Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
232/12.9GEACB.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
INDEMNIZAÇÃO OFICIOSA
EQUIDADE
Data do Acordão: 05/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL DE ALCOBAÇA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 21.º DA LEI N.º 112/2009; ART. 82.º-A DO CPP; ARTS. 483.º, 494.º E 496.º DO CC
Sumário: I - Há lugar à atribuição de indemnização à vítima, mesmo não tendo sido pedido e mesmo que não ocorram particulares exigências de protecção da mesma, na fixação desta indemnização segue-se a regra geral, à falta de lei especial para o efeito.

II - No caso particular do crime de violência doméstica em que a atribuição de indemnização é obrigatória entendemos que se deverá prescindir da verificação do pressuposto “gravidade do dano” porque se assim não fosse poderíamos concluir, em muitas situações, que não haveria lugar à fixação da indemnização que a lei obriga a atribuir por os danos não serem particularmente graves.

III - A fixação da indemnização de acordo com a equidade significa que o seu valor é determinado considerando a culpa do agente, a sua situação económica e a situação económica do lesado, as especiais circunstâncias do caso, a gravidade do dano, etc., ou seja, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

1.

Nos presentes autos foi o arguido A... condenado na pena de 2 anos e 4 meses, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de um crime de violência doméstica, do art. 152º, nº 1, al. a), do Código Penal.

O arguido foi, ainda, condenado na pena de proibição de contactos, por si ou por interposta pessoa, com B... pelo período de 2 anos, com excepção dos necessários à resolução dos litígios pendentes e a efectuar por advogados.

Finalmente, foi decidido não arbitrar qualquer indemnização à vítima a título de reparação dos prejuízos sofridos por inexistência de particulares exigências de protecção da mesma que a impusessem.

2.

Inconformado, o Ministério Público recorreu, concluindo:

«1. Nos presentes autos foi proferida sentença condenando o arguido A... na pena de dois anos e dez meses de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Código Penal

2. Nos termos do disposto no artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, «1 - À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. 2 - Para efeitos da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser».

3. No caso especial dos crimes de violência doméstica, da conjugação do teor dos artigos 21.º/1/2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, com o artigo 82.º-A/1 do Código de Processo Penal, conclui-se que, em caso de condenação, impõe-se ao tribunal condenar o agente do crime no pagamento à vítima de uma indemnização arbitrada a título de reparação dos prejuízos [materiais e/ou morais] sofridos, independentemente de particulares exigências de protecção da vítima (por já serem inerentes ao tipo de crime em causa e, precisamente, porque «há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal»], salvo oposição expressa da vítima.

4. A sentença recorrida, ao decidir não arbitrar indemnização a favor da vítima na ausência de oposição expressa desta, violou a referida norma estabelecida no artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.

5. Deverá, assim, a sentença ser anulada neste aspecto e ser arbitrada indemnização a favor da vítima».

3.

O recurso foi admitido.

O Exmº P.G.A. emitiu parecer pugnando pelo provimento do recurso.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

4.

Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Realizada a conferência cumpre decidir.


*

FACTOS PROVADOS

5.

Foram dados como provados os seguintes factos:

«1. O arguido e B... contraíram matrimónio em 30.03.1985.

2. Desde a data em que se divorciaram – 05.11.2010 – e em data que não foi possível apurar, o arguido perseguiu B... dizendo-lhe “isto não fica assim”, “eu mato-te”, “dou cabo de ti e de todos os que estão à tua volta”.

3. No dia 03.08.2012, o arguido enviou as seguintes mensagens para o telemóvel de C..., seu filho, do número 9 (...) :

_ “Diz a essa tipa k you à espera do meu dinheiro” (pelas 00h46m);

_ “Nada tá esquecido e vou concretizar a minha vingança” (00h47m);

_ “Já estive quase mas vai ser num local público, nem vai dar tempo para reagirem” (00h49m);

_ “Tá a acabar o prazo prepara te” (00h49m);

_ “Eu avisei, só deve estar preocupado aquelas k me fizeram mal e eu estou preparado para elas e para os maridos que venham… sabem onde me encontrar essa gente nogenta” (00h52m);

_ “Acabou… agora já não tenho nada a perder e tu prepara-te pk deves ir para o pé do teu irmão pk ficas sem ninguém cá” (00h54m);

_ “Recebeste as sms?? Transmite as sff” (01h18m);

_ “Eu tou aí pela rua… a pé” (01h19m).

4. Em dia que não foi possível apurar do mês de Agosto de 2012, o arguido, dirigindo-se a B... e colocando-se de frente para ela disse-lhe: “eu quero o meu dinheiro”, “eu dou cabo de ti”, “eu sei que tens testemunhas”, “vais tu e quem estiver ao teu lado”.

5. Acto contínuo, o arguido tentou agredir B... , não logrando alcançar o seu propósito porque o filho de ambos, C, se colocou entre o arguido e B... , dizendo-lhe para abandonar o local, o que o arguido fez.

6. O arguido disse a pelo menos uma amiga de B... que a havia de matar e que tinha boa pontaria.

7. O arguido escreveu e enviou as mensagens supra referidas com o propósito de amedrontar B... e de lhe diminuir a sua capacidade de reagir.

8. O arguido pretendeu atingir o corpo e a saúde de B... , apenas não o logrando conseguir porque o seu filho o impediu.

9. Sabia o arguido que as expressões que dirigiu a B... lhe provocavam medo e incapacidade de reagir, de prosseguir o seu dia-a-dia sem medo de que concretizasse a ameaça de a matar.

10. Tudo isto logrou conseguir a coberto de um sentimento de impunidade, valendo-se da sua superior força física e do efeito surpresa, provocando a B... um sentimento de medo, impotência, humilhação e vexame.

11. Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se apurou que:

Da situação pessoal do arguido:

12. O arguido vive sozinho, em casa arrendada, pela qual paga € 300,00 mensais.

13. Suporta prestações de dívidas, no valor aproximado de € 530,00 mensais;

14. Aufere, de pensão de reforma, € 1.530,00.

15. Tem dois filhos maiores de idade.

16. Como habilitações literárias, tem o 9º ano de escolaridade.

17. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta».

            6.

            Dos autos resulta, ainda:

1 – a ofendida não deduziu pedido de indemnização civil;

2 – do processo não consta declaração da arguida, escrita ou oral, opondo-se ao arbitramento de indemnização decorrente da prática do crime pelo qual o arguido foi condenado;

3 – a sentença recorrida decidiu não atribuir indemnização à vítima, na base da seguinte argumentação:

«Nos termos do disposto no artigo 21º, nº 2 da Lei 112/2009, de 16.09 (Regime Jurídico aplicável às vítimas de violência doméstica), há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82º-A do CPP, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.

E é a seguinte a redacção do artigo 82º-A do C.P.P., que versa sobre a reparação da vítima em casos especiais:

1. Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.

2. No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.

3. A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.

No caso em apreço, atentos os factos provados e as consequências dos mesmos, considera-se que inexistem particulares exigências de protecção da vítima que imponham o arbitramento de uma quantia a título de reparação.

O artigo 82º-A do CPP consiste numa faculdade conferida ao julgador, no caso de se verificarem os seus pressupostos, e não consubstancia uma obrigatoriedade de arbitramento de reparação a toda e qualquer situação de violência doméstica que resulte provada.

De facto, por força da aplicação do referido artigo 21º, nº 2 da Lei 112/2009, tem sempre aplicação o disposto no artigo 82º-A do CPP, o qual apenas impõe o arbitramento de reparação no caso em que particulares exigências de protecção da vítima o imponham – o que equivale a dizer que se considera a obrigatoriedade de aplicação do referido artigo 82º-A do C.P.P. não equivale à obrigatoriedade de arbitramento de reparação.

Em face do exposto, ao abrigo das disposições legais supra citadas e porque inexistem, no caso dos autos, particulares exigências de protecção da vítima que imponham o arbitramento de reparação, decide-se não ser de arbitrar qualquer quantia à mesma a título de reparação pelos prejuízos sofridos».


*

DECISÃO

Atento o disposto no art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., a questão a decidir respeita à questão de saber se a lei impõe a atribuição de indemnização civil à vítima do crime de violência doméstica, quando esta não se opuser expressamente a isso independentemente das suas concretas condições.


*

A Lei n.º 112/2009, de 16/9, que instituiu o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das vítimas destes crimes, estabelece no seu art. 21º, cuja epígrafe é “direito a indemnização e a restituição de bens”:

«1 - À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.

2 - Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.

…».

            Portanto, a lei especial determina que à vítima do crime de violência doméstica é reconhecido o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime excepto quando a isso ela expressamente se opuser, ou seja, deve ser-lhe sempre atribuída uma indemnização, a menos que a vítima declare expressamente não a querer.

            E é a seguinte a redacção do art. 82º-A do C.P.P., que versa sobre a reparação da vítima em casos especiais:

«1 – Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.

2 – No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.

3 – A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização».

            Desta norma resulta que em caso de condenação e não tendo sido deduzido pedido de indemnização o tribunal pode arbitrar uma quantia à vítima a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção desta o imponham.

            Sobre estas duas normas diz Paulo Pinto de Albuquerque na anotação ao art. 82º-A do seu Comentário ao C.P.P. (4ª edição): «O direito à indemnização previsto no artigo 21º, nº 2, da Lei 112/2009, de 16.9, prejudica as regras do artigo 82º-A do C.P.P., uma vez que consagra uma indemnização oficiosa “obrigatória”, mesmo no caso de não dedução do pedido de indemnização por culpa, negligência ou desinteresse da vítima ou de não existência das “particulares” exigências de protecção da vítima que imponham a reparação oficiosa. As únicas condições da reparação oficiosa da vítima são a prova de danos causados à vítima, a condenação do arguido pelo crime imputado e a não oposição da vítima à reparação».

            Ao fim e ao cabo o que se defende, aqui, é a velha regra do direito que a lei especial prevalece sobre a lei geral.

            E é este mesmo entendimento que a jurisprudência desde sempre seguiu.

            Fazendo um breve périplo pelas decisões proferidas sobre a matéria temos:

- por acórdão de 16-9-2015, proferido no processo 67/14.4 S2LSB.L1-3, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que «por crime de violência doméstica há sempre que arbitrar uma indemnização à vítima, excepto se esta expressamente se tiver oposto a tal. Por regra para que possa haver lugar a determinação de uma indemnização é necessário que oportunamente o/a lesado/a tenha formulado pedido cível. Não obstante, essa regra comporta excepções. Desde logo, a prevista no nº1 do artº 82-A do C.P. Penal, de carácter genérico, potencialmente aplicável às vítimas de qualquer tipo de crime, cujo requisito de aplicabilidade é a existência de particulares exigências de protecção da vítima. E a constante do artº 21 da Lei nº 112/09, que impõe aquele arbitramento, excepto quando a vítima do crime expressamente a tal se opuser»;

- por acórdão de 7-3-2016, proferido no processo 697/14.4GAVNF.G1, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu que «no caso da prática de crime de violência doméstica, a lei impõe o arbitramento de indemnização à vítima, presumindo a existência de particulares exigências da sua protecção, só assim não sendo quando a ele se oponha a vítima expressamente»;

- por acórdão de 22-9-2015, proferido no processo 671/14.0PBFAR.E1, a Relação de Évora decidiu que «da conjugação dos arts. 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16.09, e 82.º-A do Código de Processo Penal, decorre actualmente, não existindo pedido civil, a obrigatoriedade de fixação de indemnização em caso de condenação por crime de violência doméstica, desde que a vítima a tal se não oponha»;

- em 2-7-2014, no acórdão 245/13.3PBFIG.C1, esta Relação de Coimbra decidiu que «praticado o crime de violência doméstica, a lei impõe o arbitramento de indemnização à vítima, presumindo a existência de particulares exigências da sua proteção, só assim não sendo quando a ele se oponha a vítima expressamente»;

- em 11-5-2016, no acórdão proferido no processo 94/12.6GAACB.C2, esta mesma relação decidiu, sobre o referido art. 21º, que «dizendo a lei que “há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser” … é para nós evidente que a oposição em referência é a que a vítima pode fazer em relação à atribuição de uma indemnização decorrente do simples facto de ser vítima de um crime de violência doméstica. Se a tal não se opuser, o tribunal mais não tem do que atribuir-lhe a indemnização … Em suma: não tendo havido oposição da vítima, estava o tribunal a quo obrigado, por força do disposto no art.º 21º da Lei n.º 112/2009, de 16 de dezembro, a fixar uma indemnização a pagar pelo arguido à Celeste Tavares».

Aliás, no acórdão já proferido neste processo em 28-5-2014, que decidiu o recurso interposto da primeira sentença, anulada por não se ter pronunciado sobre a indemnização a atribuir à vítima, consta que «em caso de condenação por crime de violência doméstica há sempre que arbitrar uma indemnização à vítima, ou porque ela a pediu ou, não o tendo feito e não se tendo oposto ao seu arbitramento expressamente, por via do disposto no art. 21º da Lei n.º 112/2009, de 16/9».

            Portanto, tem razão o Ministério Público.

            Concluindo que há lugar à atribuição de indemnização à vítima, mesmo não tendo sido pedido e mesmo que não ocorram particulares exigências de protecção da mesma, na fixação desta indemnização segue-se a regra geral, à falta de lei especial para o efeito.

            E a regra geral consta do art. 129º do Código Penal, que diz que «a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil».

Vejamos, então, em que termos regula a lei civil a indemnização decorrente da prática de facto ilícito.

Nos termos do art. 483º, nº 1 do Código Civil «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

São, pois, pressupostos da obrigação de indemnizar:

- o facto voluntário do agente;

- a ilicitude do facto;

- a imputação do facto ao lesante, a título de dolo ou mera culpa;

- a ocorrência de dano;

- a existência de um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

É patente que se verificam os pressupostos do facto ilícito e do dolo na sua execução.

Quanto aos danos, conforme resulta dos factos desde o divórcio, ocorrido em 5-11-2010, o arguido dirigiu, por várias vezes, ameaças de morte à ofendida, ameaças estas que lhe provocaram medo, incapacidade de reagir e de prosseguir o seu dia-a-dia com normalidade e, também, sentimentos de impotência, humilhação e vexame.

Não resulta que da actuação do arguido tenham ocorrido danos patrimoniais mas, como sabemos, nem só estes são indemnizáveis.

Nos termos do art. 496º do Código Civil, são atendíveis para efeitos indemnizatórios os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Porém, dado que, conforme já vimos, no caso particular do crime de violência doméstica a atribuição de indemnização é obrigatória entendemos que se deverá prescindir da verificação do pressuposto “gravidade do dano” porque se assim não fosse poderíamos concluir, em muitas situações, que não haveria lugar à fixação da indemnização que a lei obriga a atribuir por os danos não serem particularmente graves.

No entanto, entendemos que, no nosso caso, os danos provocados à vítima são relevantes.

Os danos não patrimoniais são aqueles que são insusceptíveis de expressão pecuniária, como sejam as dores físicas e morais sofridas.

Por isso a sua quantificação faz-se com recurso à equidade.

A fixação da indemnização de acordo com a equidade significa que o seu valor é determinado considerando a culpa do agente, a sua situação económica e a situação económica do lesado, as especiais circunstâncias do caso, a gravidade do dano, etc., ou seja, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida [1]: a indemnização deve ser proporcional à gravidade do dano, a avaliar objectivamente, e ser fixada de acordo com critérios de boa prudência e ponderação das realidades da vida.

E não podia deixar de ser assim porque a indemnização por danos não patrimoniais não visa pagar, nem apagar, os danos provocados pelo facto, porque sobre eles não podem incidir regras de cálculo. O que aqui se pretende é atenuar, minorar e de certo modo compensar os danos sofridos pelo lesado [2], atribuindo-lhe uma soma em dinheiro que lhe permita um acréscimo de bem-estar que sirva de contraponto ao sofrimento moral provocado.

Sendo essa a função a indemnização pelo dano não patrimonial, não pode ela ser meramente simbólica, a menos que seja isso que se pretenda.

Para o ressarcimento destes danos a lei, conforme resulta do art. 496.º do C. Civil, confia ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, e nesta apreciação releva não o rigor contabilístico da adição de custos, despesas, ou de ganhos mas sim o desiderato de, prudentemente, dar alguma correspondência compensatória ou satisfatória entre uma maior ou menor quantia de dinheiro a arbitrar à vítima e a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ela se viu afectada [3].

No caso, desde finais de 2010 o dia-a-dia da vítima se tem pautado pelo medo de o arguido concretizar as ameaças de morte que lhe tem feito daqui resultando quer um cerceamento da sua liberdade de acção, quer os naturais sentimentos de impotência, humilhação e vexame por não poder viver a sua vida sem andar sempre a “olhar para trás”, digamos.

Considerando o exposto temos por adequada a atribuição à vítima da quantia de 2.000,00 € a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.


*

DISPOSITIVO

Por todo o exposto, na procedência do recurso, condena-se o arguido A... a pagar a B... a quantia de 2.000,00 € pelos danos não patrimoniais causados pelo crime de violência doméstica, do art. 152º, nº 1, al. a), do Código Penal, praticado sobre esta.

Sem custas.

Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.

Coimbra, 18 de Maio de 2018

(Olga Maurício – relatora)

(Luís Teixeira - adjunto)


[1] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2003, pág. 602 e segs.
[2] Autor, obra e local citados acima.
3 Acórdão do T.R.P. de 9-7-1998, CJ, Ano XXIII, tomo IV, pág. 185, citando Pessoa Jorge, in Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil.