Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
33/07.6TBSRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
NOTIFICAÇÃO MANDATÁRIA
ADMOESTAÇÃO
ARTº 175º
Nº 4 DO CÓDIGO DA ESTRADA
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 09/24/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA SERTÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 118º,127º DO CPP, 23º,47º ,50º,54º,59º DO RGCO
Sumário: 1. A autoridade administrativa, não tem a obrigação de proceder à audição das testemunhas apresentadas pelo arguido se este obteve o deferimento total do seu pedido, tendo a sanção de inibição de conduzir sido fixada no período mínimo, bem como a duração da sua suspensão.
2. A não notificação da decisão administrativa à mandatária constituída do recorrente constitui irregularidade que não nulidade.
3. Sucede porém que não existe norma que permita substituir a sanção de inibição de conduzir por admoestação.
4. O artº 175º, nº 4 do Código da Estrada não é inconstitucional.
Decisão Texto Integral: Rec. 33/07.6TBSRT.C1

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO


Em processo de contra-ordenação da Direcção Geral de Viação Centro, Delegação de Castelo Branco, NG, tendo já feito oportunamente o pagamento voluntário da coima, foi condenado em 30 dias de inibição de conduzir, suspensos na sua execução pelo período de 180 dias, pelo facto de no dia 22 de Maio de 2006, pelas 10,16 horas, conduzir o veículo ligeiro de mercadorias, com matrícula XX-XX-XX, na EN 241, km 29,1, à velocidade de 76 km/hora, sendo a velocidade máxima de 50 km/hora, factos esses integradores da contra-ordenação p. e p. pelos artºs 27º nºs 1 e 2 a) 2º e 138º e 145º c), todos do Código da Estrada.

Não se conformando com esta decisão, dela o arguido interpôs recurso de impugnação para o Tribunal Judicial da Comarca da Sertã.

A decisão aí proferida negou provimento ao recurso, confirmando na integra a decisão da Direcção Geral de Viação.

Inconformado, com tal decisão, traz o arguido o presente recurso para este Tribunal da Relação:

Na sua motivação conclui:

“ 1- Ao Recorrente foi aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, suspensa na sua execução por um período de 180 dias, sem prestação de caução.
2- O Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida pelo Tribunal, vindo da mesma interpor o presente recurso;
3- Foi dado como provado na sentença, que o Recorrente exerce as funções de engenheiro numa empresa de Porto de Mós, necessitando de se deslocar diariamente para prestar apoio técnico a obras adjudicadas à empresa onde trabalha;
4- Igualmente, considerou o Tribunal que o Recorrente é um "condutor cuidadoso", porém, o Meritíssimo Juiz de Direito menosprezou essa circunstância;
5- Além do mais, também se deverá valorizar o comportamento do Recorrente, que se mostrou cooperante, tendo procedido ao pagamento, de imediato e voluntariamente, da coima;
6- Esta conduta do Recorrente revela a sua manifesta boa fé e o respeito que nutre pelas autoridades, bem como pelas regras estradais.
7 - Atendendo à personalidade do arguido, às suas condições de vida e a sua conduta posterior e anterior à contra - ordenação e às circunstâncias, a simples censura ao facto e a ameaça de inibição de conduzir realizada de forma adequada e suficiente a finalidade da punição;
8- Assim sendo, e tendo em conta o supra exposto, entende o Recorrente, que não deveria ter sido condenado em nenhuma sanção acessória, sendo bastante a pena de admoestação.
9- Relativamente às duas nulidades arguidas, devem ambas serem consideradas procedentes.
10- Quanto à nulidade da sanção administrativa sempre dirá que ocorreu, porque não foram inquiridas duas testemunhas a requerimento do Recorrente; o art. 50° do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro estabelece o Direito à audição e defesa do arguido, e o art. 119° c) e d) do CPP referem nulidades insanáveis que têm a ver o princípio da defesa do arguido.
11- O Direito à audição e defesa do arguido está consagrado no art. 32° da Constituição da República Portuguesa. O nº 10 estabelece especificamente que "nos processos de contra-ordenação, bem como quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa"
12- É preocupante ler afirmações que constam na p. 3 da sentença, que com alguma leveza afirma "sendo a inquirição de testemunhas um meio de prova perfeitamente dilatório e sem utilidade"!!!!
13- O princípio do contraditório é de tal forma um direito basilar de um Estado de Direito democrático, que é o que verdadeiramente separa um Estado moderno, civilizado, de um Estado ditatorial; e um órgão de soberania como um Tribunal, nunca deve ceder á tentação de considerar que ouvir duas testemunhas é dilatório ou sem utilidade, sob pena de em vez de justiça, termos uma imposição.
14- Nesta posição, o Recorrente, não deve nem pode ceder, tendo em conta os mais altos valores que aqui se levantam em defesa do princípio do contraditório; deve, pois, ser considerada nula a sentença, por não ter sido inquiridas as duas testemunhas a Requerimento da Requerente, com os efeitos do art. 122° do CPP.
15- Relativamente à falta de notificação da mandatária que não foi notificada, como deveria, da decisão proferida, se dirá que nos termos do art. 47° do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, deveria ter ocorrido notificação da decisão proferida (nº 2); aliás, mesmo com a aplicação subsidiária do processo criminal, nos termos do art. 41°, que nos remeteria para o art. 133° n° 9 do CPP.
16- A aludida falta de nomeação constitui uma nulidade dependente de arguição, sendo que o nº 2 do art. 120° do CPP estabelece que constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais (A Lei aqui não é taxativa, mas meramente enunciativa).
17 - Ou seja, a não se considerar abrangida pela alínea b) do nº 2 do art. 120° do CPP, sempre o será conjugando o nº 2 do art. 120°, com o art. 47° do DL 433/82, de 27 de Outubro, bem como do art. 41° do referido Decreto-Lei conjugado com o art. 133° n° 9 do CPP.
18- Considerar que a falta de notificação ao Defensor nomeado é de "natureza inócua", é considerar que a obrigação legalmente estabe1ecida não é para respeitar. O Recorrente vem, pois, arguir a nulidade descrita, com os efeitos do art. 122° do CPP.
19- Além do exposto, o Recorrente tem de sublinhar o PARADOXO em que a incorre a sentença nas páginas 6 e 7. Por um lado, salienta que o Código da Estrada, no seu art. 175° nº 4 refere que "o pagamento voluntário da coima não impede o arguido de apresentar a sua defesa, restrita à gravidade da infracção e à sanção acessória aplicável..
Contudo, a sentença continua " o objecto dos autos está, assim, legalmente limitado nos termos do mencionado preceito (!). Não pode o Tribunal, nestas circunstâncias, aferir da prática ou não da contra­-ordenação, pois que o arguido/recorrente, ao pagar a coima pelo mínimo, assume a referida prática (!!!). Deste modo é totalmente irrelevante e não pode ser neste momento atendido pelo Tribunal o alegado pelo recorrente quantos aos factos integradores da contra-ordenação que lhe é imputada".
20- Existe jurisprudência recente, e mais esc1arecedora:
- Não há "confissão" dos factos. Não fazia sentido que tal se considerasse no caso do pagamento imediato. que ocorre no interesse do Estado e do próprio (ainda só) autuado; aliás, se não fosse possível discutir-se a existência da infracção, estaríamos em face de norma violadora do n° 1 do artº 32° da CRP, e por isso, inconstitucional já que estariam a restringir direitos fundamentais. - vide Acórdão de Tribunal da Relação de Guimarães, de 17-09-2007, votado por unanimidade (proc. nº 1340/07-2).
- O Segmento do arte 175º n° 4 Código da Estrada, em que se diz que depois de paga a coima apenas se pode apresentar defesa restrita à gravidade da infracção e à sanção de inibição de conduzir "aplicável", sem discutir a verificação/cometimento da infracção é inconstitucional, por afastamento injustificado da garantia de todos os direitos de defesa "devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros interesses constitucionalmente protegidos" - art. 18 nº 2 CRP. - Acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra, datado de 9-5-2007, votado por unanimidade (proc. nº 127/06.5TBPNC.Cl).
21- Mais importante que reaver o montante pago, e todavia mais relevante para o Recorrente, ver reduzida a qualificação de "grave" para "leve", e ser retirada a pena acessória, ainda que suspensa.
22- Ainda que assim não se decida, deverão ser procedentes as nulidades invocadas, e ser repetida a audiência de julgamento, de forma a garantir o princípio do contraditório, consagrado ab initio na Constituição da República Portuguesa, sendo um princípio basilar do nosso sistema jurídico.”.
O Ministério Público respondeu, concluindo que o recurso deve improceder.

O Exmº Procurador-Geral Adjunto nesta Relação é de parecer que o recurso deverá ser julgado procedente.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

Com relevância para a decisão do presente recurso, vejamos desde já a matéria de facto dada como provada na 1ª instância:

1- No dia 22-05.2006, pelas 10:16, o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula XX-XX-XX, conduzido pelo arguido NG, portador do B.I. n.º 000000000, e da carta de condução n.ºC-YYYYY, residente em CV, circulava na EN n.º 241 Km 29,1, à velocidade de 76 km/h correspondente à velocidade de 81 km/h, quando a velocidade máxima permitida no local de 50 km/h.
2- A velocidade foi verificada através do radar multanova MUVR6FD , aprovado pela DGV em 28.04.2003, através do despacho DGV 8036/03, oficio IPQIMLR91, de 09.02.05..
3- Por decisão proferida em 12.10.2006, pelo Governo Civil do Distrito de Castelo Branco, no auto de contra-ordenação n.º 250246783, foi o arguido NG, condenado, pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelos artigos 27.º, n.ºs 1 e 2, 138.º e 145.º al. c) do Código da Estrada, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, suspendendo-se a execução da mesma por um período de 180 dias, não condicionada à prestação de caução de boa conduta.
4- O arguido não procedeu com o cuidado a que estava obrigado.
5- O arguido procedeu ao pagamento voluntário da coima, pelo montante mínimo, que lhe foi aplicada pela prática dos factos que lhe são imputados.
6- O arguido apresentou defesa junto da autoridade administrativa.
7- O arguido não tem averbado no seu Registo Individual do Condutor nenhuma contra-ordenação.
8– O arguido é habitualmente um condutor prudente.
9– O arguido é engenheiro.”.
Motivação da decisão de facto:
“ A convicção do Tribunal fundou-se em todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, nomeadamente, nas declarações do arguido NG e nos depoimentos prestados pelos seus colegas de trabalho VM e PJ que no fundo se limitaram a fazer a prova consignado no facto 8).
Quanto ao arguido, o mesmo confirmou que conduzia a velocidade acima dos 50Km/h.
No que concerne ao elemento subjectivo, a comprovação do mesmo resultou, sobretudo, da circunstância de o arguido ao pagar voluntariamente a coima, assumir a prática da infracção, bem como da consideração das regras gerais da experiência e do normal acontecer dos factos, uma vez que se afigura sobejamente divulgada a circunstância de que é proibido conduzir na via pública ultrapassado os limites legais de velocidade.
Na parte em que os factos não resultaram provados, tal circunstância deve-se à inexistência ou insuficiência de prova, sendo certo que mesmo provando-se os demais factos alegados pelo arguido tal não alteraria o sentido da decisão a proferir, atenta a limitação do objecto da impugnação judicial prevista no artigo 175.º, n.º 4 do Código da Estrada.”.

*

O âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente na sua motivação.

Assim as questões a apreciar são as seguintes:

- Saber se a decisão administrativa padece de nulidade;

- Saber se é possível a pena de admoestação em substituição da sanção de inibição de conduzir;

- Saber se o artº 175º nº 4 CE é inconstitucional.

Passemos à sua apreciação.

A) Da nulidade

Quanto a este ponto, começa o recorrente por alegar que a decisão da autoridade administrativa é nula porquanto não foram inquiridas as duas testemunhas que indicou como meio de prova do alegado no seu requerimento então apresentado.

Pois bem no requerimento apresentado perante a Direcção Geral de Viação, o arguido requereu “ a suspensão na sua execução da sanção acessória de inibição de conduzir nos termos do artº 145º CE por se verificarem os pressupostos da Lei Geral Penal para a suspensão da execução de penas” (Cfr. fls. 8 a 11).

Indicou para suporte desse pedido duas testemunhas:

Conforme se alcança da decisão proferida a fls. 22 e 23, a Direcção Geral de Viação, entendeu ser de “ deferir o pedido de suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir” e consequentemente aplicou ao arguido a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, suspendendo-se a execução da mesma por um período de 180 dias”.

Quer dizer o arguido obteve o deferimento total do seu pedido, tendo a sanção de inibição de conduzir sido fixada no período mínimo, bem como a duração da sua suspensão.

Será que a autoridade administrativa, não obstante se lhe afigurar o deferimento do requerimento, ainda assim tinha a obrigação de proceder à audição das testemunhas?

Cremos que a resposta não pode deixar de ser claramente negativa.

Prescreve o nº 10 do artº 32º da CRP que “ nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”.
Daí que o artº 50º do RGCO, tenha consagrado que:
“ Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.
Ora o que daqui decorre é que, mesmo na fase administrativa do processo de contra-ordenação, não é possível condenar o arguido sem lhe assegurar previamente a possibilidade de se defender.
Porém essa faculdade de que o arguido goza de se poder pronunciar sobre o caso, não o obriga a que se pronuncie, o que é essencial é que lhe seja assegurada essa possibilidade.
E essa possibilidade foi efectivamente concedida ao recorrente, tendo este apresentado o requerimento em causa, indicando as tais duas testemunhas.
Sucede porém que nem todas as diligências ou prova oferecida tem de ser obrigatoriamente aceite.
Como referem Simas Santos e Lopes de Sousa· cabe “ à entidade que dirige o processo de contra-ordenação deferir ou não a realização das diligências requeridas, devendo abster-se de realizar as que se lhe não afigurem de utilidade para a descoberta da verdade. “.
Na verdade, nesta fase administrativa vigora o princípio do inquisitório, como decorre, nomeadamente, do artigo 54.º do RGCO e à semelhança do que se verifica no processo criminal, no que concerne ao inquérito e instrução.
Assim é a entidade que dirige a investigação e instrução do processo contra-ordenacional que cabe escolher quais os meios de prova a utilizar para prova dos factos cujo conhecimento releve para a decisão. O arguido pode requerer a realização de diligências, mas a decisão sobre quais as diligências a realizar na fase administrativa do procedimento cabe às autoridades que devem levar a cabo a investigação e a instrução (cfr. AcRP 08.06.04, Pº 0842856, www.dgsi.pt).
Ora no caso vertente, verificando a entidade administrativa que a pretensão do arguido era de satisfazer em pleno, o efeito da audição das testemunhas era manifesta e claramente inóquo, pelo que bem andou em não proceder à sua audição.
Termos em que se julga improcedente a invocada nulidade.

Mas invoca ainda o arguido a existência da nulidade prevista no artº 120º nº 2 b) CPP, traduzida no facto de não ter sido notificada a decisão administrativa à mandatária constituída do recorrente.

Pois bem em matéria de notificação estabelece o artº 47º nº 2 do RGCO, que a notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado.

E mais se consigna no nº 3 do referido preceito que nesse caso o arguido será informado através de uma cópia da decisão ou do despacho notificado.

Pretende-se com a referida notificação garantir que a defensora do arguido tome conhecimento da decisão, com vista a, se assim o entender interpor o respectivo recurso.

O princípio das garantias de defesa consagrado no artº 32º nº 1 da CRP tem o sentido de que o processo penal deve ser justo e leal, ficando por isso proibidas as restrições intoleráveis ou inadmissíveis da possibilidade de defesa dos arguidos.

Ora o direito ao recurso é justamente um elemento integrador das garantias de defesa do arguido, o qual só é preenchido se lhe for dado conhecimento da decisão condenatória que o atinja.

E isto é assim não obstante o recurso não tenha de ser subscrito obrigatoriamente por advogado, pois como é sabido o recurso de impugnação poderá ser interposto pelo próprio arguido (artº 59º nº 2 RGCO).

Dito isto e analisando agora os autos verifica-se que de facto, pese embora já se encontrasse junta, na altura da decisão administrativa, procuração a advogada, o certo é que a respectiva decisão não lhe foi notificada.

Qual a consequência jurídica?
Diz o artº 118º CPP, no seu nº 1 que, “ A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”.
E determina o seu nº 2 que “ Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular”.
Ora acontece que nenhuma norma estipula que a omissão de tal notificação administrativa constitua nulidade, nem tal facto se enquadra nas nulidades enumeradas nos artºs 119º e 120º CPP.
Assim sendo, estaremos perante uma mera irregularidade que deveria ter sido arguida no prazo de três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado (artº 123º nº 1 CPP), o que não aconteceu no caso vertente, pelo que teria de considerar-se sanada.
De todo o modo sempre se dirá que, ainda que assim não fosse, também desse facto não lhe adviria qualquer vantagem, porquanto a não notificação não lhe coarctou o direito ao recurso, objectivo pretendido com a referida notificação.
É que o arguido apresentou tempestivamente a sua impugnação judicial.
Assim sendo improcede manifestamente o recurso quanto a este ponto.
B) Da sanção de inibição de conduzir

Quanto a este ponto entende o recorrente que não deveria ter sido condenado em nenhuma sanção acessória, sendo bastante a pena de admoestação.

Como já referimos o arguido foi condenado na sanção de inibição de conduzir mínima (artº 147º nº 2 CE).

Pretende agora vê-la substituída por uma admoestação.

Sucede porém que não existe norma que permita substituir a sanção de inibição de conduzir por admoestação.

Daí que improceda manifestamente o recurso também quanto a este ponto.

C) Do artº 175º nº 4 do Código da Estrada

Quanto a este ponto, muito embora o arguido não levante expressamente a questão da alegada inconstitucionalidade da norma, o certo é que invoca dois acórdãos das Relações de Guimarães e Coimbra, que identifica, nos quais se entendeu ser o referido preceito inconstitucional.

Por isso entraremos na sua apreciação.
E o que desde já se referirá é que para além de tais acórdãos, poderemos nós citar ainda o acórdão do TC nº 45/2008 DR nº 44, Série II de 2008.03.03, o qual julgou inconstitucional a interpretação do artigo 175.º, n.º 4, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, segundo a qual, paga voluntariamente a coima, ao arguido não é consentido, na fase de impugnação judicial da decisão administrativa que aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir, discutir a existência da infracção.
Sucede porém, que apesar de todo o respeito que tais decisões nos merecem, continuamos a entender que a norma não padece de inconstitucionalidade.
Vejamos porquê.
Estabelece o artº 172º nº 5 CE que“ o pagamento voluntário da coima nos termos dos números anteriores determina o arquivamento do processo, salvo se à contra-ordenação for aplicável sanção acessória, caso em que prossegue restrito à aplicação da mesma”.
E no mesmo sentido vai o disposto no art.º 175º, nº 4 CE quando consigna que “o pagamento voluntário da coima não impede o arguido de apresentar a sua defesa, restrita à gravidade da infracção e à sanção acessória aplicável”.
Significa isto que à permissão legal do arguido pagar a multa pelo mínimo, corresponde a contrapartida de se conformar com a prática da infracção, renunciando à possibilidade de discutir a sua existência e limitando apenas a sua defesa à gravidade e à medida concreta da sanção acessória.
Digamos que o arguido ao pagar voluntariamente tem a compensação de pagar o mínimo da coima e assim evitar uma condenação em coima mais elevada.
E o recorrente sabia disso e aceitou-o implicitamente e por isso no requerimento que apresentou na autoridade administrativa não discutiu o cometimento da contra-ordenação, restringindo-o apenas ao pedido de suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir.
Assim ao optar pelo voluntário pagamento, aceitou que a sua defesa se tivesse que restringir apenas à sanção acessória, nos termos já referidos.
Daí que estando o arguido devidamente esclarecido quanto ao alcance do pagamento voluntária da coima, não pode a norma ser considerada inconstitucional.
Improcede por isso o recurso na sua totalidade.


DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
Fixam a taxa de justiça devida pelo recorrente em nove Ucs (Artº 87º nº 1 b) e 3 CCJ).
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP).
Coimbra, 24 de Setembro de 2008.