Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ORLANDO GONÇALVES | ||
Descritores: | CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL PENA SUSPENSÃO | ||
Data do Acordão: | 05/06/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE TÁBUA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 40.º , N.º1 E 50.º, N.º 1 DO CÓDIGO PENAL, 3.º, N.º2 DO DECRETO-LEI N.º 2/98, DE 3 DE JANEIRO | ||
Sumário: | A suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo em caso de conclusão do tribunal por um prognóstico favorável ( à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização) , se a ela se opuserem as finalidades da punição nomeadamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra. Relatório Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Tábua, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo sumário, o arguido A..., solteiro, desempregado, natural da freguesia de M…, concelho de Tábua, residente em Tábua, imputando-se-lhe a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, com referência ao disposto nos artigos 121.º, n.º1, 122.º, n.º1 e 123.º, n.º1, todos do Código da Estrada. Realizada a audiência de discussão e julgamento – durante a qual foi comunicada uma alteração não substancial dos factos nos termos do art.358.º do C.P.P. – o Tribunal Singular, por sentença proferida a 26 de Janeiro de 2009, decidiu - Condenar o arguido A..., pela autoria material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 26.º do Código Penal e artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, por referência ao disposto nos artigos 121.º, n.º1 e 123.º, ambos do Código da Estrada, na pena de prisão de 7 (sete) meses; e - Determinar que a pena de prisão aplicada seja cumprida em dias livres, por 42 (quarenta e dois) períodos sucessivos correspondentes a fins-de-semana, cada um deles com a duração mínima de trinta e seis horas, equivalendo cada um dos períodos a 5 dias de prisão contínua, devendo iniciar-se no primeiro fim-de-semana após o trânsito em julgado desta decisão e devendo ser descontado no último período a cumprir o equivalente a 1/5 da sua duração. Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1. A sentença recorrida viola os art. 40.º, 70.º e ss do Código Penal; 2. Com efeito, de tais normativos legais decorrem, genericamente, várias regras a que se tem de atender na aplicação das penas, mormente: que a pena de prisão só deverá ser aplicada aos crimes graves, tais como os violentos e os organizados, que a pena de prisão efectiva só deverá ser aplicada quando nenhuma outra alternativa, legalmente prevista, satisfaça condignamente as exigências da punição, em concreto das regras de prevenção geral e especial e, finalmente, que a aplicar-se a pena de prisão, a mesma deverá ser adequada e proporcional a cada caso; a sentença recorrida não observou qualquer destas orientações em vigor no nosso ordenamento jurídico, antes tendo equiparado o crime em apreço com um violento e ou organizado, ao aplicar uma pena de prisão efectiva; 3. Atento o que foi dado por provado na sentença ora recorrida (quanto à personalidade do arguido, às suas condições de vida actuais e de futuro próximo, bem como às circunstâncias do crime em referência), as regras norteadoras da aplicação da pena de prisão em vigor (supra referenciadas), e as necessidades de prevenção geral e especial, tudo será respeitado e devidamente acautelado com a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, por período não inferior a dois anos; 4. Inclusivamente, a simples ameaça da prisão já produziu os seus efeitos pois, o arguido não só vendeu, entretanto, o veículo que conduzia, como obteve o atestado médico indispensável à obtenção da licença de condução, tendo-se inscrito numa escola de condução em Arganil; 5. Por forma a reforçar a realização das finalidades da punição, tal suspensão da execução deverá ser subordinada ao dever de apresentar em Tribunal, no mesmo prazo de dois anos, comprovativo de obtenção da licença de condução. 6. Tudo nos termos e para os efeitos dos art.50.º e ss do Código Penal. O Ministério Público na Comarca de Tábua respondeu ao recurso interposto pelo arguido pugnando pela total improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida. O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da confirmação integral da douta sentença recorrida. Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Colhidos os vistos, cumpre decidir. Fundamentação A matéria de facto apurada e respectiva convicção constante da sentença recorrida é a seguinte: Factos Provados 1) No dia 24 de Dezembro de 2008, pelas 17h45, na EN 337, ao Km 75,50, em Mouronho, Tábua, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula GV-00-00, sem possuir carta de condução ou qualquer outro documento legal que o habilitasse a conduzi-lo na via pública. 2) O arguido sabia que a condução de veículos motorizados só poderia ser feita por quem fosse titular de carta de condução ou de documento com força legal idónea a substitui-la e que, no caso, lhe estava vedada essa actividade, por falta da referida habilitação legal. 3) Não obstante e ciente de que incorria em sanções penais, não se absteve de levar a cabo a sua conduta. Mais se provou que: 4) Nas circunstâncias de tempo e lugar aludidas em 1) o arguido pretendia deslocar-se da sua residência a um local a cerca de 2 a 3 km de distância, com vista a aí adquirir lenha. 5) O arguido é, desde há cerca de 6 anos, proprietário do veículo que conduzia nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1 e é ainda proprietário de uma motorizada. 6) O arguido conduz regularmente veículos automóveis desde há cerca de 22 anos. 7) O arguido é solteiro mas reside com uma companheira e três filhos desta, dois deles menores de idade e um deles de 21 anos de idade portador de deficiência mental, sendo que a companheira do arguido está actualmente grávida de um filho comum do casal. O arguido está desempregado há alguns meses e efectua alguns trabalhos esporádicos na área da construção civil, agricultura e madeiras, pelos quais aufere uma média mensal entre 200,00 a 300,00 euros. A companheira do arguido está desempregada há cerca de 1 ano e recebe o rendimento social de inserção de cerca de 300,00 euros mensais. O arguido paga a renda mensal de 175,00 euros da casa da qual reside com o seu agregado familiar. O arguido tem o 6.º ano de escolaridade. 8) O arguido já esteve inscrito em escola de condução e submeteu-se duas vezes a exame teórico, tendo em ambas reprovado e actualmente não manifesta interesse de voltar a tentar obter carta de condução. 9) O arguido é pessoa considerada na comunidade onde se insere, na qual não lhe são conhecidos conflitos. 10) O arguido confessou os factos de que vinha acusado. 11) O arguido foi condenado em 5 de Outubro de 1999, pela prática em 5 de Outubro de 1999, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 80 dias de multa, à razão diária de 500$00. 12) O arguido foi condenado em 8 de Dezembro de 2001, pela prática em 7 de Dezembro de 2001, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 49.000$00. 13) O arguido foi condenado em 23 de Novembro de 2002, pela prática em 23 de Setembro de 2002, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros. 14) O arguido foi condenado em 30 de Outubro de 2006, pela prática em 10 de Outubro de 2006, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de 2,50 euros. 15) O arguido foi condenado em 29 de Maio de 2008, pela prática em 22 de Maio de 2008, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 4 meses de prisão, substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade de 120 horas. Factos Não Provados Com interesse para a decisão da causa não se provaram quaisquer factos para além dos que, nessa qualidade, se descreveram supra. Motivação O Tribunal formou a sua convicção conjugando e entrecruzando os vários meios de prova, designadamente, as declarações prestadas em sede de audiência pelo arguido - que confessou a prática dos factos - na prova testemunhal produzida em sede de audiência e na prova documental junta aos autos, designadamente certificado de registo criminal do arguido e certidão da sentença proferida no Processo n.º165/08.3G13AGN, a correr termos no Tribunal Judicial de Arganil. Todos os elementos de prova supra referidos foram apreciados à luz do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, ou seja, segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, já que o julgador é livre de decidir segundo o bom senso e a experiência de vida, claro está, tendo em mente a capacidade crítica e ao distanciamento e ponderação que se impõem. Concretizando. A factualidade vertida em 1) a 3) foi confessada pelo arguido que, de forma espontânea e serena admitiu que conduzia o veículo nas circunstâncias de tempo e lugar aí descritas, bem como ter consciência de que não podia conduzir sem possuir carta de condução e que ao assim agir praticou factos ilícitos e criminalmente puníveis; igualmente descreveu o arguido - de forma espontânea e coerente - onde e com que finalidade se pretendia deslocar, bem como o facto de ser proprietário do veículo que conduzia (e de uma motorizada) e circunstâncias em que o adquiriu. Também no que concerne a 6) se valoraram as declarações prestadas pelo arguido que de forma absolutamente espontânea e sem que tal lhe tivesse sido perguntado, referiu que desde há 22 anos que conduz com regularidade, sendo que nunca foi interveniente em acidentes de viação e já tentou tirar a carta mas não consegue, por causa da prova teórica. No que concerne à situação sócio-económica do arguido a mesma foi igualmente por si esclarecida, em termos que se afiguraram credíveis, tendo as suas declarações sido valoradas de forma conjugada com o depoimento das testemunhas por si indicadas, V... - vizinho do arguido e que o conhece desde pequeno - e F... -companheira do arguido há cerca de 1 ano, tendo o primeiro esclarecido que não conhece o arguido como pessoa que provoque desacatados e a segunda relatado a vivência do casal e rendimentos de ambos, e também ela referindo que o arguido já tentou anteriormente tirar a carta. Neste particular importa salientar que não obstante a companheira do arguido ter referido que este ainda não tirou a carta de condução por falta de dinheiro, a verdade é que o próprio de forma espontânea e coerente e que por via disso se revelou credível afirmou com clareza que o motivo porque não tirou a carta não foi esse, mas antes o facto de não ter sido capaz de fazer o exame teórico (ao qual se apresentou por duas vezes, chumbando em ambas), tendo mesmo referido que actualmente desistiu já de tirar a carta e contando que seja a sua companheira - se conseguir - a tirar a carta. No que contende com os antecedentes criminais do arguido, relevou o certificado de registo criminal junto aos autos, conjugado com a certidão enviada pelo Tribunal Judicial de Arganil e junta aos autos em sede de audiência. Finalmente, referir ainda que pese embora o declarado pelo arguido, o Tribunal não ficou convicto quanto à existência de um arrependimento sincero da sua parte. Com efeito, sendo o arrependimento, como é, uma atitude interna, sempre será de aferir a sua verificação desde logo pela postura do "arrependido" e da forma como declare. Ora, no caso em apreço, num primeiro momento o arguido limitou-se a dizer que estava arrependido e que não voltaria a conduzir e quando directamente questionado quanto ao significado de tal "arrependimento", basicamente repetiu uma "frase feita" - muito semelhante, aliás, à exortação que, não raras vezes, os juízes fazem aos arguidos em sede de audiência em casos de condenação por factos idênticos aos em causa nos autos - relatando as consequências negativas que podiam ter resultado da sua conduta, sendo certo que o Tribunal não pode deixar de salientar - porque essas sim foram declarações espontâneas - que o arguido começou desde logo por tentar justificar a sua conduta dizendo, singelamente, que estava frio e "não contava com os homens" (i.e. com os militares que procederam à fiscalização), o que está longe de corresponder ao raciocínio de alguém que, de forma sincera, esteja arrependido dos factos que praticou. Aquilo que o Tribunal viu no arguido - que repetidas vezes foi dizendo que não volta a conduzir - não foi arrependimento sincero mas antes o receio, este sim sincero, de as consequências nos presentes autos serem mais gravosas do que nos processos em que o arguido anteriormente foi condenado. Relativamente aos factos não provados - para além do já mencionado supra - cumpre apenas referir que se não produziu em audiência de julgamento qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para lá dos que nessa qualidade se descreveram, desde logo mercê de não ter sido produzida prova testemunhal credível que a tal conduzisse ou junta prova documental bastante. * *
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. ). São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso . No caso dos autos , face às conclusões da motivação do arguido A... a questão a decidir é a seguinte: Foi ainda dado como provado, nos pontos n.ºs 5 e 6 da sentença, que conduz regularmente veículos automóveis desde há cerca de 22 anos, sendo proprietário desde há cerca de 6 anos do veículo que conduzia no dia 24 de Dezembro de 2008 e ainda é proprietário de uma motorizada. Não conseguiu obter licença de condução por haver reprovado nas duas vezes a que se submeteu a exame teórico e não manifesta interesse em voltar a tentar obter carta de condução ( ponto n.º8 dos factos dados como provados na sentença). Ainda assim, entendeu verificarem-se os requisitos da prisão por dias livres, a que alude o art.45.º do C.P., pelo que substituiu os 7 meses de prisão em prisão por dias livres. Uma vez que o recorrente entende que no caso se verificam os pressupostos da suspensão da execução da pena, que vêm enunciados no art.50.º, n.º1 do Código Penal, vejamos se a pena de 7 meses de prisão pode ser substituída por aquela pena não detentiva. Nos termos do art.50.º, n.º 1 do Código Penal , na redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro « O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se , atendendo à personalidade do agente , às condições da sua vida , à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição .». O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos . O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal, atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. |