecer no sentido de que deve ser dado provimento ao recurso, por a situação dos autos não admitir a suspensão da inibição de conduzir.
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Cumprido que foi o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido não respondeu.
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Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, e uma vez colhidos os vistos legais, indo os autos à conferência, cumpre decidir.
Vejamos a factualidade dada como assente.
Factos provados:
«1. No dia 08-11-2014 pelas 11:57 horas, no IP 3, ao km 105, na zona de Valverde, área deste concelho de Tondela, imprimia a velocidade de, pelo menos, 134,57 km/h ao veículo ligeiros de passageiros com a matrícula (...) , excedendo o limite de velocidade para o local em 34,57km/h.
2. O recorrente pagou voluntariamente a coima.
3. A estrada é um itinerário principal em que a velocidade instantânea máxima permitida, para os veículos ligeiros de passageiros é de 100 km/h.
4. Não criou perigo concreto para segurança rodoviária.
5. O recorrente é gerente de duas sociedades que se dedicam á elaboração de projectos eléctricos e sua montagem, possuindo obras em todo o pais, tendo uma sede em Lisboa outra em Coimbra.
6. O recorrente no exercício de tais funções necessita de se deslocar
7. No RIC do recorrente encontra-se averbada a prática de uma contra ordenação da mesma natureza de excesso de velocidade em mais do que 60 km/h do que a permitida, praticada em 17-08-2009, tendo-lhe sido aplicada uma sanção acessória de inibição de conduzir de 30 dias cujo términus do cumprimento ocorreu em 12-01-2011».
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II - O Direito
As conclusões formuladas pela recorrente delimitam o âmbito do recurso, nos termos do art. 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal.
São apenas as questões suscitadas pela recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Nos termos do art. 75.º, do D. L. 433/82 de 27 de Outubro, este Tribunal conhece apenas da matéria de direito, pelo que se devem ter por assentes os factos apurados pelo tribunal a quo, a não ser que resultem da existência dos vícios do art. 410.º, do CPP.

Questão a decidir:
Apreciar se há fundamento para suspender a inibição de conduzir, em contra-ordenação rodoviária grave, tendo o arguido sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de contra-ordenação muito grave.

Apreciando:
O arguido praticou uma contra-ordenação rodoviária, por excesso de velocidade, dado que transitava num avia, em que a velocidade máxima permitida era de 100 km/h, cujo limite excedeu em 34,57 Km/h, constituindo-se assim como autor ca contra-ordenação p. e p. pelo art. 27.º, n.º 1, e 2, al. a) -2.º, do CE, sancionada com coima de 120,00€ a 600,00€.
Nos termos dos art. 136.º, n.º 3 e 138.º, n.º 1, do CE, são classificadas graves ou muito graves as contra-ordenações sancionadas com coima e sanção acessória.
Atento que o excesso de velocidade de 34,57 Km/h é superior a 20 km/h e não superior a 40 km/h, a contra-ordenação é classificada grave, nos termos do art. 145.º, n.º 1, al. b), do CE.  
Ao arguido foi aplicada a inibição de conduzir, por 45 dias, que o tribunal a quo decidiu manter e suspender a execução daquela por um ano, mediante a prestação, no prazo de 10 dias, a contar do trânsito em julgado, de uma caução de boa conduta no montante de €1.000,00 (mil euros).
A questão a decidir é simples, pois importa saber apenas se é admissível ou não no caso dos autos a suspenso da inibição de conduzir.
A sanção acessória de inibição de conduzir pode, nos termos do art. 141.º, do CE, ser suspensa na sua execução, quando se trate de contra-ordenação grave e se verifiquem os demais pressupostos ali previstos.
E sobra a possibilidade de suspensão da execução da sanção acessória o art. 141.º, do CE, diz o seguinte:
«1 - Pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes.
 2 - Se o infractor não tiver sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contraordenação grave ou muito grave, a suspensão pode ser determinada pelo período de seis meses a um ano.
 3 - A suspensão pode ainda ser determinada, pelo período de um a dois anos, se o infrator, nos últimos cinco anos, tiver praticado apenas uma contraordenação grave, devendo, neste caso, ser condicionada, singular ou cumulativamente:
(…)».
Obviamente que o prazo para contar os cinco anos para trás, relativamente à condenação anterior, não é o momento da condenação ora em análise, mas sim o momento da prática da contra-ordenação por que está a ser julgado nestes autos, cfr. se decidiu no Ac. do TRC de 11/7/2007 – Proc. 2275/06.2TBPBL.C1, in www.dgsi.pt/jtrc, do qual foi relator o mesmo deste acórdão.
Como resulta dos autos o arguido possui averbado no Registo Individual de Condutor, junto a fls. 6, a que se refere o auto n.º 903750279, uma contra ordenação muito grave praticada no exercício da condução de veículos a motor, praticada em 17/09/2009, de cuja decisão foi notificado em 18/10/2010, tendo cumprido 30 dias de inibição de conduzir entre 13/12/2010 e 12/01/2011.
E sem reservas, quer do tribunal a quo, quer do arguido, a prática de uma contra-ordenação muito grave, ficou assente nos factos provados que constam da sentença, nos seguintes termos:
«7. No RIC do recorrente encontra-se averbada a prática de uma contra ordenação da mesma natureza de excesso de velocidade em mais do que 60 km/h do que a permitida, praticada em 17-08-2009 (tendo sido indicada esta data por lapso, devendo ter-se como 17-09-2009, como consta do RIC), tendo-lhe sido aplicada uma sanção acessória de inibição de conduzir de 30 dias cujo términus do cumprimento ocorreu em 12-01-2011».
Embora a sentença não o diga, quando em bom rigor o devia dizer, mas face à matéria de facto provada, resulta que, atento o excesso de velocidade ser superior a 60 km/h, estamos perante uma contra-ordenação muito grave, conforme dispõe o art. 146.º, al. i), do CE.
É uma nulidade, que é suprível por este tribunal de recurso, nos termos do art. 379.º, n.º 2, do CPP, por os autos disporem de elementos para tal.
E mesmo que fosse uma irregularidade ou lapso da sentença recorrida, sempre seria suprível, ao abrigo do art. 380.º, n.º 2, do CPP.
Está assim assente nos autos, para todos os feitos legais, que o arguido foi condenado, nos últimos cinco anos, tendo como referência a data da contra-ordenação a que se referem estes autos, por uma contra-ordenação u muito grave.
Ora, o prazo de 5 anos a que se alude no artigo 141.º, n.º 2, do CE, decorrendo de forma contínua, começa-se a contar a partir da última condenação, isto é, desde 18/10/2010, sendo que a contra-ordenação agora em análise, foi cometida em 8/11/2014, isto é, antes de decorrerem 5 anos, prazo que só se extinguiria em 18/10/2015.
Nesta conformidade, tendo averbado no seu RIC uma contra ordenação muito grave no exercício da condução de veículos a motor, naquele período temporal, com a relevância legal atrás referida, não poderia o arguido beneficiar da suspensão da execução da inibição de conduzir veículos a motor, nem mesmo mediante à prestação de caução de boa conduta, por não ser legalmente admissível, conforme prescreve de forma imperativa o art. 141º, nº 1 e 2, do CE.
A existência de lei especial que prevê a regulamentação da suspensão da inibição de conduzir, nos termos acima referidos, afasta a aplicabilidade da lei geral, não sendo aplicável por isso o regime de suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir relativamente contra-ordenações, por via do Código Penal, se o regime especial não o previu.
O regime do art. 141.º, do CE, admite a suspensão da sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir, para as contra-ordenações graves, nos termos em que são exigíveis os requisitos da suspensão da execução das penas.
Às contra-ordenações é aplicável subsidiariamente o Código Penal, como se preceitua no art. 32.º, do DL 433/82, de 27 de Outubro e concretamente se extrai do art. 141.º, do CE.
Porém, a aplicação do regime de suspensão da “inibição da faculdade de conduzir veículos motorizados”, das contra-ordenações graves e muito graves, tem de movimentar-se e obedecer ao regime geral das penas acessórias do Código Penal, de ordem substantiva, mas apenas e só desde que primeiramente se verifiquem os requisitos mencionados no artigo141.º, do CE.
Em conclusão: procederá necessariamente a pretensão do Ministério Público, por não ser legalmente admissível a suspensão da inibição de conduzir em processo de contra-ordenação grave, se o arguido tiver sido condenado nos últimos 5 anos, por contra-ordenações muito grave, contando-se o referido período entre a última condenação e a data da prática da nova infracção.
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III- Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, em consequência, se revoga a sentença recorrida, mantendo-se a decisão administrativa nos seus precisos termos, que impôs ao arguido A... , o cumprimento efectivo da sanção acessória de inibição de conduzir por um período de 45 dias.
Sem custas.
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NB: O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 

Coimbra, 8 de Novembro de 2017
(Inácio Monteiro - Relator)
(Alice Santos - Adjunta)