Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5213/18.6T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: SEGUROS DE VIDA
PAGAMENTO DOS PRÉMIOS
RESOLUÇÃO AUTOMÁTICA DO SEGURO POR FALTA DE PAGAMENTO DOS PRÉMIOS
Data do Acordão: 09/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 57º, 58º, 59º, 61º, NºS 1 E 2, E 203º DO RGCS (DL 72/2008, 16/04).
Sumário: i) Não se deve conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto se ela não tem relevo para a solução do recurso sobre o mérito da causa;

ii) A decisão da matéria de facto não deve conter pontos que sobre matéria de direito ou sobre juízos conclusivos de facto, mas apenas matéria substantiva, material e concreta (art. 607º, nº 3 e 4, 1ª parte, do NCPC);

iii) Nos seguros de vida a regra é a falta de pagamento dos prémios não implicar a resolução automática do contrato ou impedir a prorrogação do mesmo (arts. 58º, 59º e 61º, nº 1 e 2, do RJCS (Regime Jurídico do Contrato de Seguro, DL 72/2008, de 16.4);

iv) Assim para o seguro de vida, resulta dos arts. 57º, nº 2, b), e 203º, nº 1, do RJCS, que os efeitos da falta de pagamento do prémio são os que sejam estipulados nas condições contratuais. E que o segurador pode resolver o contrato conforme o que tiver sido convencionado entre as partes;

v) Se as partes estipularam que as coberturas garantidas ao abrigo do contrato em apreço cessam quando se verifique a resolução do contrato; e que “O não pagamento dos prémios, dentro dos 30 dias posteriores à data do seu vencimento, concede à Seguradora, nos termos legais, a faculdade de proceder à resolução do contrato ou fazer cessar as garantias conferidas em relação a uma ou mais pessoas.”, trata-se de uma cláusula resolutiva expressa, hipótese onde não é necessária uma interpelação admonitória, bastando, para operar efeitos, que a seguradora faça a devida comunicação ao segurado (artr. 436º, nº 1, do CC);

vi) Se a Seguradora, usando a faculdade prevista em tal cláusula, resolveu o contrato e comunicou a resolução ao segurado marido por carta enviada para a morada indicada pelo mesmo, logo esta é do seu necessário conhecimento, nos termos do disposto no art. 224º, nº 1, 1ª parte, ab initio, do CC (que dispõe que a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder);

vii) Caso se entenda que era exigível uma prévia interpelação admonitória, uma carta do seguinte teor: "Estimado Cliente,

Informamos que não foi possível efectuar a cobrança ao presente recibo junto do Banco M... através do IBAN ..., de acordo com a seguinte informação do banco. “Recusa da operação pelo Cliente”.

Neste contexto, solicitamos que proceda à sua liquidação até 01-04-2018 através do multibanco, home Banking ou cheque, utilizando as referências mencionadas abaixo.

No caso de optar pelo pagamento por cheque agradecemos que nos remeta igualmente o respectivo descartável abaixo, para que possamos identificar a sua apólice.

Alertamos que a falta de pagamento do presente recibo produzirá o cancelamento da apólice deixando esta de garantir os riscos cobertos, com efeitos a dia 01-02-2018.

Na eventualidade de já ter efectuado o pagamento deste recibo, apresentamos as nossas desculpas e pedimos que considere esta carta sem efeito.”, representa uma clara interpelação;

viii) Se o contrato de seguro de grupo, ramo vida, abrangia marido e mulher, e se prova que a esta nada lhe foi comunicado pelo Banco e Seguradora sobre as situações respeitantes a pagamentos a descoberto e posterior devolução de 2 prémios, nem a mesma de forma tácita ou expressa deu consentimento à devolução dos 2 prémios inicialmente pagos, desconhecendo a mesma a falta de pagamento dos referidos prémios; a Seguradora lhe remeteu cartas a dar conta da falta de pagamento dos 2 prémios, alertando que tal falta de pagamento produziria o cancelamento da Apólice, cartas que enviou para morada em Portugal indicada pelo falecido marido da A., em lugar de enviar para a morada da mesma sita na Suíça, constante da proposta de adesão e aceitação do seguro, pelo que não pode considerar-se interpelada ao pagamento; nem sequer lhe foi enviada qualquer carta de resolução contratual, apenas expedida para o falecido marido; então não se pode considerar o contrato resolvido quanto à mesma;

ix) Tanto mais que tendo em conta a estrutura triangular do contrato de seguro de grupo do ramo vida e sendo, por isso, distintas e várias as relações jurídicas que a seguradora estabelece com os aderentes/segurados, importa cindir a relação jurídica estabelecida pela R./Seguradora com os segurados da relação jurídica estabelecido com o tomador do seguro (o Banco) e, face à declaração resolutiva dirigida ao segurado marido, considerar cessada a relação jurídica contratual com ele estabelecida e, ao invés, não havendo declaração resolutiva quanto à A./esposa, considerar subsistente a relação contratual com esta estabelecida.

x) Daí que face à morte do segurado marido, ocorrida posteriormente à declaração de resolução do contrato de seguro de grupo, do ramo vida, se ter tornado eficaz relativamente ao mesmo, seja de concluir que à data da sua morte já este “risco” não estava coberto pelo contrato de seguro.

Decisão Texto Integral:







I – Relatório

1. C..., R... e T..., residentes em ..., intentaram ação declarativa contra  A...– Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., com sede em ..., e Banco C..., S.A., com sede em ..., peticionando a condenação das rés ao pagamento solidário do capital seguro por morte de um dos segurados, acrescido de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento, sem prejuízo do pagamento, por parte dos autores, dos prémios devidos até ao sinistro, procedendo-se à compensação devida.

Alegaram, em suma, ter a 1ª autora e o seu falecido marido, A..., aderido a um contrato de seguro de grupo contributivo, ramo vida, no quadro de um contrato de mútuo para habitação. Que por via desse contrato a 1ª ré garantiu a cobertura do risco morte e invalidez total e permanente da 1ª autora e do falecido marido. Que A... veio a falecer não tendo a 1ª ré assumido o contrato em discussão com fundamento na sua resolução por falta de pagamento de um dos prémios, a qual se terá operado por via de carta registada remetida ao falecido marido da 1ª Autora.  Que a A. e o falecido marido confiaram que os prémios estavam pagos. Que a resolução do contrato de seguro pela 1ª ré, foi inválida, por não ter havido interpelação admonitória e não ter sido comunicada à A.

O réu BC... contestou, alegando, em síntese, que que sobre os mutuários impendia a obrigação de trazer pontualmente cumpridos os “prémios”, junto da Seguradora e, para o efeito, deveriam estes manter devidamente provisionada a sua conta de depósitos à ordem. Que os prémios do seguro de vida, respeitantes aos meses de Fevereiro e Março de 2018 foram debitados a descoberto na conta dos mutuários. O Banco contactou o mutuário marido para que procedesse à regularização do montante devido, o que este não fez, tendo dado instruções ao Banco para que procedesse à devolução de vários pagamentos anteriormente debitados na conta à ordem, entre os quais figuravam os prémios do seguro em causa nos presentes autos. Que, em consequência de tais instruções, o Banco acabou a debitar à Seguradora os valores correspondentes aos referidos prémios de Seguro. O mutuário foi interpelado para pagamento dos valores em causa, sob pena de proceder ao cancelamento da Apólice. Que o Banco não pode ser condenado a pagar, o que quer que seja, atenta a sua condição de credor, dos mutuários e que, caso a Seguradora venha a ser condenada a liquidar os montantes ainda em dívida, sempre tal montante deverá reverter, diretamente, para o Banco pugnando pela improcedência da ação.

A ré A... contestou, alegando, em síntese, que o falecido A... assumiu a obrigação do pagamento dos prémios do contrato de seguro em apreço, através da autorização de débito em conta da sua titularidade, do Banco C..., S.A. Que o prémio referente ao mês de Fevereiro de 2018 não foi pago, uma vez que, segundo informação do banco, a conta não dispunha dos fundos necessários para aquele efeito, e, depois, foi novamente tal valor debitado a descoberto, débito esse que foi revogado pelo cliente. Que o prémio nunca mais foi pago, não obstante terem sido enviados avisos em 20.03.2018 e 21.03.2018, o mesmo se vindo a passar relativamente ao mês de Março de 2018. Que por carta registada de Abril de 2018 comunicou ao A... que o contrato de seguro ficava resolvido, através de carta registada enviada para a morada indicada pelo responsável pelo pagamento dos prémios. A resolução do contrato de seguro é automática, sem necessidade de qualquer declaração e, por isso, o contrato foi bem resolvido. Que nunca foi feita qualquer participação de sinistro à ré por óbito do A..., óbito esse que era totalmente desconhecido da contestante até ao momento em que foi citada na presente acção, pugnando assim pela improcedência da mesma.

Os autores vieram requerer a ampliação do pedido, em sede de audiência de julgamento, peticionando que seja declarada nula a resolução do contrato de seguro operada pela ré A..., ampliação do pedido que foi admitida.

A final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação e, em consequência:

1- Absolveu as RR. do pedido de pagamento solidário do capital seguro por morte de um dos segurados aos AA.

2- Declarou inválida, por nulidade, a resolução do contrato de seguro operada pela R. A..., reconhecendo a validade do contrato de Seguro de grupo contributivo ramo vida, celebrado no quadro do contrato de mútuo para habitação, entre A... e a A. C..., ao qual veio a ser atribuída a apólice n.º ... e o certificado n.º ...

2. A R. A... recorreu, tendo apresentado as seguintes conclusões:

...

3. Os AA. contra-alegaram, tendo formulado as seguintes conclusões:

...

II – Factos Provados

(Da petição inicial)

...

(Da contestação do Réu Banco C..., S.A.)

...

(Da contestação da Ré A... – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.)

...

*

Factos não provados:

...

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Válida resolução do contrato de seguro.

- Responsabilidade pelas custas.

2. A R. Seguradora impugnou a decisão da matéria de facto, relativamente aos factos provados 1.10, 1.12 a 1.18, 1.21, 1.37 e todos os não provados 2.1 a 2.8, pretendendo que aqueles passem a não provados ou haja eliminação ou modificação da redação, e estes últimos passem a provados ou haja eliminação ou alteração da redação, com base nas provas que indica (cfr. conclusões de recurso 4ª a 33ª). Contrapondo os AA. as suas razões nas respectivas contra-alegações (sob conclusões III – XXXII -).   

A julgadora de facto exarou a seguinte motivação para a sua decisão:

...

A recorrente discorda (cfr. conclusões de recurso 3ª e 34ª a 44º). Contrapondo os AA. os seus argumentos nas respetivas contra-alegações (sob conclusões XXXIII – a XLVIII -).   

Adiantamos já que o recurso merece parcial provimento. Vejamos então.

Da matéria decorre estarmos perante um seguro de grupo contributivo, do ramo vida, em que o falecido e a A. eram as pessoas seguras e suportavam o pagamento do prémio devido.

Nos seguros de vida a regra é a falta de pagamento dos prémios não implicar a resolução automática do contrato ou impedir a prorrogação do mesmo (arts. 58º, 59º e 61º, nº 1 e 2, do RJCS (Regime Jurídico do Contrato de Seguro, DL 72/2008, de 16.4).

Assim, para o seguro de vida resulta dos arts. 57º, nº 2, b), e 203º, nº 1, do RJCS que os efeitos da falta de pagamento do prémio são os que sejam estipulados nas condições contratuais. E que o segurador pode resolver o contrato conforme o que tiver sido convencionado entre as partes.

As partes estipularam que as coberturas garantidas ao abrigo do contrato em apreço cessam para cada pessoa segura quando se verifique a resolução do contrato. E que “O não pagamento dos prémios, dentro dos 30 dias posteriores à data do seu vencimento, concede à Seguradora, nos termos legais, a faculdade de proceder à resolução do contrato ou fazer cessar as garantias conferidas em relação a uma ou mais pessoas.” – factos provados 1.19 e 1.20.

Depois de num momento inicial os prémios do seguro de Fevereiro e Março de 2018 terem sido pagos à Seguradora, através duma facilidade a descoberto facultada pelo Banco à A. e seu falecido marido, este revogou o pagamento de tais prémios (como o podia fazer, face ao sistema legal da autorização para débitos directos) – factos provados 1.10, 1.12, 1.25, 1.32, 1.50 a 1.52. Não há dúvida, assim, face aos factos provados, que os prémios do seguro de Fevereiro e de Março de 2018 acabaram por não ser pagos (factos 1.33 a 1.36, 1.38 a 1.42 e 1.48).

Há que verificar agora se o contrato foi validamente resolvido.

Não se acolhe a argumentação da sentença recorrida de que a falta de pagamento do prémio gera a necessidade de interpelar admonitoriamente o devedor. Efectivamente, nos casos de resolução convencional basta a ocorrência do facto previsto pelas partes para dar lugar à resolução imediata do contrato, caso o credor assim o queira.

Ora, a cláusula contratual estipulada entre as partes – facto 1.20 - prevê um facto, o não pagamento do prémio após 30 dias da data do seu vencimento, que permitiria desencadear a dita resolução de imediato. Trata-se de uma cláusula resolutiva expressa, hipótese onde não é necessária uma interpelação admonitória.

Ou como se diz no Ac. desta Relação de Coimbra de 14.3.2017, Proc. 209/13.7TBMGR, em www.dgsi.pt, perante uma cláusula contratual com teor exatamente igual, trata-se de uma resolução convencional, baseada numa cláusula inserta no contrato, cláusula essa associada ao incumprimento (falta de pagamento do prémio) e que, fixando um termo essencial para o pagamento do prémio em atraso, permite à R./seguradora resolver o contrato sem necessidade de demonstrar a gravidade do incumprimento, nem a culpa do faltoso, e evitando as delongas da transformação da mora em incumprimento definitivo. Vide no mesmo sentido P. Romano Martinez, Cessação do Contrato, 3ª Ed. (2015), pág. 163.

Tal cláusula resolutiva expressa, porém, só produz efeitos resolutivos se a seguradora fizer a devida comunicação ao segurado (artr. 436º, nº 1, do CC). No nosso caso não era preciso, portanto, qualquer interpelação admonitória. Certo é que a Seguradora usou a faculdade prevista em tal cláusula, quis resolver o contrato e resolveu, comunicando a resolução ao falecido A... por carta de 28.4.2018 enviada para a morada indicada pelo mesmo (facto 1.43 e antecitado doc. nº 15, a fls. 79 v.). Logo do seu necessário conhecimento, por presunção juris et de jure, nos termos do disposto no art. 224º, nº1, 1ª parte, ab initio, do CC, que dispõe que a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder.

O contrato de seguro em relação ao falecido A... está, pois, fundadamente resolvido.

Ainda que se entendesse que fosse exigível uma interpelação admonitória, como defende a decisão apelada, é seguro que ela ocorreu.

Na verdade, a dita carta de resolução foi precedida de 2 interpelações admonitória, por cartas de 20.3.2018,  referentes aos recibos que se venceram em 1.2.2018 e 1.3.2018 (prestações de Fevereiro e Março de 2018), como emerge dos antecitados docs. nºs 11 e 13, a fls. 76 v. e 78 e factos provados, quando nelas se diz, respectivamente, que os prémios correspondentes tinham que ser pagos até 1.4.2018 e 8.4.2018, sob pena de a falta de pagamento produzir o cancelamento da apólice, deixando esta de vigorar com efeito desde 1.2.2018 e 1.3.2018.

A 1ª carta dizia expressamente o seguinte, carta que transcrevemos integralmente (a 2ª é semelhante):

"Porto, 20 de Março de 2018

Estimado Cliente,

Informamos que não foi possível efectuar a cobrança ao presente recibo junto do Banco M..., através do IBAN ..., de acordo com a seguinte informação do banco. “Recusa da operação pelo Cliente”.

Neste contexto, solicitamos que proceda à sua liquidação até 01-04-2018 através do multibanco, home Banking ou cheque, utilizando as referências mencionadas abaixo.

No caso de optar pelo pagamento por cheque agradecemos que nos remeta igualmente o respectivo descartável abaixo, para que possamos identificar a sua apólice.

Alertamos que a falta de pagamento do presente recibo produzirá o cancelamento da apólice deixando esta de garantir os riscos cobertos, com efeitos a dia 01-02-2018.

Na eventualidade de já ter efectuado o pagamento deste recibo, apresentamos as nossas desculpas e pedimos que considere esta carta sem efeito.”.

Ou seja, como justamente salienta a recorrente, foi o mutuário A... interpelado, por parte da Seguradora, para proceder ao pagamento dos valores respeitantes aos mencionados prémios, sob pena de se proceder ao cancelamento da Apólice, com as consequências enunciadas. Por isso, o aludido mutuário estava ciente: de que não procedeu atempadamente, ao pagamento do(s) prémio(s), junto da Seguradora; de que deveria proceder ao pagamento de tal(is) prémio(s) junto da Seguradora, nas condições aí indicadas; que a falta de pagamento, no prazo indicado, determinaria o cancelamento da Apólice, deixando esta de garantir os riscos cobertos com efeito a partir de 1.2.2018 (ou 1.3.2018).

De maneira que face aos factos provados 1.29, 1.37 e 1.53 não pode restar qualquer dúvida que o falecido A... foi interpelado e bem interpelado para pagar os prémios devidos. Como o dito mutuário nem assim pagou tal ditou a declarada resolução do contrato.

A situação até agora exposta é, todavia, diversa quanto à A. C...

Na realidade, relativamente à mesma, está provado que não lhe foi comunicado pelos RR., Banco e Seguradora, as situações referidas em 1.10 e 1.12, respeitantes a pagamentos a descoberto e posterior devolução dos prémios, nem a mesma de forma tácita ou expressa deu consentimento à devolução dos prémios inicialmente pagos (factos 1.13 e 1.16). Ou seja, a A. desconhecia a falta de pagamento dos referidos prémios.

Mais, ainda. A Seguradora remeteu cartas à A. C... a dar conta da falta de pagamento dos prémios referentes aos períodos de Fevereiro e Março de 2018, alertando que tal falta de pagamento produziria o cancelamento da Apólice, com efeitos a 1.2.2018 e 1.3.2018, cartas que enviou em 21.2.2018 e 10.4.2018. Mas para morada em Portugal indicada pelo falecido marido da A., em lugar de enviar para a morada da mesma sita na Suíça, constante da proposta de adesão e aceitação do seguro (facto 1.54). Isto significa que tais cartas não foram enviadas e recepcionadas para onde deviam, segundo o convencionado contratualmente, pelo que não pode considerar-se legalmente (indicado art. 224º, nº 1, 1ª parte, ab initio, do CC) que a A. teve conhecimento daquela falta de pagamento dos prémios. Não podendo, por isso, considerar-se interpelada ao pagamento.

Sendo certo, igualmente, que não se demonstrou, não há prova direta do conhecimento do facto de falta de pagamento dos prémios ou de interpelação ao pagamento, respeitante à A. C... (art. 224º, nº 1, 1ª parte, in fine, do CC).

Mais, também. Nem sequer foi enviada à mesma qualquer carta de resolução contratual, só foi expedida para o falecido marido (facto 1.43).

De maneira, que sendo, igualmente segurada, de modo nenhum se pode considerar o contrato resolvido quanto à mesma. O que está, aliás, em consonância, com a dita cláusula contratual estabelecida no facto 1.19 quando se refere que as coberturas garantidas ao abrigo do contrato cessam para cada pessoa segura quando se verifique a resolução do contrato, sinónimo claro da cindibilidade das coberturas.

Ou seja, existia, indiscutivelmente, tanto da A. como do seu falecido marido (aderentes/pessoas seguras/segurados), o interesse em que o contrato celebrado assegurasse o pagamento do montante da dívida em caso de morte ou invalidez de algum deles ou de ambos, pelo que uma qualquer comunicação da seguradora visando extinguir a totalidade de tal contrato de seguro teria que ser dirigida quer à A. quer ao seu marido. O que como vimos não ocorreu em relação à A.

Em face da natureza jurídica do seguro de grupo, não pode haver extinção total do contrato de seguro. Efetivamente, importa ter presente a estrutura triangular do seguro de grupo; em que o tomador celebra um contrato com o segurador com vista que ao mesmo adiram os membros de um determinado grupo (ligados ao tomador de seguro por um vínculo e interesse comum: no caso, a obtenção dum crédito hipotecário junto da entidade bancária tomadora do seguro), tornando-se então segurados. Ou seja, no seguro de grupo, como refere Maria Inês Oliveira Martins (em O Seguro de Vida, 1ª Ed., Novembro de 2010), págs. 74 e segs., sobretudo 77 e 83) não nos encontramos perante um único contrato, mas sim perante uma pluralidade de contratos: de um lado, o celebrado entre o segurador e o tomador; de outro, as várias relações jurídicas contratuais que as adesões e as respectivas aceitações pelo segurador vêm estabelecer entre o segurador e cada um dos segurados.

O que significa, sendo distintas (do contrato celebrado entre o segurador e o tomador) e várias as relações jurídicas que o segurador estabelece com os aderentes/segurados, que poderá perfeitamente cindir a relação jurídica estabelecida pela R./seguradora com a A. e com o falecido marido. E, por conseguinte, face à declaração resolutiva dirigida ao marido da A. considerar cessada a relação jurídica contratual com ele estabelecida, e, ao invés, não havendo resolução quanto à A., considerar válida e vigente a relação contratual com esta estabelecida.

Elemento adjuvante nesta conclusão, pode retirar-se, ainda, do aludido RJCS, pois   nos seus arts. 80º, nº 3, 82º, nº 1 e 2, e 83º, nº 1 e 2, prevê-se efeitos apenas em relação à cobertura de um segurado em grupo, quer quanto à sua cessação, quer à sua denúncia, quer quanto à sua exclusão, designadamente quanto a esta a hipótese prevista no nº 1, consistente na exclusão do segurado por não ter entregue ao tomador do seguro (o Banco) a quanta destinada ao pagamento do prémio. O que aponta claramente no sentido da autonomia das adesões ao contrato de seguro. Isto é, a relação jurídica afectada pelos actos de cada segurado é apenas o vínculo resultante da adesão ao seguro de grupo (no mesmo sentido vide os aludidos arestos por nós atrás citados desta Rel. Coimbra, de 14.3.2017 e do STJ de 14.12.2017, mesmo nº de processo, que o confirmou, e ainda o do STJ de 22.2.2018, Proc.10942/14.0T8LSB, no indicado sítio).    

De sorte que, quando faleceu o marido da A. já tal “risco” não estava coberto pela seguradora apelante, mas continuando esta vinculada no que diz respeito à A. o recurso merece provimento parcial.

4. Quanto às custas, face ao explicado no ponto que antecede e ao que se vai decidir, a regra de custas a aplicar é simples.

Relembre-se que as RR foram absolvidas quanto ao segmento decisório 1-. Portanto os AA são totalmente vencidos e as RR totalmente vencedoras. ½ fica logo a seu cargo. 

Relativamente ao segmento decisório 2-, a R./recorrente ganha em metade (resolução válida quanto ao falecido) e os AA triunfam na outra metade (resolução inválida quanto à A.). Portanto o vencimento/decaimento, em configuração global do peticionado, equivale neste segmento a ¼ para cada lado.

Assim, tendo em consideração a regra da proporcionalidade, para efeito de custas, temos que os AA pagam ¾ e a R./recorrente ¼.

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Não se deve conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto se ela não tem relevo para a solução do recurso sobre o mérito da causa;

ii) A decisão da matéria de facto não deve conter pontos que sobre matéria de direito ou sobre juízos conclusivos de facto, mas apenas matéria substantiva, material e concreta (art. 607º, nº 3 e 4, 1ª parte, do NCPC);

iii) Nos seguros de vida a regra é a falta de pagamento dos prémios não implicar a resolução automática do contrato ou impedir a prorrogação do mesmo (arts. 58º, 59º e 61º, nº 1 e 2, do RJCS (Regime Jurídico do Contrato de Seguro, DL 72/2008, de 16.4);

iv) Assim para o seguro de vida, resulta dos arts. 57º, nº 2, b), e 203º, nº 1, do RJCS, que os efeitos da falta de pagamento do prémio são os que sejam estipulados nas condições contratuais. E que o segurador pode resolver o contrato conforme o que tiver sido convencionado entre as partes;

v) Se as partes estipularam que as coberturas garantidas ao abrigo do contrato em apreço cessam quando se verifique a resolução do contrato. E que “O não pagamento dos prémios, dentro dos 30 dias posteriores à data do seu vencimento, concede à Seguradora, nos termos legais, a faculdade de proceder à resolução do contrato ou fazer cessar as garantias conferidas em relação a uma ou mais pessoas.”, trata-se de uma cláusula resolutiva expressa, hipótese onde não é necessária uma interpelação admonitória, bastando, para operar efeitos, que a seguradora faça a devida comunicação ao segurado (artr. 436º, nº 1, do CC);

vi) Se a Seguradora, usando a faculdade prevista em tal cláusula, resolveu o contrato e comunicou a resolução ao segurado marido por carta enviada para a morada indicada pelo mesmo, logo esta é do seu necessário conhecimento, nos termos do disposto no art. 224º, nº 1, 1ª parte, ab initio, do CC (que dispõe que a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder);

vii) Caso se entenda que era exigível uma prévia interpelação admonitória, uma carta do seguinte teor: "Estimado Cliente,

Informamos que não foi possível efectuar a cobrança ao presente recibo junto do Banco M..., através do IBAN ..., de acordo com a seguinte informação do banco. “Recusa da operação pelo Cliente”.

Neste contexto, solicitamos que proceda à sua liquidação até 01-04-2018 através do multibanco, home Banking ou cheque, utilizando as referências mencionadas abaixo.

No caso de optar pelo pagamento por cheque agradecemos que nos remeta igualmente o respectivo descartável abaixo, para que possamos identificar a sua apólice.

Alertamos que a falta de pagamento do presente recibo produzirá o cancelamento da apólice deixando esta de garantir os riscos cobertos, com efeitos a dia 01-02-2018.

Na eventualidade de já ter efectuado o pagamento deste recibo, apresentamos as nossas desculpas e pedimos que considere esta carta sem efeito.”, representa uma clara interpelação;

viii) Se o contrato de seguro de grupo, ramo vida, abrangia marido e mulher, e se prova que a esta: nada lhe foi comunicado pelo Banco e Seguradora sobre as situações respeitantes a pagamentos a descoberto e posterior devolução de 2 prémios, nem a mesma de forma tácita ou expressa deu consentimento à devolução dos 2 prémios inicialmente pagos, desconhecendo a mesma a falta de pagamento dos referidos prémios; a Seguradora lhe remeteu cartas a dar conta da falta de pagamento dos 2 prémios, alertando que tal falta de pagamento produziria o cancelamento da Apólice, cartas que enviou para morada em Portugal indicada pelo falecido marido da A., em lugar de enviar para a morada da mesma sita na Suíça, constante da proposta de adesão e aceitação do seguro, pelo que não pode considerar-se interpelada ao pagamento; nem sequer lhe foi enviada qualquer carta de resolução contratual, apenas expedida para o falecido marido; então não se pode considerar o contrato resolvido quanto à mesma;   
ix) Tanto mais que tendo em conta a estrutura triangular do contrato de seguro de grupo do ramo vida e sendo, por isso, distintas e várias as relações jurídicas que a seguradora estabelece com os aderentes/segurados, importa cindir a relação jurídica estabelecida pela R./Seguradora com os segurados da relação jurídica estabelecido com o tomador do seguro (o Banco) e, face à declaração resolutiva dirigida ao segurado marido, considerar cessada a relação jurídica contratual com ele estabelecida e, ao invés, não havendo declaração resolutiva quanto à A./esposa, considerar subsistente a relação contratual com esta estabelecida.
x) Daí que face à morte do segurado marido, ocorrida posteriormente à declaração de resolução do contrato de seguro de grupo, do ramo vida, se ter tornado eficaz relativamente ao mesmo, seja de concluir que à data da sua morte já este “risco” não estava coberto pelo contrato de seguro.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso, assim se revogando parcialmente a decisão recorrida quanto ao segmento decisório 2-, e, em consequência, declara-se inválida parcialmente a resolução do contrato de seguro operada pela R. A..., reconhecendo a validade do contrato de Seguro de grupo contributivo ramo vida, celebrado no quadro do contrato de mútuo para habitação, apenas quanto à A. C..., ao qual veio a ser atribuída a apólice n.º ... e o certificado n.º ...

Custas (da ação e recurso) a cargo dos AA. e da R. A..., na proporção, respectivamente, de 3/4 e 1/4. 

                                                                            Coimbra, 22.9.2021


Moreira Carmo
Fonte Ramos
Alberto Ruço