Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
296/08.0GATBU.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
PENA
SUSPENSÃO
Data do Acordão: 05/06/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 40.º , N.º1 E 50.º, N.º 1 DO CÓDIGO PENAL, 3.º, N.º2 DO DECRETO-LEI N.º 2/98, DE 3 DE JANEIRO
Sumário: A suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo em caso de conclusão do tribunal por um prognóstico favorável ( à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização) , se a ela se opuserem as finalidades da punição nomeadamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório

Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Tábua, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo sumário, o arguido
A..., solteiro, desempregado, natural da freguesia de M…, concelho de Tábua, residente em Tábua,
imputando-se-lhe a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, com referência ao disposto nos artigos 121.º, n.º1, 122.º, n.º1 e 123.º, n.º1, todos do Código da Estrada.

Realizada a audiência de discussão e julgamento – durante a qual foi comunicada uma alteração não substancial dos factos nos termos do art.358.º do C.P.P. – o Tribunal Singular, por sentença proferida a 26 de Janeiro de 2009, decidiu
- Condenar o arguido A..., pela autoria material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 26.º do Código Penal e artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, por referência ao disposto nos artigos 121.º, n.º1 e 123.º, ambos do Código da Estrada, na pena de prisão de 7 (sete) meses; e
- Determinar que a pena de prisão aplicada seja cumprida em dias livres, por 42 (quarenta e dois) períodos sucessivos correspondentes a fins-de-semana, cada um deles com a duração mínima de trinta e seis horas, equivalendo cada um dos períodos a 5 dias de prisão contínua, devendo iniciar-se no primeiro fim-de­-semana após o trânsito em julgado desta decisão e devendo ser descontado no último período a cumprir o equivalente a 1/5 da sua duração.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1. A sentença recorrida viola os art. 40.º, 70.º e ss do Código Penal;
2. Com efeito, de tais normativos legais decorrem, genericamente, várias regras a que se tem de atender na aplicação das penas, mormente: que a pena de prisão só deverá ser aplicada aos crimes graves, tais como os violentos e os organizados, que a pena de prisão efectiva só deverá ser aplicada quando nenhuma outra alternativa, legalmente prevista, satisfaça condignamente as exigências da punição, em concreto das regras de prevenção geral e especial e, finalmente, que a aplicar-se a pena de prisão, a mesma deverá ser adequada e proporcional a cada caso; a sentença recorrida não observou qualquer destas orientações em vigor no nosso ordenamento jurídico, antes tendo equiparado o crime em apreço com um violento e ou organizado, ao aplicar uma pena de prisão efectiva;
3. Atento o que foi dado por provado na sentença ora recorrida (quanto à personalidade do arguido, às suas condições de vida actuais e de futuro próximo, bem como às circunstâncias do crime em referência), as regras norteadoras da aplicação da pena de prisão em vigor (supra referenciadas), e as necessidades de prevenção geral e especial, tudo será respeitado e devidamente acautelado com a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, por período não inferior a dois anos;
4. Inclusivamente, a simples ameaça da prisão já produziu os seus efeitos pois, o arguido não só vendeu, entretanto, o veículo que conduzia, como obteve o atestado médico indispensável à obtenção da licença de condução, tendo-se inscrito numa escola de condução em Arganil;
5. Por forma a reforçar a realização das finalidades da punição, tal suspensão da execução deverá ser subordinada ao dever de apresentar em Tribunal, no mesmo prazo de dois anos, comprovativo de obtenção da licença de condução.
6. Tudo nos termos e para os efeitos dos art.50.º e ss do Código Penal.

O Ministério Público na Comarca de Tábua respondeu ao recurso interposto pelo arguido pugnando pela total improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da confirmação integral da douta sentença recorrida.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

A matéria de facto apurada e respectiva convicção constante da sentença recorrida é a seguinte:
Factos Provados
1) No dia 24 de Dezembro de 2008, pelas 17h45, na EN 337, ao Km 75,50, em Mouronho, Tábua, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula GV-00-00, sem possuir carta de condução ou qualquer outro documento legal que o habilitasse a conduzi-lo na via pública.
2) O arguido sabia que a condução de veículos motorizados só poderia ser feita por quem fosse titular de carta de condução ou de documento com força legal idónea a substitui-la e que, no caso, lhe estava vedada essa actividade, por falta da referida habilitação legal.
3) Não obstante e ciente de que incorria em sanções penais, não se absteve de levar a cabo a sua conduta.
Mais se provou que:
4) Nas circunstâncias de tempo e lugar aludidas em 1) o arguido pretendia deslocar­-se da sua residência a um local a cerca de 2 a 3 km de distância, com vista a aí adquirir lenha.
5) O arguido é, desde há cerca de 6 anos, proprietário do veículo que conduzia nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1 e é ainda proprietário de uma motorizada.
6) O arguido conduz regularmente veículos automóveis desde há cerca de 22 anos.
7) O arguido é solteiro mas reside com uma companheira e três filhos desta, dois deles menores de idade e um deles de 21 anos de idade portador de deficiência mental, sendo que a companheira do arguido está actualmente grávida de um filho comum do casal. O arguido está desempregado há alguns meses e efectua alguns trabalhos esporádicos na área da construção civil, agricultura e madeiras, pelos quais aufere uma média mensal entre 200,00 a 300,00 euros. A companheira do arguido está desempregada há cerca de 1 ano e recebe o rendimento social de inserção de cerca de 300,00 euros mensais. O arguido paga a renda mensal de 175,00 euros da casa da qual reside com o seu agregado familiar. O arguido tem o 6.º ano de escolaridade.
8) O arguido já esteve inscrito em escola de condução e submeteu-se duas vezes a exame teórico, tendo em ambas reprovado e actualmente não manifesta interesse de voltar a tentar obter carta de condução.
9) O arguido é pessoa considerada na comunidade onde se insere, na qual não lhe são conhecidos conflitos.
10) O arguido confessou os factos de que vinha acusado.
11) O arguido foi condenado em 5 de Outubro de 1999, pela prática em 5 de Outubro de 1999, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 80 dias de multa, à razão diária de 500$00.
12) O arguido foi condenado em 8 de Dezembro de 2001, pela prática em 7 de Dezembro de 2001, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 49.000$00.
13) O arguido foi condenado em 23 de Novembro de 2002, pela prática em 23 de Setembro de 2002, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros.
14) O arguido foi condenado em 30 de Outubro de 2006, pela prática em 10 de Outubro de 2006, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de 2,50 euros.
15) O arguido foi condenado em 29 de Maio de 2008, pela prática em 22 de Maio de 2008, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 4 meses de prisão, substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade de 120 horas.
Factos Não Provados
Com interesse para a decisão da causa não se provaram quaisquer factos para além dos que, nessa qualidade, se descreveram supra.
Motivação
O Tribunal formou a sua convicção conjugando e entrecruzando os vários meios de prova, designadamente, as declarações prestadas em sede de audiência pelo arguido - que confessou a prática dos factos - na prova testemunhal produzida em sede de audiência e na prova documental junta aos autos, designadamente certificado de registo criminal do arguido e certidão da sentença proferida no Processo n.º165/08.3G13AGN, a correr termos no Tribunal Judicial de Arganil.
Todos os elementos de prova supra referidos foram apreciados à luz do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, ou seja, segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, já que o julgador é livre de decidir segundo o bom senso e a experiência de vida, claro está, tendo em mente a capacidade crítica e ao distanciamento e ponderação que se impõem.
Concretizando.
A factualidade vertida em 1) a 3) foi confessada pelo arguido que, de forma espontânea e serena admitiu que conduzia o veículo nas circunstâncias de tempo e lugar aí descritas, bem como ter consciência de que não podia conduzir sem possuir carta de condução e que ao assim agir praticou factos ilícitos e criminalmente puníveis; igualmente descreveu o arguido - de forma espontânea e coerente - onde e com que finalidade se pretendia deslocar, bem como o facto de ser proprietário do veículo que conduzia (e de uma motorizada) e circunstâncias em que o adquiriu.
Também no que concerne a 6) se valoraram as declarações prestadas pelo arguido que de forma absolutamente espontânea e sem que tal lhe tivesse sido perguntado, referiu que desde há 22 anos que conduz com regularidade, sendo que nunca foi interveniente em acidentes de viação e já tentou tirar a carta mas não consegue, por causa da prova teórica.
No que concerne à situação sócio-económica do arguido a mesma foi igualmente por si esclarecida, em termos que se afiguraram credíveis, tendo as suas declarações sido valoradas de forma conjugada com o depoimento das testemunhas por si indicadas, V... - vizinho do arguido e que o conhece desde pequeno - e F... -companheira do arguido há cerca de 1 ano, tendo o primeiro esclarecido que não conhece o arguido como pessoa que provoque desacatados e a segunda relatado a vivência do casal e rendimentos de ambos, e também ela referindo que o arguido já tentou anteriormente tirar a carta.
Neste particular importa salientar que não obstante a companheira do arguido ter referido que este ainda não tirou a carta de condução por falta de dinheiro, a verdade é que o próprio de forma espontânea e coerente e que por via disso se revelou credível afirmou com clareza que o motivo porque não tirou a carta não foi esse, mas antes o facto de não ter sido capaz de fazer o exame teórico (ao qual se apresentou por duas vezes, chumbando em ambas), tendo mesmo referido que actualmente desistiu já de tirar a carta e contando que seja a sua companheira - se conseguir - a tirar a carta.
No que contende com os antecedentes criminais do arguido, relevou o certificado de registo criminal junto aos autos, conjugado com a certidão enviada pelo Tribunal Judicial de Arganil e junta aos autos em sede de audiência.
Finalmente, referir ainda que pese embora o declarado pelo arguido, o Tribunal não ficou convicto quanto à existência de um arrependimento sincero da sua parte.
Com efeito, sendo o arrependimento, como é, uma atitude interna, sempre será de aferir a sua verificação desde logo pela postura do "arrependido" e da forma como declare.
Ora, no caso em apreço, num primeiro momento o arguido limitou-se a dizer que estava arrependido e que não voltaria a conduzir e quando directamente questionado quanto ao significado de tal "arrependimento", basicamente repetiu uma "frase feita" - muito semelhante, aliás, à exortação que, não raras vezes, os juízes fazem aos arguidos em sede de audiência em casos de condenação por factos idênticos aos em causa nos autos - relatando as consequências negativas que podiam ter resultado da sua conduta, sendo certo que o Tribunal não pode deixar de salientar - porque essas sim foram declarações espontâneas - que o arguido começou desde logo por tentar justificar a sua conduta dizendo, singelamente, que estava frio e "não contava com os homens" (i.e. com os militares que procederam à fiscalização), o que está longe de corresponder ao raciocínio de alguém que, de forma sincera, esteja arrependido dos factos que praticou.
Aquilo que o Tribunal viu no arguido - que repetidas vezes foi dizendo que não volta a conduzir - não foi arrependimento sincero mas antes o receio, este sim sincero, de as consequências nos presentes autos serem mais gravosas do que nos processos em que o arguido anteriormente foi condenado.
Relativamente aos factos não provados - para além do já mencionado supra - cumpre apenas referir que se não produziu em audiência de julgamento qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para lá dos que nessa qualidade se descreveram, desde logo mercê de não ter sido produzida prova testemunhal credível que a tal conduzisse ou junta prova documental bastante.

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. ).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do arguido A... a questão a decidir é a seguinte:
- se a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 40.º, 70.º e ss do Código Penal ao condenar o arguido em pena de prisão efectiva, pois que a pena adequada é a de suspensão da execução da pena de prisão, por período não inferior a 2 anos, subordinada ao dever de apresentação, no mesmo prazo, de comprovativo de obtenção de licença de condução, nos termos do art.50.º e seguintes do mesmo Código.
Passemos ao conhecimento da questão.
É pacifico que o arguido A... com a sua conduta descrita nos factos provados praticou, em autoria material, um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, por referência ao disposto nos artigos 121.º, n.º1 e 123.º, ambos do Código da Estrada.
Este crime de condução sem habilitação legal é punido com prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
Sendo o próprio tipo penal que estabelece que ao crime pode ser aplicada uma pena de prisão, não tem qualquer razão de ser a alegação do arguido de que a pena de prisão só pode ser aplicada a crimes graves, tais como os violentos e os organizados.
A pena de prisão pode ser aplicada à pequena e à média criminalidade.
Atento o disposto no art.70.º do Código Penal “ Se ao crime forem aplicáveis , em alternativa , pena privativa e pena não privativa da liberdade , o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”.
As finalidades da punição vêm definidas no art.40.º, n.º1 do Código Penal, resultando dos seus termos que “ a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo quer para dissuadir a prática de crimes, através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente ( prevenção geral negativa ou de intimidação ), quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e , assim , no ordenamento jurídico-penal ( prevenção geral positiva ou de integração).
A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente , com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.
A escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial.
A culpa, entendida como juízo de censura que é possível dirigir ao agente por não se ter comportado, como podia, de acordo com a norma , não tem relevância no problema da escolha da pena .- Cfr. Cons. Maia Gonçalves , in “Código Penal Português anotado” , 8ª edição , pág.354 e Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do crime”, Notícias Editorial, pág.332.
No caso em análise, as exigências de prevenção geral são elevadas e prementes, pois é grande número de cidadãos que continuam a circular nas nossas estradas sem estarem habilitados a conduzir, presumindo-se que desconhecem, por ausência de aprendizagem e certificação de habilitação pelo Estado, as respectivas técnicas e regras a que deve obedecer a circulação rodoviária.
No elevado índice de sinistralidade rodoviária, com graves consequências para a vida, o corpo e o património quer dos agentes do crime, quer de outras pessoas alheias à conduta destes, surgem frequentemente condutores sem habilitação legal.
As razões de prevenção especial ou individual são também muito elevadas considerando que o arguido tem já antecedentes criminais pela prática de crimes de condução sem habilitação legal.
Efectivamente, foi condenado em 1999, 2001, 2002, e 2006, pela prática crimes de condução sem habilitação legal, em penas de multa. Estas condenações em pena de multa não foram sanção suficiente e adequada ao seu afastamento da delinquência, pois em 29 de Maio de 2008 veio novamente a ser condenado, pela prática em 22 de Maio do mesmo ano, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 4 meses de prisão, substituída por prestação de 120 dias de trabalho a favor da comunidade.
Já no âmbito deste processo o arguido é surpreendido a conduzir um veículo automóvel na via pública, no dia 24 de Dezembro de 2008.

Foi ainda dado como provado, nos pontos n.ºs 5 e 6 da sentença, que conduz regularmente veículos automóveis desde há cerca de 22 anos, sendo proprietário desde há cerca de 6 anos do veículo que conduzia no dia 24 de Dezembro de 2008 e ainda é proprietário de uma motorizada.

Não conseguiu obter licença de condução por haver reprovado nas duas vezes a que se submeteu a exame teórico e não manifesta interesse em voltar a tentar obter carta de condução ( ponto n.º8 dos factos dados como provados na sentença).
Considerando este passado do arguido e as perspectivas futuras do mesmo quanto à obtenção da licença de condução, temos como racional concluir que a aplicação ao arguido de mais uma pena de multa, como pena principal, não cumpriria o objectivo de intimidação e aprofundamento da validade e eficácia das normas penais pelos cidadãos em geral e pelo arguido em particular.
Não merece assim qualquer censura a decisão do Tribunal a quo ao optar pela aplicação ao arguido da pena de prisão, em detrimento da pena de multa.
Para a determinação concreta da pena de prisão, o art.71.º do Código Penal, estatui que o Tribunal deve atender à culpa do agente e ás exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este.
A culpa é um juízo de reprovação pessoal feita ao agente de um facto ilícito-típico , porquanto podendo comportar-se de acordo com o direito , optou por se comportar em contrário ao mesmo. É expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual o agente tem , por isso, de responder perante as exigências do dever-ser da comunidade.
A culpa tem uma função limitadora do intervencionismo estatal pois a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa, nomeadamente por razões de prevenção.
No caso em apreciação o Tribunal recorrido respeitou os ditames do art.71.º do Código Penal ao aplicar ao arguido uma pena de 7 meses de prisão pois, por um lado, atendeu ao grau mediano da ilicitude dos factos, à intensidade do dolo tido como directo, aos antecedentes criminais do arguido, à ausência de fonte de perigo ou de perturbação emocional para agir do modo descrito , bem como às elevadas razões de prevenção e, por outro lado, relevou a confissão do arguido, a sua situação sócio-económica e integração na comunidade, na família e no trabalho.
Note-se que aqui a confissão do arguido é praticamente irrelevante pois o mesmo foi detido em flagrante delito, sabendo assim que a prova dos factos seria realizada com facilidade. Como resulta da fundamentação da matéria de facto, o Tribunal a quo, no âmbito da imediação e da oralidade e pelas razões racionalmente explicadas, não considerou sincero o arrependimento declarado pelo arguido em audiência.
Determinada a concreta medida da pena e sendo esta uma pena de prisão, impõe-se verificar se ela pode ser objecto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.
Dentro das penas de substituição em sentido próprio, para além da pena de multa ( art.43.º, n.º 1 do C.P.), também as penas de suspensão de execução da prisão ( art.50.º do C.P.) e de prestação de trabalho a favor da comunidade ( art.58.º do C.P.) podem substituir a pena de prisão de 7 meses aplicada ao arguido A....
Há ainda que contar com penas de substituição detentivas ( ou formas especiais de cumprimento da pena de prisão) como o regime de permanência na habitação ( art.44.º do C.P.), a prisão por dias livres ( art.45.º do C.P.) e a prisão em regime de semidetenção ( art.46.º do C.P.), estas duas últimas vocacionadas para obstar aos efeitos nefastos da prisão contínua.
O Tribunal a quo abordou na sentença recorrida cada uma das penas de substituição em sentido próprio que em abstracto poderiam ser aplicadas ao arguido A... e concluiu que nenhuma delas satisfazia as exigências de prevenção geral e especial, por entender que só a pena de prisão efectiva logrará afastar o arguido, no futuro, da prática de crimes de condução sem habilitação legal.

Ainda assim, entendeu verificarem-se os requisitos da prisão por dias livres, a que alude o art.45.º do C.P., pelo que substituiu os 7 meses de prisão em prisão por dias livres.

Uma vez que o recorrente entende que no caso se verificam os pressupostos da suspensão da execução da pena, que vêm enunciados no art.50.º, n.º1 do Código Penal, vejamos se a pena de 7 meses de prisão pode ser substituída por aquela pena não detentiva.

Nos termos do art.50.º, n.º 1 do Código Penal , na redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro « O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se , atendendo à personalidade do agente , às condições da sua vida , à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição .».

O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos .

O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal, atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A suspensão da execução da pena é, sem dúvidas, um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.
Deste modo, o tribunal, quando aplicar pena de prisão não superior a 5 anos deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, juízo este não necessariamente assente numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização, em liberdade, do arguido.
Todavia, « a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada » - mesmo em caso de « conclusão do tribunal por um prognóstico favorável ( à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização) , se a ela se opuseram » ( obra citada , § 520) « as finalidades da punição » ( art.50.º, n.º 1 e 40.º , n.º1 do Código Penal ) ,nomeadamente « considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico » ( obra citada , § 520) , pois que « só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto » ( idem)..- Cfr. Prof. Figueiredo Dias , in “Direito Penal Português , as Consequências do Crime”.
No presente caso, tendo em conta que o arguido foi condenado neste processo numa pena de 7 meses de prisão, o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se verificado.
Vejamos se também o pressuposto material de aplicação da mesma pena de substituição se verifica.
Como já atrás se mencionou as razões de prevenção especial são muito elevadas, uma vez que que conduz regularmente veículos automóveis desde há cerca de 22 anos sem habilitação legal. Em 1999, 2001, 2002, e 2006 foi condenado pelos crimes de condução sem habilitação legal em penas de multa.
Tais penas não produziram qualquer efeito no comportamento futuro do arguido, como se verifica do facto de em Maio de 2008 vir a ser novamente condenado pela prática de mais um crimes de condução sem habilitação legal.
Tendo em Maio de 2008 sido condenado em 4 meses de prisão, foi esta prisão substituida por pena de trabalho a favor da comunidade.
Os efeitos pretendidos com esta pena de substituição própria voltaram a não surtir o efeito de resocialização pretendido, pois o arguido volta a praticar um novo crime de condução sem habilitação legal no dia 24 de Dezembro de 2008.
O arguido M... não beneficia da demonstração de arrependimento sincero. A justificação da sua conduta com a necessidade de ir buscar lenha, é uma justificação própria de quem utiliza o veículo na sua vida normal.
Não demonstrou na audiência de julgamento ter obtido a licença de condução de veículos ou vontade esforçada de a vir obter nos próximos tempos.
Não se provou qualquer outra circunstância de relevo que lhe seja favorável, em que ele podia demonstrar que rejeita o mal praticado por forma a convencer que não voltará a delinquir se vier a ser confrontado com situação idêntica. A alegação do recorrente de que já vendeu o veículo que conduzia e obteve o atestado médico indispensável à obtenção da licença de condução, tendo-se inscrito numa escola de condução, para além de serem factos que teriam sido praticados pelo arguido após ter sido proferida a sentença recorrida - e que como tal não poderiam ser objecto de apreciação pelo Tribunal recorrido nem consequentemente pelo tribunal de recurso que aprecia apenas se a sentença decidiu bem ou não em face das provas que lhe foram apresentadas -, não foram demonstrados nos autos.
Se a prognose sobre o comportamento do arguido M... à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização é muito negativa, as exigências de prevenção geral também o são.
O sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência das normas jurídico-penais violadas pelo arguido/recorrente, numa situação como esta em que vem sendo sucessivamente condenado e continua a conduzir desde há cerca de 22 anos , ficaria afectado pela substituição da pena de prisão por suspensão de execução da pena de prisão.
Afastada está, assim, a possibilidade de se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e do tribunal decretar a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido, mesmo que sujeita a regras de conduta.
Não se verificando o pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão o Tribunal da Relação não merece censura a decisão recorrida por não haver decretado a suspensão da execução da pena de 7 meses de prisão aplicada ao arguido.
A bem elaborada sentença justifica, de um modo correcto, como a pena de prisão por dias livres é a pena que melhor se adequada às elevadas exigências de prevenção que a conduta do arguido A... impõe e ao mesmo tempo salvaguarda a situação sócio-económica deste.
O Tribunal da Relação subscreve a fundamentação de direito constante da sentença no sentido de que a pena de prisão por dias livres é a pena adequada às exigências de prevenção que o caso requer, pelo que mais não resta que confirmar a douta sentença recorrida e julgar improcedente o recurso.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e manter a douta sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando em 5 Ucs a taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).

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Coimbra,