Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ALBERTO MIRA | ||
Descritores: | INDÍCIOS SUFICIENTES | ||
Data do Acordão: | 09/10/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE CANTANHEDE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 283.º, Nº2 E 308.º, N.º1 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL | ||
Sumário: | I.- Indícios suficientes são os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado; são vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que alguém determinado é o responsável, de forma que, logicamente relacionados e conjugados formem um todo persuasivo da culpabilidade; enfim, os indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito (e na instrução), os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado II. – A suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos probatórios e de convicção constantes do inquérito (e da instrução) que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento; mas se logo a este nível do juízo no plano dos factos se não puder antever a probabilidade de futura condenação, os indícios não são suficientes, não havendo prova bastante para a acusação (ou para a pronúncia). III. - O juízo sobre a suficiência dos indícios, feito com base na avaliação dos factos, na interpretação das suas intrínsecas correlações e na ponderação sobre a consistência das provas, contém sempre, contudo, necessariamente, uma margem (inescapável) de discricionariedade. IV. - Não se exigindo o juízo de certeza que a condenação impõe - a certeza processual para além de toda a dúvida razoável -, é mister, no entanto, que os factos revelados no inquérito ou na instrução apontem, se mantidos e contraditoriamente comprovados em audiência, para uma probabilidade sustentada de condenação | ||
Decisão Texto Integral: | I. Relatório:
No âmbito do inquérito registado sob o n.º 195/07.2GBCNT que correu termos no Tribunal Judicial de Cantanhede, o assistente HDS deduziu, em 6 de Setembro de 2007, a fls. 34 e 35, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Processo Penal (doravante designado apenas por CPP), acusação contra FPC e JV, devidamente identificados nos autos, imputando, a cada um dos arguidos, um crime injúria, p. p. art. 181.º, n.º 1, do Código Penal. O Ministério Público não acompanhou a acusação particular por, em seu entender, não se ter reunido prova suficiente que permita sustentar a acusação em julgamento. Inconformados com o despacho de acusação, os arguidos requereram a abertura de instrução, nos precisos termos de fls. 57/66. Admitida a abertura da instrução, teve lugar o respectivo debate, tendo a final sido proferido despacho, no qual ficou decidido pronunciar os arguidos pelos factos e qualificação jurídica constantes da acusação particular. Desta decisão recorreu o arguido FPC, formulando na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª – Andou mal a Meritíssima Juiz a quo ao proferir e fundamentar o despacho de pronúncia contra o arguido FC baseando-se unicamente no depoimento do assistente. 2.ª – Não sendo a acusação do assistente corroborada nem pelas próprias testemunhas que indicou (designadamente pela sua mãe AP e primo EM), as quais nos seus depoimentos referiram que tão somente a arguida terá proferido parte daquelas expressões, retiram logo à acusação do assistente qualquer credibilidade no que se refere aos factos imputados ao arguido. 3.ª – O depoimento do assistente é insuficiente para preencher o conceito de indícios suficientes referido nos artigos 283.º, n.º 2, e 308.º, n.º 1. 4.ª – A fundamentação do despacho de pronúncia referido é, salvo o devido respeito, manifestamente ilegal. 5.ª – Em relação ao arguido FC deveria ter sido proferido despacho de não pronúncia, dado inexistirem nos autos indícios suficientes de que os artigos 283.º, n.º 2, e 308.º, n.º 1, fazem depender a submissão do arguido a julgamento. 6.ª – Deverá o douto despacho recorrido ser substituído por outro que não pronuncie o arguido FC pelo crime de que vem acusado. 7.ª – Foram, assim, violados o princípio de presunção de inocência consagrado constitucionalmente no artigo 32.º, n.º 2 da CRP, bem como o disposto no artigo 283.º, n.º 2, e no artigo 308.º, n.º 1, ambos do CPP. Nestes termos e nos mais de direito (…) deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho de pronúncia proferido no que se refere ao arguido FC, substituindo-se por outro que decida de harmonia com as antecedentes conclusões, assim se fazendo justiça. O Magistrado do Ministério Público na 1.ª instância rematou a resposta que apresentou ao recurso nos seguintes termos: 1. Para a formação do juízo de indiciação suficiente requerido pelo art. 283.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, aplicável à decisão instrutória por força do disposto no art. 308.º, n.º 1, do mesmo Código, deve ser exigido um grau de probabilidade de futura condenação especialmente forte ou qualificado. 2. Entre a convicção necessária para a pronúncia e a certeza exigida para a condenação não deve existir um diferente grau de exigência quanto à formação da convicção do Juiz, mas apenas uma diferente confiança nessa convicção, que em julgamento fica assegurada com os princípios da publicidade, contraditório, oralidade e imediação. 3. Limitando-se a pronúncia a um juízo de mera probabilidade de futura condenação do arguido, não fica assegurado adequadamente o respeito pelo princípio da presunção de inocência, ínsito também na fase de instrução. 4. Por isso, ainda que o juízo de valoração dos indícios recolhidos em sede de inquérito e de instrução seja inquestionável, atentos os princípios de apreciação da prova, se o padrão de referência que serviu de base à indiciação necessária não é o supra referido, não pode dizer-se que a convicção jurídica assim formada é a adequada à prolação de um despacho de pronúncia. 5. A explicitação autónoma e devidamente fundamentada da formação do juízo de probabilidade de futura condenação adquire especial relevância quando a instrução incide sobre uma acusação particular não acompanhada pelo Ministério Público, na qual não está, lógica e necessariamente contemplada um prévia apreciação indiciária dos factos imputados, com se exige nas acusações públicas. 6. Limitando-se a decisão recorrida, no caso presente, à especial valoração do depoimento do assistente face aos demais elementos constantes dos autos para concluir pela pronúncia do arguido, afirmando-se que, com isso, não é possível concluir por uma probabilidade de absolvição maior do que de condenação, não fica satisfeita a especial exigência de qualificação indiciária requerida para uma decisão de pronúncia. 7. Desta forma, ao considerar que ficou suficientemente indiciada a prática pelo arguido, FC, de um crime de injúria, com a correspondente decisão de pronúncia, violou o tribunal o disposto no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e nos art. 283.º, n.ºs 1 e 2 e 308.º do Cód. Proc. Penal. O assistente HR, por sua vez, manifestou-se no sentido da manutenção da decisão recorrida. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, em douto parecer, pugna pela procedência do recurso. Cumprido o art. 417.º, n.º 2 do CPP, o assistente exerceu o seu direito de resposta, reiterando a posição já antes expressa no sentido da improcedência do recurso. Colhidos os vistos, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir. II. Fundamentação 1. Do objecto do recurso: Como flui do disposto no n.º 1 do art. 412.º do CPP, e de acordo com jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do STJ), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. As conclusões acima transcritas circunscrevem o recurso à questão de determinar se existem indícios suficientes da prática pelo recorrente do crime que lhe está imputado na acusação particular, ou seja, o de injúria, p. e p. pelo art. 181.º, n.º 1, do Código Penal. Versando sobre a finalidade imediata e âmbito da instrução, diz-nos o art. 286.º do CPP que tal fase visa o reconhecimento jurisdicional da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, no sentido de que se não está perante um novo inquérito, mas apenas perante uma fase processual de comprovação (jurisdicional dos pressupostos jurídico-factuais da acusação). «Encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou de não pronúncia, que é logo ditado para a acta, considerando-se notificado aos presentes, podendo fundamentar por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura de instrução» (art. 307.º, n.º 1 do CPP). Sobre a natureza da decisão a proferir após o encerramento da instrução, dispõe o art. 308.º do CPP: «1. Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de um pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos: caso contrário, profere despacho de não pronúncia. 3. No despacho referido no n.º 1 o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer». 2.2.2. Concretização do conteúdo do critério normativo “indícios suficientes” O artigo 283.º, n.º 2, do citado diploma, formata normativamente o conceito de “indícios suficientes”: «consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança». Esta fórmula legal acolhe a noção, sucessivamente densificada pela doutrina e pela jurisprudência, de “indícios suficientes”. Em formulação doutrinalmente bem definida, «os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição».[i] «Afirmar a suficiência dos indícios deve pressupor a formação de uma verdadeira convicção de probabilidade de futura condenação. Não logrando atingir essa convicção, o Ministério Público deve arquivar o inquérito e o juiz de instrução deve lavrar despacho de não pronúncia».[ii] Traçando o limite de distinção entre o juízo de probabilidade e o juízo de certeza processualmente relevante, acrescenta o referido autor:[iii] «o que distingue fundamentalmente o juízo de probabilidade do juízo de certeza é a confiança que nele podemos depositar e não o grau de exigência que nele está pressuposta. O juízo de probabilidade não dispensa o juízo de certeza porque, para condenar uma pessoa, o conceito de justiça num Estado de direito exige que a convicção se forme com base na produção concentrada das provas numa audiência, com respeito pelos princípios da publicidade, do contraditório, da oralidade de da imediação. Garantias essas que não é possível satisfazer no fim da fase preparatória». Quer isto dizer que na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos probatórios e de convicção constantes do inquérito (e da instrução) que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento; mas se logo a este nível do juízo no plano dos factos se não puder antever a probabilidade de futura condenação, os indícios não são suficientes, não havendo prova bastante para a acusação (ou para a pronúncia). A jurisprudência, por seu lado, afinou a compreensão do conceito através da definição e enunciação de elementos de integração que se podem hoje rever na noção legal. Indícios suficientes são os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado; são vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que alguém determinado é o responsável, de forma que, logicamente relacionados e conjugados formem um todo persuasivo da culpabilidade; enfim, os indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito (e na instrução), os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado. O juízo sobre a suficiência dos indícios, feito com base na avaliação dos factos, na interpretação das suas intrínsecas correlações e na ponderação sobre a consistência das provas, contém sempre, contudo, necessariamente, uma margem (inescapável) de discricionariedade. O despacho de pronúncia, como também a acusação, dependem, pois, da existência de prova indiciária, de prima facie, de primeira mas razoável aparência, quanto à verificação dos factos que constituam crime e de que alguém é responsável por esses factos. Não se exigindo o juízo de certeza que a condenação impõe - a certeza processual para além de toda a dúvida razoável -, é mister, no entanto, que os factos revelados no inquérito ou na instrução apontem, se mantidos e contraditoriamente comprovados em audiência, para uma probabilidade sustentada de condenação. Na fase de inquérito, para além do assistente e dos arguidos, foram ouvidas as testemunhas AP (mãe do assistente), EM (primo do assistente) e GN filho dos arguidos). No decurso da instrução, depuseram as testemunhas LJ e MD, e prestaram declarações os arguidos. Do contexto global dos depoimentos/declarações, é dado ver que apenas o assistente sustenta a versão apresentada na queixa de fls. 3, ou seja, que o recorrente, nas circunstâncias de tempo e lugar aí referidas, lhe dirigiu as seguintes palavras: «coitado, deficiente, tolo, a deficiência que tens foi castigo de Deus, e a tua mãe é uma puta» (cfr. auto de fls. 22). Os arguidos negaram peremptoriamente o pronunciamento das expressões que lhes são atribuídas (cfr. autos de interrogatório de fls. 27 e 30 e cassete n.º 1, lado A, rotações 866 a 1714). As testemunhas PR e MR (cfr. autos de fls. 23 e 24), apesar de referidas pelo assistente como conhecedoras dos factos em causa, afirmaram que a dita expressão, dirigida ao assistente, apenas foi proferida pela arguida JC. Quanto às testemunhas LC e MD nenhum conhecimento relevante demonstraram sobre a matéria objecto da acusação particular (cfr. cassete 1, lado A, rotações 0000 a 865).
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