Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
517/08.9JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO
Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE NELAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 131º,132º.Nº1 E 2AL.B), E)E J) 40º, 71º DO CP 127º,374º,379º, 410º 412´º 428ºDO CPP,494ºE 496º DO CC.
Sumário: 1.O objectivo da fundamentação ( prof. Germano Marques da Silva) é a de permitir “a sindicância da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”..
2.Na motivação da matéria de facto, o acórdão recorrido, de forma clara faz um exame crítico das provas e indicou as provas em que se fundou para formar a sua convicção, indicando a razão de ciência de cada uma das pessoas cujos depoimentos tomou em consideração.
3.A “convicção do Tribunal “a quo” é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem”.
4. A solução a que chegou o tribunal é razoável atendendo á prova produzida e está fundamentada. Na verdade, face a todo o material probatório tudo indica que o tribunal recorrido captou a verdade material.

5.As circunstâncias enunciadas nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 132º do CP não são de aplicação automática, por resultar do nº 1 da mesma norma a exigência, de carácter geral, de que o agente tenha agido com “especial censurabilidade ou perversidade” tratando-se os elementos descritos no nº 2 de meros exemplos que poderão – ou não – preencher a exigência do nº 1, dependendo das circunstâncias concretas do caso.
6.Assim é possível ocorrerem outras circunstâncias, para além das mencionadas, se bem que valorativamente equivalentes, as quais revelem a falada especial censurabilidade ou perversidade; e, por outro lado, apesar da descrição dos factos provados apontar para o preenchimento de mais alíneas do n.º 2 do art. 132.º, não é só por isso que o crime de homicídio cometido, deverá ter-se logo por qualificado.
7.“A prevenção geral atinge as suas exigências mais prementes ou mais elevadas, o seu expoente máximo de maior intensidade dissuasora na punição do crime de homicídio, em que a reposição contrafáctica da norma violada pressupõe o restabelecimento da confiança da comunidade na norma violada, pois que ninguém se sentirá seguro, nem haverá sociedade que subsista se a punição das actuações homicidas ficar aquém da necessidade, forem inadequadas ou desproporcionais ao âmbito de protecção da norma na defesa e salvaguarda da vida humana”.
8.Por sua vez, as exigências de prevenção especial, mostram-se intensas, na medida em que o arguido demonstrou ter uma personalidade que não respeita os valores humanos, age emotivamente, com pouca capacidade de controlo e é bastante agressivo.
9.A culpa do arguido, por sua vez, é muito elevada, traduzindo qualidades especialmente desvaliosas em termos de relevância jurídico-penal, pelo desvalor da acção que quis empreender e do desvalor do resultado que procurou e conseguiu atingir.
Decisão Texto Integral: 81

No processo Comum Colectivo, supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferido acórdão que condenou o arguido J.. como autor de:
- um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts 131º e 132º, nºs 1 e 2, als b), e) e j) do CPenal, na pena de 20 (vinte) anos de prisão.
- um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts 131º e 132º, nºs 1 e 2, als e) e j) do CPenal, na pena de 18 (dezoito) anos de prisão.
- um crime de detenção de arma ilegal, p. e p. pelo art 86 nºs 1 al c) da Lei nº 5/2006, de 23/2 (versão em vigor à data dos factos) na pena de 2 (dois) anos de prisão.
-Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão.

- Na procedência parcial do pedido cível foi o arguido condenado a pagar:
- Aos requerentes M e R a título de danos próprios da vítima, a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros).

- À requerente M, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros);

- Ao requerente R a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros);

- Ao requerente R, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros);

Sobre todas estas quantias acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a presente data até integral pagamento.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido J. que na respectiva motivação concluiu:
A) Ao dar simultaneamente provados os factos nºs 11 e 61 o douto acórdão recorrido deu ao mesmo tempo como provado que no dia …/…/2008, chegado a …. provindo de Espanha após se ter munido da espingarda caçadeira o arguido de imediato se deslocou à residência da ofendida e seus filhos (facto n° 11) e que chegado àquela localidade ali permaneceu algum tempo (nº 61);
B) O mesmo sucede em relação aos pontos 27 e 69, pois se naquele se dá corno provado que após a prática dos factos o arguido se encaminhou a pé, em direcção a …. tendo entretanto sido interceptado nesse percurso por uma patrulha da GNR que havia sido chamada ao local neste último dá-se como provado que depois de deixar os filhos com a sogra o arguido deslocava-se a pé em direcção a GNR cuja patrulha ele próprio interceptou no caminho informando-a do sucedido;
C) Estes factos assim dados como provados não são esclarecedores quanto a saber se o arguido se entregou por iniciativa própria à GNR ou se foi esta força de segurança que o interceptou e deteve;
D) Da fundamentação de facto assim expendida no douto acórdão recorrido e atenta a sua manifesta oposição e incongruência fica-se sem saber se afinal se deu como provado que o arguido provindo de Espanha se deslocou de imediato a M… ou se antes disso permaneceu algum tempo em Oliveira de….. e nesta hipótese por quanto tempo;
E) A condenação proferida na parte em que qualificou ambos os homicídios por via da al j) do nº 2 do art 132º do CPP não constitui portanto resultado lógico e congruente em face dos tactos dados como provados e como não provados.
F) A enumeração pelo douto acórdão recorrido dos factos provados e não provados nos termos sobreditos por contraditórios e manifestamente incompatíveis fá-lo incorrer em falta de fundamentação exigida pelo artº 374° nº 2 do CPP e torna-o nulo nos termos do disposto no artº 379º nº 1 al a) do CPP;
G) No douto acórdão recorrido incorreu-se em erro na apreciação da matéria de facto tendo sido incorrectamente julgados os pontos de facto referenciados nos seus números 3, 4, 7, 10, 11, 19, 20, 21, 27, 33, 34, 35, 36, 39 e 41, uma vez que a prova produzida impõe decisão diversa da recorrida.
H) Efectuou pois o tribunal a “quo” uma errada interpretação e aplicação do artº 127º do CPP uma vez que ao dar como provados tais factos, não formou uma convicção assente em regras de experiência comum mas antes decidiu segundo (eventual) impressão gerada pelos diversos meios de prova;
I) Para dar como provados os factos constantes dos seus nºs 3 e 4 o tribunal recorrido formou a sua convicção assente no diário da vítima nos elementos clínicos da ofendida ao Hospital …., na carta de fls. 26 e no depoimento da testemunha MR
J) Porém, tais elementos de prova assim enunciados no douto acórdão recorrido não podem levar a formar a convicção nos termos em que o fez o tribunal, uma vez que o denominado diário da vitima não passa de um documento cuja origem e autenticidade é desconhecida e não se encontra sequer assinado traduzindo-se em declaração anónima que, nos termos do art 164º nº 2 do CPP nem sequer deveria ter sido junto aos autos e não pode portanto ser relevante para a formação da convicção do tribunal tendo sido portanto aquele disposição legal violada;
K) Além do que, todas as referências no mesmo diário contidas, revelam necessariamente uma visão parcial e emocionalmente não isenta da realidade dos factos inerente à generalidade das situações de divórcio o mesmo sucedendo com a carta de fls 26;
L) Também dos elementos clínicos da ofendida no Hospital … não resulta ter sido o arguido o autor das sequelas ali mencionadas, as quais envolveriam a prática de crimes pelo arguido pelos quais este nunca foi condenado, nem sequer julgado;
M) Por seu turno, o depoimento das testemunhas GF, NM (da sessão de 23.0609. com início de depoimento às 16:19.17 horas e terminus às 16.24:00 horas dos 00.0240. aos 00.0400.do registo áudio) JM (da sessão de 29.06.09, com início de depoimento ás 14:41:50 e teminus às 14:47:56, dos 00:01:40 aos 00:02:05, do registo áudio; e JH (da sessão de 23.06.09, com início de depoimento às 17:04:32 horas e terminus às 17:09:55 horas. dos 00:02:00, aos
00:03:20, do registo áudio) impõem que se dêem tais factos como não provados;
N) E o depoimento da testemunha MR mãe da ofendida naturalmente comprometida com a situação e irada contra o arguido, não pode merecer o mínimo de credibilidade, atento o seu carácter vago e selectivo, tendo chegado mesmo a declarar que não queria falar sobre o assunto (da sessão de 23.06.09 com inicio de depoimento às 17:12:53 horas e terminus às 17:57:44 horas, dos 00:19:40, aos 00:20:20 do registo áudio);
O) É o próprio tribunal que não confia nas suas declarações ao admitir expressamente a possibilidade de ter sido esta testemunha a transmitir ao arguido preocupação pelo estado dos filho:" apesar desta o ter negado em audiência de Julgamento;
P) Não ficou provado o facto constante do n) 7 do douto acórdão recorrido na parte em que se concluiu que os ofendidos iriam iniciar uma vida comum, juntamente com os quatro filhos da ofendida mas apenas que mantinham à data uma relação amorosa uma vez que nenhuma prova foi produzida nesse sentido, pois nem a testemunha mãe da ofendida (da sessão de 23.06.09 com início de depoimento às 17:12:53 horas e terminus às 17:57:44 horas, dos 00:39:40 aos 00:40:55 do registo áudio) nem a testemunha D (da sessão de 23.06.09, com inicio de depoimento às 18:13:53 horas e terminus às 18:25:03 horas, dos 00:07:40, aos 00:08:53 do registo áudio) revelaram possuir conhecimento dessa intenção;
O) Ocorreu erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, ao dar-se como provado que o arguido agiu revoltado com a nova vida que a ofendida tencionava levar e movido pelo ciúme constante do facto n° 10 do douto acórdão recorrido;
R) Os únicos motivos que originaram o regresso a Portugal no dia 28/10/08 resultam do facto de ter sido transmitido ao arguido (admite­-se que pela sua sogra) preocupação pelo estado dos seus filhos, deste estar preocupado com o seu bem-estar (ponte 60 dos factos provados da contestação) e de ter receado que os seus filhos fossem descurados (ponto 59, dos factos provados da contestação);
S) E não pode resultar provado da prova produzida, que o arguido ficou revoltado com a nova vida que a ofendida tencionava levar bem como também possuído pelo ciúme;
T) Impunha que se decidisse em sentido inverso ao facto nº 10 do douto acórdão recorrido, a circunstância de à data dos factos o arguido manter um relacionamento amoroso com KK a qual se encontrava grávida de gémeos cujos interesses o arguido até pretendia acautelar, tal como se reconhece no douto acórdão recorrido o depoimento da testemunha MC (da sessão de 29.06.09, com início de depoimento às 16:14:40 e terminus às 16:24:12 dos 00:01:52, aos 00:02:38. do registo áudio);
U) E ainda o facto de não ter sido feita qualquer prova de que o arguido não se sentisse realizado com esta relação que se sentisse infeliz ou que ainda amasse a sua ex-mulher e também o facto de ter já organizado a sua vida sem a sua ex-mulher e que esta não fazia parte dos seus planos, tal como resultou dos depoimentos das testemunhas MR (da sessão de 23.06.09. com início de depoimento às 17:12:53 horas e terminus às 17:57:44 horas aos 00:10:50, aos 00:11:20, do registo áudio, AD (da sessão de 29.06.09. com início de depoimento às 14:52:00 e términos ás 14:56:55, dos 00:02:20, aos 00:02:40 do registo áudio) e o JH (da sessão de 23:06:09, com inicio de depoimento às 17:04:32 horas e terminus às 17:09:55 horas. dos 00:04:08, aos 00:04:52 do registo áudio);
V) Dai que a conclusão retirada no douto acórdão recorrido, no sentido do arguido ter "naturalmente" ficado revoltado quando teve conhecimento da relação da sua ex-mulher, não pode resultar da formação da livre convicção do julgador nos termos previstos no art 127º do CPP mas antes de uma verdadeira impressão não admissível para a formação dessa convicção;
W) Os elementos de prova supra referenciados e a ausência de outros elementos probatórios que apontassem que foi o ciúme que motivou (também) o regresso do arguido a Portugal impõem que se considere não provado que ele se sentia revoltado com a nova vida que a ofendida tencionava levar e movido pelo ciúme, e provado o facto constante da al x) dos factos dados como não provados;
X) E que, consequentemente, se desse também como não provado o facto 41 dos factos provados da acusação, tanto mais que nem sequer resultou provado (al g) dos factos não provados) que o arguido se deslocou a Portugal por desejo de vingança ou com a intenção de reaver a casa de morada de família para a qual se desconhece por manifesta ausência de prova, se os ofendidos pretendiam ir viver;
Y) A, prova dos factos elencados nos nºs 10 e 41 só pode portanto ficar a dever-se a uma convicção que não assenta em quaisquer meios probatórios que constem dos autos, nem sequer resultando das regras da experiência comum, atento o quadro fáctico que ficou demonstrado;
Z) Também a dinâmica dos factos praticados pelo arguido no interior do quarto em que se encontravam os ofendidos que resulta provada no douto acórdão recorrido, (factos nºs 11 19. 20 e 21) não encontra assento na prova produzida;
AA) Não existem testemunhas de tais factos e nessa medida assumem particular relevância as declarações do arguido ainda que necessariamente conjugadas com a restante prova produzida declarações essas que confirmaram os factos por si alegados na contestação que integram as als. ag) a aw) dos factos não provados, os quais não deveriam, em bloco, ter sido julgados como não provados;
BB) Em face da matéria de facto provada, sem margem para dúvida que o arguido praticou os factos por que foi condenado, com o seu filho ao colo e portanto apenas com apenas uma mão disponível com a qual segurava na espingarda;
AC) Deu-se também como provado que com o seu filho ao colo, o arguido encostou a arma ao peito da ofendida mas acabou por disparar na face desta no momento em que o ofendido se levantou e empurrou a cómoda em direcção ao arguido que a amparou com um pé;
AD) O arguido declarou em julgamento que o disparo sobre a ofendida ocorreu precisamente neste momento, ou seja, quando a cómoda lhe foi arremessada pelo ofendido, altura em que defendendo-se desta com o pé, e por efeito reflexo, desviou o seu olhar da ofendida para o ofendido, e acabou por disparar sem querer, contra esta, sem que no momento estivesse a olhar para ela, causando-lhe de imediato a morte.
AE) Salvo melhor opinião, ante estas declarações e na ausência de quaisquer outras provas em contrário, é esta actuação assim descrita a que resulta das regras da experiência comum, o que sai até reforçado pelo facto do arguido tal como ficou provado não ter plena liberdade de movimentos;
AF) Até porque, a arma de que o arguido era portador era comprida, pesada (cfr fls 645 e 55) feita para ser manejada com as duas mãos, tal como resultou do depoimento da testemunha AR (da sessão de 29.06.09, com início de depoimento às 10:52:14 e terminus às 12:09:13, dos 00:37:00, aos 00:38:20, do registo áudio);
AG) De resto segundo a versão plasmada no douto acórdão recorrido fica por explicar porque motivo o arguido acabou por atingir a arguida na face quando tinha a arma encostada ao peito desta;
AH) Mais não ficou provado que o arguido manifestou a intenção de disparar sobre a ofendida pelo que também não é crível que o ofendido a tivesse tentado defender, tanto mais que ele próprio não se encontrava armado;
AI) Da conjugação de todas estas circunstâncias com o facto de ter ficado provada a preocupação com os seus filhos, demonstrada após a sua entrada no quarto, não pode ter-se por absolutamente seguro que o arguido tenha efectuado o disparo sobre a ofendida com dolo directo por não resultar inequívoco o objectivo de lhe retirar a vida;
AJ) No tocante aos disparos ocorridos sobre o ofendido, resulta provado que o segundo ocorreu logo após o ofendido ter largado o cano da espingarda o que não pode deixar de ser compatível com a distância estimada em que o mesmo foi disparado;
AK) E que tanto este como o 3° disparo, ocorreram quando o arguido e o ofendido se envolveram em luta sendo o arguido portador do seu filho no braço esquerdo e da espingarda na mão direita sendo certo que se a arma de que era portador conferia ao arguido superioridade em relação ao ofendido, não é menos certo que o arguido não se encontrava totalmente livre nos seus movimentos e que o acto de deter a espingarda só numa mão, lhe limitava a capacidade de fazer pontaria e facilitava o seu disparo acidental;
AL) Não foi possível determinar qual destes disparos constituiu a causa da morte do ofendido nem o momento da sua morte.
AM) Não resultaram infirmadas as declarações do arguido no sentido do disparo que atingiu o antebraço do arguido ter sido efectuado acidentalmente após este ter largado o cano da espingarda que tinha conseguido agarrar constituindo este um facto que deveria ter sido dado como provado, ao invés de ter sido integrado, tal como sucedeu nos factos não provados (al as);
AN) A distancia de cerca de 1 m a que este tiro provavelmente foi disparado, é perfeitamente compatível com as declarações proferidas pelo arguido nesta parte, bastando para o efeito que esse disparo ocorresse logo após o ofendido ter soltado o cano da espingarda para que aquela distância se mostrasse salvaguardada;
AO) No tocante ao 3° disparo, ignora-se se foi o causador da morte do ofendido, pelo que é infundada a conclusão no sentido deste se encontrar ainda com vida no momento em que ele ocorreu;
AP) Não se verifica a qualificante da al. b) do nº 2 do art 132º do C Penal em relação à ofendida uma vez que a circunstância de se tratar de um facto cometido contra o ex-cônjuge do arguido não qualifica só por si homicídio em questão havendo que em concreto, averiguar se as relações existentes, correspondem à razão de ser da agravante em relação à própria vitima.
AQ) Sobre isto, o douto acórdão é omisso, reportando-se tão só às consequências dos factos em relação a terceiros, no caso os filhos do casal;
AR) No tocante à qualificante da al e) do nº 2 do artº 132º do C Penal, não tendo ficado provado que o ciúme constitui causa explicativa dos crimes em questão nem sequer a revolta pela nova relação da ofendida a preocupação com o destino da casa de morada de família e com o destino dos filhos, ocorrida na sequência do recente processo de divórcio não se reduzem em motivos fúteis para efeitos desta disposição legal;
AS) Também no tocante à al j) do nº 2 do art 132º do C Penal esta não se verifica, atentos os factos que devem ter-se por provados nos termos da impugnação da matéria de facto supra explicitados;
AT) Ponderada a envolvente da prática dos factos pelo arguido atenta a matéria de facto que já se encontra provada e que deveria ter sido julgada provada nos termos sobreditos, não se afigura existirem razões para a qualificação dos homicídios em causa ainda que reconhece-se, existam circunstâncias susceptíveis de preencher esse tipo de ilícito simples, assim se tendo efectuado uma errada interpretação e aplicação do art 132° nºs 1 e 2 als b) e) e J) do Código Penal;
AU) Na ausência de qualificação dos crimes de homicídio em que o arguido incorreu, devem situar-se as penas de prisão aplicadas ao arguido próximo dos seus limites mínimos, mais concretamente de 10 anos por cada homicídio e 1 ano pelo crime de detenção de arma proibida, a pena única aplicada em cúmulo jurídico não deverá ser superior a 12 anos;
AV) Ainda que se julgue ter o arguido incorrido na prática de dois crimes de homicídio qualificado o que não se admite a medida da pena que lhe foi aplicada não respeita os critérios para o efeito previstos pelo artº 71° nºs 1 e 2 do Código Penal;
AW) Nos quantitativos fixados para as penas parcelares aplicadas não foram devidamente ponderadas todas as circunstâncias enumeradas no nº 2 daquele art. 71° que no caso impunha ter em consideração;
AX) As penas de prisão fixadas em concreto ao arguido afiguram-se, manifestamente exageradas atendendo à possibilidade da ocorrência de factos diversos, com motivação muito mais repugnante e ainda mais gravosos, não só em termos de culpa do agente como da existência de antecedentes criminais, intensidade do dolo, bem como até da gravidade das consequências da conduta criminosa;
AY) Não funcionando nenhuma das circunstâncias previstas no art 71º nº 2 do Código Penal contra o arguido, não se afigura correcta a determinação concreta das penas as quais se devem por isso, fixar próximo dos seus limites mínimos;
AZ) E também para além de não terem sido tomadas na devida consideração para efeitos de determinação individual das penas definidas no douto acórdão tais circunstâncias foram também ignoradas para efeitos do cúmulo jurídico efectuado, que redundou na aplicação da pena máxima prevista no nosso ordenamento jurídico;
AAA) Devendo situar-se as penas de prisão aplicadas ao arguido próximo dos seus limites mínimos, admite-se, para a hipótese colocada de homicídio qualificado, de 13 anos por cada homicídio e 1 ano pelo crime de detenção de arma proibida a pena única aplicada em cúmulo jurídico não deverá ser superior a 16 anos;
AAB) Igualmente são exagerados e desadequados da generalidade da jurisprudência nesta matéria os montantes de € 30.00000 fixados a título de danos não patrimoniais a cada filho do ofendido;
AAC) Considerando a idade do seu pai a idade dos filhos e a circunstância de nenhum deles viver com ele, por analogia com o que a lei considera justo para os casos de morte em acidentes de viação, já que o bem jurídico violado é o mesmo, a indemnização adequada não pode ser superior a € 10.000,00 para cada um dos filhos.

O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu a assistente, M. pugnando pela improcedência do recurso.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto manifestando-se pela improcedência do recurso interposto defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso interposto pelo arguido.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto uma vez que as declarações prestadas se encontram documentadas.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:
1. O arguido e a ofendida MF casaram entre si em …1993, tendo vividos juntos cerca de quinze anos, até ….2008, data em que se divorciaram.
2. Deste casamento nasceram quatro filhos: JM actualmente com onze anos de idade, as gémeas DY e AD de seis anos, e M J, de dois anos de idade.
3. A relação conjugal sempre se pautou por comportamentos violentos por parte do arguido em relação à esposa, queixando-se esta, não raras vezes, pelo menos à sua mãe, das atitudes do marido e do receio de novos episódios de agressões físicas e psicológicas.
4. Era frequente a ofendida apresentar hematomas no corpo, resultantes das agressões infligidas pelo arguido.

5. Após o divórcio, o arguido mudou-se para uma casa sita na Rua Principal, nº 89, em Oliveira de Barreiros.
6. Na noite de ----2008, o arguido viajou para Espanha, a fim de começar a trabalhar nesse país ao serviço da EPSA, tendo para tal arrendado um apartamento sito em …., Navarra.
7. No dia ….2008, o ofendido José deslocou-se para casa da ofendida MF, a fim de aí pernoitar, pois com esta tinha iniciado uma relação amorosa, sendo intenção de ambos iniciarem uma vida comum, juntamente com os quatro filhos da ofendida.
8. Por diversos contactos telefónicos com a ofendida, o arguido teve conhecimento da nova relação da sua ex-mulher, bem como da deslocação do ofendido a Moreira de….. e das intenções da sua ex-mulher e de José que implicava uma permanente vivência deste com os seus filhos.
9. Nessa altura, o arguido já mantinha um relacionamento amoroso com KK residente na Irlanda, encontrando-se aquela à data grávida de gémeos do arguido.
10. Ainda assim, revoltado com a nova vida que a ofendida tencionava levar e das implicações para os filhos, movido pelo ciúme e preocupado com o destino da casa de morada de família e com os seus filhos, o arguido logo decidiu regressar a Portugal, o que fez no dia ..… de 2008, ao volante do seu veículo de marca…, de cor azul, com a matrícula ….68.
11. Chegado a Portugal nessa noite, o arguido dirigiu-se à sua casa em Oliveira de…, onde se muniu de uma espingarda caçadeira, semi-automática, de calibre 12, de um cano, marca "Browning", modelo 2000, com o nº 621 RN30486, guardada naquela casa, bem como de vários cartuchos de calibre 12, introduzindo 3 cartuchos no carregador, e de imediato deslocou-se à residência da ofendida e dos seus filhos.
12.Chegado ao local, por volta da 1.00 hora da manhã do dia … de … de 2008, o arguido estacionou o carro defronte à entrada principal do nº 76, e empunhando a caçadeira - que carregou com mais um cartuxo na câmara, levando os restantes cartuchos nos bolsos -, dirigiu-se à porta de entrada e, indiferente à hora tardia e ao descanso dos filhos, efectuou sem hesitar um disparo em direcção à fechadura da porta de entrada, introduzindo de imediato novo cartucho na câmara da espingarda, após o que empurrou a porta, conseguindo entrar em casa.
13. Dentro da moradia, e empunhando a arma, mantendo sempre o dedo no gatilho, o arguido dirigiu-se ao quarto da ofendida.
14. Encontrando a porta do quarto trancada, o arguido bateu violentamente com a arma contra a porta perto da fechadura, furando a primeira folha de madeira, e depois efectuou um disparo em direcção ó fechadura, que atingiu, no interior do quarto, com vários chumbos o ofendido J., na zona abdominal.
15. De seguida, o arguido empurrou a porta e entrou no interior do quarto, onde encontrou a ofendida deitada com o filho, à data com 18 meses, e o seu actual companheiro.
16.Indiferente ao alarme provocado pela violência da sua chegada e pela exibição da caçadeira, sempre apontada, ordenou ao ofendido que ficasse imóvel, encostado a um canto do quarto.
17. Seguidamente, dirigiu-se à ofendida para que retirasse o braço de cima do filho, apontando-lhe a arma, o que esta fez, e retirou a criança da cama da mãe, segurando-a contra o seu peito com o seu braço esquerdo, mantendo em simultâneo a arma apontada, com o seu braço direito, sempre com o dedo no gatilho.
18. Aterrorizada, e temendo pela vida do filho, a ofendida levantou-se, cobriu-se com um lençol e dirigiu-se ao arguido, de braços esticados, pedindo-lhe o filho.
19. Então, o arguido apontou-lhe a arma, encostando-a ao peito da ofendida e, de imediato, na tentativa de defender a companheira, o ofendido J. ergueu-se e empurrou a cómoda existente no quarto na direcção do arguido, que a amparou com um pé.
20. Nessa altura, inesperadamente, o arguido, a curta distância da ofendida, disparou um tiro, atingindo-a na face, fazendo-a cair de imediato.
21. Acto seguido, e sempre com o filho ao colo, o arguido apontou a espingarda E m direcção do ofendido J, que conseguiu agarrar no cano da espingarda, puxando-a e tentando retirá-la ao arguido.
22. A determinada altura, o arguido conseguiu que o ofendido largasse o cano da espingarda, e disparou um tiro, atingindo-o no braço esquerdo, tendo-se de seguida desequilibrado.
23. Seguidamente, e sem qualquer constrangimento, o arguido disparou mais um tiro a curta distância do ofendido, atingindo-o na zona cervical, deixando-o prostrado no chão.

24. Seguidamente, dirigiu-se ao exterior da casa e disparou os restantes cartuchos que ainda tinha e, após, regressou ao interior, cobriu com um cobertor o corpo de J e colocou a arma em cima do mesmo.
25. Dirigiu-se de seguida ao quarto onde se encontravam os restantes 3 filhos e, indiferente ao seu estado de pânico - em consequência do barulho dos diversos disparos e vozes da mãe ainda em vida -, ordenou-lhes que se vestissem para irem para casa da avó materna.
26. Após tudo isto, o arguido abandonou a residência, acompanhado pelos quatro filhos, levando-os no seu veículo para a casa da avó materna, sita na Rua …. em M..
27. indiferente ao estado de pânico e permanente choro das crianças, o arguido deixou-as entregues à avó e encaminhou-se, a pé, em direcção a …. tendo entretanto sido interceptado nesse percurso por uma patrulha da GNR, que havia sido chamada ao local.

28. Com o disparo que efectuou sobre a ofendida MF o arguido provocou-lhe múltiplas lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e da face, designadamente: solução de continuidade na região infra-orbitária esquerda, estrelada, medindo no total 6 cms. de eixo maior e 2,5 cms. de eixo menor, apresentando área central de formato arredondado, com bordos irregulares, invertidos e com contusão, medindo 2,5 cms. de diâmetro (orifício de entrada de projéctil de arma de fogo tipo cano longo), através do qual se visualizavam a cavidade bucal e o pavimento orbitário esquerdo; solução de continuidade ao longo da inserção do pavilhão auricular direito (região pré-auricular), orientada longitudinalmente, medindo 2,5 cms. de comprimento e 1,5 cms. de afastamento máximo dos bordos; mobilidade anormal e deformação ao nível de todos os ossos do crânio e face - fractura linear, com afundamento, estendendo-se da metade direita do osso frontal através da escama do osso temporal homolateral, até à metade direita do osso occipital; fractura linear com afundamento em "Y" de abertura direita do osso parietal esquerdo, estendendo-se à escama do osso temporal homolateral, onde termina; fractura multiesquirolosa de todos os ossos da base, com destruição completa do corpo do osso esfenóide, onde se encontrava uma bucha plástica da arma caçadeira; presença na massa encefálica, nomeadamente nos lobos temporal e occipital direitos, de múltiplos grãos de chumbo; múltiplas lacerações das meninges; extensa laceração dos lobos temporais, pedúnculos cerebrais, 3º ventrículo e pavimento dos ventrículos laterais, estendendo-se ao lobo occipital direito, visualizando-se esquírolas ósseas e múltiplos grãos de chumbo na massa encefálica, em maior número ao nível dos lobos temporal e occipital direitos; amolecimento acentuado do cerebelo e tronco vertebral; fractura multiesquerolosa de todos os ossos da face e da coroa do dente 25 (cf. relatório de autópsia de fls. 572 e segs.), as quais se dão aqui como integralmente reproduzidas, que foram causa directa e necessária da respectiva morte.
29. A M F apresentava ainda equimoses nos membros inferiores.
30. Com os disparos que efectuou sobre o ofendido J. o arguido provocou-lhe as seguintes lesões traumáticas: no pescoço, solução de continuidade de formato arredondado no terço médio da região cervical posterior (metade esquerda), com bordos invertidos e enegrecidos nos quadrantes superior, lateral esquerda e inferior, medindo 2,5 cms. de diâmetro (orifício de entrada de projéctil de arma de fogo); solução de continuidade de formato irregular, interessando as regiões cervicais anterior e lateral esquerda, medindo 11.5 cms. de eixo maior por 8 cms. de eixo menor (orifício de saída de projéctil de arma de fogo), com visualização de músculos, vasos sanguíneos e nervos cervicais lacerados; presença de bucha plástica de arma caçadeira e vários grãos de chumbo nessa região; laceração da veia jugular interna esquerda e da bainha carotídea esquerda, com extensa infiltração sanguínea subjacente; fissuras transversais da íntima da artéria carótida comum esquerda, imediatamente abaixo da sua bifurcação, e fissuras longitudinais ao nível do seu terço inferior; laceração do bordo lateral do músculo esternocleidomastoideu esquerdo, com extensa infiltração sanguínea adjacente; laceração do músculo escaleno posterior e extensa infiltração sanguínea dos músculos escalenos anterior e médio. Membro superior esquerdo: solução de continuidade irregular nos terços médio e inferior da região braquial anterior esquerda, com orla equimótica arroxeada nas suas vertentes proximal e lateral e orla escoriada, nos quadrantes distal e medial direitos, medindo 17 cms. de eixo maior por 10 cms. de eixo menor; visualização, através da solução de continuidade descrita, do úmero (íntegro), de extensa laceração do músculo bicipital, bem como de estruturas tendinosas e vásculo-nervosas; presença de um grão de chumbo no plano subcutâneo da solução de continuidade no quadrante supero-meclial direito; 4 escoriações lineares, paralelas entre si, oblíquas ínfero-lateralmente, nos terços proximal e médio da região braquial posterior esquerda, ocupando uma área com 15 cms, de eixo maior por 3,5 cms, de eixo menor; secção completa do nervo mediano e da artéria braquial do braço esquerdo. Estas lesões traumáticas cervicais e braquiais esquerdas (cf. relatório de autópsia de fls. 587 e segs., que se dá aqui como integralmente reproduzido), foram causa directa da morte de José de Jesus.
31. O ofendido apresentava ainda, na zona do abdómen, as seguintes lesões: equimose arroxeada na região dorsal (metade esquerda) medindo 4 cms. de eixo maior por 3 cms. de eixo menor; presença de escoriação na mesma região, medindo 1,S cms. de eixo maior por 1 cm. de eixo menor; área escoriada, dura, seca, deprimida e enegrecida, interessando o hipocôndrio esquerdo e flanco esquerdo do abdómen, medindo 20 cms. de eixo maior por 18 cms. de eixo menor; presença de múltiplas soluções de continuidade dispersas, de formato elíptico, medindo cada uma cerca de 5 mms. de eixo maior por 3 mm. de eixo menor, localizadas imediatamente acima e à direita da área anteriormente descrita ­orifícios de entrada de grãos de chumbo; tais grãos de chumbo, localizados no plano subcutâneo, apresentavam um trajecto da esquerda para a direita, de trás para a frente, sendo horizontal nos de localização superior e sensivelmente de cima para baixo nos de localização inferior; infiltração sanguínea do tecido celular subcutâneo e da aponevrose do músculo oblíquo externo esquerdo, nas áreas correspondentes às soluções de continuidade descritas.
32. Em consequência da acção violenta do arguido, ao longo do percurso por si percorrido, desde a entrada na habitação até ao quarto da ofendida, e no interior deste, foram encontrados vários cartuchos deflagrados, buchas de plástico, chumbos e esquírolas de madeira.

33. Os factos foram praticados no quarto ao lado do das três crianças, tendo aquelas vivenciado os sons violentos dos diversos disparos e conversas mantidas entre o arguido e as vítimas, sendo uma delas a sua mãe.
34. Os menores tiveram sempre plena consciência de que o intruso era o pai, e que abatera a mãe e actual companheiro, na presença do seu irmão de 18 meses.
35. Ao agir da forma descrita, o arguido sabia que atingia os corpos dos ofendidos em zonas vitais para a vida humana.
36. Sabia igualmente o arguido que, ao disparar aquela arma - que conhecia - àquelas curtas distâncias, em direcção às zonas corporais descritas, como desejou e fez, tiraria a vida a F. e a J., o que também quis e conseguiu.
37. Nas circunstâncias supra descritas, o arguido disparou subitamente e de surpresa sobre as vítimas, que não puderam defender-se.
38. No momento dos disparos, os ofendidos não se encontravam munidos de qualquer tipo de arma, de fogo ou outra, nem tão-pouco de qualquer outro instrumento que pudesse servir como meio de agressão nem de defesa, do que tinha perfeito conhecimento o arguido.
39. Para atingir o seu objectivo, que conseguiu, o arguido surpreendeu as vítimas, ao introduzir-se na residência à hora e modo como o fez, indiferente à presença dos quatro filhos menores, e sempre alheio ao desespero e à agonia das vítimas.
40. Ao longo das suas acções, o arguido manteve o filho de 18 meses ao colo, enquanto disparava os diversos tiros sobre as vítimas, e sabia da presença dos três filhos menores, de seis e dez anos de idade, num quarto próximo.
41. O arguido quis e conseguiu tirar a vida a MF e a J. pelo facto daquela ir iniciar nova vida este ir viver com a sua ex-mulher e com os seus filhos.
42. O arguido não é portador de licença de uso e porte de arma.
43. Quis, não obstante, trazer consigo e usar, nas condições atrás descritas, a aludida arma, para o que sabia não estar legalmente habilitado.
44. Agiu o arguido de forma livre e voluntária, ciente de ser a sua descrita conduta proibida e punida por lei.

Mais se provou:

45. Do certificado do registo criminal do arguido junto a fls. 655 a 660, consta o seguinte:
- em /…1995 foi julgado e condenado nos autos de Processo Comum Singular nº …/93 do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, por um crime de ofensas corporais simples e de dano, tendo o primeiro sido extinto por amnistia e no segundo na pena de 30 dias de multa à taxa diária de 500$00, ou em alternativa 20 dias de prisão, que seria perdoada nos termos do artº 8º, nº 1, aI. c) e 3, da Lei 15/94, tendo em 18/09/97 sido definitivamente declarada extinta;
- em---/…98, foi condenado na Alemanha;
- em …/10/2001 foi julgado e condenado nos autos de Processo Comum Singular nº …2001 do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, por um crime de desobediência simples e condução perigosa, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 700$00, no montante global de 105.000$00 ou em alternativa 100 dias de prisão subsidiária, tendo em 19/03/2004 sido declarada extinta;
- em …2004 foi julgado e condenado nos autos de Processo Sumário nº …/03.4TBNLS do Tribunal Judicial de Nelas, por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 115 dias de multa, à taxa diária de C 5,50, no montante global de € 632,50 e ainda na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de doze meses, declarada extinta em 30/03/2005;
- em---/2007 foi julgado e condenado nos autos de Processo Comum Singular nº …/05.9GANLS do Tribunal Judicial de Nelas, por um crime de ofensa à integridade física, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa à taxa diária de C 5,00, no montante global de € 600,00, tendo em 20/11/2007 sido declarada extinta.
46. O arguido tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade, e desde pequeno que trabalha, inicialmente na agricultura.
47. Entre Outubro de 2002 e 6 de Novembro de 2008 trabalhou como operador de máquinas, e depois como encarregado, para a "EPSA lnternacional, SA", com sede em Madrid, Espanha, tendo ao serviço desta empresa trabalhado pelo menos em Portugal (Chaves), Irlanda e Espanha.
48. Nesta empresa, sempre foi cumpridor e disponível, merecendo a confiança da entidade patronal.
49. O arguido não tem pais vivos, e tem duas irmãs, uma residente em ….outra emigrada na Alemanha.
50. No estabelecimento prisional, recebe visitas da sua irmã e de amigos.
51. É considerado por quem o conhece pessoa trabalhadora, respeitadora e um bom pai.

- Da contestação:

52. O arguido sempre foi trabalhador e competente na sua actividade profissional.
53. O seu salário mensal sempre constituiu a única fonte de rendimentos do seu agregado familiar.
54. Com o fruto do seu trabalho foi possível construir a casa do casal, comprar automóveis, sustentar os seus filhos, a quem nunca faltou nada, e fazer face a todas as despesas inerentes ao agregado familiar.
55. O arguido passava longos períodos fora de casa, em trabalho.
56. A alimentação e vestuário designadamente dos filhos sempre constituíram urna preocupação constante e central do arguido.
57. Os últimos anos da vida conjugal do arguido e da sua ex-mulher pautaram-se por discussões, desavenças e desentendimentos mútuos, que culminaram na sua separação e subsequente divórcio.
58. Um dos aspectos centrais de discórdia nos últimos tempos de casamento foi o destino e subsequente partilha da casa de morada de família.
59. Ao tomar conhecimento que o actual companheiro da ex-mulher J, se encontrava em M… e iria dormir na casa por partilhar, o arguido receou que os seus filhos fossem descurados.
60. Tal preocupação, além do mais, motivou a deslocação do arguido a Portugal no dia 29…..2008.
61.Após a sua viagem de Espanha para Portugal, a 29/….2008, o arguido deslocou-se à sua casa em Oliveira de….., onde permaneceu algum tempo.
62. O arguido desconhecia se o companheiro da sua ex-mulher se encontrava armado.
63. O arguido disparou em direcção à porta da entrada da casa onde se encontravam os seus filhos, a ex-mulher e o companheiro desta com o único objectivo de a abrir e entrar no interior da casa, o que conseguiu.
64. A porta do quarto onde se encontrava a sua ex-mulher, o companheiro e o filho mais novo do casal encontrava-se fechada à chave, e o arguido tentou arrombá-la com o cano da espingarda, furando a primeira folha de madeira.
65. Apesar de ter disparado contra a porta, o arguido só conseguiu abri-la com um empurrão subsequente.
66. Ao entrar no quarto, viu que o companheiro da sua ex-mulher se encontrava levantado, de pé, e ordenou-lhe que estivesse quieto, ao que o ofendido anuiu.
67. Após o disparo que a atingiu, a ofendida não esboçou qualquer reacção, e caiu ao chão.
68. Já com a ofendida caída, o arguido e o ofendido José de Jesus envolveram-se junto à porta do quarto, tendo o disparo que atingiu o ofendido na zona do pescoço ocorrido quando arguido e vítima se encontravam à saída para o corredor da casa.
69. Depois de deixar os filhos com a sogra, o arguido deslocava-se a pé em direcção à GNR, cuja patrulha ele próprio interceptou no caminho, informando-a do sucedido.

- Do Pedido Cível:

70.A assistente M era filha do falecido J que era também pai do requerente R, menor, representado por A. que tinha sido casada com o falecido.
71. O J. dedicava parte da sua vida e dos seus proventos aos seus filhos, de quem era extremamente amigo e devotado (verificando-se igualmente o reverso).
72. O falecido J. sempre foi um pai exemplar, e os requerentes queriam-lhe muito, sofreram e sofrem profundamente o seu trágico desaparecimento, estando abalados física e psicologicamente, vivendo inconsoláveis pela perda sofrida e relembrando o pai com lágrimas de saudade.
73. O falecido era novo (48 anos de idade), e era de supor que vivesse ainda muitos anos, ajudando e acompanhando os filhos.
74. Em consequência directa da conduta do arguido, o J viveu momentos de terror, desde o momento em que o arguido entrou de forma abrupta, violenta e humanamente incompreensível na casa que foi morada do arguido e da finada MF, até ao momento em que foi atingido pelos tiros e viu perpassar diante de si o horror da morte da companheira, sofrendo física e psiquicamente com o seu próprio destino que se avizinhava, até falecer.
75. O J. era uma pessoa saudável, e não era portador de qualquer doença crónica ou outra.
76. O menor R, como qualquer adolescente, necessita e vai necessitar do acompanhamento do pai, o que lhe foi negado por via da conduta do arguido - pois ao salutar desenvolvimento do menor era, é e será essencial aquela presença paternal, o convívio, os conselhos, a ajuda, o carinho, a atenção, factores essenciais ao livre e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade.
77. O menor R, de 15 anos de idade, atravessa, como qualquer jovem da sua idade, todas as "crises", irreverências, dúvidas e confusões próprias da adolescência, e a presença do pai, da qual foi privado de forma trágica, era e é fundamental ao bem-estar daquele por forma a obter consequências positivas no seu normal e sadio desenvolvimento.
78.A assistente M tem 23 anos de idade, e também vive saudosa e triste com o desaparecimento do seu pai, pois apesar da maioridade e do divórcio dos pais, mantinha uma relação de afectividade e proximidade com o falecido.
79.Ao longo da sua vida, a assistente pedia e procurava obter conselho e opinião do seu pai, ajudas essas das quais foi privada em consequência directa e necessária da conduta do arguido.
80. O falecido J. foi um homem feliz, calmo, de bom trato, trabalhador, honesto, bem disposto e com alegria de viver, estimado, considerado e querido por todos quantos o conheciam.
81. O menor residia com a sua mãe, A.

Factos não provados

a) Os comportamentos violentos por parte do arguido em relação à esposa tinham lugar muitas vezes na presença dos filhos;
b) MF queixava-se ao pai e a amigos das atitudes do arguido, e manifestava receio de novas agressões físicas e psicológicas;
c) Em certa ocasião, o arguido, munido de uma tesoura, desferiu um golpe no corpo da esposa, provocando-lhe ferimentos graves.
d) O arguido começaria a trabalhar em Espanha na quarta-feira, dia de Outubro de 2008;
e) No dia /…2009, o ofendido J. mudou-se para casa da ofendida MF a fim de aí passar a viver com esta e os 4 filhos;
f) O arguido teve conhecimento da mudança de residência do ofendido;
g) O arguido deslocou-se a Portugal movido pelo desejo de vingança, sendo sua intenção reaver a casa de morada de família;
h) Quando chegou à residência da ofendida, o arguido introduziu um cartucho no carregador da espingarda;
i) Após entrar na residência, o arguido dirigiu-se de imediato ao quarto da ofendida;
j) O arguido, depois de entrar no quarto, ordenou ao ofendido que se levantassem e vestisse umas calças;
k) O arguido aponte uma arma ao peito da ofendida sem que nada o fizesse prever;
l) O arguido disparou o tiro que atingiu o ofendido no braço no momento em que o cano da espingarda se encontrava encostado ao braço do ofendido;
m) Após atingir o ofendido no braço esquerdo, o arguido disparou mais dois tiros a curta distância do ofendido, atingindo-o na zona abdominal;
n) O arguido entregou o filho que trazia ao colo ao José M.
o) Depois de deixar os filhos em casa da avó materna, o arguido dirigiu-se novamente à residência da ofendida, tendo sido interceptado pela GNR no caminho para esta residência;
p) A patrulha da GNR foi chamada ao local por vizinhos;

q) O casal não tinha ajudas económicas fosse de quem fosse.
r) O arguido nunca proibiu a sua ex-mulher de trabalhar, a qual sempre teve plena liberdade de movimentos, designadamente na gestão da economia doméstica.
s) O arguido nunca agrediu a sua mulher com uma tesoura.
t) Nos últimos anos de casamentos, houve discussões e insultos de ambas as partes, em situações que se foram repetindo, e que geraram infelicidade e desespero também no arguido, mas sem os constantes e repetidos comportamentos violentos referidos na acusação.
u) Foi acordado entre arguido e sua ex-mulher transferir o direito de propriedade da casa de morada de família para os seus filhos, tendo esta sido uma condição essencial para a obtenção de acordo no divórcio, o que era do conhecimento da MF
v) Os ofendidos nunca informaram o arguido de que iriam viver para a casa que tinha constituído a morada de família.
w) O propósito, concretizado, dos ofendidos passarem a residir naquela casa foi muito mal aceite pela própria sogra do arguido, que lhe transmitiu, em tom depreciativo, que a filha tinha arranjado um homem que era um cigano, e que receava pela forma como iriam ser tratados os filhos.
x) Foram os filhos a única preocupação que motivou o arguido a deslocar-se a Portugal no dia 29.10.2003, não sentindo o arguido ciúme ou desejo de vingança.
y) A gravidez da companheira irlandesa do arguido foi programada.
z) A dívida bancária contraída pelo casal para a construção da sua casa foi saldada em grande parte com dinheiro que pertencia à nova companheira do arguido, o que só tinha sucedido no pressuposto de que aquela casa ficaria a pertencer aos filhos do casal, o que era com conhecimento da ofendida mulher.
aa) O destino traçado pelo arguido no dia -….2008 era a sua casa de Oliveira de…. onde colocou a sua bagagem e objectos pessoais quando chegou, com o objectivo de nela pernoitar e de só no dia seguinte ir falar com a sua ex-mulher.
ab) A sua preocupação com os filhos foi superior a si, pelo que decidiu ir buscá-los, tendo-se munido da arma de fogo identificada nos autos com o intuito de assegurar que esse seu propósito seria concretizado.
ac) O arguido desconhecia o temperamento do companheiro da sua ex-mulher, ou mesmo se ele estaria na disposição de oferecer resistência àquele seu propósito.
ad) Chegado à casa onde se encontravam os seus filhos e presumivelmente a sua ex-mulher e companheiro, o arguido bateu à porta por duas vezes, mas não obteve qualquer resposta.
ae) Após entrar na casa, o arguido dirigiu-se ao quarto dos seus filhos, informando-os de que estava ali para os ir buscar.
af) Notando que faltava o seu filho mais novo, foi-lhe dito pelo seu filho Micael que se encontrava a dormir no outro quarto.
ag) Por isso, o arguido dirigiu-se ao quarto onde sabia estar aquele seu filho e bateu à porta, não obtendo qualquer resposta.
ah) Em resultado de ter furado a primeira folha da porta do quarto, o cano da arma ficou preso na porta, e foi ao tentar desprendê-lo da porta que o arguido puxou a arma em direcção a si próprio, pressionando inadvertidamente o gatilho, assim efectuando o disparo em direcção à porta.
ai) Quando o arguido entrou no quarto, o J. estava de pé entre a cabeceira da cama e uma cómoda do quarto.
aj) O arguido disse ao ofendido que só ali estava para ir buscar o seu filho, que ninguém o impediria de fazer isso, e que estivessem descansados, que não tinha ido ali para desgraçar a vida dele.
ak) O arguido encostou o seu filho ao seu pescoço sem que aquele acordasse.
ai) Com o filho ao colo, o arguido começou a dirigir-se para a porta do quarto com o objectivo de sair da casa em conjunto com os restantes filhos que se encontravam no outro quarto.
am) O arguido impediu a ofendida de lhe retirar o filho afastando-a com o cano da espingarda, mas a ofendida agarrou o cano da espingarda, direccionando-o para o seu lado esquerdo, colocando-se aparentemente fora do alcance do seu disparo.
an) Foi nesse preciso momento que o ofendido empurrou a cómoda em direcção ao arguido, desviando por breves instantes a sua atenção em relação à ofendida.
ao) Como reacção a tal atitude e por efeito reflexo à mesma, o arguido desviou o seu olhar para o ofendido e procurou desviar-se da cómoda.
ap) Em consequência deste seu movimento, o arguido, com os olhos postos no ofendido, acabou por efectuar o disparo fatal para a ofendida.
aq) Perante o quadro de horror, o arguido entrou em pânico, sem acreditar no cenário que tinha à sua frente, e exclamou: "Ai que já matei a mãe dos meus filhos'.
ar) O ofendido não tinha desistido de enfrentar o arguido, razão pela qual agarrou o cano da espingarda, colocando-a debaixo do seu braço esquerdo, e tentando-a segurar dessa forma.
as) O arguido, com o objectivo de libertar a espingarda de que era portador, puxou-a em direcção a si para a libertar, em consequência do que efectuou o primeiro disparo que atingiu o ofendido no braço.
at) O arguido continuou a dirigir-se para o corredor, mas o ofendido continuou a agarrar o cano da espingarda.
au) Foi então que, ao continuar a tentar desembaraçar-se do ofendido, o arguido efectuou vários movimentos com a espingarda, ao mesmo tempo que procurava sair do quarto.
av) Em resultado de um desses movimentos, o arguido, quando já se encontrava no corredor, ao recuar, desequilibrou-se e acabou por bater na parede com o braço com que segurava a arma, assim efectuando o segundo e último disparo que atingiu o ofendido.
aw) Não fora a atitude da vítima, o arguido nunca teria efectuado qualquer disparo, pois esse não era o seu objectivo, jamais lhe passou pela cabeça de forma séria e consciente por termo à vida dos ofendidos, designadamente da ofendida, tornando os seus filhos órfãos.
ax) Perante o cenário, o arguido colocou o seu filho mais novo junto dos outros filhos.
ay) O arguido efectuou vários disparos na rua em pânico, ao mesmo tempo que berrava, chamando por socorro, ainda na esperança ténue de que fosse possível salvar a vida das vitimas, mas não obteve qualquer reacção.
az) Os filhos do arguido não viram o resultado da cena descrita.
ba) Quando levou os filhos a casa da sogra, o arguido logo a informou do que tinha sucedido, dizendo-lhe para chamar a GNR.
bb) O falecido J. dedicava a sua vida e os seus proventos exclusivamente aos filhos.
bc) O falecido era um homem sem vícios, excessos de fumo ou bebidas, fazendo uma vida saudável.
bd) A imensa dificuldade dos requerentes em tentar suportar a sua dor está a abreviar as suas vidas.
be) O menor R. recebia do seu pai, a título de alimentos, a quantia mensal de C 300,00, que acordara com a mãe do menor, e que lhe remetia sempre atempadamente, quantia esta que em muito ajudava a mãe do menor, à sua educação e sustento, tendo ficado privado deste montante mensal em virtude da conduta do arguido.
bf) O grau de proximidade afectiva existente entre o falecido J. e os requerentes seus filhos era muito inferior ao comum, mantendo a requerente M. uma relação distante com o pai, que lhe telefonava esporadicamente, ignorando até a morada e profissão do mesmo.
*
Convicção do Tribunal

Os factos dados como provados assentam na ponderação e conjugação crítica dos seguintes meios de prova:
Relativamente à relação tumultuosa do casal constituído pelo arguido e pela MF, em que se verificavam agressões físicas e psíquicas por parte do arguido, sendo muitas vezes a falecida portadora de marcas físicas das agressões de que era vítima, são suficientemente esclarecedores os documentos constantes dos apensos II (cópia do diário da vítima, que plasma de forma quase chocante a sua vivência com o arguido ao longo dos anos, as sucessivas relações extra-conjugais que este mantinha, e os ciúmes relativamente à mulher, que chegaram a impedi-la de trabalhar) e III (elementos clínicos da MF do Hospital .., onde constam várias deslocações da vítima ao Serviço de urgência em consequência das agressões perpetradas pelo seu então marido, aqui arguido), bem como a carta da vítima MF para o arguido de fls. 26. Estas agressões foram ainda confirmadas pela sogra do arguido, MR, que relatou o casamento da filha come uma sucessão de maus-tratos. Do processo clínico da falecida extrai-se claramente ter esta vivido anos sujeita a tratamentos anti-depressivos, imputando ao corpo clínico que a acompanhava o tratamento que lhe era infringido pelo marido como causa directa desse seu estado. Como é normal e corresponde à experiência comum nestes casos, os factos ocorrem no seio familiar, não sendo ia conhecimento geral das pessoas que conviviam com o casal (não sendo assim relevantes os diversos depoimentos de testemunhas arroladas pelo arguido que declararam nunca terem assistido a discussões ou agressões entre os membros do casal, nem lhes ter sido relatado pela MF tais ocorrências).
Porém, o casamento acabou por ser dissolvido por divórcio decretado a 16.10.2008 (fls. 33 e 34 dos autos), 15 dias antes dos factos aqui em causa, e resulta de alguns elementos dos autos que se terá devido à gravidez da companheira irlandesa do arguido - cf., a fls. 133 e 134 do apenso II, as mensagens escritas (SMS) remetidas pela falecida ao arguido a 20. e 21.10.2008, e a carta do arguido que consta de fls. 35 dos autos.
Dessa carta, das mensagens (SMS) da MF para o arguido a fls. 133 e 134 do Apenso II, datadas de 20.10.2008 e 21.10.2008, resulta clara a divergência entre esta e o arguido quanto ao destino da propriedade da casa de morada da família, onde vieram a ocorrer os factos criminosos: a falecida queria que o património do casal ficasse, em partilha, para os 4 filhos do casal, enquanto o arguido pretendia juntar a estes os filhos da companheira irlandesa (gémeos) que iriam nascer previsivelmente em Março de 2009 (note-se que o arguido declarou, em julgamento, que na sequência da sua prisão KK abortou em Dezembro de 2008).
Face ao carácter ciumento e zeloso dos seus bens manifestado pelo arguido ao longo dos anos, bem patente no referido diário da vítima, naturalmente que o arguido terá ficado revoltado quando teve conhecimento da relação da sua já ex-mulher e do falecido J., que, para além de ir pernoitar à casa do dissolvido casal, iria iniciar uma vida em conjunto (ignora-se onde, uma vez que o J. só naquela noite pernoitava naquela casa, conforme resulta das mensagens escritas trocadas com a falecida - fls. 18, 19 e 63 do Apenso I), quer com a ex-mulher quer com os seus filhos.
Não se duvida que alguém terá transmitido ao arguido preocupação pelo estado dos filhos (admitindo-se inclusive que, conforme declarou o arguido, possa ter sido a mãe da falecida MF a autora do telefonema em questão, existindo vários registos de chamadas telefónicas entre esta e o arguido - fls. 121 do Apenso I -, entre o arguido e J - fls. 35 e 48 do mesmo apenso -, e várias entre a M F e o arguido - fls. 125 e 129, entre outras). Só se justifica a vinda do arguido dois dias depois de se encontrar em Espanha para iniciar um novo trabalho para a sua entidade patronal em virtude de algo que lhe tenha sido transmitido nesse período. Uma dessas coisas, já sabemos, terá sido a vinda do J para M.; mas é certo que o arguido estava preocupado com o bem-estar dos filhos, conforme resulta do depoimento da testemunha MC, que trabalha num café da localidade, a quem o arguido ligou por volta das 18,30 horas do dia 20.10.2008 (havia saído de Espanha às 16,44 hrs. - fls. 36) pedindo-lhe que não deixasse faltar alimentos aos filhos, e que suportaria as despesas que fizesse com os filhos, incluindo telefone. O número de telefone desta testemunha foi obtido pelo arguido na véspera, dia 28.10.2008 (fls. 135 do Apenso I).
Por isso se deu como provado que, para além do mais, o arguido estava preocupado com os filhos. Mas só isso não justifica os actos que praticou na madrugada do dia seguinte, após ter chegado a Portugal. Aliás, sendo certo que se ignora o teor das conversas mantidas entre o arguido e ambas as vítimas nos dois dias que o arguido permaneceu em Espanha, bem como as que este manteve com a sogra - porquanto não são minimamente credíveis, também nesta parte, as declarações do arguido, desde logo porque se a sua preocupação fosse o facto de o novo casal constituído pelas vítimas levar os filhos do arguido para Chaves não se compreenderia o telefonema efectuado à testemunha C., que prestou um depoimento totalmente isento, merecedor de credibilidade -, o arguido aguardava a qualquer momento uma decisão das vítimas sobre assunto que ignoramos (poderia ser a casa do dissolvido casal, a vida futura das vítimas com os filhos do arguido, ou outra), bem patente no SMS que consta de fls. 148 (telefone do arguido, remetente) e 19 (telefone da MF, destinatária), à hora a que o arguido terá saído de Espanha, 16,22 hrs., do seguinte teor: "Se for possível agradecia uma resposta hoje da vossa decisão por favor, Não consta dos autos que o arguido tenha recebido resposta a esta mensagem, pelo que apenas poderemos especular sobre o assunto a que se reportava. Porém, verificando-se exaustivamente as datas e horas dos telefonemas efectuados e teor das SMS's trocadas, constantes do referido Apenso I, conjugadas com os demais documentos (diário e cartas) já referidos.

Quanto à autoria dos factos, foi sempre assumida pelo arguido, que em julgamento confirmou, de forma minuciosa, a versão dos factos que já havia apresentado, constante da reconstituição melhor ilustrada a fls. 393 a 406 dos autos (cujo auto consta de fls. 219 e ss., obedecendo a reconstituição às formalidades legais prescritas para a validade deste meio de prova). De qualquer modo, através do exame pericial de fls. 643 a 654 foi confirmado que todos os cartuchos deflagrados na residência da falecida MF naquela noite, e que vitimaram os falecidos, provieram da arma apreendida nos autos, que o arguido; e a presença de sangue das vítimas no vestuário e calçado do arguido (exame pericial de fls. 528 a 531) não deixam margem de dúvidas quanto à presença do arguido no local e hora em que ocorreram os factos em causa nos autos, e sua intervenção nos disparos que causaram a morte das duas vítimas.
Acresce que, conforme se extrai de fls. 469 a 471, o arguido detinha a arma caçadeira utilizado na prática dos crimes dos autos na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por morte do seu pai, encontrando-se a mesma ainda registada em nome deste.
Relativamente à dinâmica dos factos, apenas nos pudemos socorrer das declarações do arguido (única testemunha sobreviva, sendo que quanto aos filhos menores ficou já consignado nos autos quer a quase certa probabilidade de nada terem visto - apenas ouviram -, quer o enorme inconveniente da sua audição sobre os factos para o seu são desenvolvimento, valor que, atento o objecto dos autos, entendemos ser mais elevado), conjugando-as com os elementos objectivos recolhidos na investigação - nomeadamente a reportagem fotográfica efectuada pela Polícia Judiciária na noite em que ocorreram os factos, constante de fls. 43 a 57 e 113 a 158, o relatório de diligência externa (autópsias) de fls. 159 a 168, os relatórios de autópsia de fls. 572 a 585 e 587 a 598 dos autos. Relativamente à prova testemunhal produzida, interessou o depoimento dos agentes da GNR que estavam nessa noite de patrulha e se deslocaram ao local (tendo sido interceptados pelo arguido no caminho, conforme declararam e ficou a constar dos factos provados), JM e JP , que foram os primeiros a chegar ao local e a comunicar à Polícia Judiciária, confirmando ter preservado o local até à chegada da Brigada de Homicídios da PJ - donde se extrai que a reportagem fotográfica executada pela PJ ilustra o local onde foram praticados os crimes da exacta forma como foi deixado pelo arguido. A Inspectora da PJ SR confirmou nada ter sido tocado até serem tiradas as fotografias, que estão devidamente legendadas, e explicou o que cada uma representa.
Através dos relatórios de autópsia, sabemos que tiros de caçadeira atingiram as vítimas: a MF faleceu em consequência de um único disparo efectuado contra a sua cara (por baixo do olho esquerdo), que lhe desfez completamente os ossos e massa craniana, conforme descrito nos factos provados; o J.sofreu 3 disparos:
- um na zona abdominal, que não pode ter sido disparado directamente contra si, uma vez que os chumbos do cartucho disparado vinham já, quando o atingiram, sem "força" _ apenas causaram danos ao nível dérmico, não tendo atingido qualquer órgão interno do abdómen; por esta razão, é certo que estas lesões abdominais, melhor relatadas nos factos provados, não foram a causa da morte, e resultarão do disparo efectuado pelo arguido contra a porta do quarto ­tendo, pois, sido o primeiro a atingir o J.. Daqui resulta que esta vítima não poderia estar no local onde o arguido afirma que se encontrava quando logrou abrir a porta do quarto: por um lado, resulta da experiência comum que, ao ser atingido, o J. se terá curvado para a frente, e, uma vez que este disparo contra a porta atingiu a janela situada do lado oposto, à direita, a vítima teria de estar no caminho, e não teve tempo de se deslocar para o local onde o arguido afirma que estava (tendo o facto sido dado como não provado) - veja-se o croquis de fls. 43, e a presença de esquírolas de madeira, que só podem provir da porta do quarto, na cortina da janela do quarto (fls. 155);
- existe um 2º disparo, que atingiu o antebraço do J., provocando-lhe um esfacelo dos músculos e tendões do braço muito considerável;
- e um 3º disparo, na nuca, do lado esquerdo, do J. que lhe terá provocado a morte (o 2º disparo, conforme resulta do relatório de autópsia, poderia ser suficiente para lhe provocar a morte, num curto espaço de tempo, pois atingiu a artéria braquial; porém, o facto de ter sido efectuado um 3º disparo indicia que ainda se encontrava vivo, donde extraímos que esse último foi o que causou de forma imediata a morte do J.).
Conforme já tinha relatado na reconstituição de factos efectuada em fase de inquérito, o arguido defende-se afirmando que quer o disparo contra a porta do quarto, quer os 3 posteriores que atingiram as vítimas foram disparados acidentalmente. Mais afirma que teve sempre o filho de 18 meses de idade consigo, segurando-o com o braço esquerdo - o que significa que apenas dispunha da mão e braço direito para segurar, empunhar e disparar a arma.
Desde logo, extraiu este tribunal colectivo não ser minimamente credível esta versão e descrição dos factos relatada pelo arguido: o comprimento da arma caçadeira, o seu peso, aliado ao peso de uma criança de 18 meses de idade, a distância a que foram disparados os tiros (na MF, muito próximo, e de baixo para cima; o tiro na nuca do José de Jesus, de cima para baixo; e ambos praticamente à queima-roupa, pois existiam queimaduras locais de entrada dos cartuxos disparados) e as zonas corporais atingidas, vitais para a sobrevivência das vítimas, tornam impossível que os factos tenham ocorrido da forma como o arguido descreve. Como poderia o tiro que atingiu o antebraço do J provocar-lhe aqueles danos corporais se este estivesse segurar/largar o cano da arma? O esfacelo, bem visível na fotos de fls. 145 e 168, indica que o disparo terá sido efectuado a alguma distância. E o tiro que atingiu esta vítima na nuca foi dado de cima para baixo, o que indica que a vítima não poderia estar de pé.
Para além destes elementos objectivos, foi essencial para estabelecer a posição dos intervenientes no momento em que são efectuados os disparos o depoimento da testemunha AR , Inspector da Polícia Judiciária de Coimbra e instrutor de tiro há 12 anos, que por esta sua qualidade e conhecimentos de tiro inerentes foi chamado a julgamento para prestação de depoimento, ao abrigo do art. 340º do Código de Processo Penal, tendo armado e manobrado a arma do crime, apreendida nos autos, na audiência de julgamento. Esta testemunha esteve ainda no local do crime na noite dos factos, razão pela qual conhece bem o que a brigada da PJ aí encontrou.
Esclareceu a testemunha, que demonstrou conhecer bem a arma com que foram cometidos os crimes em causa nos autos, o seguinte:
1. Que é preciso fazer uma força correspondente a 2,700 kgs. no gatilho da arma para este disparar - sendo, assim, difícil que seja acidentalmente disparada, e por quatro vezes seguidas;
2. Que cada cartucho contém 389 chumbos, que são "espalhados" após a deflagração;
3. Que o tiro que atingiu a porta de entrada da casa da ofendida (fls. 132) foi disparado a alguma distância, porque o orifício não é regular;
4. Que o tiro disparado contra a porta do quarto foi disparado com a arma encostada ou a uma distância máxima de 1 cm. (fls. 154 e 155), não tendo sido suficiente para abrir a porta, uma vez que a fechadura não foi totalmente atingida. Daqui que se extraia corresponder à verdade que o arguido tenha empurrado, posteriormente, a porta para a abrir, causando-lhe aliás os danos visíveis na "fotografia n.º 56, a fls. 154.
5º Que na foto de fls. 154 se vê bem que foram dadas 2 pancadas com cano da arma, mas os danos não são suficientes para prenderem cano da arma, cuja mira necessitaria de um buraco maior para prender (resultando daqui, e da verificação desse facto pela fotografia em causa, a não prova dessa versão do arguido);
6. Que o disparo que atingiu o J. no abdómen (fls. 145, foto 38) terá sido efectuado através da porta, uma vez que os danos corporais resultam claramente de chumbos dispersos, encontrados também no cortinado da janela;
7. Que o disparo que atingiu o antebraço de J. terá sido disparado a uma distância de cerca de 1 metro, de forma a causar os danos (arrancamento de tecido) visíveis na fotografia de fls. 145 (por se tratar de chumbo 7). O que torna impossível que tenha ocorrido da forma descrita pelo arguido, ou seja, quando estava a puxar a arma para si, e o José de Jesus a segurava debaixo desse seu braço;
8. Que o tiro que atingiu a face da MF tem de ter sido disparado com a arma encostada à cara da vítima, pois não há orifício de saída, tendo todos os chumbos (389!) ficado dispersos no interior da cabeça da vítima - o que, aliado ao facto de o tiro ter sido disparado de baixo para cima, torna impossível que tenha sido disparada na altura em que o arguido terá embatido com o braço na porta, magoando-se, e disparado acidentalmente: o arguido tinha o filho no braço esquerdo, e diz-nos a experiência comum que ao embater com o braço direito, que segurava a arma, na porta, causando dores, a tendência é para baixar o braço, e não levantá-lo, muito menos encostar o cano da arma à cara da ofendida;
9. Que o tiro que atingiu a nuca de J (a fls. 146, foto 40, nota-se bem que se situa aí o orifício de entrada, o que é confirmado no relatório de autópsia) terá sido disparado a uma distância entre os 5 e os 15 cms., o que extrai ainda da conjugação com o orifício de saída - foto 36, a fls. 144. E que muito provavelmente terá sido disparado quando a vítima se encontrava já no chão, pois a direcção do tiro é de cima para baixo, tendo a força do disparo, ou o arguido, virado o corpo, qualificando este disparo como "tiro de execução", uma vez que a vítima, no chão, estaria já em agonia, fruto do tiro no antebraço (na foto 33, a fls. 143, é mostrada a vítima na posição em que foi encontrada, tendo depois o corpo sido "virado" para ser fotografado).
Assim, conjugados todos os elementos objectivos referidos, afastada por completo a versão defendida pelo arguido, a "acidentalidade" dos disparos, verificando-se a desnecessidade de o arguido continuar a empunhar, pelo gatilho, a arma, depois de saber que o J. não estava armado, e o perigo de ter o filho mais novo no seu braço esquerdo enquanto praticava os factos, resulta inequivocamente que o arguido se deslocou àquela casa não com o exclusivo objectivo de levar os seus filhos, mas pretendendo algo mais, designadamente dos ofendidos, tendo essa sua vontade e violência resultado na morte, por si pretendida e executada, das vítimas.
Da totalidade dos referidos meios de prova se extrai, sem sombra para qualquer dúvida, o dolo directo do arguido.
Sendo certo que do que se vem de referir resulta, ainda, a não prova da maioria dos factos alegados pelo arguido na sua contestação.
Quanto aos restantes factos provados:
De forma necessária, face à experiência comum, os filhos mais velhos do arguido terão acordado com o barulho e violência com que este entrou na casa. E mesmo que, por mera hipótese académica, não tenham acordado nesse momento, acordaram quando o arguido "rebentou" a porta do quarto da sua mãe. Resulta ainda da experiência comum que terá havido diálogo entre os adultos, incluindo gritos, pelo que ficaram os menores a saber que era o pai que estava na casa. Os disparos e acontecimentos posteriores, e o silêncio após a morte das vítimas, terão provocado nos menores a noção do que havia sucedido - o que foi, aliás, referido pela testemunha MR. O trauma destas crianças foi referido, ainda, pelos psicólogos que os têm acompanhado, as testemunhas PM e M S C.
Os factos provados em 42 e 43 foram confessados pelo arguido.
O certificado de registo criminal do arguido encontra-se a fls. 650 a 660 dos autos.
Atentou-se, quanto às suas habilitações e personalidade, no teor do doc. por si junto em audiência de julgamento, nas suas próprias declarações, e no depoimento das testemunhas MP (primo direito do arguido), AL (que conhece o arguido desde pequeno, sabendo que trabalhou desde muito novo, embora não estivesse com o arguido há 10 ou 11 anos), AF (que atestou a relação do arguido com os filhos) e PL (que conhece o arguido desde pequeno, tendo lidado com ele até casar com a vítima e sair de Oliveira de..).
Relevaram ainda para fundar a convicção do tribunal os seguintes documentos, conjugados com os restantes meios de prova referidos:
- Certificados de óbito de fls. 11, 12, assentos de óbito de fls. 262, 366 e
374; documentos de identificação de fls. 13;
- Assentos de nascimento de fls. 599 e segs.;
- Relatório de Inspecção Judiciária de fls. 113 e segs.;
- Relatório de recolha de resíduos de fls. 126;
- Relato de diligência de fls. 159 a 162;
- Relatório de exame de fls. 185;
- Relação de objectos apreendidos de fls. 18 e guia de depósito de fls. 179;
- Auto de exame directo de fls. 177;
- Relatório de autópsia de fls. 304 a 322; 527 a 531, 553 a 595;
- Exames de fls. 535 a 537, 549 a 551,596 a 597;
- Auto de reconstituição de fls. 219 a 249 e sequência fotográfica de fls. 393 a 406;
- Relatório Psicológicos (dos menores) de fls. 386 e segs.
A restante prova testemunhal produzida não relevou para a descoberta da verdade, uma vez que:
- As testemunhas JH, JMC AC, MFP (irmã do arguido) e JL (cunhado do arguido) declararam
que viam o casal constituído pelo arguido e pela vítima MF como um casal normal, nunca tendo assistido a discussões ou agressões entre os membros do casal - o que corresponde à experiência comum, conforme já se referiu.
- As testemunhas, AS e JRL nem sequer conviviam com o casal, não tendo igualmente relevado os seus depoimentos.
Relativamente ao pedido de indemnização cível, resulta a prova dos factos alegados do depoimento das testemunhas DF (cunhado do falecido J, que confirmou que a assistente, apesar de viver com a mãe em Andorra, mantinha um bom relacionamento com o pai, com quem estava sempre nas férias, e que falava frequentemente com ele ao telefone; e que o requerente R viveu com o pai até há cerca de um ano, altura em que foi viver com a mãe, mantendo uma relação muito próxima e afectiva com o pai; confirmou ainda que o falecido ajudava monetariamente este filho, com quantia que ignora, não sabendo ainda os rendimentos que o falecido tinha), RR (primo afastado do falecido, que confirmou o sofrimento que a sua morte causou aos filhos, bem como a relação que estes mantinham com o pai) e VM (que conheceu bem o falecido, atestando as suas qualidades pessoais e profissionais, bem como a relação que mantinha com o filho), conjugados com a experiência comum e a notoriedade de algumas alegações. A prova da ausência de doenças no falecido baseia-se no seu relatório de autópsia, que as não verificou.

Quanto aos factos não provados, para além do já referido, cumpre esclarecer o seguinte:
- Nenhum meio de prova incidiu sobre os factos descritos em a), b) e c);
- Ignora-se o dia em concreto em que o arguido iniciaria o seu trabalho em
Espanha, tendo este declarado ter passado a 2ª feira, 27.10, em exames médicos;
- Nenhuma prova foi produzida de que o ofendido José de Jesus tenha mudado a sua residência para casa da MF, podendo apenas ter pernoitado aquela noite nessa casa - cf. tb. ;
- Conforme acima ficou explanado, não foi produzida prova de um "desejo de vingança" do arguido, e de ter praticado os factos para reaver a casa;
- O facto descrito na al. h) foi negado pelo próprio arguido;
- Ignora-se se o arguido se deslocou primeiro ao quarto onde estavam os seus 3 filhos mais velhos, e só depois ao quarto onde estavam os ofendidos e o filho mais novo, ou se se dirigiu directamente a este último. Certo é que todos os ocupantes da casa terão acordado com o barulho produzido pelo primeiro disparo contra a porta, altura certamente em que o ofendido terá fechado a porta do quarto à chave (era ele que estava de pé, e foi atingido através da porta) e vestido as calças (após os ferimentos no abdómen, é muito pouco provável que tenha vestido as calças por ordem do arguido);
- O arguido demonstrou, através da sua actuação violenta (desde que chegou a casa da ofendida), que era sua intenção matar os ofendidos. Assim, carregando uma arma e ameaçando com ela os ofendidos, era previsível que apontasse a arma ao peito de qualquer deles - al. k);
- Sabe-se que o arguido disparou tiros no exterior da casa, na rua, por terem sido encontrados cartuxos deflagrados; porém, ignora-se se ainda tinha o filho ao colo, ou se o entregara aos irmãos;
- Aceita-se que o arguido tenha, depois dos factos, ficado abalado pelo cenário que criou, e o pânico evidente gerado por si nos filhos. Através dos depoimentos dos agentes da GNR, sabe-se que seria sua intenção entregar-se, tendo-se aceite que se deslocava em direcção ao posto da GNR, e não a casa da ofendida;
- Ignora-se quem primeiro chamou a GNR, se uma nora da mãe da MF (que lhe telefonou avisando-a do barulho em casa da filha), ou a própria testemunha MR, que afirmou que após este aviso ligou para a GNR;
- Sendo certo que o único membro do casal que trabalhava era o arguido, sustentando naturalmente as despesas da casa, ignora-se se recebiam outras ajudas (v.g., no diário da vítima consta a referência a várias ajudas dos seus pais);
- Nesse mesmo diário, a MF deixou escrita a sua vontade de trabalhar, e a proibição do arguido;
- Ignora-se se ocorreu, ou não, uma agressão com uma tesoura;
- Ignora-se se a ofendida MF alguma vez insultou o arguido, e se o tornou infeliz, sendo certo que consta do seu diário constantes ausências do arguido, com amigos e amantes (aliás, ainda no dia em que se divorciou o arguido pernoitou com outra pessoa no Hotel Grão Vasco, conforme se extrai de fls. 37, estadia que se prolongou por mais uns dias - fls. 27), tendo sido confirmado pelo arguido que a sua relação com KK já tinha algum tempo;
- O doc. de fls. 35 contraria ter o arguido acordado na transferência da propriedade da casa para os 4 filhos do casal, bem como os SMS acima referidos;
- Não há prova do facto descrito y), nem em z), não se retirando o mesmo da documentação de fls. 28 a 32; nem se compreende porque suportaria a amante do arguido tal despesa, que em nada lhe aproveitava;
- Ignora-se se o arguido transportava bagagem ou objectos pessoais, ou se era sua intenção ir a casa da ofendida apenas no dia seguinte - o que se sabe é que se deslocou àquela casa pouco depois de ter chegado, conforme se extrai das horas constantes nos documentos que lhe foram apreendidos - fls. 36;
- Como já se fundamentou, não se acredita que o arguido tenha ido a casa da ofendida apenas para ir buscar os filhos (e que o restante tenha sido um acidente ... );
- Resulta dos elementos extraídos dos telefones que o arguido falou algumas vezes com o falecido; e mesmo se já o conhecia, do período em que trabalhou em Chaves - a testemunha GF arrendou ao arguido uma casa em Chaves, onde este viveu com a ex-mulher e 3 filhos durante cerca de 18 meses;
- A forma como o arguido entrou na residência torna improvável que, após, tenha actuado com a diligência, educação e calma invocadas na contestação, e que o seu filho mais velho lhe tenha respondido da forma alegada, e que tenha primeiro batido à porta do quarto onde se encontravam os ofendidos;
- Bem como que os 4 tiros disparados a partir dessa altura no interior da residência tenham sido acidentais, pelas razões acima proficuamente analisadas;
- Ou que o filho mais novo, após dois disparos de caçadeira, um dos quais contra a porta do quarto onde se encontrava e que terá atingido o J, não tenha acordado, correspondendo à experiência comum que tenham ocorrido gritos e troca de palavras exaltadas entre os adultos;
- É certo que existiu luta entre o arguido e o José de J, sendo indiciador disso mesmo o estado em que se encontravam os móveis do quarto após os factos (uma cómoda aliás, encontrava-se por cima do cadáver da MF mas o local onde os disparos ocorrem indicam também que certamente que o J se tentava aproximar e ultrapassar a porta do quarto para fugir do arguido, que tinha acabado de matar a ex-mulher, encontrando-se este último desarmado - acreditando-se ter sido esta a atitude da 2ª vítima, e não a de enfrentar o arguido, armado e pronto a disparar ... ;
- Nenhuma prova foi produzida de que o arguido tenha chamado ajuda na rua, em pânico, sendo certo que sabia bem, nessa altura, que ambas as vítimas se encontravam sem vida, resultado que, como se viu, foi por si pretendido e executado;
- Ignora-se se os filhos viram ou não o estado em que ficou a casa, tendo a sogra do arguido contrariado o descrito em aaa);
- O J tinha de gastar parte dos seus proventos para assegurar a sua própria sobrevivência e, uma vez que ambos os filhos se encontravam em Andorra, vivia também para si 8e para a ofendida MF e não apenas para os filhos;
- nenhum meio de prova foi produzido sobre os factos descritos em ccc), ddd) e eee).


Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Ac do STJ de 19/6/96, no BMJ 458-98).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr Germano marques da Silva, in “Curso de Processo penal”, III, pg 335).

Questões a decidir:
- Se foi violado o disposto no artº 374 nº 2 e 379º nº 1 do al a) do CPP;
- Se foi violado o disposto no artº 412 nº 2 al b) do CPP;
- Se foram incorrectamente julgados os factos dados como provados sob os nºs 3, 4, 7, 10, 11, 19, 20, 21, 27, 33, 34, 35, 36, 39 e 41;
- Se o recorrente deveria ter sido condenado, pela prática de um crime de homicídio simples;
- Se a pena aplicada peca por excessiva;

Alegando o recorrente haver contradição entre os factos provados sobre os nºs 11 e 61 e 27 e 69 sustenta que, a enumeração de tais factos por contraditórios e incompatíveis fá-lo incorrer em falta de fundamentação exigida no artº 374º nº 2 do CPP e torna nulo o acórdão recorrido.
Da análise do disposto no art 374 do CPP vemos que a sentença compõe-se de três partes: relatório, fundamentação e dispositivo.
O relatório é elaborado de acordo com o nº 1, a fundamentação de acordo com o nº 2 e o dispositivo de acordo com o nº 3.
Na fundamentação é agora obrigatória a indicação das provas que serviram a convicção do tribunal e do exame crítico destas.
Dispõe o art 374 nº 2 do CPP que “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Em relação á anterior redacção deste preceito legal, a Lei 59/98 de 25/8 que procedeu á revisão do Cod. Penal aditou a exigência do “exame crítico das provas”. Ou seja, para além de se indicar as provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este tem que proceder ao exame crítico das provas, isto é ao processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas.
“A fundamentação, como resulta expressis verbis do nº 2, não se satisfaz com a enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento e dos que serviram para fundamentar a sentença. É ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá para convencer os interessados e a comunidade em geral da correcta aplicação da justiça no caso concreto”. (Maia Gonçalves, em anotação ao art 374 do CPP).
O objectivo dessa fundamentação e no dizer do prof. Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, pg 294, III Vol é a de permitir “a sindicância da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.
A ratio da exigência de fundamentação é a de submeter a decisão judicial a uma maior fiscalização por parte da colectividade e é também consequência da importância que assume no novo processo o direito à prova e à contraprova, nomeadamente o direito de defender-se, probando”.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (Ac STJ de 12/4/2000, proc nº 141/2000-3ª, SASTJ nº 40,48).
Portanto esse exame crítico deve indicar no mínimo e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
Ora, se analisarmos o acórdão recorrido vemos que este está bem elaborado e do mesmo constam de forma clara e explicita os factos provados e não provados e, encontra-se, ainda, fundamentado. O Sr juiz fez uma análise crítica de todos os meios de prova, mostrando todo o processo da formação da convicção do Tribunal.
Na verdade, tendo o Sr juiz enumerado as provas que teve ao seu dispor, indicando o essencial do seu conteúdo e, portanto, o modo como formou o juízo da sua veracidade, cumpriu com o dever de fundamentação contido no art 374 nº 2 do CPP.

O recorrente e sem a clareza que seria de esperar, invoca o vício constante do art 410 nº 2 al b) do Código Processo Penal, esquecendo-se que de acordo com aquele normativo qualquer dos vícios consignados naquele nº 2 para relevar, têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, está vedada a possibilidade de consulta de outros elementos constantes do processo.
Embora o recorrente, por diversas vezes frise existir contradição entre os factos constantes dos pontos 11 e 61 e 27 e 69 dos factos provados o que o recorrente faz é manifestar-se contra o modo como o tribunal fixou a matéria de facto.
Vejamos, então, se a sentença recorrida está ferida de tal vício.
O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão existirá quando se afirmar e negar ao mesmo tempo uma coisa. “Duas proposições contraditórias não podem ser, ao mesmo tempo, verdadeiras e falsas”.
“Só existe contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados” – Cons. Simas Santos e Leal Henriques, in “Código de Processo penal anotado, 2ª ed., pg 739.
Vejamos o que consta do ponto 11 dos factos provados:
Chegado a Portugal nessa noite, o arguido dirigiu-se à sua casa em Oliveira de …, onde se muniu de uma espingarda caçadeira, semi-automática, de calibre 12, de um cano, marca "Browning", modelo 2000, com o nº 621 RN30486, guardada naquela casa, bem como de vários cartuchos de calibre 12, introduzindo 3 cartuchos no carregador, e de imediato deslocou-se à residência da ofendida e dos seus filhos.
E do ponto 61:
Após a sua viagem de Espanha para Portugal, a 29.10.2008, o arguido deslocou-se à sua casa em Oliveira de…, onde permaneceu algum tempo.
Sustenta o recorrente a existência de contradição entre estes factos na medida em que “fica-se sem saber se afinal o Tribunal a quo deu como provado se o arguido provindo de Espanha se deslocou de imediato a M..ou se antes disso permaneceu algum tempo em Oliveira de… e nesta hipótese, por quanto tempo”.
Lendo os factos aqui em questão não vislumbramos qualquer contradição.
Parece claro que de tais factos resulta que o arguido quando chegou a Portugal dirigiu-se à sua casa a Oliveira de… e uma vez ali muniu-se de uma espingarda caçadeira, bem como de vários cartuchos e, de seguida, de imediato, depois de estar fornecido com a espingarda deslocou-se à residência da ofendida.
É óbvio que para se munir da caçadeira e dos cartuchos permaneceu algum tempo na sua residência, não foi um acto instantâneo.
Quanto aos pontos 27 e 69 dos factos provados também não vislumbramos qualquer contradição.
Ponto 27:
Indiferente ao estado de pânico e permanente choro das crianças, o arguido deixou-as entregues à avó e encaminhou-se, a pé, em direcção a Canas de Senhorim, tendo entretanto sido interceptado nesse percurso por uma patrulha da GNR, que havia sido chamada ao local.
Ponto 69:
Depois de deixar os filhos com a sogra, o arguido deslocava-se a pé em direcção à GNR, cuja patrulha ele próprio interceptou no caminho, informando-a do sucedido.
Segundo o recorrente, estes factos “assim dados como provados não são esclarecedores quanto a saber se o arguido se entregou por iniciativa própria à GNR ou se foi esta força de segurança que o deteve”.
Também aqui não se vislumbra qualquer contradição ou incongruência. Na verdade, os factos constantes do ponto 27 são melhor especificados no ponto 69 e da sua conjugação o que se retira, com toda a clareza, é que o arguido após a prática dos crimes e depois de indiferente ao estado de pânico e permanente choro das crianças as haver deixado entregues á avó materna, encaminhou-se para Canas de Senhorim em direcção à GNR, quando surgiu a patrulha da GNR que já tinha sido chamada ao local, por isso, o arguido, por sua iniciativa, abordou-os, informando-os do sucedido.
Aliás o Tribunal é muito claro na fundamentação quando refere: “Relativamente à prova testemunhal produzida, interessou o depoimento dos agentes da GNR que estavam nessa noite de patrulha e se deslocaram ao local (tendo sido interceptados pelo arguido no caminho, conforme declararam e ficou a constar dos factos provados)”.
Não se vislumbra pois, qualquer contradição entre os factos aqui em questão.
Aliás, e como se viu na motivação da matéria de facto o acórdão recorrido, de forma clara faz um exame crítico das provas e indicou as provas em que se fundou para formar a sua convicção, indicando a razão de ciência de cada uma das pessoas cujos depoimentos tomou em consideração.
Na verdade, “a convicção do Tribunal “a quo” é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem”.
Assim, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
Não se vislumbra perante os factos apurados e a fundamentação qualquer contradição.
Portanto, atento os factos apurados e compulsada a fundamentação do Tribunal não se vislumbra qualquer contradição e esta a existir teria que ser insanável.
O que o recorrente faz é a sua interpretação dos factos o que não corresponde ao que a sentença recorrida deu como provado.

O recorrente impugna a douta sentença recorrida, pondo em causa o acerto da decisão proferida sobre a matéria de facto. Afirma que não foi feita prova, para dar como provados os factos constantes dos números 3º, 4º, 7º, 10º, 11º, 19º, 20º, 21º, 27º, 33º, 34º, 35º, 36º, 39º e 41º da matéria de facto dada como provada.
O recorrente discorda com a forma como na decisão recorrida foi apreciada a prova produzida em julgamento e as conclusões de convicção probatória a que ali se chegou.
O Tribunal da relação conhece de facto e de direito (art. 428º nº 1 do CPP).
Contudo a modificabilidade da decisão da 1ª instância em matéria de facto só pode ter lugar, sem prejuízo do disposto no artº 410º do CPP se se verificarem as condições a que alude o artº 431 do CPP, ou seja:
« a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.412.º; ou
c) Se tiver havido renovação de prova ".
Em conjugação com este preceito legal importa atender ao disposto no art. 412.°, n.º 3 do Código de Processo Penal, que impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto o dever de especificar:
« a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devam ser renovadas.»
E acrescenta o n.º 4 deste preceito legal:
« Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.»
O tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa. ( n.º 6 do art.412.º do C.P.P.).
Sobre o dever das menções dos n.ºs 3 e 4 do art.412.º do C.P.P. constarem das conclusões da motivação, o STJ já se pronunciou no sentido de que a redacção do n.º 3 do art.412.º do C.P.P., por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem de dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que" versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda ( ... ) ", já o n.º 3 se limita a prescrever que" quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar ( ... )", sem impor que tal aconteça nas conclusões. Perante esta margem de indefinição legal e tendo o recorrente procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou o Tribunal da Relação conhece da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convida o recorrente a corrigir aquelas conclusões. - cf. acórdão do STJ, de 5 de Julho de 2007, prol. n.º07P1766,www.dgsi.pt/isto.
Porém, se o recorrente não faz, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos nºs 3 e 4 do art.412.º do C.P.P., não há lugar ao convite à correcção das conclusões, uma vez que o conteúdo da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação. Esta posição defendida pela generalidade da jurisprudência, designadamente pelo STJ acórdão de 9 de Março de 2006, ih www.dgsi.pt), não foi julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional ( acórdão n.º 529/2003, in DR, 2.ª Série, de 17 de Dezembro de 2003).
No seguimento deste entendimento o art.417º, n.º 3 do C.P.P., na actual redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, apenas permite o convite ao recorrente para completar ou esclarecer as conclusões formuladas.
No presente caso e embora o recorrente tivesse sido convidado a dar cabal cumprimento ao disposto no artº 412 nº 4 do CPP com referência à al b) do nº 3 do mesmo diploma, tal não aconteceu.
Na verdade, o recorrente não especifica qual a prova que impõe decisão diversa com referência ao consignado na acta e concretizando as passagens das gravações em que se funda a impugnação.
No entanto, o recorrente faz alusão às testemunhas que entende que o seu depoimento de alguma forma contraria os factos aqui em análise, de uma forma genérica faz menção aos respectivos suportes técnicos.
Assim e atendendo à matéria aqui em questão, a Relação considera-se apta a apreciar a matéria de facto e a modificá-la se for caso disso. E tendo em atenção os factos apurados debrucemo-nos sobre o recurso interposto pelo arguido.

Sustenta o recorrente que foram incorrectamente julgados os factos dados como provados sob os nºs 3º, 4º, 7º, 11º, 19º, 20º, 21º, 27º, 33º, 34º, 35º, 36º, 39º e 41º. Para tal, baseia-se em partes das declarações do arguido, em partes dos depoimentos das testemunhas, nomeadamente GF JMC, JH, MR, MC AC. Sustenta que tais factos devem ser dados como não provados e o arguido quanto muito condenado pela prática de um crime de homicídio simples.

Lendo a motivação do recurso concluímos que o recorrente discorda com a forma como na decisão recorrida foi apreciada a prova produzida em julgamento e as conclusões de convicção probatória a que ali se chegou.
De acordo com o disposto no art 412 nº 3 al b) do Código Processo Penal, a matéria de facto impugnada só pode proceder, quando o recorrente tendo por base o raciocínio lógico e racional feito pelo tribunal na decisão recorrida, indica provas que “imponham decisão diversa”.
O recorrente não pode fazer o seu julgamento esquecendo a convicção formada pelo tribunal à luz das regras da experiência comum. Se aquela resulta clara destas, demonstradas no exame crítico das provas que a lei lhe impõe (art 374 nº 2 do Código Processo Penal) o raciocínio feito pelo tribunal não pode ceder perante um qualquer outro raciocínio do recorrente. Exige-o o princípio da livre apreciação da prova (art 127 do referido diploma).
O recorrente ao pretender a alteração da matéria de facto pretende que o Tribunal faça tábua rasa às declarações prestadas pelo co-arguido J e restantes testemunhas. Ora, tal não é indicar provas que imponham decisão diversa.
O Tribunal ao decidir teve em consideração todos os depoimentos prestados e os documentos juntos aos autos. Foi no conjunto de todos os elementos que o tribunal fundou a sua convicção.
O que afinal o recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.
De acordo com o disposto no art 127 a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
“O art 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, pg 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta « é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II , pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "... uma convicção pessoal -até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros ."- Cfr., in "Direito Processual Penal", 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
O principio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355 do Código de Processo Penal. É ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva "... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela intima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". -Cfr. "Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.
O principio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo:
« Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) .Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais ". -In "Direito Processual Penal", 10 Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 233 a 234 .
Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de_2002 (C.J. , ano XXV|II, 20 , página 44) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".
Ora, se atentarmos aos factos apurados e compulsada a fundamentação temos de concluir que os juízos lógico-dedutivos aí efectuados são acertados, designadamente no que se refere aos factos apurados e postos em questão pelo recorrente.
O Sr juiz na decisão recorrida, nomeadamente, em sede de convicção probatória, explica de forma clara e coerente os seus juízos lógico-dedutivos, analisando as provas tidas em consideração.
O recorrente com a sua argumentação apenas pretende e com já se referiu extrair dos elementos analisados uma diferente convicção.
O recorrente faz o seu próprio julgamento pretendendo, agora impor o seu próprio raciocínio.
A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não apontando o recorrente qualquer fundamento válido que a possa abalar.
O recorrente ao impugnar a matéria de facto esquece os elementos de prova nos quais o tribunal se baseou. É no conjunto de todos esses elementos que se fundamenta a convicção e não, apenas, num ou noutro dos mesmos elementos (Rec nº 2541/2003 do Tribunal da Relação de Coimbra).
Tendo a factualidade apurada apoio na prova produzida em julgamento a questão a decidir é a de saber se a escolha do tribunal está fundamentada. Hoje exige-se que o tribunal indique os fundamentos necessários para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado e como não provado.
O objectivo dessa fundamentação e no dizer do prof. Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, pg 294, III Vol é a de permitir “a sindicância da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.
A ratio da exigência de fundamentação é a de submeter a decisão judicial a uma maior fiscalização por parte da colectividade e é também consequência da importância que assume no novo processo o direito à prova e à contraprova, nomeadamente o direito de defender-se, probando”.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (Ac STJ de 12/4/2000, proc nº 141/2000-3ª, SASTJ nº 40,48).
Portanto esse exame crítico deve indicar no mínimo e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
É o juiz de julgamento que tem em virtude da oralidade e da imediação, uma percepção própria do material probatório que nós, neste Tribunal, não temos. O juiz do julgamento tem um contacto vivo e imediato com a todas as partes, ele questiona, ele recolhe todas as impressões e está atento a todos os pormenores.
O juiz perante dois depoimentos contraditórios por qual deve optar? “Esta é uma decisão do juiz do julgamento. “Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade congnitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.
Como refere Damião da Cunha (RPCC, 8º, 2º pg 259) os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da 1ª instância” (Ac RP nº 6862/05).
Ora, analisando a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada e, de forma exaustiva faz uma exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão e faz um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. O acórdão recorrido indica de forma clara e na medida do que é necessário, as provas que serviram para a formação da convicção do tribunal.

O recorrente põe em causa os factos provados constantes dos pontos 3º e 4º sustentando que não foi feita prova de qualquer comportamento violento por parte do arguido em relação à esposa. Para tal baseia-se em partes do depoimento da testemunha GF, JMM e JH que se limitam a dizer que não têm conhecimento directo desses comportamentos violentos, o que não significa que não tenham existido. Aliás, não nos podemos esquecer que este tipo de violência ocorre em casa e muitas vezes a vitima tenta esconder pela vergonha que sente, pelo medo, pela dor. Só em casos extremos e de gravidade é que procura auxilio. Por isso, não é de estranhar, que vizinhos, amigos e, até familiares, a maioria das vezes só no final é que tomam conhecimento dos factos. No caso vertente, há prova suficiente que justifica que o tribunal tenha dado como provado o comportamento violento do arguido – a cópia do diário da ofendida, os elementos clínicos, onde constam várias deslocações da ofendida ao serviço de urgência em consequência das agressões infligidas pelo arguido, o depoimento da mãe da ofendida que relatou que o casamento da filha se pautou sempre por maus tratos e do processo clínico da ofendida “extrai-se claramente ter esta vivido anos sujeita a tratamentos anti-depressivos, imputando ao corpo clínico que a acompanhava o tratamento que lhe era infringido pelo marido como causa directa desse seu estado”.

Entende o recorrente que o tribunal não pode formar a sua convicção nos termos em que o fez na medida em que diário da vitima ou a carta de fls 26, são documentos cuja origem e a autenticidade é desconhecida, além de que mostram “uma visão parcial e emocionalmente não isenta da realidade dos factos”.

Ora, quer o diário, quer a referida carta, constam dos autos e o arguido teve conhecimento dos mesmos. De qualquer forma, na audiência de discussão e julgamento o arguido teve a oportunidade de questionar sobre os mesmos para esclarecer as suas divergências.

Assim sendo, nada impede que tal documentação possa servir para formar a convicção do tribunal na medida em que entra no âmbito da livre apreciação da prova.

Quanto ao ponto 7 dos factos provados entende o recorrente que não foi feita prova de que os ofendidos tivessem “intenção de iniciarem uma vida em comum, juntamente com os quatro filhos da ofendida”. Ora, tal ficou apurado através dos contactos telefónicos e das mensagens enviadas entre a ofendida e o arguido e os filhos deste tal como resulta da fundamentação (….o arguido terá ficado revoltado quando teve conhecimento da relação da sua (já) ex-mulher e do falecido J., que, para além de ir pernoitar à casa do dissolvido casal, iria iniciar uma vida em conjunto (ignora-se onde, uma vez que o J. só naquela noite pernoitava naquela casa, conforme resulta das mensagens escritas trocadas com a falecida – fls 18, 19 e 63 do Apenso I), quer com a ex-mulher quer com os seus filhos.

Tal resulta, também do ponto 8 dos factos provados que o arguido não impugnou - Por diversos contactos telefónicos com a ofendida, o arguido teve conhecimento da nova relação da sua ex-mulher, bem como da deslocação do ofendido a M… e das intenções da ex-mulher e de J M, que implicava um permanente vivência deste com os seus filhos e onde se reafirma essa intenção de iniciarem uma vida em comum.

No que respeita aos factos provados e constantes do ponto 10 é óbvio que da prova produzida dos autos, resultou que o arguido mostrava preocupação pelos filhos e pela casa morada de família mas não foi só isso que o moveu a regressar a Portugal aliás, se assim fosse, não teria sentido o acordo de poder paternal realizado entre o arguido e a ofendida, em que os menores ficaram entregues ao cuidado da mãe. E, se assim fosse e o arguido apenas pretendesse ir buscar os filhos a casa da ofendida não necessitaria de se munir com uma arma e entrar em casa da mesma da forma que o fez. Bastava um toque de campainha e uma conversa civilizada. Aliás o carácter ciumento do arguido vem bem evidenciado no diário da ofendida. Logo, perante a nova relação da ofendida e dado o carácter do ofendido naturalmente que este ficou revoltado e ciumento com esta situação. E foi esta a gota de água, aliás de outra forma não se justificaria a vinda do arguido a Portugal dois dias depois de se encontrar em Espanha para começar um novo trabalho para sua entidade patronal, juntamente com a preocupação com os filhos e a possibilidade de outra pessoa poder partilhar a “sua” casa, que o fez regressar a Portugal e aqui chegado, dirigir-se a sua casa e munir-se de uma espingarda e, logo de seguida, deslocar-se à residência da ofendida.

No que respeita aos factos provados constantes dos pontos 19, 20 e 21 o arguido sempre assumiu a autoria dos mesmos embora apresentando uma versão dos mesmos que não mereceu qualquer credibilidade atento os elementos objectivos recolhidos na investigação e o depoimento das testemunhas que entretanto chegaram ao local, nomeadamente, o inspector AlR.

Na sua motivação o arguido mantém a mesma versão, não pondo em causa os esclarecimentos do Sr Inspector, nem indicando qualquer prova que imponha decisão diversa da recorrida.
O Tribunal e no que respeita à dinâmica dos factos refere: “Conforme já tinha relatado na reconstituição de factos efectuada em fase de inquérito, o arguido defende-se afirmando que quer o disparo contra a porta do quarto, quer os 3 posteriores que atingiram as vítimas foram disparados acidentalmente. Mais afirma que teve sempre o filho de 18 meses de idade consigo, segurando-o com o braço esquerdo - o que significa que apenas dispunha da mão e braço direito para segurar, empunhar e disparar a arma.
Desde logo, extraiu este tribunal colectivo não ser minimamente credível esta versão e descrição dos factos relatada pelo arguido: o comprimento da arma caçadeira, o seu peso, aliado ao peso de uma criança de 18 meses de idade, a distância a que foram disparados os tiros (na M F, muito próximo, e de baixo para cima; o tiro na nuca do J, de cima para baixo; e ambos praticamente à queima-roupa, pois existiam queimaduras locais de entrada dos cartuxos disparados) e as zonas corporais atingidas, vitais para a sobrevivência das vítimas, tornam impossível que os factos tenham ocorrido da forma como o arguido descreve. Como poderia o tiro que atingiu o antebraço do J. provocar-lhe aqueles danos corporais se este estivesse segurar/largar o cano da arma? O esfacelo, bem visível na fotos de fls. 145 e 168, indica que o disparo terá sido efectuado a alguma distância. E o tiro que atingiu esta vítima na nuca foi dado de cima para baixo, o que indica que a vítima não poderia estar de pé.
Para além destes elementos objectivos, foi essencial para estabelecer a posição dos intervenientes no momento em que são efectuados os disparos o depoimento da testemunha AIR, Inspector da Polícia Judiciária de Coimbra e instrutor de tiro há 12 anos, que por esta sua qualidade e conhecimentos de tiro inerentes foi chamado a julgamento para prestação de depoimento, ao abrigo do art. 340º do Código de Processo Penal, tendo armado e manobrado a arma do crime, apreendida nos autos, na audiência de julgamento. Esta testemunha esteve ainda no local do crime na noite dos factos, razão pela qual conhece bem o que a brigada da PJ aí encontrou.
Esclareceu a testemunha, que demonstrou conhecer bem a arma com que foram cometidos os crimes em causa nos autos, o seguinte:
1. Que é preciso fazer uma força correspondente a 2,700 kgs. no gatilho da arma para este disparar - sendo, assim, difícil que seja acidentalmente disparada, e por quatro vezes seguidas;
2. Que cada cartucho contém 389 chumbos, que são "espalhados" após a deflagração;
3. Que o tiro que atingiu a porta de entrada da casa da ofendida (fls. 132) foi disparado a alguma distância, porque o orifício não é regular;
4. Que o tiro disparado contra a porta do quarto foi disparado com a arma encostada ou a uma distância máxima de 1 cm. (fls. 154 e 155), não tendo sido suficiente para abrir a porta, uma vez que a fechadura não foi totalmente atingida. Daqui que se extraia corresponder à verdade que o arguido tenha empurrado, posteriormente, a porta para a abrir, causando-lhe aliás os danos visíveis na "fotografia n.º 56, a fls. 154.
5º Que na foto de fls. 154 se vê bem que foram dadas 2 pancadas com cano da arma, mas os danos não são suficientes para prenderem cano da arma, cuja mira necessitaria de um buraco maior para prender (resultando daqui, e da verificação desse facto pela fotografia em causa, a não prova dessa versão do arguido);
6. Que o disparo que atingiu o J. no abdómen (fls. 145, foto 38) terá sido efectuado através da porta, uma vez que os danos corporais resultam claramente de chumbos dispersos, encontrados também no cortinado da janela;
7. Que o disparo que atingiu o antebraço de J. terá sido disparado a uma distância de cerca de 1 metro, de forma a causar os danos (arrancamento de tecido) visíveis na fotografia de fls. 145 (por se tratar de chumbo 7). O que torna impossível que tenha ocorrido da forma descrita pelo arguido, ou seja, quando estava a puxar a arma para si, e o José de Jesus a segurava debaixo desse seu braço;
8. Que o tiro que atingiu a face da M F tem de ter sido disparado com a arma encostada à cara da vítima, pois não há orifício de saída, tendo todos os chumbos (389!) ficado dispersos no interior da cabeça da vítima - o que, aliado ao facto de o tiro ter sido disparado de baixo para cima, torna impossível que tenha sido disparada na altura em que o arguido terá embatido com o braço na porta, magoando-se, e disparado acidentalmente: o arguido tinha o filho no braço esquerdo, e diz-nos a experiência comum que ao embater com o braço direito, que segurava a arma, na porta, causando dores, a tendência é para baixar o braço, e não levantá-lo, muito menos encostar o cano da arma à cara da ofendida;
9. Que o tiro que atingiu a nuca de J. (a fls. 146, foto 40, nota-se bem que se situa aí o orifício de entrada, o que é confirmado no relatório de autópsia) terá sido disparado a uma distância entre os 5 e os 15 cms., o que extrai ainda da conjugação com o orifício de saída - foto 36, a fls. 144. E que muito provavelmente terá sido disparado quando a vítima se encontrava já no chão, pois a direcção do tiro é de cima para baixo, tendo a força do disparo, ou o arguido, virado o corpo, qualificando este disparo como "tiro de execução", uma vez que a vítima, no chão, estaria já em agonia, fruto do tiro no antebraço (na foto 33, a fls. 143, é mostrada a vítima na posição em que foi encontrada, tendo depois o corpo sido "virado" para ser fotografado).
Assim, conjugados todos os elementos objectivos referidos, afastada por completo a versão defendida pelo arguido, a "acidentalidade" dos disparos, verificando-se a desnecessidade de o arguido continuar a empunhar, pelo gatilho, a arma, depois de saber que o José de Jesus não estava armado, e o perigo de ter o filho mais novo no seu braço esquerdo enquanto praticava os factos, resulta inequivocamente que o arguido se deslocou àquela casa não com o exclusivo objectivo de levar os seus filhos, mas pretendendo algo mais, designadamente dos ofendidos, tendo essa sua vontade e violência resultado na morte, por si pretendida e executada, das vítimas.
Da totalidade dos referidos meios de prova se extrai, sem sombra para qualquer dúvida, o dolo directo do arguido”.

Perante os elementos objectos trazidos aos autos, relatórios da autopsia, reportagem fotográfica, depoimento da testemunha AlR bem andou o tribunal em dar com provados os factos constantes dos pontos 19, 20, e 21.

No que respeita aos factos provados constantes dos pontos 33 e 34 socorrendo-nos das regras da experiência e de um pouco de senso comum os filhos mais velhos do arguido perante o barulho e a violência com que este entrou em casa, teriam que acordar. Mas pondo a hipótese de não terem acordado, acordaram, quando o arguido “rebentou” a porta do quarto da sua mãe. E, também, de acordo com a experiência comum é óbvio que houve troca de palavras, entre o arguido e ofendidos, houve certamente gritos perante tanta violência, pelo que os menores ficaram a saber que o pai tinha entrado em casa e tiveram a noção do que estava a ocorrer.

É óbvio que o arguido ao actuar da forma descrita sabia que atingia os corpos dos ofendidos em zonas vitais para a vida humana e que ao disparar aquela arma àquelas curtas distâncias, em direcção às zonas corporais descritas, tiraria a vida aos ofendidos, o que também quis e conseguiu. O arguido agiu desta forma pelo facto de a ofendida pretender recomeçar uma nova vida e o ofendido ir viver com a ex-mulher e os seus filhos.

Resulta, também, dos autos e socorrendo-nos da experiência comum que o arguido com a sua actuação, surpreendeu os ofendidos, ao introduzir-se na residência à hora e modo como o fez indiferente à presença dos quatro filhos menores e sempre indiferente ao desespero e à agonia dos ofendidos.
Perante os factos apurados e a sua motivação não procede a critica do recorrente. Este esquece a prova produzida e as regras da experiência e sobrevaloriza a sua apreciação subjectiva do que deveria ter sido considerado provado, querendo fazer prevalecer a sua versão dos factos, sem apoio na prova produzida.
É de notar que o juiz da 1ª instância é o juiz da oralidade e da imediação da audiência de julgamento, logo está numa posição que lhe permite apreender as emoções, a sinceridade, a objectividade, as contradições, todas os pequenos gestos que escapam no recurso. Portanto, o juiz do julgamento, em virtude da oralidade e da imediação, portanto, do seu contacto, com arguidos, testemunhas, tem uma percepção que escapa aos juízes do tribunal da Relação.
O Tribunal da Relação apenas pode controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha.
Ora, da motivação resulta que a convicção do tribunal não é puramente subjectiva, intuitiva e imotivável, mas antes resultou da livre apreciação da prova, da análise objectiva e critica da prova. A solução a que chegou o tribunal é razoável atendendo á prova produzida e está fundamentada. Na verdade, face a todo o material probatório tudo indica que o tribunal recorrido captou a verdade material.
Do exposto tem este Tribunal de concluir que se encontram preenchidos os elementos constitutivos dos crimes de homicídio qualificado imputados ao arguido.

Sustenta o recorrente que não se encontram preenchidas as circunstâncias qualificativas dos crimes de homicídio imputados ao arguido – als b), e) j) do nº 2 do artº 132 do CPenal.
Como bem vem referido no acórdão recorrido as circunstâncias enunciadas nas diversas alíneas do nº 2 daquele preceito não serão de aplicação automática, por resultar do nº 1 da mesma norma a exigência, de carácter geral, de que o agente tenha agido com “especial censurabilidade ou perversidade” tratando-se os elementos descritos no nº 2 de meros exemplos que poderão – ou não – preencher a exigência do nº 1, dependendo das circunstâncias concretas do caso
(cf Figueiredo dias, “Comentário Conimbricense do Código Penal”,II,,pag, 26)
Estatui o artº 132 nº 2 al b) do CPenal que:
“É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a circunstância de o agente praticar facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em 1º grau”.
No art. 132.º do CP o legislador utilizou a chamada técnica dos exemplos-padrão, estando em causa, pelo menos para parte muito significativa da doutrina, no seu n.º 2, circunstâncias atinentes à culpa do agente e não à ilicitude, as quais podem traduzir uma especial censurabilidade ou perversidade do agente Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 27 e Teresa Quintela de Brito, Direito Penal – Parte Especial: Lições, Estudo e Casos, pág.191.
Assim sendo, é possível ocorrerem outras circunstâncias, para além das mencionadas, se bem que valorativamente equivalentes, as quais revelem a falada especial censurabilidade ou perversidade; e, por outro lado, apesar da descrição dos factos provados apontar para o preenchimento de mais alíneas do n.º 2 do art. 132.º, não é só por isso que o crime de homicídio cometido, deverá ter-se logo por qualificado.
A partir da verificação de circunstâncias que o legislador elegeu, com “efeito de indício” (expressão de Teresa Serra, Homicídio Qualificado. Tipo de Culpa e Medida da Pena, pág. 126), interessará ver se não concorrerão outros factos que, funcionando como “contraprova”, eliminem a especial censurabilidade ou perversidade do acontecido, globalmente considerado. ( Ac. do STJ de 15-05-2008, Proc. n.º 3979/07 - 5.ª Secção)
O cerne do referido ilícito está, assim, na caracterização da acção letal do agente como de especial censurabilidade ou perversidade face às circunstâncias em que, e como, agiu, ou dito de outro modo, está nas circunstâncias reveladoras ou não de especial censurabilidade ou perversidade que integraram a acção letal do agente.
Como conclui Teresa Serra, in Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, Coimbra, 2003, p. 124:
“3. O critério generalizador do artigo 132º integra um tipo de culpa fundamental que permite caracterizar de forma autónoma a atitude especialmente censurável ou perversa do agente.
4. Só no âmbito de um conceito material de culpa susceptível de graduação, tendo como objecto de referência próprio o maior ou menor desvalor da atitude do agente actualizada no facto, a função de tipos de culpa agravadores da moldura penal pode ser inteiramente compreendida.”
O legislador apesar de optar pela técnica dos exemplos padrão, consubstanciados no artigo 132º funda-se porém “na combinação de um critério generalizador, constituído por uma cláusula geral de agravação penal, com uma enumeração exemplificativa de circunstâncias agravantes de funcionamento não automático” (Ac STJ de 21/10/2009, proc. 589/08.6PBVLG.S1).
Diz Paulo Pinto de Albuquerque – Comentário do Código Penal, p. 340, nota 4 – que: “Os laços familiares básicos com a vítima devem constituir para o agente factores inibitórios acrescidos, cujo vencimento supõe uma especial censurabilidade.”
Sustenta o recorrente que o facto de se tratar da ex-mulher não é suficiente para se concluir pela especial censurabilidade. Tem razão. É necessário “averiguar se as relações existentes correspondem à razão de ser da agravante”.
O certo é que dos factos apurados resulta que o relacionamento do arguido e da ofendida foi sempre pautado pela violência. O arguido mostrou sempre um carácter ciumento e violento e ficou revoltado quando teve conhecimento da nova relação da esposa e nem o facto de ele próprio já ter, também, uma nova relação sendo até que a sua nova companheira estava grávida de gémeos, o conteve. Assim, quando soube que o ofendido ia pernoitar na casa morada de família com a sua ex-mulher, dois dias depois de chegar a Espanha aonde ia começar a trabalhar e poucos dias depois de ter sido decretado o divórcio, regressou a Portugal. Aqui chegado, muniu-se de uma espingarda, dirigiu-se, de imediato a casa da ofendida, rebentou com a porta de entrada a tiro e a tiro rebentou com a porta do quarto e mata a ofendida e o seu companheiro, indiferente aos seus filhos que se encontravam no quarto ao lado e ao filho de 18 meses que se encontrava junto da mãe e que o arguido pegou ao colo. O arguido, nem nos filhos pensou. Se o casamento tinha terminado. Se não havia ciúmes, se a regulação de poder paternal estava devidamente efectuada com o seu acordo o que é que justifica tal atitude?
O arguido apresenta uma personalidade fria, insensível e distanciada do Direito que, necessariamente, a sua culpa, tão elevada, só encontra reflexo adequado nos parâmetros da especial censurabilidade ou perversidade.
A ofendida viveu com ele, havendo desta união quatro filhos comuns.
Quatro filhos, que o obrigava a ter uma ligação de respeito e tolerância com a mãe dos seus filhos, com quem teria sempre que manter, pelo menos uma relação cordial, quanto mais não fosse, pelo bem dos seus filhos.
No entanto, o arguido, esquecendo todos os laços que tinha movido pelo ciúme e revoltado com a nova relação da ex-mulher, dispôs-se a vir de Espanha e acabar com a vida da ofendida e do seu companheiro e isso já mostra a sua frieza, confirmam-na e põem-na em relevo as circunstâncias e o modo como actuou surpreendendo a ofendida e companheiro, no seu quarto e disparando contra os mesmos.
O arguido actuou com um grau de culpa de tal modo acentuado, que concretiza de forma inequívoca os conceitos de especial perversidade e censurabilidade. “

Dispõe o artº 132 nº 2 al e) que:
“É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a circunstância de o agente ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil”.
Como já referimos o arguido pretende fazer crer que a sua preocupação em voltar a Portugal o bem estar dos filhos e o destino da casa de morada de família. Então porque é que dias antes acordou em que os menores ficassem à guarda da mãe? Mais se a preocupação era tanta primeiro resolvia os problemas com os filhos e depois ia para Espanha. Não, o arguido, regressa, à noite, vai à casa aonde se encontram os filhos motivo da sua grande preocupação, derruba a porta a tiro, entra no quarto da mãe dos seus filhos, tira o filho de 18 meses que aí se encontrava a dormir e procede aos disparos letais sempre com o filho de 18 meses ao colo, sabendo que os outros filhos estavam no quarto ao lado e que estavam conscientes do que se estava passar, completamente indiferente ao estado de pânico e permanente choro das crianças e esquecendo que retirava a vida à mãe dos seus filhos, um ponto de equilíbrio em qualquer criança, um marco na vida de qualquer criança. Era grande a preocupação do arguido.
O arguido apesar de ter uma companheira não viu com bons olhos que a sua ex-mulher pudesse refazer a sua vida, com os seus filhos e na casa morada de família e foi isso que o moveu na sua actuação.
O arguido agiu de modo egoísta, intolerante, prepotente, mesquinho, mostrando até insensibilidade moral e desprezo pela vida humana.
Agiu, pois, o arguido de modo fútil.

Dispõe o artº 132 nº 2 al j) que:
“É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a circunstância de o agente agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas”.
A frieza de ânimo está relacionada com o processo de formação da vontade de praticar o crime e é entendida como a conduta que traduz calma, reflexão e sangue frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na execução (ac.STJ de 30/9/99, proc. 36/99-3ª sec.SASTJ, nº33, pg 94.
Como refere o Prof Eduardo Correia em “Direito Criminal, II, 1965, pg 301, “É que, diz-se, tal firmeza, tenacidade e irrevogabilidade de uma resolução previamente tomada revela uma forte intensidade da vontade criminosa. Efectivamente, a circunstância de mediar um grande intervalo de tempo entre o momento em que, definitivamente, a resolução criminosa se formou e a sua execução, ou seja a pertinácia da resolução, a mora habens, mostra não só que o criminoso teve uma larga oportunidade, que não aproveitou, para se deixar penetrar pelos contra-motivos sociais e ético-jurídicos de forma a, pelo menos transitoriamente, desistir do seu desígnio, mas ainda que a paixão lhe endureceu totalmente a sensibilidade e sobretudo que a força de vontade criminosa é de tal maneira intensa que o agente, largo tempo depois de tomar a resolução, pratica o respectivo crime sem hesitação como mero déclancher da decisão tomada prévia e longinquamente. Certo que o critério referido envolve uma relativa margem de incerteza, na medida em que o tempo de permanência de uma resolução previamente tomada, até à sua execução, considerado necessário para revelar uma especial perigosidade ou a possibilidade de uma normal intervenção de contra-motivos, só pode ser fixado por apelo às regras da experiência. Mas isto corresponde à natural fragilidade de todos os conceitos que se relacionam com os factos humanos e pode ser corrigido pela existência formal da fixação de um certo lapso de tempo, especialmente quando à premeditação correspondam efeitos agravantes particularmente graves”.
Ora, no caso vertente, o arguido, desde que toma a decisão de regressar a Portugal deixa transparecer uma resolução criminosa e toda a sua conduta leva a esse fim.
O arguido, dois dias depois de se encontrar em Espanha onde iria começar a trabalhar, regressa a Portugal depois de tomar conhecimento que a sua ex-mulher pretende iniciar uma vida em comum com o seu companheiro. Faz uma deslocação de algumas centenas de Kms. Chega à sua residência vai buscar a sua arma de caça semi-automática de calibre 12 e vários cartuchos alguns deles logo introduzidos no carregador. Dirige-se, de seguida, a Moreira de Baixo, à casa onde estavam os ofendidos e os seus filhos. Entra na casa da ofendida mediante um disparo que rebentou a fechadura da porta principal dessa casa e introduziu-se no quarto onde se encontrava a ofendida deitada com o filho de 18 meses e o seu companheiro, mediante arrombamento da porta (batendo com a arma, disparando um segundo tiro através da porta e usando da força física para forçar a abertura). De arma empunhada e com dedo no gatilho retirou a criança à mãe e apontou a arma à ofendida e efectuou mais um tiro, o terceiro, agora «de contacto», na cabeça da ex-mulher e dá mais um tiro, desta vez sobre o ofendido José Martins (já ferido por diversos bagos de chumbo do disparo efectuado através da porta do quarto), atingindo-o no braço esquerdo para, logo de seguida, voltar a disparar sobre este ofendido e sempre com a criança ao colo e sempre indiferente quer “ao alarme provocado pela violência da sua chegada e pela exibição da caçadeira, quer ao terror provocado nas vítimas, quer ao estado de pânico dos três filhos (o José Micael, de 11 anos, e as gémeas Diana e Daniela, de 6 anos de idade) que, num quarto anexo, vivenciaram os sons violentos dos diversos disparos e as conversas mantidas entre o arguido e as vítimas e que sempre tiveram plena consciência de que o intruso era o pai e que este abatera a mãe e o actual companheiro, na presença do filho mais novo”.
Sem dúvida que o arguido agiu com frieza de ânimo já que toda a sua conduta revela calma na sua preparação e execução e persistência na sua resolução. Demonstra completa indiferença pela vida humana e completo desrespeito e insensibilidade pelos sentimentos dos filhos.,
Toda a actuação do arguido é um exemplo extremo de frieza de ânimo e revela uma especial censurabilidade e perversidade.

Sustenta o recorrente que as penas aplicadas pecam por exageradas, devendo situar-se nos limites mínimos.
A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C. Penal.
O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Como ensina Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121):“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”
Aduz o mesmo Ilustre Professor –As Consequências Jurídicas do Crime, §55 que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida’”.
Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – in ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.”
Ou, e, em síntese: “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- v. FIGUEIREDO DIAS, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss.
Como vem referido no AC do STJ de 21/10/2009 acima citado, e que seguiremos de perto: “A função da culpa encontra-se consagrada no artº 40º nº 2 do Código Penal que estabelece: Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
É no âmbito do exposto, que o Supremo Tribunal vem interpretando sobre as finalidades e limites da pena de harmonia com a actual dogmática legal.
Como resulta, v. g. do Ac. do Supremo de 15-11-2006, Proc. n.º 3135/06 - 3.ª Secção, o modelo de prevenção acolhido pelo CP - porque de protecção de bens jurídicos - determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
O nº 2 do artigo 71º do Código Penal, estabelece: Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b)A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.
Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito, do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados”.
O Tribunal Colectivo fundamentou da seguinte forma:
“Assim, para os efeitos do art. 71º, n.º 2, do Código Penal, relevam designadamente as seguintes circunstâncias concretas:
- o facto de ter agido na forma mais grave de culpa, a saber, o dolo directo;
- a forma de execução dos crimes de homicídio, extremamente violenta, conforme se encontra plasmado nos factos provados - entrando na casa onde ocorreram os factos de madrugada, quando todos dormiam, de forma muito violenta, disparando um tiro de caçadeira contra cada uma das portas, e não hesitando em disparar contra órgãos vitais das vítimas -, demonstrando o arguido grande insensibilidade e desprezo pelo valor da vida humana;
- a persistência na produção do resultado típico, manifestada na frieza de ânimo da sua actuação, não hesitando em disparar uma arma de fogo particularmente perigosa, pelas suas características, produzindo um único tiro danos corporais muito extensos;
- o facto de ter praticado tais actos na presença de um filho de 18 meses de idade, indiferente aos danos físicos que também este pudesse sofrer no decurso da actuação criminosa do arguido, e com os outros filhos de 6 (gémeas) e 10 anos de idade num quarto próximo, demonstrativo de especial crueldade, porquanto uma das vítimas foi a própria mãe, e total indiferença pelos danos psíquicos profundos que de forma necessária iria causar aos seus filhos;
- os sentimentos torpes manifestados no cometimento do crime, pois uma das vítimas fora, até pouco tempo antes dos factos, sua mulher, e era a mãe dos seus filhos, que não coibiu de deixar órfãos, demonstrativo de um elevadíssimo grau de culpa e de uma total indiferença pelos filhos;
- os crimes e a forma como foram cometidos são, por si só, geradores de grande alarme social e repúdio das pessoas em geral, dificultando a reinserção dos arguidos, mais vincado face à forma como foram cometidos e o envolvimento de 4 crianças inocentes, o que eleva as exigências de reafirmação da norma jurídica violada;
- contar já o arguido com antecedentes criminais pela prática de crimes contra as pessoas (ofensas corporais), podendo-se extrair ter o arguido um carácter violento, que praticou, aliás, durante o seu casamento com a vítima.
A favor do arguido, consideramos o seguinte:
- o facto de o arguido ser considerado pessoa trabalhadora, educada e respeitadora;
- a sua humilde condição cultural e social;
- o facto de se ter ele próprio dirigido à GNR, denunciando os factos praticados, em lugar de se colocar em fuga.
Temos, desta forma, uma culpa de considerar muito elevada, uma ilicitude igualmente elevada, necessidades de prevenção geral elevadas, bem como de prevenção especial.
O carácter revelado pelo arguido e o elevado grau de culpa impõem que as penas concretas a aplicar se situem acima do ponto médio abstractamente encontrado, impondo-se ainda uma distinção das penas concretas a aplicar para cada um dos crimes de homicídio.
Dentro das molduras abstractas acima referidas, julgam-se proporcionais e
adequadas à culpa do arguido as seguintes penas concretas:
- 20 anos de prisão para o crime praticado contra a MF;
- 18 anos de prisão para o crime praticado contra o Js;
- 2 anos de prisão para o crime de detenção de arma proibida.
*
Importa agora operar o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido, nos termos do art. 77º, n.º 1, do Código Penal, tendo em consideração a globalidade dos factos praticados e a personalidade do arguido.
A moldura abstracta do cúmulo situa-se entre os 20 e os 40 anos de prisão ­diminuídos para 25 anos de prisão, conforme imposto pelo n.º 2 do preceito citado.
A consideração global dos factos provados é de uma ilicitude extrema, extraindo-se dos mesmos, como acima se referiu, que o arguido tem uma personalidade totalmente desconforme às regras morais, sociais, familiares e jurídico-penais, impondo de forma natural que lhe seja aplicada a pena máxima prevista no nosso ordenamento jurídico”.
“As circunstâncias factuais determinativas da aplicação do direito e, da medida concreta da pena são apenas aquelas que constam da decisão em matéria de facto - matéria de facto provada – e não a instrumentalidade fáctica em que eventualmente se apoiasse o raciocínio ponderativo dos julgadores para firmarem sua convicção, mas não referenciada ou acolhida na decisão da matéria de facto apurada”.
Valorando a matéria fáctica provada nos termos do artº 71º nºs 1 e 2 do CP, há que ter em conta:
O grau de ilicitude do facto: o mais elevado, pois que a violação do direito à vida é o bem primeiro, o suporte de todos os bens da tutela jurídica;
O modo de execução: todo a actuação do arguido desde que saiu de Espanha até entrar em casa da ofendida e de modo brutal com uma arma de caça semi-automática de calibre 12 atirou contra a ofendida e o seu companheiro.
A gravidade das consequências: atinentes à quantidade, natureza e características das lesões que directa e necessariamente produziram a morte.
A intensidade do dolo: específico, pois que o arguido quis atingir a sua ex-mulher e o seu companheiro, de forma a retirar-lhe a vida, fim que conseguiu alcançar.
O arguido manifestou indiferença pela vida da ex-mulher com quem tinha vivido e era a mãe dos seus quatro filhos, indiferença por deixar os seus filhos órfãos, manifestou, ainda, indiferença pela vida do companheiro da sua ex-mulher e pelo estado dos seus filhos que no quarto ao lado se aperceberam do que se estava a passar, não esquecendo que trazia colo o seu filho de 18 meses, que a tudo assistiu e que nem esse facto, o coibiu de cometer tão tresloucado acto.
Os motivos e fins determinantes: agiu revoltado com a nova vida que a ofendida tencionava levar e das implicações para os filhos, movido pelo ciúme e preocupado com o destino da casa de morada de família e com os seus filhos.
O arguido é considerado como pessoa trabalhadora.
A conduta anterior e posterior ao facto: Do seu certificado de registo criminal consta o seguinte:
- em 20/12/1995 foi julgado e condenado nos autos de Processo Comum Singular nº ../93 do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, por um crime de ofensas corporais simples e de dano, tendo o primeiro sido extinto por amnistia e no segundo na pena de 30 dias de multa à taxa diária de 500$00, ou em alternativa 20 dias de prisão, que seria perdoada nos termos do artº 8º, nº 1, aI. c) e 3, da Lei 15/94, tendo em 18/09/97 sido definitivamente declarada extinta;
- em 27/01198, foi condenado na Alemanha;
- em 31/10/2001 foi julgado e condenado nos autos de Processo Comum Singular nº../2001 do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, por um crime de desobediência simples e condução perigosa, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 700$00, no montante global de 105.000$00 ou em alternativa 100 dias de prisão subsidiária, tendo em 19/03/2004 sido declarada extinta;
- em 18/02/2004 foi julgado e condenado nos autos de Processo Sumário nº …/03.4TBNLS do Tribunal Judicial de Nelas, por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 115 dias de multa, à taxa diária de C 5,50, no montante global de € 632,50 e ainda na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de doze meses, declarada extinta em 30/03/2005;
- em 25/09/2007 foi julgado e condenado nos autos de Processo Comum Singular nº …/05.9GANLS do Tribunal Judicial de Nelas, por um crime de ofensa à integridade física, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa à taxa diária de C 5,00, no montante global de € 600,00, tendo em 20/11/2007 sido declarada extinta.
“A prevenção geral atinge as suas exigências mais prementes ou mais elevadas, o seu expoente máximo de maior intensidade dissuasora na punição do crime de homicídio, em que a reposição contrafáctica da norma violada pressupõe o restabelecimento da confiança da comunidade na norma violada, pois que ninguém se sentirá seguro, nem haverá sociedade que subsista se a punição das actuações homicidas ficar aquém da necessidade, forem inadequadas ou desproporcionais ao âmbito de protecção da norma na defesa e salvaguarda da vida humana”.
Qualquer crime de homicídio praticado sorrateiramente, na intimidade da nossa casa, no nosso porto seguro de forma fria e bárbara, faz vibrar o clamor de qualquer sociedade humana onde ocorra.
Por sua vez, as exigências de prevenção especial, mostram-se intensas, na medida em que o arguido demonstrou ter uma personalidade que não respeita os valores humanos, age emotivamente, com pouca capacidade de controlo e é bastante agressivo.
A culpa do arguido, por sua vez, é muito elevada, traduzindo qualidades especialmente desvaliosas em termos de relevância jurídico-penal, pelo desvalor da acção que quis empreender e do desvalor do resultado que procurou e conseguiu atingir.
As circunstâncias anteriores, contemporâneas e posteriores ao crime, constantes da matéria de facto provada não diminuem a ilicitude do facto nem a culpa do arguido, para que a pena mereça ser atenuada.
Do exposto temos que as penas aplicadas quer para os crimes de homicídio qualificado, quer para o crime de detenção de arma ilegal mostram-se justas, equilibradas e proporcionais.

Sustenta o recorrente que a indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais sofridos pelos filhos do ofendido, J., € 30.000,00 para cada um deles, é exagerada.
Quanto aos danos não patrimoniais são estes insusceptíveis de avaliação pecuniária porque não atingem o património e daí que a indemnização correspondente deve ser fixada segundo a equidade – art 566 nº 3 do CCivil – tendo-se em conta o grau e culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso - arts 496 nº 3 e 494 do Ccivil.
E como refere Dario de Almeida no Manual dos Acidentes de Viação, pg 127 a medida da sua gravidade “fica sempre dependente do prudente arbítrio do juiz, segundo a natureza das coisas e a dignidade que a ordem jurídica atribui à pessoa humana.
Nesta perspectiva se o prazer compensa a dor, embora em sentido impróprio, não é de todo em todo ilusório procurar obter a reparação, através dos prazeres que o dinheiro pode facultar”.
A indemnização fixada a este título reconduz-se a uma mera compensação pela dor sofrida.
No que respeita à compensação pelos danos morais pela morte do J. atendendo á violência com que tudo ocorreu o que traz muito mais sofrimento aos familiares, ficando os filhos privados do seu convívio em idades que muito necessitam do pai, principalmente o filho menor que contava com 15 anos à data dos factos, uma idade difícil e que necessita de apoio, entende-se que a quantia arbitrada se mostra justa, equilibrada e proporcional.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo-se o douto acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 10 ucs.

Coimbra,