Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
802/07.7TBMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: DIVÓRCIO
EFEITOS
DATA
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
DÍVIDA DE CÔNJUGES
Data do Acordão: 07/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE MARINHA GRANDE – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTºS 1688º, 1697º E 1789º DO CC
Sumário: I – Resulta do artº 1789º, nº 2 do C.Civil (na sua redacção anterior à introduzida pela Lei nº 61/08, de 31/10) que os efeitos do divórcio retrotraem-se à data da proposição da acção, a não ser que a falta de coabitação entre os cônjuges esteja provada no processo e qualquer deles requeira que tais efeitos se retrotraiam à data, que a sentença fixará, em que a coabitação tenha cessado por culpa exclusiva ou predominante do outro.

II – De harmonia com o disposto no artº 1697º do C. Civil, na hipótese de as dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges terem sido pagas com bens próprios de um deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe cumpria satisfazer.

III – A compensação aparecerá no momento da liquidação e partilha: antes é proibido haver partilha dos bens comuns.

IV – E o termo da comunhão de vida no tocante às relações patrimoniais ocorre ou à data da propositura da acção de divórcio ou à data fixada na sentença em que cessou a coabitação (artºs 1688º e 1789º CC).

Decisão Texto Integral:

            ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

            I- RELATÓRIO

            I.1- A…, intentou em 30.4.07 acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, contra B…,  pedindo a condenação deste no pagamento de 25.781,61 € acrescidos de juros contados à taxa legal desde a notificação daquele para contestar; caso assim se não entenda, deverá a acção ser julgada procedente com base no instituto do enriquecimento sem causa, devendo o réu ser condenado a restituir o montante peticionado.

Para tanto, alegou, em síntese: ter casado com o réu em 17.05.1991, sem convenção antenupcial, casamento este dissolvido por sentença transitada em julgado no dia 2 de Novembro de 2001; no âmbito do inventário para separação de meações, apresentada que foi a relação de bens pela aqui autora, enquanto cabeça de casal, reclamou o réu alegando a inexistência das dívidas relacionadas sob as verbas 1 a 9 da referida relação. Submetidas as referidas dívidas a eventual aprovação na conferência de interessados, as mesmas não o foram, pelo que nos termos da decisão proferida nos autos de inventário, os presentes autos constituem o meio para apreciação da pretensão jurídica da autora; tais dívidas, devidamente discriminadas de 10 a 18º da p.i, ascendem ao montante global de 25.781,61 € que a autora suportou integralmente, apesar de atento o regime de bens do casamento deverem ter sido suportadas, em igual proporção por autora e réu.

            Regularmente citado, contestou o réu começando por alegar que a existirem quaisquer contas a fazer entre o ex-casal, o que não aceita, sempre as mesmas só poderiam ser contabilizáveis a partir da data da propositura da acção de divórcio, nos termos do artº 1789º nº 1 do Código Civil.

Concretamente no que se refere às dívidas mencionadas na p.i, alega que quanto às despesas de condomínio referentes à fracção H, as mesmas sempre foram pagas pelo património comum do casal, sendo certo que após a separação, o réu pagou 80.000$00 para o efeito. De todo o modo, após a separação de facto, foi a autora quem desfrutou em exclusivo da fracção em causa, a qual lhe foi adjudicada em sede de inventário.

No que se refere ao seguro do imóvel, o mesmo sempre foi pago com dinheiro da conta do casal no D..., entidade para a qual também foi transferido o empréstimo que se encontrava no banco E..., não havendo qualquer dívida para com este banco após essa data.

Aquando da referida transferência, o autor e a ré procederam a um reforço da conta no valor de 25.000,00 €, sendo que os 10.000,00 € ficaram depositados na referida conta, a qual de comum acordo, ficaria afecta ao pagamento da prestação da dívida ao D....

Mais alega que também foi com dinheiro do banco D... que foi paga a dívida à F..., sendo que o valor de e 10.150,00 foi utilizado para pagar uma dívida do casal a  C….

Finalmente no que se refere ao imóvel mencionado em 18º da p.i, o mesmo foi adquirido pelo casal em 1988, com vista a iniciarem uma vida em comum, encontrando-se o mesmo apenas em nome da autora porquanto o réu trabalhava na Arábia Saudita e não tinha os rendimentos declarados em Portugal, o que o impedia de ser titular de um empréstimo para aquisição de imóvel.

            A A. ampliou o pedido, alegando que a partir de Julho de 1999 inclusive, as despesas comuns do casal foram pagas apenas por ela, reclamando assim o pagamento de 105,00 € referente às despesas de condomínio da fracção H e 465,70 € referentes à amortização das rendas do empréstimo contraído pelo casal junto do D..., para aquisição da mesma fracção.

            Em face da ampliação do pedido, o réu treplicou, remetendo para o alegado em sede de contestação quanto às despesas de condomínio e amortização de rendas do empréstimo contraído junto do D... para aquisição da mesma. Afirma ainda que, de todo o modo, a haver contas a fazer - que continua a não admitir - as mesmas teriam que ser feitas até à data da licitação, uma vez que os licitantes aferem o valor em função dos ónus que incidem sobre o mesmo e consequentemente, ao valor que a autora pagou pelo imóvel, foi deduzida a quantia devida ao D... à altura, para efeitos de cálculo das tornas devidas pelo réu.

No despacho saneador admitiu-se a ampliação do pedido, consignaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória, sem reclamações.

Instruído o processo, realizou-se o julgamento com gravação da prova, proferindo-se a final a decisão sobre a matéria de facto controvertida.

Seguiu-se a sentença datada de 8.8.10, na qual, julgando-se a acção parcialmente procedente, condenou-se o R. a pagar à A.: 1º- Metade do quantitativo que vier a ser liquidado, pago pela autora a título de despesas de condomínio e seguro da fracção H, a partir de 28.05.2001, até à data do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha proferida nos autos de inventário com o nº 5/2002 do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande; 2ª- Metade do quantitativo que vier a ser liquidado, pago pela autora a título de amortização do empréstimo contraído pelo casal junto do E..., a partir de 28.05.2001, até à data do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha proferida nos autos de inventário com o nº 5/2002 do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande;

No mais, absolveu-se o réu do pedido.

I.2- Inconformada, apelou a autora.

Alegando, conclui nestes termos:

            […]

 

I.3- Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir

                                               #                     #

II - FUNDAMENTOS

II.1 - de facto

A 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade:

[…]

                                   #                     #

II.2 - de direito

Como se vê das conclusões da peça alegatória, a A. insurge-se contra a interpretação da matéria de facto apurada, referindo que tem direito a haver do R. metade de todas as quantias que pagou após a separação do casal.

[…]

            Desta feita, os factos a considerar no julgamento da apelação serão os mesmos em que a 1ª instância se baseou, atrás relatados.

            Na aplicação do direito aos factos apurados, entendeu-se na sentença que, invocando a A./recorrente os chamados créditos de compensação a que se refere o art.1697º/1, C.C. (como os demais a citar sem menção expressa), somente a partir de 28.5.01, data em que foi instaurada a acção de divórcio no registo civil, e por referência ao preceituado no art.1789º/2, é que serão atendidas as quantias cujo pagamento, na parte que lhe cabe, reclama do réu.

            Contra tal entendimento se insurge a recorrente, contrapondo que os efeitos do divórcio se reportam a 12.6.99, altura em que os cônjuges se separaram, fazendo desde então vidas separadas.

            Não tem razão.

            É verdade que se demonstrou que o casal deixou de viver junto desde 12.6.99, que a acção de divórcio foi instaurada em 28.5.01 na C. R. Civil da marinha Grande, e a sentença decretada em 23.10.01.

            Pelo que resulta do art.1789º/2 (na redacção anterior à introduzida pela Lei 61/08, de 31.10, aqui aplicável), os efeitos do divórcio retrotraem-se à data da proposição da acção, a não ser que a falta de coabitação entre os cônjuges esteja provada no processo e qualquer deles requeira que tais efeitos se retrotraiam à data, que a sentença fixará, em que a coabitação tenha cessado por culpa exclusiva ou predominante do outro.

            A ressalva prevista nesse artigo não ocorre aqui, e daí que se mostre correcto o entendimento seguido na sentença da eficácia retroactiva quanto ás relações patrimoniais entre os cônjuges reportada à data da propositura da acção, ou seja, a 28.5.01.

            Na constância do matrimónio ocorrem, frequentemente, transferências de valores entre as diferentes massas de bens em presença, transferências patrimoniais essas que carecem de correcção no fim do regime matrimonial. O que se pretende evitar com tais mecanismos é o enriquecimento de um dos cônjuges à custa do empobrecimento do outro, procurando salvaguardar um certo equilíbrio patrimonial.  

            De harmonia com o disposto no art.1697º, na hipótese de as dívidas  da responsabilidade de ambos os cônjuges terem sido pagas com bens próprios de um deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe cumpria satisfazer.

 A compensação aparecerá no momento da liquidação e partilha. As razões da proibição da partilha dos bens comuns antes de cessarem as relações patrimoniais entre os cônjuges prendem-se com a ideia da protecção de um património comum especialmente afectado ás necessidades da vida familiar. Têm a ver, além disso, com a própria natureza desse património comum, regulado pela lei como um património colectivo, tendo os cônjuges apenas direito a uma meação, em regra só concretizável após a dissolução do casamento.[1]

Daí que faleça razão à apelante quando defende o pagamento de metade do activo por referência ao período após 12.6.99 – data de cessação da coabitação -  com base no instituto do enriquecimento sem causa (art.473º).

A obrigação de restituir no enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária (art.474º), consistindo em a acção ser afastada quando se possa socorrer de outra apropriada.

Ora, justamente para evitar o enriquecimento de um património à custa do outro, é que a lei (art.1697º) veio estabelecer o regime das compensações pelo pagamento das dívidas do casal, que só são devidas no final da comunhão de vida e partilha de bens.

E o termo da comunhão de vida no tocante ás relações patrimoniais, ocorre ou à data da propositura da acção de divórcio, como é o caso, ou na data fixada na sentença em que cessou a coabitação (arts.1688º e 1789º). É nesse período que se pretende evitar que uma massa de bens (património comum) não enriqueça injustamente em detrimento e à custa de outra (património próprio). Até então, durante o regime matrimonial, existe um património comum especialmente afectado ás necessidades familiares, que, na comunhão de adquiridos (art.1724º), integra o produto do trabalho dos cônjuges e os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei.

Como bem se notou na sentença, antes da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, não ficou provado, tão pouco foi alegado, que as despesas suportadas pela recorrente o foram com meios próprios ou resultantes do produto da alienação de bens próprios.

Donde não ser possível afirmar que o património do R. foi aumentado, sem causa, pelo correlativo empobrecimento do património da A., pois, para haver lugar à pretensão de enriquecimento, é necessário que este seja injustificativo ou sem causa, não bastando, pois, qualquer enriquecimento.

Neste contexto, e para que se cumpra a finalidade das compensações, a A. tem desde já direito a receber metade dos pagamentos que efectuou e ficaram demonstrados, mas tão só a partir de 28.5.01, pelos motivos acima expressos, procedendo, nesta parte, o recurso.

                                               #                     #

III - DECISÃO

Acorda-se, pelo exposto, em julgar parcialmente procedente a apelação, condenando-se o R. a pagar à A., metade da quantia de 201,00 € de despesas de condomínio, e metade da quantia de 931,48 € relativa à amortização do empréstimo contraído junto do «D...» (item II.1-12 e 15).

No mais, mantém-se a sentença.

Custas pela A. e R., em ambas as instâncias, na proporção do decaimento.

                                                           ##

                                                                                  COIMBRA,

RELATOR:

REGINA ROSA

ADJUNTOS:

JORGE ARCANJO

JAIME CARLOS FERREIRA


[1]   Cfr. Cristina Araújo Dias, «das compensações pelo pagamento das dívidas do casal», in «Comemorações dos 35 anos do C.C. e dos 25 anos da Reforma de 1977», pág.319-339.