Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
377/09.2TBFVN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: EMPREITADA
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
DEFEITOS
PRAZO DE CADUCIDADE
Data do Acordão: 07/05/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRÓ DOS VINHOS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.203, 204, 1154, 1207, 1208, 1221, 1225 CC, LEI Nº 24/96 DE 31/7, DL 67/2003 DE 8/4
Sumário: 1 - Estando em causa a pintura exterior de uma habitação, se a prestação do devedor consistir apenas em espalhar a tinta na superfície visada de acordo com certa técnica, nisto se esgotando a prestação, seja qual for o escopo visado ou o resultado da acção, o contrato, se não for um contrato de trabalho, será um contrato de prestação de serviços (artigo 1154.º do Código Civil), mas não de empreitada.

2 - No contrato de empreitada (artigo 1207.º do Código Civil) o que se contrata não é a actividade em si mesma, no caso, a acção de espalhar a tinta numa superfície segundo certa técnica, mas sim o resultado final desta actividade, ou seja, a obra, as paredes pintadas, sendo a acção de pintar em si mesma irrelevante, podendo ser executada por qualquer pessoa.

3 - Comprovando-se que os Autores contrataram o Réu ( pintor de profissão ) para proceder à pintura das paredes exteriores da casa de habitação, mediante um preço, convencionando que a direcção da obra e a mão de obra ficariam a cargo do Réu, o negócio estabelecido consubstancia um contrato de empreitada.

4 - A pintura de conservação de um prédio é parte componente desse prédio e não pode deixar de ter o tratamento legal dispensado aos imóveis, sendo-lhe aplicável o disposto no artigo 1225.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível):

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Recorrente….C (…) pintor, residente em (…) Moredos, Castanheira de Pêra.

Recorrido……D (…) e esposa M (…), residentes em (…) Castanheira de Pêra.


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I. Relatório.

a) Os autores instauraram a presente acção declarativa, de condenação, com processo sumário, com o fim de obterem a condenação do réu a reparar defeitos verificados numa obra da qual os autores o incumbiram, mediante contrato de empreitada, o qual teve por objecto a pintura da sua casa de habitação, muros, um anexo e uma latada, pelo preço de €4517,00 euros, consistindo os defeitos em bolhas de ar e queda posterior de revestimento em paredes; queda de tinta aplicada, descoloração e aparecimento de ferrugem em gradeamentos.

Em alternativa à eliminação dos defeitos, os autores pedem ao réu uma indemnização não inferior a €6680,00 euros, montante necessário para a reparação e eliminação dos defeitos do imóvel, com juros desde a citação até integral pagamento.

O Réu contestou.

Invocou caducidade relativamente ao direito dos autores pedirem a eliminação dos defeitos.

Sustenta que os defeitos invocados não existem e se existissem não haveria nexo de causalidade entre eles e a execução dos trabalhos levada a cabo por si, na medida em que o contestante apenas dirigiu a mão-de-obra, o que implica que não possa ser responsabilizado pela qualidade e eficácia dos materiais ou tintas aplicados.

Conclui pela improcedência da acção e pela absolvição do pedido.

Os Autores responderam para dizer que os defeitos surgiram em Junho de 2009, pelo que a denúncia foi feita dentro do prazo legal.

Foi elaborado despacho saneador e mais tarde procedeu-se à audiência de julgamento.

No final o tribunal condenou o réu a «…eliminar os defeitos descritos nos artigos 13.º a 16.º da petição inicial, num prazo de 6 (seis) meses a contar do trânsito em julgado da presente decisão».

b) O réu recorre da decisão relativa à matéria de facto, por entender que os quesitos 1º; 2º; 3º; 4º; 5º e 6º, que obtiveram resposta positiva, deviam ter sido considerados «não provados» e o quesito 7.º, que teve resposta negativa, devia ter sido dado como «provado», invocando as razões que abaixo serão mencionadas.

Face à alteração da matéria de facto preconizada, a solução jurídica terá de ser outra, isto é, levará à sua absolvição do pedido.

Em segundo lugar, o réu sustenta que o contrato celebrado entre as partes não foi de empreitada, mas um contrato de prestação de serviços a que se aplica o regime previsto na Lei do Consumidor (Lei n.º 24/96 de 31 de Julho), designadamente o prazo de garantia de um ano para a prestação de serviços, razão pela qual o direito invocado pelos Autores, a existir, já tinha caducado.

Por fim, argumentam que o prazo de 6 meses mencionado na decisão para o réu proceder à reparação dos alegados defeitos não se fundamenta em qualquer suporte factual.

c) Os autores contra-alegaram.

Referem, em síntese, que o Tribunal da Relação ao ser-lhe pedida a reapreciação da matéria de facto só a deverá alterar se se mostrar que a decisão da 1.ª instância entra patentemente em desconformidade com as normas e princípios aplicáveis em sede de direito probatório, com as regras da lógica, dos usos e costumes e da experiência, o que não ocorre seguramente no caso dos autos.

Relativamente ao quesito 7.º sustentam que o réu não tem razão, nem podendo sequer afirmar que face ao que consta do processo não estava obrigado a fornecer os materiais.

No que respeita ao quesito 6.º dizem que a prova testemunhal, a inspecção ao local e o orçamento junto são suficientes para dar como provada a respectiva matéria.

Quanto ao quesito 5.º afirmam que deve manter-se a resposta, pois o réu não provou que os defeitos invocados e verificados tivessem outra causa diversa da deficiência de execução dos serviços.

No que concerne aos quesitos 1, 2, 3 e 4, tem se ser consentânea com as restantes respostas dadas aos restantes quesitos já mencionados, sendo certo que as testemunhas foram claras em afirmar a data em que verificaram os defeitos, na medida em que se deslocaram à casa dos autores precisamente para tomarem contacto com eles.

Concluíram pela manutenção da matéria de facto.

d) O objecto do recurso consiste no seguinte:
Em primeiro lugar, cumpre analisar o mérito da impugnação da matéria de facto.

Em segundo lugar verificar-se-á que tipo de contrato foi celebrado entre as partes e se se aplicam as regras do contrato de empreitada previstas no Código Civil, designadamente os prazos mencionados no artigo 1225.º do Código Civil ou o prazo previsto na lei do consumidor.

Por fim, se ainda mantiver interesse cumpre verificar da validade da fixação do prazo para reparar os defeitos em seis meses.

II. Fundamentação.

a) Impugnação da matéria de facto.

(…)

b) A matéria provada é esta:

1 - Os autores são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano composto de casa de habitação e anexo, sito na Rua 5 de Outubro, Castanheira de Pêra - al. a) da matéria assente.

2 - O réu dedica-se à pintura exterior e interior de estabelecimentos comerciais e casa de habitação - al. b) da matéria assente.

3 - Em Janeiro de 2005, os autores decidiram proceder a obras de conservação do prédio supra descrito - al. c) da matéria assente.

4 - Tais obras traduziram-se na pintura das paredes exteriores da casa de habitação, muros e anexo e ainda das grades dos muros e latada - al. d) da matéria assente.

5 - Para a execução de tais obras contrataram o réu C... - al. e) da matéria assente.

6 - Entre autores e réu ficou estipulado que a direcção da obra e mão-de-obra ficariam a cargo do réu - al. f) da matéria assente.

7 - O réu iniciou as obras em Janeiro de 2005 e terminou-as em Abril do mesmo ano - al. g) da matéria assente.

8 - Por tais trabalhos o réu recebeu a quantia de €4517,00, os quais foram pagos pelo autor por meio de dois cheques, o primeiro de 19 de Janeiro de 2005, no valor de €2500,00, com o n.º 8046673104, e o segundo datado de 15 de Abril de 2005, no valor de €2017,00, com o n.º 8046675044, ambos da conta n.º 00006399738 - al. h) da matéria assente.

9 - Os referidos cheques foram depositados numa conta do réu da Caixa Geral de Depósitos, no balcão de Castanheira de Pêra - al. i) da matéria assente.

10 - Os autores sempre habitaram a casa referida em «1» e possuíram os anexos - al. m) da matéria assente.

11 - Constitui aquela habitação a morada do agregado familiar dos autores, onde estes residem permanentemente - al. n) e o) da matéria assente.

12 - Em Junho de 2009, os autores verificaram: o aparecimento de bolhas de ar na tinta aplicada nas paredes da casa de habitação e anexo – resp. ao quesito 1.º – nas zonas das paredes da casa de habitação, muros e anexo onde a tinta secou, esta caiu da parede – resp. ao quesito 2.º – ocorreu descoloração da tinta aplicada nas grades dos muros, portas, portões e latada – resp. ao quesito 3.º.  surgiu ferrugem nas grades dos muros, portas, portões e latada – resp. ao quesito 4º.

13 - A reparação do mencionado nos quesitos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º custa dinheiro, em importância não apurada, mas não superior a €6680,00 euros.

14 - Em 17 de Julho de 2009, os autores, por notificação judicial avulsa, comunicaram ao réu o descrito na resp. aos quesitos 1, 2, 3 e 4 e solicitaram a correcção do mesmo –   al. j) da matéria assente.

15 - Até ao presente o réu não procedeu à correcção solicitada – al. l) da matéria assente.


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16 - Os materiais utilizados na pintura foram fornecidos pelos Autores.

Dá-se como provado este facto porque resulta do acordo das partes.

Com efeito, o réu afirmou nos artigos 17.º, 18.º e 21.º da contestação que se limitou a fornecer a mão-de-obra, querendo com isto excluir face ao contexto da afirmação, o fornecimento dos materiais de pintura.

Os Autores, por sua vez, na resposta, limitaram-se a dizer que esta alegação era irrelevante «uma vez que sendo o Réu encarregue pela direcção da obra cabia-lhe a escolha dos materiais, bem como a sua eficaz aplicação» - artigo 7.º da resposta.

Deve, pois, concluir-se que ao não impugnarem a afirmação do réu admitiram o facto.

c) Passando à análise das questões jurídicas objecto do recurso.

Primeira – Consiste em saber que tipo de contrato foi celebrado entre as partes e se se aplicam ao caso as regras do contrato de empreitada previstas no Código Civil, designadamente os prazos mencionados no artigo 1225.º do Código Civil ou o prazo previsto na Lei do Consumidor.

O réu sustenta que entre as partes foi celebrado um contrato de prestação de serviços, o qual vem previsto no artigo 1154.º como «…aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».

Na sentença considerou-se que os factos preenchiam o contrato de empreitada, isto é, «…o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço».

Muito embora o contrato de empreitada seja uma modalidade do contrato de prestação de serviços, sendo este último género e o primeiro espécie, o réu sustenta que no caso não existiu um contrato de empreitada, na medida em que este pressupõe a realização de um obra, como resulta do disposto no artigo 1207.º do Código Civil, e o réu não assumiu mais que prestar a mão-de-obra necessária à aplicação do material de pintura fornecido pelos autores.

Vejamos.

O que distingue o contrato de empreitada do contrato de prestação de serviços em geral consiste no facto de no contrato de empreitada o empreiteiro se comprometer a realizar «certa obra, mediante um preço».

O conceito de «obra» estabelece o critério: se há uma obra a prestar, há um contrato de empreitada.

Como ensinaram os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, «Por realização de uma obra deve entender-se não só a construção ou criação, como a reparação, a modificação ou a demolição de uma coisa. Do que não pode prescindir-se é dum resultado material, por ser esse o sentido usual, normal, do vocábulo obra e tudo indicar que é esse o sentido visado no artigo 1207.º (…).

Resumindo, pode dizer-se assim que a noção legal de empreitada atende simultaneamente ao requisito do resultado (realizar certa obra) e ao critério da autonomia (falta de subordinação própria do contrato de trabalho).

Por falta deste último elemento se distingue o contrato de empreitada do contrato de prestação de serviço para realização de uma obra sob administração directa» ([1]).

Recapitulando o que resultou provado:

O réu dedica-se à pintura exterior e interior de estabelecimentos comerciais e casa de habitação.

Os autores decidiram proceder à pintura das paredes exteriores da casa de habitação, muros e anexo e ainda das grades dos muros e latada e para a execução de tais obras contrataram o réu C (…).

Entre autores e réu ficou estipulado que a direcção da obra e mão-de-obra ficariam a cargo do réu.

O réu iniciou as obras em Janeiro de 2005 e terminou-as em Abril do mesmo ano.

Por tais trabalhos o réu recebeu a quantia de €4517,00 euros.

Verifica-se que o réu se dedica à pintura de edifícios, o que pressupõe que conheça e saiba executar as acções próprios da arte da pintura, pois depreende-se dos factos que foi essa a razão que levou os autores a contratá-lo.

Verifica-se que a actividade do réu consistiu em apresentar um resultado final: a pintura das paredes exteriores da casa de habitação, muros, anexo e gradeamentos.

Verifica-se também que o réu não desempenhou a sua actividade como empregado dos autores, isto é, executando a obra sob a autoridade e direcção deles, antes tomou nas suas próprias mãos a direcção da obra.

Ocorre ainda que o réu não recebeu um salário indexado ao dia, à semana ou ao mês, mas sim um preço global por toda a sua actividade.

Face a estes elementos afigura-se que estamos face a um contrato de empreitada.

É certo que toda a prestação de serviços implica um resultado, no caso concreto, a acção de espalhar a tinta sobre uma superfície gera necessariamente um resultado que consiste em a superfície ficar coberta com tinta.

O que se contrata num contrato de prestação de serviços, que não chega a ser  de empreitada, é apenas a acção que consiste em espalhar a tinta na superfície visada de acordo com certa técnica, nisto se esgotando a prestação, seja qual for o resultado atingido.

No contrato de empreitada o que se contrata não é a actividade em si mesma, no caso, a acção de espalhar a tinta numa superfície, mas sim o resultado final desta actividade, ou seja, a obra, as paredes pintadas, sendo a acção de pintar em si mesma irrelevante, podendo ser feita por qualquer pessoa.

Ora, a interpretação dos factos acabados de enunciar mostra que o réu não foi contratado pelos autores como alguém a quem apenas podiam exigir a acção de  espalhar a tinta nas superfícies visadas seguindo certa técnica, mas sob as ordens e direcção dos autores, durante certo período de tempo, e a quem eles pagavam um salário ao fim do dia, semana ou mês.

Ao invés, o réu foi contratado para apresentar um certo resultado material, isto é, a pintura da casa, muros e grades e agindo com autonomia, pois ficou estipulado que a direcção da obra e mão-de-obra ficavam a cargo do réu.

Ora, neste contexto factual, o que releva não é a actividade de pintura em si mesma, a execução de certas acções sem consideração pelo resultado final, que até poderia ficar inacabado, deste que as acções fossem correctamente executadas.

O que se contratou, o objecto da prestação do réu, não foram acções a levar a cabo por este e que consistiriam em espalhar a tinta nas superfícies visadas seguindo certa técnica (caso em que estaríamos perante prestação de serviços digamos «a montante» da empreitada); o que se contratou, o objecto da prestação do réu, foi o próprio resultado dessas acções, desligado destas, isto é, a pintura do conjunto de superfícies a pintar: a obra.

Conclui-se, por conseguinte, que estamos face a um contrato de empreitada.


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Verificando agora se se aplicam ao caso as regras do contrato de empreitada previstas no Código Civil, designadamente o prazo mencionado no artigo 1225.º ou o prazo previsto nas leis sobre o consumo.

É consumidor, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor), «…todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios».

No caso, dos autos a situação contemplada na matéria de facto cabe no âmbito deste conceito de consumidor, pois, sem dúvida, foram prestados serviços.
No que respeita ao prazo de exercício dos direitos dos consumidores rege o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril.
Este diploma é aplicável, nos termos do n.º 2 do seu artigo 1.º «...com as necessárias adaptações, aos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir e de locação de bens de consumo».
Nos termos  do n.º 1 do seu artigo 5.º «O comprador pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel».
Se se aplicasse esta norma, como preconiza o réu, o prazo a observar seria de cinco anos após a conclusão da obra.
Com efeito, a pintura tem de ser tratada «coisa imóvel».
Vejamos.
Nos termos do artigo 203.º do Código Civil, as coisas classificam-se para efeitos deste Código em móveis e imóveis e na al. a) do n.º 1 do 204.º do mesmo código vem estipulado que são imóveis «Os prédios rústicos e urbanos» e «As partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos» - al. e), sendo parte integrante «…toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência» - seu n.º 3.
Ora, a tinta e o resultado final, a pintura, ficam materialmente ligadas ao prédio com carácter de permanência, mas não estamos face a partes integrantes, mas sim de partes componentes do próprio prédio.
Como referiu o Prof. Manuel de Andrade, «Partes componentes (ou constitutivas, como também se poderia chamar-lhes) são aquelas coisas que fazem parte da estrutura mesma do prédio, e sem as quais, portanto, o prédio não está completo ou é impróprio para o uso a que se destina. Assim, as portas, as janelas, os vigamentos, as telhas ou as clarabóias duma casa são partes componentes dela, pois são elementos que servem para formar este todo – ad integrandum domum» ([2]).
A pintura de conservação faz parte do prédio, não se tratando de parte integrante susceptível de ser destacada e autonomizada do prédio, como é próprio das partes integrantes.
Sendo assim, a pintura de um prédio não pode deixar de ter o tratamento legal dispensado aos imóveis.

Conclusão esta que nos conduz também directamente à aplicação a este caso do disposto no artigo 1225.º do Código Civil.
No n.º 1 deste artigo dispõem-se que «…se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente».

No que respeita a prazos para o exercício de direitos imputados a incumprimento defeituoso, este regime legal assenta com perfeição ao caso dos autos, tal como o regime previsto no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, relativo aos «contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir e de locação de bens de consumo».

Em qualquer dos casos, o prazo a aplicar é de cinco anos, razão pela qual o réu não retira qualquer vantagens da invocação das leis relativas ao consumo.


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Resta apenas considerar que o aparecimento de bolhas de ar na tinta aplicada nas paredes da casa de habitação e anexo (quesito 1.º); a tinta caída das paredes da casa de habitação, muros e anexo (quesito 2.º) o aparecimento de ferrugem nas grades dos muros, portas, portões e latada (quesito 4º), integram o conceito de vícios a que alude o artigo 1208.º do Código Civil, onde se dispõe que «O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato».
Como refere P. Romano Martinez «…os vícios correspondem a imperfeições relativamente à qualidade normal, enquanto que as desconformidades são discordâncias com respeito ao fim acordado. O conjunto dos vícios e das desconformidades constituem os defeitos da coisa. Os dois elementos fazem parte do conteúdo do defeito, determinam-se através do contrato e dependem da interpretação deste» ([3]).
É o caso. A existência e bolhas de ar na pintura das paredes, além do prejuízo estético, arrastará, com o passar do tempo, a queda da pintura nesse local por estar descolada; as partes que já não têm tinta, para além do prejuízo estético, permitirão a infiltração de agentes causadores de erosão (vento, areias, pó, humidade, água, calor) que conduzirão à degradação mais acelerada da parede, o mesmo sucedendo com a ferrugem.
Estas consequências revelam também a gravidade dos vícios, pois estes têm de ser reparados uma vez que o processo de degradação se não houver intervenção humana é irreversível.
O réu pretende desonerar-se alegando que não forneceu os materiais e que os vícios apontados ficam a dever-se aos materiais utilizados e fornecidos pelos autores.
Nesta parte cumpre ter em consideração que o réu assumiu a direcção da obra por ser pessoa com conhecimentos especiais em matéria de pintura.
Era seu dever executar o serviço segundo as regras da arte e se a pintura para ser correctamente executada necessitava de obedecer a certos procedimentos devia tê-los adoptado ou ser dispensado de os adoptar por parte do dono da obra se porventura encarecessem o serviço, como, por exemplo, a lavagem e reparação prévia das paredes ou a limpeza dos gradeamentos.

Relativamente à descoloração da tinta aplicada nas grades dos muros, portas, portões e latada (quesito 3.º) suscitam-se dúvidas no sentido de tal factualidade integrar a noção de defeito.

Com efeito, face aos factos provados os materiais utilizados na pintura foram fornecidos pelos Autores.

É certo que o réu ficou responsável pela direcção da obra, como se acabou de ponderar, mas este facto não é aqui decisivo.

Sabe-se que a tinta foi fornecida pelos autores.

Ora, a descoloração da tinta tem a ver com a perda de pigmentação, fenómeno intrínseco à natureza da própria tinta, à sua qualidade, não imediatamente perceptível, não se afigurando que se trate de fenómeno resultante de um vício imputável ao réu, isto é, resultante da prestação exigível a este, pois, nesta parte, sendo a tinta fornecida aquela, era essa mesma que devia aplicar, salvo se ele conhecesse a falta de qualidade, caso em que lhe incumbia alertar o dono da obra para os riscos inerentes à aplicação.

Daí que a descoloração da tinta não deva ser considerada neste caso concreto como defeito.
Continuando.
Verificados os defeitos e tendo em consideração o disposto no n.º 1, do artigo 799.º do Código Civil, onde se dispõe que «Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua», estes são imputáveis à actuação do réu, uma vez que este não ilidiu esta presunção que implica a sua culpa na produção dos aludidos defeitos ([4]).
Conclui-se, por conseguinte, como na sentença, que o réu está obrigado a reparar os aludidos defeitos, obrigação que lhe é imposta pelo artigo 1221.º, n.º1 do Código Civil.
Ressalva-se apenas o aspecto relativo à descoloração da tinta.

Segunda – Cumpre agora verificar da validade da fixação do prazo para reparar os defeitos em seis meses.

Os autores pediram que fosse fixado prazo ao réu para reparar os defeitos «a estipular pelo tribunal».

O réu nada disse quanto a isto.

Entende agora que este prazo não tem fundamento factual, devendo o prazo ser fixado em um ano.

Não assiste razão ao réu.

Pedida em juízo a fixação de um prazo por parte do autor, nos termos facultados pelo artigo 777.º do Código Civil, e nada tendo proposto o réu a esse respeito, para o caso de vir a ser condenado, o tribunal apenas tem de fixar um prazo razoável de acordo com os factos fornecidos pelo processo, que as partes, por omissão, entenderam ser suficientes.
É este o critério utilizado no n.º 2 do artigo 4.º da mencionada Lei n.º 67/2003 quando dispõe que «A reparação ou substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, e sem grave inconveniente para o consumidor, tendo em conta a natureza do bem e o fim a que o consumidor o destina», bem como no n.º 2 do artigo 1457.º do Código de Processo Civil.
Para efeitos de estipulação do prazo considerou-se na sentença que o réu já tinha sido «…interpelado pelos AA. para proceder à eliminação dos defeitos, não o  tendo feito, sendo certo que não nos oferecem dúvidas que os mesmos são possíveis de serem eliminados face à sua natureza. Como tal, considerando o tipo de defeitos que estão em causa, os trabalhos que serão precisos efectuar para os eliminar (que se prendem com reparações exteriores da casa de habitação dos AA.) e a necessidade de atender às condições atmosféricas, e recorrendo a juízos de equidade e razoabilidade, julgamos adequado fixar um prazo de seis meses para o Réu proceder à eliminação dos aludidos defeitos, a contar do trânsito em julgado desta decisão».

Ora, este prazo de seis meses fixado pelo tribunal é um prazo que em si mesmo mostra ser razoável.

Repare-se que a obra foi iniciada em Janeiro e concluída em Abril, tendo demorado entre três a quatro meses.

Ora, a reparação dos defeitos demandará muito menos trabalho, pelo que o prazo de seis meses é um prazo adequado, não havendo razão para o alterar.

Além disso, desde que o réu tem notícia da decisão até esta transitar em julgado decorre ainda mais algum tempo.

Conclui-se, pois, que o prazo indicado é suficiente para o réu preparar e executar o que tem a fazer.

III. Decisão.

Considerando o exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e revoga-se a decisão na parte em que ordena a reparação da parte relativa à descoloração da pintura, confirmando-se no resto a sentença.

Custas da acção e do recurso na proporção de ¾ para o réu e ¼ para os autores.


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Coimbra, 5 de Julho de 2011.

Alberto Ruço ( Relator )

Judite Pires

Carlos Gil



[1] Código Civil Anotado, Vol. II, pág. 788, 3.ª edição, Coimbra/1986.

[2] Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I, pág. 236, Almedina/1987.
[3] Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, pág. 184, Almedina/1994.
[4] Neste sentido Pedro Romano Martinez, em Contrato de Empreitada, pág. 194, Coimbra/1994, quando refere que «A responsabilidade do empreiteiro baseia-se, pois, na culpa, mas há uma presunção de negligência do devedor (art.º 799.º, n.º1; provado o defeito e a sua gravidade, que incumbe ao dono da obra, presume-se que o cumprimento defeituoso é imputável ao empreiteiro».