Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
882/03.4TBILH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
CESSÃO DE EXPLORAÇÃO
Data do Acordão: 11/10/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - AVEIRO- JUÍZO DE GRANDE INSTÂNCIA CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 690º-A Nº1 DO CPC E ART.º 428º, N.º 1, DO CC
Sumário: I – A impugnação da decisão sobre a matéria de facto não pode implicar que o recorrente queira, pura e simplesmente, ver provada, in totum, a sua versão e improvada, outrossim na sua globalidade, a versão da parte contraria, pois que tal implicaria um novo julgamento pela Relação, com a completa desvalorização dos poderes do juiz da 1ª instancia e quasi um desrespeito pela sua qualidade e poderes, bem como a postergação dos benefícios dos princípios da imediação e oralidade, os quais, posto que mitigados pela reforma de 1995, continuam a ter, pela natureza das coisas, enorme relevância.

II- Assim, a legalidade de tal impugnação apenas se cumpre se se colocarem em crise concretos e determinados pontos de facto e se o recorrente especificar e valorar criticamente os meios probatórios em que se apoia, reportando cada um deles aos factos a que se referem e não já se apenas os invocar genérica, indiferenciada e acriticamente para todos aqueles pontos em bloco.

III- A exceptio non adimpleti contractus visa o equilíbrio das posições dos contraentes em que deve assentar o esquema do contrato bilateral com obrigações sinalagmáticas, mas a sua invocação apenas é admissível quando, razoavelmente, se torne necessária e proporcionada à garantia do direito do excipiente, o que, por este, vg. num contrato de cessão de exploração, deve ser inequivocamente provado.

IV – Se um contrato de cessão de exploração é celebrado entre duas empresas comerciais e a cessionária o outorga no âmbito do seu escopo social e com vista à obtenção de lucro, o acto é subjectiva e objectivamente comercial, ou, pelo menos, conexo com actividade desta jaez, pelo que a verba em que foi condenada pelo seu incumprimento não está sujeita à taxa do juro civil mas sim á taxa do juro comercial.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.


1.

A.... intentou contra B..., C.... e mulher D...., acção declarativa de condenação com processo ordinário.

 Pediu:
Sejam os réus condenados, solidariamente, a pagar à autora a quantia de 409.839,73 €, acrescida de juros, à taxa legal máxima, a partir da citação.
Alegou:
Que em 01.03.01, a autora e a ré celebraram um contrato de cessão de exploração que teve por objecto o parque de campismo conhecido por E....
Que a ré não pagou algumas das prestações estabelecidas no contrato pelo que, nos termos do artigo 781° do Código Civil venceram-se todas as prestações contratualmente estabelecidas, ou seja: as prestações ainda em dívida do terceiro ano do contrato, isto é, de 01.03.03 a 28.02.04, no total de 109.810,36 € (118.713,9 (l18.713,90 €-8.903,54 €); a totalidade das prestações do quarto ano do contrato, isto é, de 01.03.04 a 28.02.05, no total de 130.585,29 €; a totalidade das prestações do quinto ano do c 28.02.06, no total de 142,456,68 €.
Que pelo pagamento destas quantias estão pessoalmente e solidariamente obrigados, com a primeira ré, o réu e a terceira ré, nos termos da cláusula 13ª do contrato.
 
Contestaram  e reconviram os réus.
Invocando que a A. não era titular de licença ou alvará válidos, em conformidade com as mesmas normas, para a sua exploração, nem o empreendimento reunia os requisitos  legalmente exigíveis, como a Ré veio a saber, posteriormente à celebração do contrato, o que quer dizer que o contrato invocado pela A. é nulo, por impossibilidade legal e/ou ilicitude do seu objecto, nos termos do n° l do Art° 280° do Cód. Civil.
Que a existência de licenciamento, de alvará e de classificação do estabelecimento em causa é imprescindível para a realização do fim a que o mesmo se destina.
Que a existência daquele licenciamento foi expressamente afirmada pela A./locadora, que consignou expressamente no contrato a obrigação de o assegurar, o que a A., não cumpriu.
Que o contrato em apreço é, um contrato sinalagmático, pelo que a 1ª Ré tem o direito de recusar o pagamento da contraprestação a que está obrigada, por incumprimento do contrato por parte da autora.
Que a autora pede o pagamento da totalidade do preço estabelecido para a duração total do contrato, cujo prazo, ainda não atingiu o seu termo. O preço global (para a totalidade do prazo) foi dividido em anuidades, sendo que a previsão do art° 781°do Cód. Civil, não abarca «prestações que não representam fracções da dívida, mas dívidas distintas, a título de retribuições de um uso ou serviço, como sucede com as rendas ou salários: a falta do pagamento da renda de um mês não autoriza o locador a reclamar todas as rendas correspondentes ao período de duração do contrato.
Que quando a 1ª Ré, depois de outorgado o contrato, tomou posse do empreendimento, veio a verificar que se encontrava muito mais degradado do que esperava e lhe fora dito pela A., necessitando de obras, para além da limpeza e desinfecção geral, no que despendeu o total de PTE 30.000.000$00/€ 150.000,00. Ao mesmo tempo necessitava dos projectos de electricidade, águas, saneamento e, mesmo, de arquitectura do empreendimento, que a A. nunca lhe forneceu, apesar de insistentemente instada para isso, o que



inviabilizou uma reparação satisfatória, não tendo conseguido obtê-los também na CMI.
Que a 1ª Ré chegou a realizar à sua custa trabalhos e despesas que competiam à A., como condição de licenciamento do parque e sua normal laboração, esperando ser posteriormente compensada dessas despesas.
 Consequentemente, e em reconvenção, pedem a condenação da autora:
I – para a hipótese de ser declarada a nulidade do contrato: na restituição da 1ª Ré à situação patrimonial à data da celebração do contrato, restituindo-lhe a A. todas as rendas pagas, o dispêndio em obras, reparações, manutenção, descontos bancários e, resultados negativos do exercício, no total, de €335.118,00;
II – para a hipótese de aquele pedido de declaração de nulidade ser julgado improcedente, pede, subsidiariamente, a condenação da A. a indemnizá-la, pagando-lhe, além das quantias interiormente invocadas, a indemnização de € 1.000.000,00, decorrente dos lucros normais que a 1º Ré ficou impedida de auferir, por incumprimento da A., ao longo do prazo de duração do contrato.
 
Replicou a autora.
 Pugnando para que sejam julgados improcedentes as excepções invocadas e o pedido reconvencional deduzido.
E alterando o pedido e a causa de pedir, peticionando, ex vi da resolução do contrato que diz ter operado em 27.09.03:
a) que o pedido seja considerado reduzido para a quantia de 104.151,42 €, acrescida de juros de mora desde a data do vencimento das prestações até ao efectivo pagamento;
 b) se se entender que o contrato é nulo que os réus sejam condenados a pagar à autora a mesma quantia e os juros, com base nas regras do enriquecimento sem causa, nos termos do disposto nos artigos 473° e seguintes do C.C.;
 c) que, de 28.09.03 até à data da desocupação efectiva do parque, os réus sejam condenados a pagar à autora uma indemnização correspondente ao enriquecimento injusto que tiverem pela permanência no parque, equivalente ao correlativo empobrecimento da autora, a liquidar em execução de sentença

2.
Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença que:
A- Julgou a acção parcialmente procedente por provada e nessa conformidade:
A1- condenou os RR. “B...”, C.... e D..., solidariamente, a efectuar o pagamento à autora “A...” da quantia de € 102.964,36 ( cento e dois mil novecentos e sessenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos) acrescida de juros de mora contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações em falta e até integral pagamento, às taxas de juro comercial sucessivamente em vigor.
A2-  Condenou os réus a pagar à autora a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, pelo período da ocupação do Parque de Campismo, desde a data da resolução do contrato (operada em 27.09.2003) até à data da efectiva entrega do Parque à autora.
B- Julgou o pedido reconvencional formulado improcedente por não provado, dele absolvendo a autora.

3.
Inconformados recorreram os réus.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

I.         A matéria de facto constante dos pontos/quesitos 3.º, 4.º, 5.º, 7.º, 8.º, 9.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 34.º, 36.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 48.º, 49.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 54.º, 55.º, 56.º, 57.º, 58.º, 59.º, 60.º, 61.º, 63.º e 64.º da douta Base Instrutória foi incorrectamente julgada, por erro na apreciação e valoração dos meios de prova produzidos;
 
II.            Assim, devem ser dados como provados os factos constantes dos pontos/quesitos 3.º, 4.º, 5.º, 7.º, 8.º, 9.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 34.º, 36.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º e 48.º, e não provados os factos constantes dos pontos/quesitos 49.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 54.º, 55.º, 56.º, 57.º, 58.º, 59.º, 60.º, 61.º, 63.º e 64.º da douta Base Instrutória;

III. Em consequência, deve ser revogada a douta Sentença recorrida, julgando-se improcedente a acção e procedente a reconvenção;

IV. Mesmo que se entenda não dever ser revogada a douta Decisão de Facto, deve, não obstante, revogar-se a douta Decisão de Direito, porquanto a falta de licenciamento e de condições do parque de campismo objecto do contrato celebrado entre as partes ofendem as normas e requisitos estabelecidos no DL 167/97, de 04 de Julho,

V. Estando, assim, ofendidas normas de interesse e ordem pública que não podem ser derrogadas por vontade das partes,

VI. Decorrendo da ilicitude praticada a nulidade do contrato prevista no n.º 1 do Art.º 280.º do CCivil, que é de conhecimento oficioso, como decorre do disposto no Art.º 286.º do mesmo Diploma Legal,

VII. Acrescendo que, apesar de no Despacho Saneador aquela nulidade não ter sido atendida, mas dada a natureza das normas infringidas, também aquele douto Despacho é nulo;

VIII. Por outro lado, mesmo que assim não se entenda, houve incumprimento contratual por parte da Apelada de significativas obrigações expressamente a seu encargo que determinaram a impossibilidade de a Apelante fruir plenamente o objecto do contrato, designadamente, pela falta de licenciamento e pela impossibilidade de licenciamento em consequência de graves deficiências do objecto do contrato,

IX. Por actos e omissões da exclusiva responsabilidade da Apelada;

X. Assim, assistia à Apelante o direito de não cumprir as obrigações por si assumidas, designadamente, a obrigação de pagamento, enquanto a Apelada não cumprisse, como nunca cumpriu, aquelas obrigações;

XI. Esse incumprimento da Apelada foi necessariamente causa de despesas e prejuízos da Apelante, que esta não logrou quantificar, e que, por isso, devem ser ressarcidos pelo que for liquidado em execução de Sentença;

XII. O contrato celebrado entre a Apelada e os Apelantes é um contrato de natureza civil, pois se trata de um contrato de locação previsto e regulado exclusivamente no CCivil, dele não resultando o contrário – como decorre, aliás, do Art.º 2.º do CComercial,

XIII. Pelo que os juros de mora dos pagamentos previstos no mesmo contrato devem ser liquidados à taxa legal prevista para a mora nas obrigações civis e, não, à taxa prevista para o incumprimento das obrigações comerciais.

4.
Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:


Alteração da decisão sobre a matéria de facto.


Nulidade do contrato por falta de licenciamento e de condições do parque de campismo o que ofende as normas e requisitos estabelecidos no DL 167/97, de 04 de Julho.



Exceptio non adimpleti contractus por parte dos réus.

Juros de mora: civis ou comerciais.

5.
Apreciando.
5.1.
Primeira questão.
5.1.1.
A decisão sobre a matéria de facto apenas pode ser impugnada nos estritos termos consignados no artº 690º-A  nº1 do CPC
O qual estatui:
1. «Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios…que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2. No caso previsto na al.b)…quando os meios probatórios  invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referencia ao assinalado em acta, nos termos do disposto no nº2 do artº 522º-C».
Sendo que este segmento normativo prescreve: «Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o inicio e o termo da gravação de cada depoimento…».

O artº 690º-A foi introduzido pelo DL n.º 39/95, de 15/02 no preâmbulo do qual se expende: «A consagração de um efectivo duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto não deverá redundar na criação de factores de agravamento da morosidade na administração da justiça civil.
Importava, pois, ao consagrar tão inovadora garantia, prevenir e minimizar os riscos de perturbação do andamento do processo, procurando adoptar um sistema que realizasse o melhor possível o sempre delicado equilíbrio entre as garantias das partes e as exigências de eficácia e celeridade do processo...
A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.
Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.
A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação

Da redacção deste normativo,  ainda aplicável ao caso vertente, e do preambulo que tão clara e impressivamente o interpreta, há que retirar duas ilações fundamentais.
Primeira, (atinente aos factos impugnados).
Não é possível operar uma oposição global e indiferenciada de toda ou quase toda a decisão, mas antes e apenas parcelar e especificada ou discriminada.
Há, assim, que: «acentuar o carácter atomístico, sectorial e delimitado que o recurso ou impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto em regra deve revestir…na verdade, o alegado “erro de julgamento” normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo “facto”, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente»-  LOPES DO REGO, Comentários ao Cód. de Proc. Civil, vol. I, pág. 608.




«O ónus alegatório prescrito no art. 690.º-A do CPC tem por objectivo evitar a impugnação genérica da decisão de facto, com a intolerável sobrecarga que daí adviria para o tribunal de recurso e o indesejável favorecimento de situações em que o meio impugnatório só é utilizado com intuito de mera dilação processual.» -Ac do STJ de  02.07.2008,  dgsi.pt, p. 07S4752

Segunda (concernente à prova aduzida).
Importa, outrossim, que o recorrente opere, desde logo, uma concretização dos meios de prova, de sorte a que não seja necessária uma reapreciação sistemática e global dos meios probatórios produzidos.
Sendo certo que esta concretização não se cumpre com a simples remissão, em termos genéricos e indiferenciados, para, vg. o teor dos documentos juntos aos autos, ou, no que à prova testemunhal respeita, pela identificação da(s) testemunha(s) e das voltas da gravação em que começa e termina o depoimento.
Antes o recorrente deve identificar concretamente os  meios de prova e reportar cada um deles não a toda a matéria factual que impugna, mas a cada um dos factos a que tal elemento probatório respeita; e, no atinente às testemunhas ou outra prova gravada, identificar a passagem ou passagens, por reporte às respectivas voltas do suporte magnético, que se relacionam com os factos impugnados.
Mais.
Importa ainda que ele opere uma apreciação crítica dos elementos probatórios que invoca, os quais, em seu entender, justificariam uma resposta diversa aos factos que coloca em crise.
 Tal como ao julgador é exigível em sede de fundamentação da decisão.
Pois que, implicando as conclusões que o julgador e o recorrente retiraram das provas produzidas, a expressão de uma análise e de um raciocínio certamente acobertados e assentes em certa regras de interpretação, racionalização e juízos consubstanciadores de princípios de lógica e até de experiencia comum,  o conhecimento deste raciocínio e destas regras e princípios é  essencial  ou de magna relevância  para que o tribunal ad quem possa apreciar e valorar,  a adequação, validade, legalidade, equidade e justeza daquelas conclusões.
Visa-se, com este ónus específico, obter a garantia de que a parte recorrente fundamente a sua discordância em relação ao decidido, pelo que não pode ele limitar-se a atacar, de forma imprecisa a decisão recorrida, implicando tal a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância, ou seja, a feitura de um segundo julgamento, antes lhe sendo exigível a identificação dos erros de julgamento que, em seu entender, ocorreram na apreciação da matéria de facto - LOPES DO REGO, ob.cit. p. 465.
Tudo em benefício da celeridade e, quiçá e em certa medida, de uma efectiva valorização e, até, respeito, da posição do julgador da 1ª instancia, pois que ele, melhor do que ninguém se encontra em posição privilegiada, ex vi da imediação, para apreciar e decidir
5.1.2.
Quando este ónus é cumprido deficientemente tem-se discutido na doutrina e na jurisprudência se ele é, ou não, susceptível de suprimento e correcção mediante convite do tribunal, por aplicação analógica do n.º 4 do artigo 690º do CPC.
Alguns autores pronunciam-se no sentido afirmativo – cfr. Armindo Ribeiro Mendes, in Os Recursos no Código de Processo Civil Revisto, Lisboa, 1998, págs. 84 e 85.
 Outros posicionam-se em sentido negativo – cfr. Lopes do Rego,ob cit. pág. 466  e Amâncio Ferreira in Manual dos Recursos em Processo Civil, 3.ª edição, Coimbra, 2002, pág. 150, nota 301.




Por sua vez, na jurisprudência, do nosso mais Alto Tribunal existem duas posições.

Para uns não pode verificar-se tal suprimento por parte do tribunal, quer o recorrente não tenha cumprido, de todo, o ónus, quer o tenha cumprido deficientemente.
Entendem estes que se o legislador tivesse pretendido aplicar, no âmbito do artigo 690°- A o regime previsto no artigo que precede, o artigo 690°n°4, tê-lo-ia dito expressamente.
 A lei processual não prevê o convite para aperfeiçoar o corpo das alegações e, face ao disposto no n.º 4 do art.º 690.º, deve entender-se que tal convite não é admissível, por tal preceito, atenta a sua natureza especial, afastar, nesta matéria, o princípio geral da cooperação previsto no art.º 266.º do CPC.
 Não o fez certamente por entender que o convite ao recorrente para completar o requerimento de recurso se prestava a chicanas e atrasos processuais. Acs. do STJ de 25.11.04 dgsi.pt p.04B3450; de  27-11-2008, p. 08B3682 e de 25.06.2009, p. 08S3369.

Outros adoptam uma solução intermédia, a qual passa pela distinção entre a falta total de menção das especificações exigidas e da transcrição das passagens relevantes e o mero cumprimento defeituoso desses ónus.
«Na primeira hipótese, o recorrente desprezou completamente os encargos que a lei lhe atribuiu como requisito para poder beneficiar de um verdadeiro segundo grau de jurisdição em matéria de facto; na segunda hipótese, tentou cumprir esse ónus, mas fê-lo de forma incorrecta ou incompleta.
 As sanções a essas falhas devem ser proporcionais à sua gravidade:… parece claro que o legislador cominou a "rejeição" imediata do recurso da decisão da matéria de facto, à semelhança da imediata declaração de deserção do recurso no caso de falta (absoluta) de alegação (n.º 3 do artigo 690.º).
Na segunda hipótese, justificar-se-á a prévia formulação de convite para completamento ou correcção da alegação ou da transcrição, à semelhança do que ocorre quando a alegação apresente irregularidades (n.º 4 do artigo 690.º).
Trata-se, no fundo, da posição defendida por Lopes do Rego quando, na passagem citada, sustenta a não formulação de convite ao aperfeiçoamento da alegação e a liminar rejeição do recurso da decisão da matéria de facto (apenas) quando essa alegação "não satisfaça minimamente o estipulado nos n.ºs 1 e 2", designadamente por o recorrente não "delimitar minimamente o objecto do recurso" ou não "fundamentar, de forma concludente, as razões da discordância, através da indicação dos concretos meios probatórios que, na sua óptica, o tribunal valorou erroneamente» –  Acs. do STJ de 29.11.05 e de 28.04.2009, dgsi.pt p.05S2552 e 09A0526 (sublinhado nosso).
Aderimos a esta tese intermédia pois que a mesma se revela a mais equilibrada e consentânea com a ponderação e a defesa dos interesses em jogo, a saber: por um lado a valorização da posição do juíz de 1ª instância (pois que o mesmo se encontra em posição privilegiada para a apreciação da prova), a defesa da celeridade processual e o respeito pelo princípio do dispositivo e da auto-responsabilização das partes; por outro lado, a concessão ao recorrente do direito de reapreciação da prova em situações pontuais e excepcionais de sorte a poder atingir-se a almejada verdade material e a realização da justiça do caso concreto.
5.1.3.
No caso vertente os recorrentes não cumpriram este ónus, não acatando, pelo menos com o rigor devido, as exigências legais.
Bem vistas as coisas o que eles pretendem é que se prove toda a sua versão e se não prove toda a posição da autora.
Assim, atacaram quase todas as respostas dadas aos factos que lhes foram desfavoráveis – excepto as respostas a alguns factos quiçá minudentes, como sejam os



dos artºs 46º e 47º da BI – quer os reportados à sua posição quer os respeitantes à posição da autora.
De notar que a BI é composta de 67 artigos e muitos dos referentes aos factos alegados pelas rés:  1º, 2º, 6º, 10º, 11º, 12º, 15º, 16º 17º a 28º, 30º a 38º mereceram resposta total ou parcialmente positiva.
Ou seja, o os réus põem em causa a formação de toda a convicção probatória da Sra. Juíza a quo pretendendo que seja efectuado um novo julgamento neste tribunal ad quem.
Mais.
Os réus remetem, em bloco, para cada uma das espécies probatórias aduzidas: testemunhal, documental, confessória e pericial. Sem operar qualquer concretização destes meios de prova e dos factos a que cada um deles respeita.
Ora se em tese tal ónus se lhe impunha, como se viu, no caso vertente tal era acrescidamente necessário na medida em que  a plêiade de respostas impugnadas abarca factos de natureza muito diferente.
Assim e apenas no que tange aos artigos da BI respeitantes a factos alegados pelos recorrentes, verifica-se que os réus pretendiam que se provassem factos, respeitantes vg:
- à falta de condições legalmente exigidas para a exploração do locado como parque de campismo;
- à degradação das  suas infraestruturas;
-ao valor que teve de suportar para recuperar tais infraestruturas: 30.000 contos;
-à postura enganatória da autora para com os réus a qual teria convencido estes do bom estado geral do empreendimento  e lhe ocultou as deficiências do mesmo;
- à tomada de consciência de tais deficiências só após a celebração do contrato.
Ora é certo que nem todas as provas indicadas pelos recorrentes para infirmar a decisão sobre a matéria de facto se reportam a cada uma destas vertentes factuais.
Competia pois aos recorrentes especificar os concretos meios probatórios que relevavam para cada um dos factos. Sendo que relativamente às testemunhas importava que identificasse os trechos dos respectivos depoimentos que se revelassem pertinentes para os factos impugnados.
 Não sendo exigível a este tribunal  de recurso que tenha de apreciar todas as provas na sua totalidade e extensão, para perscrutar  - vg. no que às testemunhas concerne – as partes que interessam para este ou aquele facto.
Assim se concluindo não terem os recorrentes  dado cumprimento aos requisitos legais impostos para impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Estamos, efectivamente, perante um caso de quase total falta das especificações exigidas e não de um mero cumprimento deficiente que mereça ser objecto de um convite ao seu suprimento, mesmo no âmbito duma posição mais complacente.
 Sob pena de se estar a dar aos recorrentes a possibilidade de apresentar novas alegações e suprir-lhe uma falha que apenas a ele é imputável, com prejuízo dos valores da celeridade, segurança processuais e intolerável afectação do princípio da igualdade de armas dos litigantes. 
Não podendo, assim,  no rigor dos princípios, este tribunal de recurso sindicar a decisão sobre a matéria de facto.
5.1.4.
Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda, sempre esta pretensão dos recorrentes improcederia.
5.1.4.1.




Na verdade há que considerar que no nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº655º do CPC.
Perante o estatuído neste artigo pode concluir-se, por um lado, que a lei não considera o juiz como um autómato que se limita a aplicar critérios legais apriorísticos de valoração.
Mas, por outro lado, também não lhe permite julgar apenas pela impressão que as provas produzidas pelos litigantes produziram no seu espírito.
 Antes lhe exigindo que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.
Na verdade prova livre não quer dizer prova arbitrária, caprichosa  ou irracional.
Mas quer dizer prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente, posto que em perfeita conformidade com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.
5.1.4.2
Por outro lado há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.
Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.
Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, dgsi.pt, p.03B3893.
 Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.
Efectivamente, com a produção da prova apenas se deve pretender criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente num grau de probabilidade o mais elevado possível, mas em todo o caso assente numa certeza relativa, porque subjectiva, do facto. – cfr. Acórdão desta Relação de 14.09.2006, dgsi.pt, citando Antunes Varela.
Uma tal convicção existirá quando e só quando o Tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.- Cfr. Figueiredo Dias, in Dto. Processual Penal I Pág. 205.
Nesta conformidade  - e como em qualquer actividade humana - existirá sempre na actuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade, e, até, falibilidade, vg. no que concerne á decisão sobre a matéria de facto.
Mas tal é inelutável e está ínsito nos próprios riscos decorrentes do simples facto de se viver em sociedade onde os conflitos de interesses e as contradições estão sempre, e por vezes exacerbadamente, presentes, havendo que conviver - se necessário até com laivos de algum estoicismo e abnegação - com esta inexorável álea de erro ou engano.
O que importa, é que se minimize o mais possível tal margem de erro.
O que passa, tendencialmente, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objectiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.



É que a verdade que se procura, não é, nem pode ser, uma verdade absoluta -porque assente em premissas de cariz matemático-, mas antes uma verdade político-jurídica, a qual é consecutida se a sentença  convencer os interessados directos: as partes – e, principalmente, a sociedade em geral, do seu bem fundado: isto é, a sentença valerá acima de tudo se for validada e aceite socialmente.
5.1.4.3
Nesta perspectiva constitui jurisprudência uniforme que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas, nem pode significar a desvalorização da sentença de 1ª instância, que passaria a ser uma espécie de "ensaio" do verdadeiro julgamento a efectuar pelo Tribunal da Relação.
 É da decisão recorrida que tem sempre de se partir, porque um tribunal de recurso não julga ex novo.
Assim, a função do Tribunal da 2ª Instância deverá circunscrever-se a "apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1º grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos - Ac. do Trib. Constitucional de  3.10.2001, in Acórdãos do T. C. vol. 51º, pág. 206 e sgs e Ac. da Rel. de Lisboa de 16.02.05,  dgsi.pt. com realce e sublinhados nossos tal como nas citações infra.
«Assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum» -Ac. da Relação de Coimbra de  18.08.04, dgsi.pt.
Neste contexto, em recurso compete apenas sindicar a decisão naquilo em que de modo mais flagrante se opuser à realidade, pois há que pressupor que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade que se presume já que por virtude delas na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e factores que não são racionalmente demonstráveiscfr.Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II volume, 4ª edição, ps 267.
Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade -, mais importante do que a validade científica dos mesmos,  pois que o julgador pode não estar habilitado a avaliá-los nesta vertente –Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114
Na verdade: «considerando que, por força dos princípios da oralidade e da imediação, o julgador de primeira instância, se encontra muito melhor habilitado a apreciar a prova produzida – maxime a testemunhal – só em situações extremas de ilogicidade, irrazoabilidade e meridiana desconformidade, perante as regras da experiência comum, dos factos dados como provados em face dos elementos probatórios que o recorrente apresente ao tribunal ad quem, pode este alterar, censurando, a decisão sobre a matéria de facto»cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 16.01.2007, dgsi.pt, p.5673/2007-1.


5.1.5
Assim sendo, vejamos.
A Sra. Juiza alicerçou a sua convicção: « na ponderação e análise da globalidade da prova produzida… mormente… testemunhal e documental».
Concretamente invocou:
- os depoimentos das testemunhas F... , G... , H... , I... , J... , L... , M... , N... , O... , P... .



- Os documentos  dos autos de  fls. 6 a 14, 106 a 109, 110, 111,, 112, 201 a 205, 248 a 254, 254 a 262, 267, 283, 313, 329 a 574, 859 a 866, 889 a 893, 901
a 918; quanto aos quesitos 49º a 6º, os documentos de fls.83 a 100; no que tange ao quesito 66º o documento de fls. 80 e 81.
- os documentos de fls.40 a 74 do procedimento cautelar;
- o relatório pericial de fls. 606 a 610 e 611 a 615, na parte atinente às questões técnicas aí colocadas.
Quanto ao teor dos quesitos dados como não provados tal verificou-se devido: «…à ausência de prova suficientemente esclarecedora e credível……no que tange aos quesitos 3º e 4º…não foi efectuada prova esclarecedora e segura…aliás, parece apenas extrair-se que o parque vinha, desde há algum tempo, funcionando com licenças precárias e, portanto, nessa medida, poderia funcionar, sendo certo que não é crível que alguém que toma a exploração de um parque desta natureza, com os elevados valores em jogo, não se informasse de uma questão essencial como era a do respectivo licenciamento (veja-se ainda o teor do contrato celebrado entre as partes a fls.13, clausula 7ª e demais documentos acima referidos, dos quais se extrai o conhecimento que a ré tinha da falta de licenciamento – pouco tempo após a celebração do contrato). no que tange aop quesito 26º não foram juntos quaisquer comprovativos (mormente facturas) das despesas realizadas com as obras, não sendo a prova testemunhal esclarecedora a tal propósito».

No concernente às testemunhas o tribunal informou sobre a sua razão de ciência e resumiu os seus depoimentos na sua parte relevante e essencial.
Rematando que: «as… testemunhas com razão de ciência devidamente controlada, mereceram, n parte em que se revelaram consentâneas com a demais prova produzida e regras da experiencia comum, a credibilidade do tribunal».
5.1.6.
Pois bem.
5.1.6.1.
No atinente à prova documental.
Invocam os recorrentes, especificadamente, os documentos de fls. 113 a 114; 142; 201 a 205; 255 a 300; 325 a 516; 519; processo de obras apenso (fls. 593); notícia (obtida na internet) inserida no requerimento dos Apelantes apresentado em Juízo em 11 de Fevereiro de 2008 e documentos (cinco) juntos pelos Apelantes na Sessão da audiência de discussão e julgamento.
Ora o documento de fls. 113 a 114 é uma missiva  da autoria da 1ª ré  que esta enviou à autora em 15.04.2002 e refere-se ao IVA que acrescerá aos 8 mil contos que a autora aceitou pagar à ré por obras no locado e à exigência do pagamento de benfeitorias feitas pela ré, cujo valor ascendia então a 2.500 contos mais IVA.
O documento de fls. 142 é uma certidão da CMI, emitida em 2003.11.17, a atestar que o parque de campismo não tem qualquer tipo de licença de utilização válida.
Os documentos de fls. 201 e segs são um oficio da CMI dirigido á ré, datado de 2004.03.17 no qual se refere, essencialmente, que, em 2002 e 2003, foram dados pareceres desfavoráveis a projectos de arquitectura/alterações e que, agora (à data) se encontravam reunidas as condições para que possa ser promovido o licenciamento das instalações(fls.201) e dois ofícios  do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, datados de 2003.04.30 e de finais de 2003, dirigidos à autora, nos quais se indicavam  as alterações a efectivar no empreendimento para a viabilização do projecto.
O documento de fls.255 a 300 reporta-se, na sua essencialidade, a um conflito de idêntica jaez ao presente, entre a autora e o anterior concessionário do parque de campismo M...., no qual  a aqui e ali autora reclama o pagamento de quantia a título de rendas e este M... invoca o não cumprimento de obrigações



assumidas pela demandante no atinente a obras, reparações e manutenção do parque de campismo.
O documento de fls. 325 a 526 é um projecto de arquitectura referente ao parque, apresentado na CMI pela autora na década de 80, sendo que tal projecto não contemplava a totalidade das construções existentes no parque porque algumas não estão licenciadas.
O documento de fls. 519 e segs. é um aditamento  ao projecto de arquitectura, apresentado na CMI pela autora, datado de Março de 2004.
Os documentos juntos na sessão de julgamento são uma vistoria efectuada ao parque em Junho de 2001, na qual se constatam deficiências  nas suas infraestruturas e se recomendam as obras e beneficiações necessárias.
Bem como cartas do sócio da ré, C...., dirigidas à autora, datadas de 20.11.2001, 06.09.2002, onde se relatam deficiências e se solicita à autora informação sobre o processo de licenciamento, documentos na sua posse necessários a tal licenciamento; de 19.10.2001, onde se refere que a ré desenvolveu em 2000 todos os esforços para conseguir o licenciamento e se solicita a colaboração da autora para se efectuarem todos os procedimentos para este efeito e um oficio da CMI, datado de 18.06.2002, dirigido à ré, exigindo a esta a apresentação de projecto adequado e a regularização de obras feitas no parque consideradas de duvidosa legalidade.

De todos estes documentos, o que inequivocamente se pode retirar é que o licenciamento do parque de campismo tem constituído uma saga que se arrasta há décadas.
Que efectivamente no mesmo existem, a nível, infraestruturas, lacunas e deficiencias várias.
Mas deles, só por si, não emergem com suficiente objectividade e coerência  as fulcrais dimensões da versão da ré nestes autos plasmada, a saber: - -que a autora ocultou aos réus os handicaps, os vícios e os defeitos do parque e que estes apenas se aperceberam da real dimensão dos mesmos após a celebração do contrato; que a demandante nunca fez nada do que de si dependia para obter a licença e o alvará do parque e que o valor dos gastos que fez para recuperar o parque ascendeu a 30.000 contos.
Antes pelo contrário.
Da correspondência enviada pela 1ª ré e sócio desta à autora não dimana a imputação de actuação enganatória à demandante, mas apenas o alertar para certas obras e despesas e o pedido de colaboração para a obtenção da licença e alvará.
 O que mal se compreende considerando que alguma correspondência é posterior muitos meses e até anos, à data da celebração do contrato, muito se estranhando que neste largo lapso de tempo a ré não se insurgisse, adrede e inequivocamente, contra a postura enganatória da autora..
Acresce que dada o odisseia do licenciamento do parque, de há longos anos, atenta a data do contrato em causa e, assim,  presumivelmente quasi do conhecimento público, mal se compreende que os réus não actuassem com maior diligencia e se certificassem do real estado do empreendimento quando contrataram com a autora.
Enfim, os documentos, salvo os da autarquia os quais, por si só, não clamam conclusões diversas, assumem o cariz de particulares, tendo sido, inclusive, alguns impugnados, pelo que eles podem ser livremente apreciados e sendo certo que, em todo o caso, eles apenas fazem prova das declarações neles constantes e, quanto aos factos, dos que forem contrários aos interesses do declarante – artº 376º do CC..
5.1.6.2.



No concernente à prova testemunhal.
Ouvidos os depoimentos por este tribunal ad quem verifica-se que efectivamente  as testemunhas mencionadas pelo tribunal depuseram, na sua essencialidade relevante, nos termos explanados na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
E que, algumas das testemunhas indicadas pelos réus, efectivamente apresentaram uma versão parcial ou totalmente não coincidente, algo desconforme, ou, até, oposta.
Mas não com a amplitude e intensidade que os recorrentes parecem querer significar.

Assim e desde logo no que concerne ao depoimento de parte do actual representante da autora, G..., dele não se pode retirar que, na sua essencialidade relevante, que contribuiu para a prova da tese das rés.
Antes pelo contrario.
Na verdade explicitou que o então – à data da celebração do contrato – representante da autora lhe referiu que nada tinha sido ocultado à ré, nem a nível  material, nem a nível legal.
Mais referiu que em 2001/2002, enviaram para a CMI todo o processo para efeitos de licenciamento, mas que este é um processo burocrático e moroso.
E que os representantes da ré viram o parque antes da celebração do contrato, tendo conhecimento do que era preciso arranjar e do estado das infraestruturas. Tendo até diligenciado pela obtenção de orçamentos para as reparações.
E que sempre a autora colaborou com a ré, entregando-lhe, na medida do possível, tudo o necessário para as obras e o licenciamento definitivo.
Que a capacidade real do parque era superior à sua capacidade legalmente permitida e que havia movimentos de turistas estrangeiros no parque, vg. pois que camionetas , vg. com turistas alemães ali paravam.
Já quanto à testemunha N... há a notar, desde logo, que ela esteve ligado à ré, tendo sido seu sócio com uma quota de 10% mas apenas até Dezembro de 2001.
Referiu que não sabe se que quando o contrato foi celebrado havia ou não, licença do parque. Pensando que não.
Que aquando do contrato foram informados de que era preciso fazer algumas obras.
Que ele, como economista, após ter-se desligado da ré já fundou 06 empresas e que não faz contratos com ninguém sem tirar informações sobre a outra parte.
Que os contactos com a autora para a exploração do parque começaram ainda no ano 2000, que a autora deu as chaves do empreendimento à 1ª ré cerca de dois meses antes do contrato e que foram ver o parque, tendo entrado em alguns edifícios, bares, quartos, casas de banho, etc e tendo, inclusive, levado um empreiteiro, sendo que «aquilo era um pandemónio completo».
Admitiu que, devido à juventude, às vezes fica-se enebriado pelo negócio.
Que a capacidade do parque depende da categoria que lhe é atribuída e da pessoa que está na recepção: o parque pode ter capacidade para 400 pessoas e tal pessoa pode deixar entrar mil e que a autora lhes disse que o parque metia muita gente, sem se recordar de adiantar números.
Quanto à licença, esclareceu que a mesma, na prática, não é impeditiva da exploração do parque, pois que, normalmente, os utentes partem do princípio que ela existe e apenas um operador turístico muito zeloso exige a prova da mesma.
Que a ocupação do parque no ano de 2001 foi relativamente fraca, mas, mesmo assim, satisfatória.
Que o parque até tem grandes potencialidades se for bem explorado.
E que, para além dos 08 mil contos inicialmente anuídos para obras de restauro, a autora ainda entregou posteriormente à ré, a este título, cerca de 03 a 04 mil contos.
Já J... e R...., trabalharam para a ré, aquela como administrativa  esta como empregada de limpeza.
 Aquela disse que fazia sempre as inscrições dos utentes e que o livro de reclamações apenas faltou quando ficou completo. Esta que fazia a limpeza do empreendimento, nomeadamente das casa de banho, mas que os esgotos entupiam com frequência.



O depoimento destas testemunhas fica, porém, algo enfraquecido na medida em que ele se reporta a um curto período de tempo, já que a primeira apenas trabalhou no parque entre Agosto de 2002 e Setembro de 2003 e esta menos ainda, seja, nos meses de Verão de um ano que nem sequer soube precisar.
O...., teve também participação na ré, cedendo-a no final de 2001.
Quase todo o depoimento foi muito vago e impreciso, pois que às perguntas formuladas, respondia que «pensava», «não se recordava», «não tinha ideia».
Mas lá foi dizendo que, tanto quanto sabe a ré não tinha conhecimento da inexistência de licença aquando da celebração do contrato.
Mas que nas negociações se recordava que a autora exibiu certas carta e planta do empreendimento, que não se recorda se foram entregues à ré.
Que a renda de 15 mil contos do primeiro ano foi negociada entre as partes, pensando que inicialmente a autora pedia mais.
Que não se recorda de a autora ter dito à ré que o parque dava um certo rendimento.
Que não tem ideia se se falou na necessidade de obras, mas que estas tiveram de se verificar e que se revelaram mais complexas do que inicialmente previsto, e que nelas se gastaram mais do que oito mil contos, seja, cerca de 75 mil euros.
Que a capacidade do parque rondava as 800 tendas, mas não sabe se houve conversa entre as partes sobre tal.
Que, normalmente, a falta de licença não prejudica a ocupação do parque. O campista vai ou não, se o parque tem, ou não, condições. Não é pela licença ou falta dela, até porque as pessoas presumem que existe.
L....foi comercial de seguros das duas partes.
Foi abordado pelo Eng. F.... para explorar o parque mas indicou-lhe o sócio da 1ª ré por estar mais habilitado para o efeito.
Não teve conhecimento do teor das negociações para o contrato.
Mas foi ao parque, juntamente com o Eng. F.... e o Dr. C.... e o Dr. O..., tendo visto o estado em que se encontrava.
Os representantes da ré tiveram conhecimento do da situação do parque. O eng. F.... não escondeu nada, nem a nível material das instalações nem a outros níveis.
Aquilo no tempo da Dona Q...., uma ante-exploradora do empreendimento, dava muito dinheiro. Depois houve foi má gestão.
M... explorou o parque entre 1996 e Setembro ou Outubro de 2000.
Não sabe nada do teor das negociações do contrato em causa.
Andou em litigio com a autora por causa da exploração que efectuou.
P... Ré é vereador da CMI.
Referiu que por força da mudança de legislação e pela existência de obras no parque não licenciadas e da inexistência de outras que constavam no projecto anterior de licenciamento, foram exigidas novas obras e a correcção das existentes para a concessão de licença definitiva.
Que foi concedida licença provisória em 2001, devido a quererem dar uma oportunidade aos gerentes da ré pela sua juventude e iniciativa.
Que não tem ideia que a ré tenha diligenciado junto da CMI para apresentar projecto e fazer as obras necessárias para a licença definitiva. Sendo que se normalmente tal compete ao proprietário do parque, o explorador também o poderá fazer se munido de documentos que o autorizem.
Após 2001 a autora terá apresentado um projecto de licenciamento que foi indeferido e que só em 2004 foi por ela i apresentado projecto que levou ao licenciamento.
Que nas conversas que teve com os representantes a ré ficou com a noção que eles tinham consciência da situação do parque.
S..., arquitecta e funcionária da CMI confirmou sintética e parcialmente o depoimento da testemunha anterior quanto ao licenciamento do parque esclarecendo que não sabe quem fez as diligências para este efeito. (sublinhado nosso).

Verifica-se assim que o teor destes depoimentos, só por si, e mesmo que não fossem infirmados por outros depoimentos – que o são, vg. pela restante prova testemunhal e até 



documental e pericial - não é suficiente para, conscientemente, se poder concluir pela bondade da versão das recorrentes.
Pois que os mesmos estão eivados de incertezas, conhecimentos indirectos e, até, de passagens que abonam em favor da tese da autora.
Perante depoimentos de teor díspar e até contraditório, o tribunal acabou por conceder maior crédito à posição de certas testemunhas, em detrimento  da de outras.
Mas fê-lo com base em elementos factuais objectivos relatados por tais testemunhas, da demandante (e, até, da demandada).
Havendo que conceder que tais discrepâncias foram criticamente analisadas pela julgadora, a qual, seguramente apenas após ponderada e conscienciosa reflexão sobre o teor, a razão de ciência e a postura das testemunhas  plasmou, objectivou e concretizou na decisão sobre a matéria de facto a sua convicção final, oriunda, total ou parcialmente, de tais depoimentos.
Ora inexistem nos autos e nas provas produzidas elementos com dignidade e relevância bastantes para contrariar ou infirmar tal convicção.
 Desde logo porque à análise critica e dilucidação dos depoimentos das testemunhas, bem como da sua razão de ciência, do modo como depuseram e da credibilidade que aparentaram, não pode ser imputada qualquer insustentabilidade fáctico-material, qualquer vício lógico ou violação de regras da experiencia e do senso comuns que, inexorável ou inelutavelmente, imponham uma censura à formação da convicção da julgadora e às conclusões fácticas por ela formuladas.
Depois porque, e nunca é de mais repeti-lo, os princípios da imediação e da oralidade, presentes na 1ª instancia e falhos a este tribunal superior, contribuem com elementos que – precisamente nestes casos de contradição de depoimentos – se revelam essenciais e decisivos para a análise e valorização deste meio de prova.
5.1.6.3.
Perante este quadro probatório e atentos os ensinamentos e orientações doutrinais e jurisprudenciais supra expostos conclui-se que inexistem elementos que permitam a censurar a decisão sobre a matéria de facto.
Havendo que conceder que relativamente aos factos dados como provados e não provados, mesmo que exista alguma dúvida por parte da julgadora de 1ª instância, ela se situa em grau razoável, ainda admissível perante alguma margem de aleatoriedade que inelutável e inexoravelmente sempre existirá no âmbito e no âmago das relações humanas ao que a função jurisdicional, na aplicação do direito, não está imune.
Importando dar prevalência, salvo casos de evidente erro na apreciação da prova – que se apresentam objectiva e estatisticamente excepcionais – à decisão do julgador porque tal juízo foi formulado dialecticamente e no âmbito dos princípios da imediação e da oralidade, na apreciação e ponderação de toda a prova produzida.
Não se podendo concluir, no tocante a tais factos que, perante a prova produzida e em face dos elementos probatórios invocados pela recorrente, que a decisão sobre a matéria de facto, se mostre irrazoável, porque meridianamente desconforme a tal prova e às regras da lógica e da experiência comum.
5.1.7.
Consequentemente, a matéria de facto apurada  e a considerar é a seguinte:
1º- A autora é uma empresa comercial que se dedica à exploração turística, possuindo o parque de campismo conhecido por “ E....”, situado entre a Costa Nova e a Vagueira. (alínea A) dos factos assentes).
2º- A 1ª ré é igualmente uma empresa comercial que explorou até 05.03.04 o parque de campismo



da autora. (alínea B) dos factos assentes)
3º- Em 01.03.01, a autora e os réus celebraram o contrato de cessão de exploração que teve por objecto aquele parque junto a fls. 6 e seguintes, cujo teor se dá por reproduzido, tendo-se consignado na cláusula 5ª do contrato de cessão de exploração junto aos autos a fls. 6 e segs., o seguinte: “O preço total desta cessão de exploração é de 99.250.000$00 (noventa e nove milhões duzentos e cinquenta mil escudos), quantia a que acresce IVA, à taxa em vigor e que serei liquidada da seguinte forma: - No primeiro ano do contrato, ou seja, de 01.03.01 a 28.02.02, 15.250.000$00 (quinze milhões duzentos e cinquenta mil escudos) mais IVA; No segundo ano do contrato, ou seja, de 01.03.02 a 28.02.03 18.000.000$00 escudos, mais IVA; - No terceiro ano do contrato, ou seja, de 01.03.03 a 28.02.04 - (vinte milhões de escudos), mais IVA; No quarto ano do contrato, ou seja, de 01.03.04 a 28.02.05, 22.000.000$00 (vinte e dois milhões de escudos) mais IVA. -No quinto e último ano do contrato, ou seja, de(/ 01.03.05 a 28.02.06, 24.000.000$00 (vinte e quatro milhões de escudos), mais IVA; No primeiro ano de vigência do contrato, as prestações anuais contratadas e acima discriminadas serão liquidadas da seguinte forma: Com a assinatura deste contrato 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos), mais IVA, de que a PRIMEIRA CONTRAENTE dá quitação; - Até 31.03.01, 10.250.000$00 (dez milhões duzentos e cinquenta mil escudos), mais IVA; A partir do segundo ano de vigência do contrato e em cada ano até 28.12.05, as prestações anuais contratadas e acima discriminadas serão liquidadas da seguinte forma: - Até 15 de Fevereiro, 10% (dez por cento) do valor anual do contrato, mais IVA; - Até 31 de Março, 7,5% (sete e meio por cento) do valor anual do contrato, mais IVA; - Até 15 de Julho, 15% (quinze por cento) do valor anual do contrato, mais IVA; - Até 30 de Julho, 15% (quinze por cento) do valor anual do contrato, mais IVA; - Até 15 de Agosto, 7,5% (sete e meio por cento) do valor anual do contrato, mais IVA; - Até 30 de Agosto, 20% (vinte por cento) do valor anual do contrato, mais IVA; - Até 15 de Setembro, 7,5% (sete e meio por cento) do valor anual do contrato, mais IVA; Até 30 de Setembro, 7,5% (sete e meio por cento) do valor anual do contrato, mais IVA; Até 31 de Dezembro, 10% (dez por cento) do valor anual do contrato, mais IVA.”    (Al.B)
4º- A 1ª ré pagou as primeiras prestações até 15.08.02, mas não pagou as seguintes. ( alínea D) dos factos assentes).
5º- A autora accionou a garantia bancária prevista na cláusula 6ª do contrato e, por força disso, o Banco T..... pagou à autora 49.879,79€, quantia que esta imputou no pagamento das prestações vencidas em 15.08.02, 30.08.02, 15.09.02 e 30.09.02, no total de €45.408,07, restando ainda do valor da garantia o montante de 4.471,726, imputado na prestação de Dezembro de 2002. (alínea E) dos factos assentes).
6º- À data da celebração do contrato, a autora não era titular de licença ou alvará válidos. (al.F)
7º- Na altura das negociações, era visível no empreendimento alguma degradação quanto a arranjos exteriores, bem como relativamente a pinturas e edificações. (al.G)
8º- Em 01-03-01, a autora e a ré “B...” assinaram um documento que designaram por “contrato inominado”, junto a fls. 206 e segs., cujo teor se dá por reproduzido, em cumprimento do qual a autora entregou à ré a quantia de 8.000.000$00 para realização de benfeitorias no empreendimento. (al.H)
9º- Em 26.09.03, a autora enviou comunicação escrita aos réus manifestando o propósito de resolver o contrato, tendo a mesma chegado aos réus em 27.09.03, data em que os réus apresentaram resposta, afirmando não aceitar a resolução. (al.I)
10º- A ré “B...” através de requerimento n°1780/01, de 07.05.01, dirigido à Câmara Municipal de Ílhavo, solicitou e obteve, a título precário, até ao final do ano então em curso, o Alvará de Licença de utilização do Parque de Campismo da Costa Nova, na condição de, até ao início da época balnear seguinte, a primeira apresentar um novo projecto do parque, obter os necessários pareceres favoráveis junto das entidades competentes e proceder à resolução da problemática dos resíduos urbanos e do destino final dos esgotos gerados pela actividade desenvolvida no parque. (al.J)
11º- Os réus entregaram o parque à autora em 05.03.04. (al.L)
12º- Da prestação vencida em 31.12.02, encontra-se paga à autora pela 1ª ré, apenas a quantia de 4.471.72 €. (Q.1º)
13º- Das rendas previstas e fixadas no contrato, a 1ª Ré pagou-as até à 9ª prestação da 2ª anuidade, incluindo o IVA às taxas legais sucessivamente em vigor, no total de € 151.824,11, com o esclarecimento de que foi accionada a garantia bancária prevista no contrato, encontrando-se paga à autora a quantia total de 193.690,71€.. (Q.2º)




14º- Antes de efectuar este contrato a ré dedicava-se habitualmente a apoio à gestão de empresas, projectos económicos, contabilidade. (Q.6º)
15º-A autora afirmou que outros cessionários celebraram contratos idênticos. (Q.10º)
16º- A autora afirmou ser um negócio lucrativo (Q.11º)
17º- Na altura das negociações o parque estava encerrado. (Q.12º)
18º- A autora pagou para obras que era necessário realizar, a quantia de 8.000 contos.(Q.15º)
19º- O parque necessitava de obras e arranjos interiores e exteriores, limpeza e desinfecção geral. (Q.16º)
20º-E de pinturas e arranjos de alvenaria e carpintaria, quer interiores, quer exteriores .(Q.17º)
21º- E de consertos e substituições parciais de telhados. (Q.18º)
22º- De substituição de equipamentos sanitários. (Q.19º)
23º- De reconstrução do bungalow. (Q.20º)
24º- De reparações e substituições do mobiliário dos quartos, equipamentos e acessórios de cozinha. (Q.21º)
25º- De impermeabilização do PT (Q.22º)
26º- De substituição de portas de alumínio e de madeira. (Q.23º)
27º- De colocação de todo o equipamento de segurança e prevenção de incêndios, de arranjos exteriores de superfície. (Q.24º)
28º- De redes de águas (canalizações, bombas e motores), tampas e esgotos, instalações de gás e sistema de aquecimento de águas. (Q.25º)
29º- Os RR necessitaram dos projectos de electricidade, águas e saneamento, não tendo tido acesso a alguns deles. (Q.28º)
30º- Os RR tentaram a obtenção de alguns daqueles elementos de informação na C.M.I. (Q.30º)
31º- O que também não conseguiram, por ali não existirem projectos de águas, de saneamento nem de electricidade correspondentes aos colocados e construídos no local. (Q.31º).
32º- Algumas das construções não se encontram licenciadas por aquele município onde não existem os respectivos projectos. (Q.32º)
33º- Falta realizar e colocar no empreendimento, construções e equipamentos que constam do seu projecto inicial. (Q.33º)
34º- A C.M.I. alertou para a necessidade de serem tomadas as diligências necessárias à obtenção da licença do parque, tendo emitido uma licença provisória para o seu funcionamento.(Q.34º)
35º- Foi atribuído ao parque a capacidade de ocupação de 450 pessoas, embora a sua capacidade real fosse superior. (Q.35º)
36º- A autora referiu aos réus que a capacidade efectiva do parque na época alta excedia o nº referido no quesito anterior.(Q.36º)
37º- Os réus encetaram contactos com operadores turísticos para promover o parque e angariar utentes ao mesmo. (Q.37º)
38º- E disso foi sabedora a autora. (Q.38º)
39º- No Verão de 2002, actos e omissões dos réus provocaram denúncias de utentes do parque, verbais e escritas, relacionadas com o fornecimento aos campistas de água imprópria para consumo, proveniente de um furo artesiano. (Q.49º)
40º- E ainda com a falta de esvaziamento regular das fossas que servem o parque, com a consequente contaminação dos lençóis freáticos que alimentam o furo. (Q. 50º)
41º- E com a falta de conservação e limpeza das casas de banho. (Q.52º)
42º- E com a subsistência de mau cheiro por todo o parque, decorrente da falta de asseio. (Q.53º)
43º- E com o aparecimento de lixo espalhado ao longo do parque, por falta da respectiva recolha. (Q.54º)
44º- E com a ausência de segurança do parque, e a entrada descontrolada de pessoas estranhas ao parque, tendo ocorrido furtos. (Q.55º)
45º- E com a avaria do sistema de vídeo-vigilância. (Q.56º)
46º- E com a falta de iluminação, por destruição ou mau funcionamento dos candeeiros. (Q.57º)
47º- E com a falta de guardas nocturnos e a deficiente formação dos vigilantes. (Q.58º)
48º- E com a ausência constante da gerência requerida, não sendo possível encontrar responsáveis pelo funcionamento do parque. (Q.59º)
49º- E com a falta de registos e controle na recepção. (Q.60º)
50º- Em determinado período a ré não passou recibos. (Q.61º)



51º- E com a inexistência de livro de reclamações. (Q.62º)
52º- E com o facto de o mini-mercado estar sempre vazio. (Q.63º)
53º- O serviço de self service não funcionava. (Q.64º)
54º- Destas reclamações foi dado conhecimento à CMI, e que foi efectuada uma fiscalização em 18.09.2003. (Q.65º)
 55º- A Autora enviou à ré uma carta de rescisão do contrato, junta aos autos a fls. 80 e 81, cujo teor e conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido. (Q.66º)
56º- A solidariedade convencionada na cláusula 13ª do contrato de 01.03.2001, foi para a autora uma condição essencial do contrato. (Q.67º)
57º- Na carta referida no ponto 9º, junta aos autos a fls. 80, e cujo teor e conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido, foi consignado, para além do mais: “Como bem sabem, vêm violando, grave e reiteradamente, o contrato de cessão de exploração, que celebramos em 01 de Março de 2001, que tem por objecto o nosso parque de campismo conhecido por” E....”. Apenas a título de exemplo, recordamos que : 1. Não pagaram as prestações vencidas em 31.02.02 (parte), 15.02.03, 31.03.03, 15.07.03, 30.07.03, 15.08.03, 30.08.03 e 15.09.03, no total de 104.151,42 Euros; 2. Não entregaram, até ao presente, a nova garantia bancária prevista na cláusula 6ª do contrato; 3. Tem procedido à exploração do parque por forma a provocarem inúmeras denúncias dos campistas utentes do parque verbais e escritas, que deram lugar a uma fiscalização ordenada pela Câmara Municipal de Ílhavo, ocorrida em 18 de Setembro de 2003. Com fundamento nas razões atrás sucintamente expostas, maxime as constantes nos pontos 1. e 2., que se referem a situações concretas e que são inequívocas, resolvemos o contrato, ao abrigo no disposto na respectiva cláusula 12ª, para produzir efeitos a partir da data recepção desta comunicação Deverão, pois, doravante actuar em conformidade com esta declaração de resolução....” (doc. de fls. 80 e 81, a matéria de facto assente não faz caso julgado formal).

5.2.
Segunda questão.

Esta questão foi já decidida em sede de despacho saneador.
No sentido de que  inexiste nulidade do contrato.
Os réus recorreram de tal decisão.
Tal recurso foi admitido como de agravo por despacho datado de 15.04.2004, notificado aos recorrentes em 19 do mesmo mês.
Mas, tanto quanto se alcança dos autos, estes não apresentaram as respectivas alegações de recurso no prazo de 15 dias a contar da notificação do despacho, conforme estatui o artº 743º do CPC, então ainda aplicável.
O recurso  deveria, pois, ter sido considerado deserto, nos termos do artº 690º nº3 do CPC.
Não se vislumbra nos autos despacho nesse sentido.
Mas nem por isso se deve considerar que se completou regularmente o iter legal de tal recurso. Na verdade os recorrentes não praticaram um acto legal – apresentação atempada das alegações de recurso – que se apresenta como conditio sine qua non para tal.
Consequentemente tal decisão transitou em julgado.
Não podendo, destarte, ser reintroduzida no litígio – quase que diríamos repristinada ou ressuscitada - com o recurso interposto da sentença final.
Na qual, aliás, tal questão não foi, como não podia ter sido – já que antes sobre ela tinha existido decisão – apreciada.
Nem tendo qualquer cabimento a asserção dos recorrentes que: apesar de no Despacho Saneador aquela nulidade não ter sido atendida, tal despacho ser nulo, dada a natureza das normas infringidas.
Na verdade no despacho saneador a questão foi decidida.




Se bem ou mal, tudo se colocava em sede de legalidade ou ilegalidade da decisão. O que deveria ter sido dilucidado através da figura do recurso –  e que ainda foi, se bem que com incompletude – e não através da figura da nulidade, a qual, aliás e por via de regra, é despoletada através de reclamação e não por via de recurso.
Efectivamente, e versus o defendido pelos recorrentes, as decisões que decidam com violação de normas de interesse e ordem pública, não são, elas próprias, ex ipso factum, nulas, o que acarretaria a sua total desconsideração e do seu teor, mas apenas ilegais, o que já permite a sindicância da sua bondade, ou não, por adequada, ou não, aos factos e à lei aplicável.
Aliás nem o fundamento ora invocado quadra em qualquer daqueles previstos para a nulidade da sentença, aqui ainda perspectiváveis pelo menos mutatis mutandis.
Em todo o caso sempre se dirá que a decisão que indeferiu a invocada nulidade se apresenta mui curial e conforme à lei aplicável e à melhor doutrina e jurisprudência, pelo que nenhuma censura lhe seria assacável.

5.3.
Terceira questão.
5.3.1.
 Nos termos do art.º 428º, n.º 1, do CC: «Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou oferecer o seu cumprimento simultâneo.»
Mostram-se acertadas as considerações teóricas aduzidas no despacho saneador que já abordou esta questão, e na sentença.
Assim, para que esta excepção possa ser invocada é necessário que as obrigações em causa sejam correspectivas, correlativas ou interdependentes, ou seja, que uma seja o sinalagma de outra.
Pode ser invocada não apenas relativamente às obrigações principais, como, outrossim, no atinente aos deveres acessórios do complexo negocial.
E vigora não apenas para o incumprimento, tout court, como, também, para o incumprimento parcial ou defeituoso, assistindo pois  ao lesado o direito de recusar a sua prestação enquanto a contraparte não  completar ou rectificar a que lhe competia, concretizando-se a excepção, nestes casos, no brocardo latino de exceptio non rite adimpleti contractus – cfr. Acs. do STJ de 09.12.1982, BMJ, 322º, 321 e de 19.06.2007, dgsi.pt, p. 07A1651.

Por via de regra a exceptio apenas emerge quando não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, pois que assim se assegura o equilíbrio das posições dos contraentes, em termos de justiça comutativa.
Todavia tal apenas assim será e como bem se expende no despacho saneador, se um dos contraentes não estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a cumprir a sua obrigação antes do outro.
Havendo ainda que notar que, mesmo que  esteja o cumprimento das prestações sujeito a prazos diferentes, a exceptio poderá sempre ser invocada pelo contraente cuja prestação deva ser efectuada depois da do outro, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro.
Mais havendo a considerar que, não funcionando esta figura como sanção, mas



apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral, ela pode ser invocada, não apenas quando a outra parte não efectua a sua prestação porque não quer, mas também quando a não realiza porque não pode Pires de Lima e A. Varela,  CC Anotado, 2ª ed., 1º, 356.

Enfim, aqui como noutras figuras ou institutos jurídicos e como, mais uma vez curialmente se expende em tal despacho: «há que ter em atenção o princípio básico da boa fé no cumprimento das obrigações e…a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção. Uma prestação significativamente incompleta ou viciada justifica  que o outro obrigado reduza a contraprestação a que se acha adstrito. Mas …só é razoável que recuse quando se torne necessário para garantir o seu direito».
Ora, em matéria de locação, a cautela e o bom senso impostos por estes princípios ganham acrescida importância e aqui
dade.
Pois que sendo obrigação fulcral do locatário o pagamento da renda, a cessação do mesmo apenas em casos devidamente justificados de comprovado e relevante incumprimento por parte do locador pode ser aceite.
Assim «O recurso do arrendatário a este instituto, se existe cumprimento defeituoso ou parcial pelo senhorio, apenas o dispensa de pagar a renda correspondente à falta verificada. A quantificação pode tornar-se mais ou menos difícil. Quando as partes não chegarem a acordo sub­siste o remédio da consignação em depósito, mas o arrendatário corre o risco de o seu cálculo pecar por defeito, depositando uma renda menor do que a devida» - Prof. Almeida Costa na RLJ 119º, pág. 144, cit. No Ac. do STJ de 09.12.2008, dgsi.pt, p. 08A3302.
5.3.2.
In casu.
A Sra. Juíza, neste particular fundamentou a sua decisão no seguinte discurso argumentativo:
«…mediante o contrato celebrado entre as partes denominado de “cessão de exploração” a autora… declarou que o parque de campismo está em condições de ser utilizado e que fica obrigada a obter todos os documentos que se mostrem necessários ao seu regular funcionamento. O não cumprimento desta cláusula será havido como incumprimento contratual; a A cede a exploração do parque de campismo à ré que a toma, cessão que inclui todas as suas infra-estruturas e serviços de apoio, que esta bem conhece; as despesas decorrentes da reparação, beneficiação e manutenção do parque de campismo, serão feitas e suportadas pela ré excepto as seguintes que serão suportadas pela autora: despesas relativas ao licenciamento do estabelecimento, seguros das instalações e dos equipamentos propriedade da cedente, bem como taxas necessárias para que o estabelecimento possa exercer a sua actividade. (cláusulas 1º, 2º, 3º, 7º ).
Resulta provado que à data da celebração do contrato a autora não era titular de licença ou alvará válidos. Algumas das construções do parque não se encontravam licenciadas pelo município, faltam colocar no empreendimento construções e equipamentos que constavam do seu projecto inicial.
Da factualidade provada resulta também que a ré iniciou a exploração do parque…, deteve a sua exploração até à sua entrega à autora ocorrida em 05.03.2004. Aliás, cumprirá referir que tendo a autora nos termos sobreditos procedido à resolução do contrato em 27.09.2003, a ré não aceitou essa resolução. Cumprirá ainda referir que a Câmara Municipal de Ílhavo, não obstante ter alertado para a necessidade de serem tomadas medidas para a obtenção de licença do parque, emitiu uma licença provisória para o seu funcionamento.
  …não logrou a ré provar que a autora lhe escondesse, aquando da celebração do contrato, que o parque não reunia as condições legais para a sua exploração, o que também sucede relativamente ao alegado não cumprimento da obrigação assumida pela  autora de diligenciar pela obtenção de licença e alvará de estabelecimento.( cfr. Resposta a quesitos 3º a 5º). Também não logrou a ré provar que as condições físicas do parque e a falta de licenciamento tenham determinado que nenhum operador turístico aceitasse celebrar contratos com a ré, ou que por tal motivo, tivesse sido efectuada uma ocupação do parque muito reduzida ou inferior à expectável, bem como que a ocupação daquele nas épocas baixas fosse nula, ou insuficiente nas épocas média ou alta e que fosse por tal facto que a ré tenha deixado de pagar as



rendas (cfr. factos 39º a 44º), ou mesmo que se o parque estivesse licenciado no euro 2004, a ré poderia ter obtido proventos de 200.000,00€ anuais (Q.48º).
Feita a análise global da factualidade descrita, impõe-se-nos desde logo uma conclusão que se afigura primordial, a de que a falta de licença ou alvará válidos à data da celebração do contrato não se tornou um obstáculo ou um factor impeditivo à normal exploração do parque pela ré ( note-se que não se provou que a sua falta tivesse tido qualquer reflexo na sua exploração, quer a nível do número quer da qualidade dos utentes e consequentemente nos resultados económicos obtidos). Aliás, conforme se extrai da factualidade provada o parque foi funcionando com licença provisória, não logrando a ré provar que a autora não diligenciou pela obtenção das licenças do parque.  A tal propósito será importante referir que não foi fixado qualquer prazo no contrato para o cumprimento da obrigação da autora, não sendo despiciendo referir que analisada toda a documentação existente nos autos, se extrai da mesma inúmeras diligências ao longo dos anos para que fosse obtido o licenciamento do Parque. A obrigação pela qual se vinculou a autora foi uma obrigação de meios, não tendo a ré logrado provar que a autora não a cumpriu. Todos sabemos que se tratará de um processo moroso e certamente complexo. Todavia a ré nunca deixou de usufruir do parque, ou seja nunca foi privada do gozo do parque, por tal motivo.
…embora resulte da factualidade provada que o parque necessitava de obras e arranjos interiores e exteriores …a verdade é que segundo resulta assente, já na altura das negociações, era visível no empreendimento alguma degradação quanto a arranjos exteriores, bem como relativamente a pinturas e edificações, tendo a autora e a ré celebrado um contrato inominado, em cumprimento do qual a autora entregou à ré a quantia de 8.000.000$00 para que aquela procedesse à realização de obras que era necessário realizar no empreendimento…
…Por último não poderemos deixar de salientar, ainda a tal propósito e na sequência do que acima ficou exposto, que não logrou a ré provar o nexo causal entre qualquer incumprimento da ré e alegados ( mas não provados) prejuízos resultantes desse incumprimento, porquanto para além de não lograr provar que houvesse qualquer consequência entre a indisponibilidade da licença e o seu gozo da coisa, também não provou que esta tivesse qualquer consequência nos resultados obtidos do exercício dessa exploração.
Não poderá nunca deixar de se ter em atenção que subjacente à invocação de incumprimento terá de estar imanente o princípio da proporcionalidade e adequação. A invocação da exceptio, só será assim admissível e razoável quando a mesma se torne necessária à garantia do correspectivo direito.
Ora, conforme referimos supra a prestação a que a autora se obrigou foi a de proporcionar à ré a utilização para fins comerciais de um espaço integrado num todo organizado, e essa obrigação mostra-se cumprida (ou pelo menos não há prova de que o não tenha sido). O sinalagma, a obrigação correspectiva por parte da ré é a de pagar as contra-prestações acordadas, e esta encontra-se em falta.
Não logrando a ré efectuar a prova como lhe competia que a autora não cumpriu o contrato, terá necessariamente de improceder a invocada excepção de não cumprimento.» (realce e sublinhado nosso).

Mostra-se exaustiva, acertada e curial, perante a factualidade provada – e não provada – e os normativos pertinentes, esta análise e dilucidação, a qual se corrobora.
E à qual, assim, nada ou pouco há a acrescentar.
Sintetizando, dir-se-á, quiçá ad abundantiam, que efectivamente a invocação da exceptio tem de improceder exactamente pelo não cumprimento por parte das rés do seu ónus probandi relativamente a factos que, eles sim, a provarem-se teriam dignidade e força bastantes para consubstanciarem e fundamentarem a sua pretensão.
Mais.
 Perante o acervo factual apurado - claramente emergente da prova, maxime testemunhal, efectivada -, a conclusão a tirar é que as rés estavam cônscias das insuficiências materiais, rectius infraestruturais, e legais – falta de licença definitiva – e, não obstante, quiçá, por necessidade, como confessam e por estarem enebriados com os possíveis  lucros do negócio, ou, porventura, por ligeireza ou incúria, avançaram com o mesmo.
Mas tendo já conhecimento das deficiências e dos handicaps deveriam elas diligenciar por uma verificação mais aprofundada do empreendimento de sorte a certificarem-se da amplitude, complexidade, morosidade e custo das obras e licenciamentos necessários.
Não o tendo feito é caso para dizer que sibi imputet.




Acresce que não obstante o invocado pelos réus e o provado, certo é que eles concretizaram o negócio e iniciaram a exploração do parque de campismo e nem sequer aceitaram a resolução do contrato operada pela autora.
Explorando o locado durante mais de três anos, grande parte de tempo este sem pagarem  à autora a renda anuída.
 O que tudo clama a conclusão que tal exploração era viável e do seu próprio interesse.
Enfim, se o licenciamento final não foi mais cedo conseguido, quedou improvado por culpa de quem e se obras houve que realizar para além daquelas que já se vislumbravam necessárias no momento da celebração do contrato – em função das quais, aliás, a autora aceitou pagar  ás rés 8 mil contos – outrossim não se apurou.
5.4.
Quarta questão.
5.4.1.
Pugnam os réus pela aplicação da taxa de juros de mora vigente para as obrigações civis.
Dizem, para tanto, que O contrato celebrado entre a Apelada e os Apelantes é um contrato de natureza civil, pois se trata de um contrato de locação previsto e regulado exclusivamente no CCivil, dele não resultando o contrário – como decorre, aliás, do Art.º 2.º do CComercial.

Analisemos.
Nos termos do artº 2º do C. Comercial: «Serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste código, e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar».

Temos pois, que os actos de comercio tanto podem emergir da qualidade dos sujeitos – actos subjectivamente comerciais - como da natureza do negócio jurídico e da sua consagração nas leis comerciais – actos objectivamente comerciais.
Para além destas duas categorias de actos comerciais, defende certa doutrina uma terceira categoria: a dos actos de comercio pela teoria do acessório.
 Nela caberiam todos os actos que, não sendo abrangidos pelas duas categorias legalmente expressas, todavia se encontrassem em íntima conexão com um acto abrangido por qualquer daquelas – Cunha Gonçalves, in Comentário ao C. Com., 1º, pgs.12 a 14; Barbosa de Magalhães in Direito Comercial, apontamentos coligidos por Palma Carlos, 1924, p.110 e sgs., todos cits por Abílio Neto, in C. Comercial, 1987, p.10.

Entende-se, geralmente, que a 1ª parte do artº 2º, devem considerar-se como comerciais os actos ligados intimamente ao exercício do comercio, pela intenção ou fim que o seu autor se propõe, quando este seja comerciante, mas já não os actos acessórios dos actos de comércio objectivos quando praticados por não comerciantes – Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, 1º, 80 e segs.
Por outro lado é, outrossim, comummente aceite que os actos de natureza exclusivamente civil são apenas aqueles que nunca podem ter natureza comercial, ou seja, os que «não estejam especialmente contemplados no Código Comercial e não façam parte de um género de que uma espécie está especialmente regulada no mesmo código nem constitua o núcleo característico das actividades a que se refere o artº 230º do C. Comercial -  Fernando Olavo, Direito Comercial, 2ª ed., 1º, 90 e Luís Brito Correia, Direito Comercial, p.34.
5.4.2.




O caso sub Júdice.
Parece óbvio que tanto a autora como a 1ª ré que outorgaram no contrato ajuizado são empresas comerciais, o que dimana logo dos factos provados e da sua denominação social, sendo sociedades por quotas, e do seu objecto social, vg. da ré: prestação de serviços de consultoria e assessoria de gestão, formação de gestão industrial, gestão de meios de informação e gestão de recursos humanos.
E parece outrossim evidente que ambas as partes, maxime a 1º ré, actuou in casu com um fito eminentemente comercial, não apenas no momento da outorga do contrato, como na actividade ulterior ao mesmo, pretendendo dela retirar uma mais valia ou obtenção de lucro.
 Assim, e no mínimo, o contrato constituiu um meio ou conditio sine qua non para a consecução deste desiderato, pelo que não repugnaria taxá-lo como acto comercial, pelo menos como acto conexo com o desiderato último de cariz comercial pretendido pela ré.
Destarte, atenta a qualidade dos outorgantes e os objectivos por elas pretendidos com a outorga do contrato em causa, ele deve ser considerado acto subjectivamente comercial.

Mas ele é ainda objectivamente comercial porque o contrato não se encontra apenas previsto no CC e, dele próprio, não resulta a sua natureza exclusivamente civil.
Na verdade e como se diz na sentença, estamos perante um contrato de cessão de exploração o qual se traduz pela cedência temporária e onerosa do parque de campismo como universalidade comercial, como uma unidade jurídico-económica mais ou menos complexa no qual se integram todos os seus componentes, quais sejam, os imóveis e os estabelecimentos comerciais e o seu aviamento (clientela) bem como outros direitos.
Tal figura jurídica emerge delineada, posto que negativamente, no artigo 111º do RAU – DL 321/b/90 de15.10, mas é efectivamente um contrato atípico ou inominado e, portanto, sem uma regulamentação específica na lei civil.
 Ele rege-se, ab initio, pelas cláusulas anuídas pelas partes e, no mais e desde logo, está sujeito ao regime geral dos negócios jurídicos – artº 405º, nº 1, C. Civil.
 Subsidiariamente, rege-se pelas normas comuns dos contratos e dos contratos típicos de estrutura mais próxima como seja o contrato de locação, de cujas modalidades sobressai o  arrendamento para comércio ou industria, previsto no artº  110º do RAU  e 1086º n.º 1, do CC.
Havendo ainda que notar que o C. Com. no seu artº 481º estatui quanto ao contrato de aluguer mercantil  - sendo certo que o termo aluguer deve ser  objecto de uma interpretação declarativa  no sentido de abarcar o arrendamento -  o qual emerge: «quando a cousa tiver sido comprada para se lhe alugar o uso».
Improcedem, decorrentemente, todas as questões recursivas.

6.
Sumariando.

I – A impugnação da decisão sobre a matéria de facto não pode implicar que o recorrente queira, pura e simplesmente, ver provada, in totum, a sua versão e improvada, outrossim na sua globalidade, a versão da parte contraria, pois que tal implicaria um novo julgamento pela Relação, com a completa desvalorização dos poderes do juiz da 1ª instancia e quasi um desrespeito pela sua qualidade e poderes, bem como a postergação dos benefícios dos princípios da  imediação e oralidade, os quais, posto que mitigados pela reforma de 1995, continuam a ter, pela natureza das coisas, enorme relevância.

II- Assim, a legalidade de tal impugnação apenas se cumpre se se colocarem em crise concretos e determinados pontos de facto e se o recorrente especificar e valorar criticamente os meios probatórios em que se apoia, reportando cada um deles aos factos a que se referem e não já se apenas os invocar genérica, indiferenciada e acriticamente para todos aqueles pontos em bloco.

III- A exceptio non adimpleti contractus  visa o equilíbrio  das posições dos contraentes em que deve  assentar o esquema do contrato bilateral com obrigações sinalagmáticas, mas a sua invocação apenas é admissível quando, razoavelmente,  se torne necessária e proporcionada à garantia do direito do excipiente, o que, por este, vg. num contrato de cessão de exploração, deve ser inequivocamente provado.

IV – Se um contrato de cessão de exploração é celebrado entre duas empresas comerciais e a cessionária o outorga no âmbito do seu escopo social e com vista à obtenção de lucro, o acto é subjectiva e objectivamente comercial, ou, pelo menos, conexo com actividade desta jaez, pelo que a verba em que foi condenada pelo seu incumprimento não está sujeita à taxa do juro civil mas sim á taxa do juro comercial.

7.
Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a, aliás douta, sentença.

Custas pelos réus.

Coimbra, 2009.11.10