Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3181/07.9TJLSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: CRÉDITO AO CONSUMO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO
VENCIMENTO
PRESTAÇÕES DEVIDAS
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 11/24/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COVILHÃ – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 2º, Nº 1, AL. A), DO D. L. Nº 359/91, DE 21/09; DEC. LEI Nº 446/85, DE 25/10; 781º DO C. CIV.
Sumário: I – De acordo com o artº 4º do D. L. nº 446/85, as cláusulas contratuais gerais inseridas em propostas de contratos singulares incluem-se nos mesmos, para todos os efeitos, pela aceitação, com observância do disposto no capítulo II (artºs 4º a 9º) daquele Dec. Lei.

II – Nos termos do artº 8º, al. a), consideram-se excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artº 5º.

III – As cláusulas contratuais gerais têm de ser comunicadas na íntegra e, por outro lado, a comunicação deve revestir uma forma e ter uma antecedência que, atendendo à importância do contrato e à extensão e complexidade das cláusulas, permita o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

IV – Suscitada a questão da falta, inadequação ou ineficácia da comunicação, é sobre o proponente – e não sobre o aderente – que recai o ónus de prova.

V – Preceitua também o artº 8º do D. L. nº 446/85, na respectiva alínea d), que se consideram excluídos dos contratos singulares as cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes.

VI – O referido advérbio “depois” é entendido na jurisprudência e na doutrina dominantes com um sentido de lugar (atrás, detrás), pelo que encontrando-se a assinatura do R. aposta na frente do documento do contrato de adesão, devem ser consideradas como excluídas as cláusulas gerais inseridas no seu verso.

VII – Pelo Acórdão do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 7/2009, de 25/03/2009, foi entendido que “no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artº 781º C. Civ. não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados” .

VIII – Nessa medida, embora o vencimento, nos termos do artº 781º do C. Civ., das prestações subsequentes àquela cujo pagamento foi omitido não implique a obrigação de suportar os juros remuneratórios nelas incorporados, não deixam de ser devidos, nos termos legais (artºs 804º e segs do C. Civ.), desde o momento da constituição em mora, os pertinentes juros moratórios.

Decisão Texto Integral:          Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

         1. RELATÓRIO

Banco A..., pessoa colectiva n.º 500.280.312, com sede ....., instaurou acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos contra B... e esposa C... , residentes na ...., pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 11.736,87 (correspondendo € 10.725,00 ao capital, € 972,95 a juros vencidos e € 38,92 a imposto de selo), acrescida de juros vincendos sobre o capital à taxa anual de 19,03% até integral pagamento, bem como imposto de selo, custas e procuradoria.

Alegou para tanto, em síntese, que celebrou com o Réu marido um contrato de mútuo, através do qual lhe emprestou a quantia de € 12.575,00 para compra de um veículo automóvel; que o R. incumpriu o contrato a partir da 32.ª prestação; e que o empréstimo reverteu em proveito comum do casal, razão pela qual a Ré C... é solidariamente responsável.

A Ré C... contestou, alegando que é completamente estranha à celebração do contrato, à qual não deu o seu consentimento; que pediu o divórcio no ano de 2005, altura em que saiu de casa, encontrando-se actualmente separada do Réu B...; e que não há proveito comum do casal, pelo que a dívida é da exclusiva responsabilidade do seu co-Réu.

O Réu B... também contestou, argumentando que faltou ao pagamento da quantia mutuada, tal como alegado pelo Autor, por circunstâncias pessoais; que o veículo foi adquirido com o consentimento da esposa e foi usado em proveito do casal; que o contrato celebrado é um contrato de adesão e que as condições gerais constantes do mesmo não foram lidas, nem explicadas pelo Autor, pelo que devem considerar-se não escritas; que o Autor não interpelou o Réu para proceder ao pagamento das quantias em falta, pelo que deve considerar-se que a interpelação apenas ocorreu com a citação; e que deve ser reduzida a cláusula penal fixada nas condições gerais do contrato.

O 3º Juízo Cível da comarca de Lisboa, onde a acção fora intentada, declarou-se incompetente em razão do território e o processo foi remetido para a comarca da Covilhã.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância de todo o formalismo legal.

Foi depois proferida a sentença que constitui fls. 298 a 317 do II volume do processo, cujo segmento decisório se transcreve:

“Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o pedido e em consequência:                      

1. Condenar o Réu B....:

(a) No pagamento das prestações vencidas até 27-07-2007, no valor de €.275,00 cada uma, e dos respectivos juros moratórios, à taxa anual de 15,03%;

(b) No pagamento dos montantes correspondentes às parcelas de capital integradas nas prestações vencidas em 28-07-2007, bem como nos juros moratórios sobre as parcelas de capital incluídas nessas prestações, à taxa anual de 15,03%.

2. No mais, absolver o Réu B.... do pedido.

3. Absolver a Ré C... do pedido.”

Inconformados, recorreram quer o A. quer o R. B...., o primeiro a título principal e o segundo a título subordinado.

O A. encerrou a sua alegação com as conclusões seguintes:

[…]

Por sua vez, o R.B....concluiu assim a sua alegação:

[…]

         A R. C... respondeu.

         Colhidos os pertinentes vistos, cumpre apreciar e decidir.


***

         Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas as questões seguintes:

         I – Na apelação principal:

         a) (In)validade das condições gerais do contrato;

         b) (Des)consideração dos juros remuneratórios;

         c) (Ir)responsabilidade da R. mulher (também colocada na apelação subordinada);

         II – Na apelação subordinada [além da (ir)responsabilidade da R. mulher]:

         d) Montante da taxa dos juros moratórios.


***

         2. FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. De facto

         Na 1ª instância considerou-se provada a factualidade seguinte:


[…]

***


         2.2. De direito

         2.2.1. (In)validade das condições gerais do contrato

         Entendeu-se na sentença recorrida – o que não vem posto em causa nem há razões para questionar – que o contrato celebrado entre o A. e o R. marido é, de acordo com o disposto no artº 2º, nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 359/91, de 21/09, um contrato singular de crédito ao consumo integrado por condições específicas e por condições gerais e, por isso, um contrato de adesão ao qual é aplicável a disciplina do Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10[1].

         Considerou-se ainda na sentença sob recurso que, por integrarem a previsão das alíneas a) e d) do artº 8º do Decreto-Lei nº 446/85, as condições – ou cláusulas – gerais do contrato em questão devem ter-se como excluídas.

         O Recorrente principal discorda.

         Vejamos.

         De acordo com o artº 4º do Decreto-Lei nº 446/85, as cláusulas contratuais gerais inseridas em propostas de contratos singulares incluem-se nos mesmos, para todos os efeitos, pela aceitação, com observância do disposto no capítulo II (artigos 4º a 9º) daquele Decreto-Lei.

Nos termos do artº 8º, al. a), consideram-se excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artº 5º. Ora, o artº 5º delineia o dever de comunicação da forma seguinte:

1. As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.

2. A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

3. O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.

         O dever de comunicação destina-se a que o aderente conheça antecipadamente o conteúdo contratual, isto é, as cláusulas a inserir no negócio[2].

         Mas a lei não se satisfaz com uma comunicação qualquer. Por um lado, as cláusulas contratuais gerais têm de ser comunicadas na íntegra e, por outro, a comunicação deve revestir uma forma e ter uma antecedência que, atendendo à importância do contrato e à extensão e complexidade das cláusulas, permita o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

         E, suscitada a questão da falta, inadequação ou ineficácia da comunicação, é sobre o proponente – e não sobre o aderente – que recai o ónus de prova[3].

         Ora, percorrendo todo o acervo de factos provados constante da sentença recorrida – acima transcrito – não se encontra qualquer indício de que o A. tenha diligenciado de qualquer forma pela comunicação ao R. marido das cláusulas contratuais gerais.

        

         Preceitua também o artº 8º do Decreto-Lei nº 446/85, na respectiva alínea d), que se consideram excluídas dos contratos singulares as cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes.

         Deu-se, na sentença recorrida, ao advérbio «depois» um sentido de lugar (atrás, detrás), pelo que, encontrando-se a assinatura do R. marido aposta na frente do documento do contrato, foram consideradas excluídas as cláusulas gerais, porque inseridas no verso.

         O recorrente principal dá ao dito advérbio um significado temporal, defendendo que a exclusão prevista na al. d) do artº 8º do Decreto-Lei nº 446/85 se refere a cláusulas gerais escritas ou impressas no documento do contrato posteriormente à respectiva assinatura.

          Transcrevendo, com a devida vénia, um trecho do Acórdão do STJ de 16/10/2008[4], dir-se-á que a interpretação segundo a qual a al. d) do artº 8º se refere às cláusulas «introduzidas após», por oposição a «constantes», ou seja, já escritas, atribuindo ao advérbio «depois» uma significação temporal e não de lugar, não só é incompatível com o regime da conclusão dos contratos, que o Decreto-Lei nº 446/85 acolhe, desde logo em seus artigos 1º, 2º e 4º, sem deixar qualquer dúvida sobre a preexistência e elaboração prévia das cláusulas gerais relativamente ao momento da declaração de aceitação ou adesão, como esvaziaria de conteúdo e sentido o dever de comunicação prévia imposta pelo artigo 5º, cuja omissão é cominada, igualmente, com a exclusão das cláusulas [al. a) do mesmo artigo 8º].

         O entendimento expresso no douto aresto citado – e seguido na sentença recorrida – é dominante na doutrina[5] e na jurisprudência[6], não dissentindo nós dele.

         Concordando-se, neste domínio, com a sentença recorrida, entende-se que, por não ter sido demonstrado o cumprimento do dever de comunicação [artºs 5º e 8º, al. a) do Decreto-Lei nº 446/85] e por terem sido inseridas no documento/formulário integrador do contrato depois da assinatura do aderente, devem considerar-se excluídas do contrato as ali denominadas condições gerais.

Nega-se, por conseguinte, razão ao recorrente principal no que à questão acabada de analisar tange.


***

         2.2.2. (Des)consideração dos juros remuneratórios

         Excluídas do contrato as cláusulas gerais, designadamente a constante da al. b) da Condição 8ª, segundo a qual a falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes, foi na sentença recorrida feito apelo às normas supletivas aplicáveis (artº 9º, nº 1 do Decreto-Lei nº 446/85), nomeadamente ao artº 781º do Cód. Civil.

         Preceitua tal normativo que se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas[7].

         Na decisão sob censura considerou-se que o vencimento precipitado pelo preenchimento da previsão do artº 781º do Cód. Civil abrange apenas a dívida de capital, não incluindo a dívida de juros remuneratórios.

         O recorrente principal não concorda.

         A questão em apreciação foi objecto de alguma controvérsia jurisprudencial, tendo dado azo à prolação, por parte do Supremo Tribunal de Justiça, de um acórdão uniformizador de jurisprudência que pôs termo à polémica[8].

         Nesse douto aresto foram enfrentados e rebatidos todos os argumentos aqui esgrimidos pelo recorrente, tendo sido uniformizada jurisprudência no sentido de que “no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”.

Pelo seu interesse destacamos os pontos ou premissas nucleares que, no dizer do próprio Acórdão, suportaram o entendimento sufragado, tido como já anteriormente amplamente maioritário senão mesmo uniforme do Supremo Tribunal, sobre a questão objecto do recurso de revista ampliada (que coincide com a que aqui e agora nos ocupa). Esses pontos ou premissas nucleares são:

1 – A obrigação de capital constitui nos contratos de mútuo oneroso, comercial ou bancário, liquidável em prestações, uma obrigação de prestação fraccionada ou repartida, efectuando-se o seu cumprimento por partes, em momentos temporais diferentes, mas sem deixar de ter por objecto uma só prestação inicialmente estipulada, a realizar em fracções;

2 – Diversamente, os juros remuneratórios enquanto rendimento de uma obrigação de capital, proporcional ao valor desse mesmo capital e ao tempo pelo qual o mutuante dele está privado, cumpre a sua função na medida em que exista e enquanto exista a obrigação de capital;

3 – A obrigação de juros remuneratórios só se vai vencendo à medida em que o tempo a faz nascer pela disponibilidade do capital;

4 – Se o mutuante, face ao não pagamento de uma prestação, encurta o período de tempo pelo qual disponibilizou o capital e pretende recuperá-lo, de imediato e na totalidade o que subsistir, só receberá o capital emprestado e a remuneração desse empréstimo através dos juros, até ao momento em que o recuperar, por via do accionamento do mecanismo previsto no art.º 781.º do C. Civil;

5 – Não pode assim, ver-se o mutuante investido no direito a receber juros remuneratórios do mutuário faltoso, porque tais juros se não venceram e, consequentemente, não existem;

6 – O mutuante, caso opte pela percepção dos juros remuneratórios convencionados, terá de aguardar pelo decurso do tempo previsto para a duração do contrato e como tal, abster-se de fazer uso da faculdade prevista no art.º 781º do Código Civil, por directa referência à lei ou a cláusula de teor idêntico inserida no contrato;

7 – Prevalecendo-se do vencimento imediato, o ressarcimento do mutuante ficará confinado aos juros moratórios, conforme as taxas acordadas e com respeito ao seu limite legal e à cláusula penal que haja sido convencionada;

8 – O art.º 781º do Código Civil e, logo, a cláusula que para ele remeta ou o reproduza, tem apenas que ver com o capital emprestado, não com os juros remuneratórios, ainda que incorporados estes nas sucessivas prestações;

9 – A razão de ser do mencionado preceito legal prende-se com a perda de confiança que se produz no mutuante/credor quanto ao cumprimento futuro da restituição do capital, face ao incumprimento da obrigação de pagamento das respectivas prestações;

10 – As partes no âmbito da sua liberdade contratual podem convencionar, contudo, regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido no art.º 781º do C. Civil.

Não vislumbramos, nem o recorrente principal apresentou na sua alegação, qualquer argumento que não tenha sido analisado e afastado pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de uniformização mencionado.

Por isso, remetendo para esse sábio aresto, nega-se, também quanto a esta questão, razão ao recorrente principal


***

         2.2.3. (Ir)responsabilidade da R. mulher

         Apesar de o contrato de crédito ao consumo ter sido firmado apenas pelo R. marido, o A. intentou a acção também contra a R. mulher, pedindo a condenação desta solidariamente com o seu cônjuge, com a alegação de que eram, à data, casados entre si e a dívida foi contraída em proveito comum do casal.

         Com relevo para esta questão provou-se que o R. B... e C... casaram-se na Conservatória do Registo Civil da Covilhã, em 18 de Julho de 2001, no regime de comunhão de adquiridos; o empréstimo contraído em 27/07/2004 pelo R. marido junto do Banco A. destinou-se à aquisição de um veículo automóvel; a R. C... teve conhecimento, antes da sua celebração, do contrato outorgado entre o seu cônjuge e o A. e deu o seu consentimento; o R. B...., antes da aquisição do veículo, consultou a R. C..., a qual concordou com a sua aquisição; o R. marido conduzia o veículo para transportar a R. mulher e a filha de ambos.

         Mau grado tal factualidade, entendeu-se na sentença sob recurso que “não existem factos consubstanciadores do aludido proveito comum. Por um lado, não se apurou com que intenção o Réu B.... realizou o empréstimo e comprou o veículo e, por outro, atendendo a que era o Réu B... quem conduzia o veículo, não se pode considerar, em termos objectivos, que a compra do veículo revertesse em proveito do casal.”

O recorrente principal discorda. No que é acompanhado pelo recorrente subordinado.

Vejamos se têm ou não razão.

Nos termos do artº 1691º, nº 1, als. a) e c) do Cód. Civil, são da responsabilidade de ambos os cônjuges: (a) as dívidas contraídas, antes ou depois da celebração do casamento, pelos dois cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro; (c) as dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração.

Tendo em consideração a factualidade provada, atrás mencionada, afigura-se-nos como seguro que a dívida em causa foi contraída pelo R. marido na vigência do casamento[9] e com o consentimento da R. mulher. O que implica, desde logo, nos termos da al. a) do nº 1 do artº 1691º do Cód. Civil, a responsabilidade de ambos os cônjuges, incluindo, pois, a R. mulher.

Mas, se bem vemos, encontra-se igualmente preenchida a previsão da al. c) do nº 1 da disposição legal mencionada.

Pelo seu interesse para a questão em análise, transcreve-se, sempre com a devida vénia, um novo trecho do Acórdão do STJ de 16/10/2008[10]:

“Saber se uma determinada dívida, contraída por um dos cônjuges, foi contraída em proveito comum do casal significa averiguar se o dinheiro ou os bens em cuja aquisição foi aplicado se destinaram a satisfazer interesses comuns do casal.

Assim, como explica Pereira Coelho (“Curso de Direito de Família”, 1977, 348-349), o proveito comum afere-se, não pelo resultado, mas pela aplicação da dívida, pelo fim visado pelo devedor, devendo essa finalidade de beneficiar o casal ser apreciada também objectivamente, tendo em conta os interesses dos cônjuges e da família.

Bem se compreende, pois, que se venha afirmando que a questão de apurar do proveito comum se apresenta como uma questão mista ou complexa envolvendo uma questão de facto e outra de direito. A primeira consiste em averiguar o destino dado ao dinheiro representado pela dívida; a segunda, é de valoração sobre se, perante o destino apurado, a dívida foi contraída em proveito comum, preenchendo o conceito legal.”

No caso dos autos o dinheiro representado pela dívida destinou-se à aquisição de um veículo automóvel que, atento o regime de bens do casal e o disposto no artº 1724º, al. b) do Cód. Civil, ingressou directamente no património comum de ambos os cônjuges. E a utilização dada ao veículo automóvel adquirido – transporte do R. marido, que conduzia, da R. mulher e da filha de ambos – mostra bem que a aquisição foi feita e a correspondente dívida contraída no interesse e com vista à satisfação de necessidades da família e, portanto, em proveito comum do casal.

Nesta parte não se acompanha a sentença recorrida e reconhece-se razão aos apelantes (principal e subordinado).


***

         2.2.4. Montante da taxa dos juros moratórios

         Embora o vencimento, nos termos do artº 781º do Cód. Civil, das prestações subsequentes àquela cujo pagamento foi omitido não implique a obrigação de suportar os juros remuneratórios nelas incorporados, não deixam de ser devidos, nos termos legais (artºs 804º e seguintes do Cód. Civil), desde o momento da constituição em mora, os pertinentes juros moratórios.

         Há, no entanto, que saber qual a taxa desses juros. Se a constante do contrato celebrado entre as partes (15,03%) ou a legal (4% – artº 559º, nº 1 do Cód. Civil e Portaria nº 291/03 de 08/04).

          A este propósito escreveu-se na sentença sob recurso:

         “Por último, refira-se que os juros moratórios devidos pelas prestações de capital vencidas com a interpelação correspondem à taxa de juro contratual acordada entre o Autor e o Réu B.... Pois, de acordo com o disposto no art. 806.º, n.º 1 e 2 do CC, na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, sendo que os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado.

Ora, in casu, já antes do Réu B... entrar em mora, estava estipulado entre as partes um juro mais elevado – 15,03%.”

         O recorrente subordinado dissente, defendendo que a estipulação da taxa de juros de mora integrava as cláusulas gerais excluídas por força das alíneas a) e d) do artº 8º do Decreto-Lei nº 446/85 e que, face à exclusão, é supletivamente aplicável (artº 9º, nº 1) a taxa legal.

         Mas, se bem vemos, não tem razão.

         Encontra-se provado [cfr. al. D) do elenco dos factos assentes] que de acordo com as condições específicas estipuladas [no contrato referido em B), celebrado entre o A. e o R. marido], o Autor concedeu a mencionada quantia à taxa de juro nominal de 15,03% ao ano, devendo o Réu proceder ao reembolso da quantia emprestada, dos juros referidos, da comissão de gestão, do imposto de selo de abertura de crédito e do prémio de seguro de vida, em 72 prestações mensais e sucessivas, no valor de € 275,00, sendo a data de vencimento da primeira prestação em 30-08-2004”.

É certo que se encontra igualmente provado [cfr. al. G) do mesmo elenco] que consta do n.º 8 das Condições Gerais que: a) O mutuário ficará constituído em mora no caso de não efectuar, aquando do respectivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação; b) A falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes; c) Em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização, correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais, bem como outras despesas decorrentes do incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada prestação em mora.

A questão que se coloca é a de saber se, excluídas, nos termos referidos, as condições gerais, nomeadamente a acabada de transcrever, a taxa aplicável aos juros moratórios é a legal ou a estabelecida nas condições específicas.

         A interpretação da parte subsistente do contrato, ou seja, das respectivas condições específicas, deve ser feita de acordo com as regras dos artºs 236º e seguintes do Cód. Civil, valendo as declarações negociais com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

         Ora, nas condições específicas estipulou-se a taxa de juro de 15,03% sem concretizar se tal estipulação respeitava aos juros remuneratórios, aos juros moratórios ou a ambos. Como era referido na al. c) da excluída cláusula geral 8ª, tratava-se, tão-só, da taxa de juro contratual.

         Excluídas as condições gerais, deixou de haver qualquer referência particular às consequências da constituição em mora, pelo que um declaratário normal colocado na posição do R. marido outra coisa não podia deduzir senão que, em caso de mora, a taxa dos juros moratórios era a contratual, acordada nas condições específicas.

         Concordando-se com a sentença recorrida, não se reconhece, quanto a esta questão, razão ao recorrente subordinado.

         Soçobram, pois, com excepção da parte relativa à responsabilidade da R. mulher, as conclusões de ambas as alegações de recurso, o que conduz à procedência das apelações apenas naquela parte.


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         3. DECISÃO

         Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedentes ambas as apelações (principal e subordinada) e, consequentemente, em, mantendo-a em tudo o mais, revogar a sentença recorrida na parte em que absolveu do pedido a R. C..., a qual vai condenada nos mesmos termos em que o foi o R. B...e solidariamente com ele.

         As custas de cada uma das apelações são a cargo dos respectivos apelantes e, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza, da apelada, na proporção de ¾ para os primeiros e ¼ para a segunda.

         À ilustre patrona oficiosa da R. C... são devidos honorários nos termos do ponto 1.3.1 da Tabela anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10/11.


[1] Com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei nºs 220/95, de 31/08, 249/99, de 07/07 e 323/2001, de 17/12.
[2] Ac. STJ de 24/05/2007 (Proc. 07A1337, relatado pelo Cons. Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt.
[3] Tal ónus, de acordo com o Acórdão do STJ referido na anterior nota, basta-se com a remessa do contrato, com todo o seu clausulado, ao aderente, para que este o devolva uma vez firmado.
[4] Proc. 08A343, relatado pelo Cons. Alves Velho, in www.dgsi.pt.
[5] Pinto Monteiro, ROA, 46º, 733 e ss.; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, 436; e Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, págs. 194 a 196.
[6] Além do já citado, cfr. acórdãos do STJ de 07/03/2006 (Proc. 06A038, relatado pelo Cons. João Camilo), de 06/02/2007 (Proc. 06A4524, relatado pelo Cons. Alves Velho), de 03/05/2007 (Proc. 06B1650, relatado pelo Cons. Pires da Rosa), de 06/03/2008 (Proc. 07B4617, relatado pelo Cons. Oliveira Vasconcelos) e de 07/07/2009 (Proc. 369/09.01YFLSB, relatado pelo Cons. Oliveira Vasconcelos), todos em www.dgsi.pt.
[7] A questão de saber se tal vencimento é imediato e automático ou se depende de interpelação do credor, analisada na sentença recorrida, não reveste relevância no caso concreto que nos ocupa, já que, conforme consta de U) e V) da factualidade assente, a interpelação em causa foi efectuada.
[8] Acórdão do STJ nº 7/2009, de 25/03/2009, publicado no D.R. nº 86, Série I, de 2009/05/05, também consultável em www.dgsi. pt (Proc. nº 08A1992, relatado pelo Cons. Cardoso de Albuquerque).
[9] Embora se encontre provado que a R. C... abandonou a residência do casal no primeiro trimestre de 2006, tal não significa que o casamento se tenha extinguido nessa ou noutra data.
[10] Proc. 08A343, relatado pelo Cons. Alves Velho, in www.dgsi.pt.