Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
195/07.2GBCNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: INDÍCIOS SUFICIENTES
Data do Acordão: 09/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 283.º, Nº2 E 308.º, N.º1 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I.- Indícios suficientes são os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado; são vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que alguém determinado é o responsável, de forma que, logicamente relacionados e conjugados formem um todo persuasivo da culpabilidade; enfim, os indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito (e na instrução), os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado
II. – A suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos probatórios e de convicção constantes do inquérito (e da instrução) que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento; mas se logo a este nível do juízo no plano dos factos se não puder antever a probabilidade de futura condenação, os indícios não são suficientes, não havendo prova bastante para a acusação (ou para a pronúncia).
III. - O juízo sobre a suficiência dos indícios, feito com base na avaliação dos factos, na interpretação das suas intrínsecas correlações e na ponderação sobre a consistência das provas, contém sempre, contudo, necessariamente, uma margem (inescapável) de discricionariedade.
IV. - Não se exigindo o juízo de certeza que a condenação impõe - a certeza processual para além de toda a dúvida razoável -, é mister, no entanto, que os factos revelados no inquérito ou na instrução apontem, se mantidos e contraditoriamente comprovados em audiência, para uma probabilidade sustentada de condenação
Decisão Texto Integral: I. Relatório:

No âmbito do inquérito registado sob o n.º 195/07.2GBCNT que correu termos no Tribunal Judicial de Cantanhede, o assistente HDS deduziu, em 6 de Setembro de 2007, a fls. 34 e 35, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Processo Penal (doravante designado apenas por CPP), acusação contra FPC e JV, devidamente identificados nos autos, imputando, a cada um dos arguidos, um crime injúria, p. p. art. 181.º, n.º 1, do Código Penal.

O Ministério Público não acompanhou a acusação particular por, em seu entender, não se ter reunido prova suficiente que permita sustentar a acusação em julgamento.

Inconformados com o despacho de acusação, os arguidos requereram a abertura de instrução, nos precisos termos de fls. 57/66.

Admitida a abertura da instrução, teve lugar o respectivo debate, tendo a final sido proferido despacho, no qual ficou decidido pronunciar os arguidos pelos factos e qualificação jurídica constantes da acusação particular.

Desta decisão recorreu o arguido FPC, formulando na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª – Andou mal a Meritíssima Juiz a quo ao proferir e fundamentar o despacho de pronúncia contra o arguido FC baseando-se unicamente no depoimento do assistente.

2.ª – Não sendo a acusação do assistente corroborada nem pelas próprias testemunhas que indicou (designadamente pela sua mãe AP e primo EM), as quais nos seus depoimentos referiram que tão somente a arguida terá proferido parte daquelas expressões, retiram logo à acusação do assistente qualquer credibilidade no que se refere aos factos imputados ao arguido.

3.ª – O depoimento do assistente é insuficiente para preencher o conceito de indícios suficientes referido nos artigos 283.º, n.º 2, e 308.º, n.º 1.

4.ª – A fundamentação do despacho de pronúncia referido é, salvo o devido respeito, manifestamente ilegal.

5.ª – Em relação ao arguido FC deveria ter sido proferido despacho de não pronúncia, dado inexistirem nos autos indícios suficientes de que os artigos 283.º, n.º 2, e 308.º, n.º 1, fazem depender a submissão do arguido a julgamento.

6.ª – Deverá o douto despacho recorrido ser substituído por outro que não pronuncie o arguido FC pelo crime de que vem acusado.

7.ª – Foram, assim, violados o princípio de presunção de inocência consagrado constitucionalmente no artigo 32.º, n.º 2 da CRP, bem como o disposto no artigo 283.º, n.º 2, e no artigo 308.º, n.º 1, ambos do CPP.

Nestes termos e nos mais de direito (…) deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho de pronúncia proferido no que se refere ao arguido FC, substituindo-se por outro que decida de harmonia com as antecedentes conclusões, assim se fazendo justiça.

O Magistrado do Ministério Público na 1.ª instância rematou a resposta que apresentou ao recurso nos seguintes termos:

1. Para a formação do juízo de indiciação suficiente requerido pelo art. 283.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, aplicável à decisão instrutória por força do disposto no art. 308.º, n.º 1, do mesmo Código, deve ser exigido um grau de probabilidade de futura condenação especialmente forte ou qualificado.

2. Entre a convicção necessária para a pronúncia e a certeza exigida para a condenação não deve existir um diferente grau de exigência quanto à formação da convicção do Juiz, mas apenas uma diferente confiança nessa convicção, que em julgamento fica assegurada com os princípios da publicidade, contraditório, oralidade e imediação.

3. Limitando-se a pronúncia a um juízo de mera probabilidade de futura condenação do arguido, não fica assegurado adequadamente o respeito pelo princípio da presunção de inocência, ínsito também na fase de instrução.

4. Por isso, ainda que o juízo de valoração dos indícios recolhidos em sede de inquérito e de instrução seja inquestionável, atentos os princípios de apreciação da prova, se o padrão de referência que serviu de base à indiciação necessária não é o supra referido, não pode dizer-se que a convicção jurídica assim formada é a adequada à prolação de um despacho de pronúncia.

5. A explicitação autónoma e devidamente fundamentada da formação do juízo de probabilidade de futura condenação adquire especial relevância quando a instrução incide sobre uma acusação particular não acompanhada pelo Ministério Público, na qual não está, lógica e necessariamente contemplada um prévia apreciação indiciária dos factos imputados, com se exige nas acusações públicas.

6. Limitando-se a decisão recorrida, no caso presente, à especial valoração do depoimento do assistente face aos demais elementos constantes dos autos para concluir pela pronúncia do arguido, afirmando-se que, com isso, não é possível concluir por uma probabilidade de absolvição maior do que de condenação, não fica satisfeita a especial exigência de qualificação indiciária requerida para uma decisão de pronúncia.

7. Desta forma, ao considerar que ficou suficientemente indiciada a prática pelo arguido, FC, de um crime de injúria, com a correspondente decisão de pronúncia, violou o tribunal o disposto no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e nos art. 283.º, n.ºs 1 e 2 e 308.º do Cód. Proc. Penal.

O assistente HR, por sua vez, manifestou-se no sentido da manutenção da decisão recorrida.

Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, em douto parecer, pugna pela procedência do recurso.

Cumprido o art. 417.º, n.º 2 do CPP, o assistente exerceu o seu direito de resposta, reiterando a posição já antes expressa no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II. Fundamentação

1. Do objecto do recurso:  

Como flui do disposto no n.º 1 do art. 412.º do CPP, e de acordo com jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do STJ), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.

As conclusões acima transcritas circunscrevem o recurso à questão de determinar se existem indícios suficientes da prática pelo recorrente do crime que lhe está imputado na acusação particular, ou seja, o de injúria, p. e p. pelo art. 181.º, n.º 1, do Código Penal.
2. Do mérito do recurso:
2.1. Para além do excurso dogmático que contém em redor da ratio da instrução e do conceito jurídico relativo à suficiência de indícios, é do seguinte teor a decisão de pronúncia:
«Ora, da análise dos elementos probatórios juntos aos autos, e designadamente das diligências levadas a cabo em sede de instrução, resulta claro não terem sido recolhidos quaisquer elementos que retirem a plausibilidade exigida ao indício de ocorrência de factos que aos arguidos são imputados e que estão descritos na acusação pública» (queria a M.ma Juiz referir-se, com toda a certeza, à acusação particular deduzida no âmbito dos presentes autos).
«Efectivamente, a testemunha Lurdes, inquirida em sede de instrução, disse nada saber acerca dos factos.
Já a testemunha MD declarou que viu a rede que divide a propriedade do assistente da propriedade do arguido amarrotada e um chinelo da mãe do assistente caído do lado da propriedade dos arguidos, o que a leva a supor que ela invadiu este terreno.
Os arguidos, por seu turno, inquiridos em sede de instrução, sustentaram a ocorrência dos factos constante do requerimento de abertura de instrução.
Tal versão, contudo, é fortemente contrariada pelo depoimento do assistente, que sustenta terem os arguidos praticado os factos de que vêm acusados.
Também as testemunhas AP(mãe do assistente), EM (primo do assistente) dizem ter ouvido a arguida a proferir pelo menos parte das expressões constantes da acusação particular, estando ambos os arguidos presentes no local.
Aliás, a própria arguida reconhece ter dito ao assistente uma expressão semelhante à que consta da acusação particular, concretamente a expressão “Olha o teu filho, Deus até te castiga por causa da tua língua”.
E, se é certo que as demais testemunhas ouvidas em inquérito dizem que só ouviram a ofendida a proferir tais expressões, já o assistente diz que também o arguido as proferiu, e este, sendo visado, por certo terá estado mais atento aos factos.
Assim, não se pode dizer que a probabilidade de absolvição dos arguidos é maior do que a da sua condenação.
Nesta conformidade, terá a decisão de ser de pronúncia».
2.2. Enquadramento preliminar relevante à dilucidação da questão
2.2.1. Quadro legal:

Versando sobre a finalidade imediata e âmbito da instrução, diz-nos o art. 286.º do CPP que tal fase visa o reconhecimento jurisdicional da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, no sentido de que se não está perante um novo inquérito, mas apenas perante uma fase processual de comprovação (jurisdicional dos pressupostos jurídico-factuais da acusação).

«Encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou de não pronúncia, que é logo ditado para a acta, considerando-se notificado aos presentes, podendo fundamentar por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura de instrução» (art. 307.º, n.º 1 do CPP).

Sobre a natureza da decisão a proferir após o encerramento da instrução, dispõe o art. 308.º do CPP:

«1. Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de um pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos: caso contrário, profere despacho de não pronúncia.
2. É correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto no artigo 283.º, n.ºs 2, 3 e 4, sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo anterior.

3. No despacho referido no n.º 1 o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer».

2.2.2. Concretização do conteúdo do critério normativo “indícios suficientes”
A dedução de acusação findo o inquérito, como o despacho de pronúncia no caso de ter havido lugar a instrução, supõem a existência no processo de indícios suficientes de que se tenha verificado crime e de quem foi o seu agente - artigos 283.º, n.º 1 e 308.º, n.º 1, do CPP.

O artigo 283.º, n.º 2, do citado diploma, formata normativamente o conceito de “indícios suficientes”: «consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança».

Esta fórmula legal acolhe a noção, sucessivamente densificada pela doutrina e pela jurisprudência, de “indícios suficientes”.

Em formulação doutrinalmente bem definida, «os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição».[i]

«Afirmar a suficiência dos indícios deve pressupor a formação de uma verdadeira convicção de probabilidade de futura condenação. Não logrando atingir essa convicção, o Ministério Público deve arquivar o inquérito e o juiz de instrução deve lavrar despacho de não pronúncia».[ii]

Traçando o limite de distinção entre o juízo de probabilidade e o juízo de certeza processualmente relevante, acrescenta o referido autor:[iii] «o que distingue fundamentalmente o juízo de probabilidade do juízo de certeza é a confiança que nele podemos depositar e não o grau de exigência que nele está pressuposta. O juízo de probabilidade não dispensa o juízo de certeza porque, para condenar uma pessoa, o conceito de justiça num Estado de direito exige que a convicção se forme com base na produção concentrada das provas numa audiência, com respeito pelos princípios da publicidade, do contraditório, da oralidade de da imediação. Garantias essas que não é possível satisfazer no fim da fase preparatória».

Quer isto dizer que na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos probatórios e de convicção constantes do inquérito (e da instrução) que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento; mas se logo a este nível do juízo no plano dos factos se não puder antever a probabilidade de futura condenação, os indícios não são suficientes, não havendo prova bastante para a acusação (ou para a pronúncia).

A jurisprudência, por seu lado, afinou a compreensão do conceito através da definição e enunciação de elementos de integração que se podem hoje rever na noção legal.

Indícios suficientes são os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado; são vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que alguém determinado é o responsável, de forma que, logicamente relacionados e conjugados formem um todo persuasivo da culpabilidade; enfim, os indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito (e na instrução), os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado.

O juízo sobre a suficiência dos indícios, feito com base na avaliação dos factos, na interpretação das suas intrínsecas correlações e na ponderação sobre a consistência das provas, contém sempre, contudo, necessariamente, uma margem (inescapável) de discricionariedade.

O despacho de pronúncia, como também a acusação, dependem, pois, da existência de prova indiciária, de prima facie, de primeira mas razoável aparência, quanto à verificação dos factos que constituam crime e de que alguém é responsável por esses factos.

Não se exigindo o juízo de certeza que a condenação impõe - a certeza processual para além de toda a dúvida razoável -, é mister, no entanto, que os factos revelados no inquérito ou na instrução apontem, se mantidos e contraditoriamente comprovados em audiência, para uma probabilidade sustentada de condenação.
3. O caso concreto:
Vejamos se a reconstituição processual que os elementos do inquérito e da instrução revelam, permite ou não alcançar o nível de probabilidade necessário para a pronúncia do recorrente pelo crime de injúria do artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal.

Na fase de inquérito, para além do assistente e dos arguidos, foram ouvidas as testemunhas AP (mãe do assistente), EM (primo do assistente) e GN filho dos arguidos).

No decurso da instrução, depuseram as testemunhas LJ e MD, e prestaram declarações os arguidos.

Do contexto global dos depoimentos/declarações, é dado ver que apenas o assistente sustenta a versão apresentada na queixa de fls. 3, ou seja, que o recorrente, nas circunstâncias de tempo e lugar aí referidas, lhe dirigiu as seguintes palavras: «coitado, deficiente, tolo, a deficiência que tens foi castigo de Deus, e a tua mãe é uma puta» (cfr. auto de fls. 22).

Os arguidos negaram peremptoriamente o pronunciamento das expressões que lhes são atribuídas (cfr. autos de interrogatório de fls. 27 e 30 e cassete n.º 1, lado A, rotações 866 a 1714).

As testemunhas PR e MR (cfr. autos de fls. 23 e 24), apesar de referidas pelo assistente como conhecedoras dos factos em causa, afirmaram que a dita expressão, dirigida ao assistente, apenas foi proferida pela arguida JC.

Quanto às testemunhas LC e MD nenhum conhecimento relevante demonstraram sobre a matéria objecto da acusação particular (cfr. cassete 1, lado A, rotações 0000 a 865).
Claramente se vê, assim, que a preponderância decisiva que o tribunal a quo conferiu às declarações do assistente, com fundamento, tão só, na invocada circunstância de este, como visado, ter estado, “por certo, mais atento aos factos”, assenta num juízo valorativo que não é aceitável como pressuposto da decisão de pronúncia.
Pois se as testemunhas mencionadas pelo assistente, que assistiram ao desenrolar dos acontecimentos (é o próprio assistente que o refere), ouviram, segundo dizem, as palavras ditas pela arguida, não se vislumbra nenhuma razão que as impedisse de registar as proferidas pelo arguido, caso tivessem sido ditas.
De tudo se vê, pois, que a M.ma Juíza do tribunal a quo percepcionou e valorou erradamente os sobreditos elementos de prova, no específico domínio em que nos situamos, assentando o seu juízo de ponderação em critérios de pura subjectividade.
Os indícios revelados pelos elementos probatórios em referência, são de tal forma ténues que, se valorados em julgamento, seriam, de todo em todo, insusceptíveis de sustentar um juízo de condenação do recorrente, pela prática do imputado crime de injúria, o mesmo é dizer, são manifestamente insuficientes para que se profira despacho de pronúncia.
Nestes termos, na procedência do recurso, impõe-se a revogação da decisão instrutória na parte em que pronunciou o arguido/recorrente FPC, pelos factos constantes da acusação particular de fls. 34 e 35, como autor material de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181.º, n.º 1, do Código Penal, proferindo-se, em substituição, e na referida parte, decisão de não pronúncia.
Consequentemente, a descrição factual e respectiva qualificação jurídica constantes da pronúncia, por remissão para a acusação particular, ficam limitadas à arguida JV, nos seguintes termos:
«A habitação do assistente HR e dos seus pais confina com uma propriedade da arguida JV e marido, F C.
No dia 7 de Maio de 2007, pelas 18 horas e 30 minutos, quando se encontrava na sua habitação, o ofendido apercebeu-se que estaria a haver uma discussão entre a arguida JC e marido, de um lado, e a sua mãe, de outro, junto à estrema das propriedades. Imediatamente, o assistente dirigiu-se ao local para ver o que se passava. Chegado junto de sua mãe, procurou acalmar as partes e nesse momento, inesperadamente, a arguida JC, de viva voz, na presença de outras pessoas, dirigindo-se ao assistente, entre outras expressões, chamou-lhe “coitado; deficiente; tolo” e disse-lhe: “a deficiência que tens foi castigo de Deus e a tua mãe é uma puta”.
A arguida JC proferiu estas imputações com o manifesto e firme propósito de ofender o assistente, como ofendeu, e menosprezá-lo na sua honra, no seu bom-nome, dignidade e consideração, bem sabendo que, além de falsas, as mesmas são injuriosas.
Até porque a arguida JC sabia que o assistente é doente do foro neurológico, devido a um grave acidente que sofreu há cerca de 3 anos e que, em consequência desta conduta, ficou bastante ofendido, abalado na sua auto-estima, nervoso, perturbado e paralisado nos movimentos e na fala, ao ponto de ser transportado ao Hospital de Cantanhede ainda nesse mesmo dia.
Na sua conduta, a arguida JC agiu de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção de ofender, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e criminalmente proibida e punida por lei.
Assim, a arguida JC incorreu, em autoria material, na prática de um crime de injúria, previsto e punido no art. 181.º, n.º 1, do Código Penal».
III. Decisão:
Posto o que precede, os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra, concedendo provimento ao recurso, decidem a não pronúncia do arguido FC pela autoria do crime de injúria p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal de que fora acusado, ficando a pronúncia limitada, nos termos supra expostos, à arguida JV.


[i] Cfr., Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. 1, 1974, pág. 132-133.
[ii] Cfr. Jorge Noronha e Silveira, O Conceito de Indícios Suficientes no Processo Penal Português, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Coordenação Científica de Maria Fernanda Palma, Almedina, p. 171.
[iii] Idem, pág. 172.