Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2/09.1TBGVA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
INDEFERIMENTO LIMINAR
LEGITIMIDADE ACTIVA
CÔNJUGE
BEM COMUM
Data do Acordão: 03/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GOUVEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 234º, Nº 4, AL. B), 234º-A, Nº 1, E 393º DO CPC
Sumário: I – O indeferimento liminar de uma providência cautelar de restituição provisória de posse, com base no fundamento da sua manifesta improcedência, só deverá ocorrer quando, perante os factos expostos pelo requerente na petição e à luz do direito aplicável, seja ostensivamente claro ou notoriamente evidente que tal pedido nunca poderá proceder.

II – Nas relações de composse sobre um bem comum do casal, é permitido a um dos cônjuges compossuidores, que ficou entretanto privado pelo outro da posse sobre o mesmo, instaurar procedimento cautelar contra ele com vista a ser (novamente) restituído à posse desse bem.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. A... intentou (em 08/1/2009) contra B... , ambos melhor id. nos autos, a presente providência cautelar especificada de restituição provisória de posse.
Para o efeito, e em síntese, alegou o seguinte:
1.1 Ser casada com o requerido, sem convenção antenupcial, desde 11/9/2004.
1.2 Enquanto casados, requerente e requerido adquiriram, em 5/1/2007, por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, a fracção autónoma designada pela letra “T”, sita na Rua 5 de Outubro, n.º 58.º, 3.º- F, freguesia de São Pedro, concelho de Gouveia, na qual residiram.
1.3 Desde Maio de 2005 que nessa fracção constituíram a casa de morada de família, nela residindo permanentemente e sem hiatos ou interrupções a requerente e o requerido até meados de Março do ano de 2008 (data em que este ali terá deixado de residir, levando os seus pertences), praticando os correspondentes actos materiais inerentes à posse e (ao direito de propriedade) sobre a mesma e sobre o seu recheio (actos cuja descrição é feita ao longo dos artºs 3º a 16º da petição ou requerimento inicial).
1.4 No final do mês de Novembro de 2008, aproveitando uma situação de ausência da requerente, o requerido passou a impedir o acesso da requerente à mencionada fracção, mudando a fechadura da porta de entrada.
1.5 O requerido intentou acção de divórcio litigioso contra a requerida, autuada sob o n.º 369/08.9TBGVA.
1.6 O requerido desde o mês de Março de 2008 que tem retirado do interior da fracção toalhas, roupas de cama, aparelhagem de som, aparelhagem de TV Cabo, monitor LCD, livros, cds, documentos pessoais do casal, entre outros bens móveis comuns do casal, bem como toda a sua roupa de uso pessoal, além de outros bens pessoais da requerente.
1.7 Em meados do mês de Novembro de 2008 o requerido tomou atitudes de perturbação para com a requerente, que levaram a que esta se visse forçada a pernoitar fora da casa de morada de família durante esse mesmo mês.
1.8 De cada vez que se encontravam ambos em casa, emergiam discussões, adoptando o requerido o tom de voz elevado e propositadamente intimidativo.
1.9 Nessa alturas o requerente entrava e saía durante a noite na referida fracção, perturbando o sono da requerente.
1.10 E foram essas atitudes do requerido e a perturbação que as mesmas provocaram na requerente que levaram a que esta decidisse pernoitar de modo esporádico na casa dos seus pais, sita na mesma cidade em que viviam.
1.11 E foi então que aproveitando então uma dessas suas ausências que o requerido mudou a fechadura da porta de entrada, impedindo-a de entrar na casa que vinha sendo a morada do casal.
Pelo que acabou a requerente por pedir que, sem a audiência e citação prévia do requerido, seja restituída à posse e ao acesso da referida fracção e bem assim do seu recheio.
No final juntou, para prova do alegado, documentos e arrolou prova testemunhal.

2. De seguida o srº juiz a quo proferiu despacho no qual, e com base nos fundamentos aí aduzidos, decidiu indeferir liminarmente a providência requerida.

3. Não se tendo conformado como tal decisão, a requerente dela interpôs recurso de apelação, o qual subiu imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. Nas correspondentes alegações de recurso que apresentou, a requerente concluiu as mesmas nos seguintes termos:

I- A requerente alegou os factos constitutivos da posse que é pressuposta pela procedência da restituição provisória de posse.

II - Como factos constitutivos, a requerente alegou: a posse, o esbulho e a violência.

III - A solução do Tribunal a quo assenta no entendimento de que os pressupostos e o efeito útil alcançado pela restituição provisória da posse ou pelo regulação provisória da utilização da casa de morada de família são idênticos, o que não só não ocorre, como ainda premeia injustificadamente o infractor.

IV - Na restituição provisória da posse vale a apreciação (e censura) da violência; não vale, como ocorre da regulação provisória do direito a residir na cosa de morada de família, a apreciação de qual dos cônjuges se encontra em melhores condições de encontrar residência alternativa ou qual dos cônjuges tem maior necessidade de nela residir.

V - O pedido de regulação provisória do utilização da casa de morada de família constituiria um meio processual alternativo para o esbulhador (meio que lhe é imposto atendendo á inadmissibilidade legal da acção directo); não constitui um meio que deva ser indicado à esbulhada sob pena de se traduzir numa injustificada forma de premiar o próprio esbulho.

VI - Isto é, a regulação provisória da utilização da casa de morada de família impõe a discussão das razões que estão por detrás da actuação do esbulhador mas é ao esbulhador que compete fazer valer essas razões pela via do direito e não pelo via da violência.

VII - O despacho recorrido viola os artigos. 393,°, 234.°-A, n.° 1, ambos do Código de Processo Civil e 1286°, n.º 3, do Código Civil,

Termos em que (…) deverão conceder provimento ao presente recurso, determinando a substituição do douto despacho de indeferimento liminar por outro que designe data para a realização das diligências probatórias a que houver (…)”.

5. Dispensados que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

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II- Fundamentação
A) De facto.
Com interesse e relevância para a apreciação do objecto do presente recurso deve atender-se aos factos que supra se deixaram descritos sob o ponto I, e ainda àqueles que o srº juiz a quo declarou, desde logo, como provados e que foram os seguintes:
1. A requerente e o requerido contraíram casamento um com o outro em 11 de Setembro de 2004, sem convenção antenupcial.
2. No dia 5 de Janeiro de 2007, no Cartório Notarial de Gouveia, foi celebrada escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, na qual C... e mulher, D... , na qualidade de únicos sócios e em representação da sociedade E... declararam perante notário, que consignou a escrito as suas declarações, que, pelo preço de cem mil euros, vendiam a B... e mulher A..., que declararam aceitar o contrato na forma exarada, a fracção autónoma designada pela letra “T”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Gouveia sob o número duzentos e oitenta e três barra mil novecentos e noventa e um zero quatro vinte quatro – T, conforme documento junto a fls. 19 a 34 cujo teor se dá por reproduzido.
3. Em 2/12/2008 o requerido intentou contra a requerente acção de divórcio tendo sido designado o dia 4 de Fevereiro de 2009, às 14 horas para a tentativa de conciliação entre os cônjuges.
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B) De direito.
1. É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se fixa e delimita o objecto dos mesmos.
Ora, compulsando as conclusões do recurso –-, tal como, aliás decorre, do que supra já se deixou exarado – a questão que verdadeiramente aqui cumpre apreciar e decidir traduz-se em saber se a petição inicial consubstanciadora das formulação da presente providência cautelar reúne (com entende a apelante) ou não (como se defendeu na decisão recorrida) os necessários pressupostos para poder prosseguir os seus ulteriores termos, ou seja, e por outras palavras, se no caso existe ou não fundamento para o indeferimento liminar da petição inicial.
2. Apreciemos então.
2.1 A lei admite o indeferimento liminar da petição inicial nos procedimentos cautelares – à semelhança das acções de que possam depender - “quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente” (artºs 234, nº4 b), e 234-A, nº 1, do CPC).
Muito embora não o tenho dito expressamente, resulta, todavia, claro da decisão recorrida e da sua fundamentação que foi com base naquela primeira situação (ou fundamento) que o srº juiz a quo indeferiu liminarmente o requerimento ou a petição inicial consubstanciadores da providência cautelar deduzida pela requerente, ou seja, por considerar o correspondente pedido “manifestamente improcedente”.
E quando é que se deve considerar esse pedido manifestamente improcedente?
Trata-se de um conceito indeterminado, já que a lei não nos dá uma definição expressa do mesmo.
Conceito esse que, todavia, não constitui uma novidade no nosso ordenamento jurídico, uma vez que já antes, quer no domínio do versão anterior à reforma CPC/95 (no artº 474, nº 1 al. c)), quer mesmo no CPC de 1939 (no artº 481), nos aparecia conceito equivalente.
Advérbio esse que deriva do adjectivo manifesto, que significa algo que é evidente, que é notório, que é patente ou claro (cfr. Grande Dicionário de Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, Vol. II., pág. 11).
E, nessa medida, vinha, a tal propósito, constituindo entendimento dominante que o indeferimento da petição, com tal fundamento, só deveria ocorrer quando a improcedência ou a inviabilidade da pretensão do autor se apresentasse de forma tão evidente, que tornasse inútil qualquer instrução e discussão posteriores, isto é, que fizesse perder qualquer razão de ser à continuação do processo, levando a um desperdício manifesto (se não fosse logo atalhada) da actividade judicial, ou, por outras palavras ainda, quando for evidente ou que a pretensão do autor carece de fundamento. Porém, tal só poderia ser aferido casuisticamente, isto é, só perante cada caso concreto é que se poderia apurar, em função do pedido e dos seus fundamentos de facto e de direito, se a pretensão ou o pedido se apresentavam manifestamente improcedentes. (Vidé, por todos, o prof. Alb. dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, págs. 377 e 378”; o Prof. A Varela e outros, in “Manual do Código de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 259”; o prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil, Anotado, vol. 1º, Coimbra Editora, pág. 399/400” e Ac. da RE de 24/10/1985, in “CJ, Ano X, T4 – 302”).
E nessa medida era ainda entendido que o indeferimento liminar da petição não poderia ocorrer, com base no aludido fundamento, quando houvesse outra interpretação possível ou desenvolvimento possível da factualidade que viabilize ou possa viabilizar o pedido (cfr. Ac. da RE de 2/10/1986, in “CJ, Ano XI, TIV – 283”).
Interpretação essa que não vemos, pois, razões para não transportar para o regime dos procedimentos cautelares.
Logo, o indeferimento liminar do pedido da providência cautelar requerida, com base no fundamento da sua manifesta improcedência, só deverá ocorrer quando, perante os factos que foram articulados na petição pelo seu requerente e à luz do direito aplicável, seja ostensivamente claro ou notoriamente evidente que tal pedido nunca pode proceder. Tal não significa que mais tarde não se possa vir, com base em tais factos, a julgar improcedente o pedido, porém, para que isso possa suceder logo no despacho inicial a lei vai mais longe, exigindo que logo ali essa improcedência se mostre e imponha, à luz dos factos e direito, de forma claramente evidente, isto é, o indeferimento apenas se justifica quando seja inequívoco que o procedimento não poderá proceder. (Vidé, neste sentido, ainda, e tal propósito, Ac. da RC de 29/4/2008, in “Recurso de Apelação nº 527/08.6TBCBC1, 3ª sec.”, cujo relator e adjuntos foram os mesmos deste, e Ac. da RLx de 21/1/2008, in www.dgsi.pt/jtrl).
2.2 Compulsando o despacho recorrido dele resulta que o srº juiz a quo fundamentou o indeferimento liminar da providência com base nos seguintes tópicos argumentativos:
a) O imóvel em causa – que constitui a casa da morada da família e a cuja posse a requerente pretende ser restituída -, é um bem comum do casal formado pela requerente e pelo requerido. E nessa medida trata-se de uma propriedade colectiva, sobre a qual os cônjuges têm um direito uno e único, exercendo sobre ela consequentemente uma comunhão de posse. Desse modo, a posse exercida por qualquer dos cônjuges sobre os bens que integram aquele património colectivo deve ser entendida como exercida pelos dois titulares. E sendo assim, encontrando-se o bem sob a posse e domínio de um dos cônjuges não é possível ao tribunal através do procedimento cautelar de restituição provisória de posse subtrair a posse a um dos cônjuges para o dar ao outro, pois tal diligência seria incompatível com a natureza do património comum conjugal, que apenas poderá ser dividido na sequência da extinção da comunhão, seja por via do divórcio, seja por via da separação judicial.
b) Por outro lado, o dever e o direito de habitar a mesma morada de família não constitui qualquer direito real e não confere posse que permita ao cônjuge que dela foi afastado o recurso, contra o outro cônjuge, ao procedimento cautelar de restituição provisória de posse, embora possa ser admissível o recurso a outros procedimentos, designadamente o procedimento cautelar comum.
c) Por outro lado, dado que se encontra a decorrer acção de divórcio entre os cônjuges, sempre pode a ora apelante requerer, na pendência dessa acção, designadamente a fixação de um regime provisório quanto à utilização da casa de morada de família, ao abrigo do disposto no artigo 1407, nº 7, do CPC.
d) Por fim, ser inaplicável ao caso o disposto no artigo 392, nº 3, do CPC, porque a requerente não alegou factos essenciais à procedência do procedimento cautelar comum, designadamente relativos ao periculum in mora.
2.3 Por força do princípio do dispositivo e da legalidade das formas processuais, é ao requerente que cabe indicar a providência adequada a tutelar a situação de perigo alegada (artºs 381, 384, nº 1, 467, nº 1 e), e 392, nº 1, do CPC).
A adequação do procedimento faz-se em função da concreta providência solicitada que aqui se reconduz à defesa da posse (artº 1278 do CC).
Conforme resulta do artº 393 do CPC, o procedimento cautelar especificado da restituição provisória da posse pressupõe a comprovação de três requisitos cumulativos: a posse, o esbulho e a violência.

Enunciando singelamente esses requisitos poder-se-á dizer o seguinte:

A posse, segundo a concepção subjectiva (tese savignyana) adoptada pelo nosso ordenamento jurídico (artº 1251 do CC), é integrada por dois elementos: o corpus (elemento material), que consiste no domínio de facto sobre a coisa, traduzida no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela ou a possibilidade física desse exercício; e o animus, ou seja, a intenção de exercer sobre a coisa o direito real correspondente a esse domínio de facto.
O esbulho consiste na privação, total ou parcial, da posse, ou seja, quando o possuidor fica privado do exercício ou da possibilidade de exercício dos poderes correspondentes à posse, distinguindo-se da turbação porque esta apenas diminui, altera ou modifica o gozo ou o exercício do direito possessório, mas o possuidor conserva ainda a posse (cfr. Manuel Rodrigues, in “A Posse, 3ª ed., pág. 363”, Henrique Mesquita, in “Direitos Reais, 1967, pág. 126” e Moitinho de Almeida, in “Restituição de Posse, 2ª ed., pág. 109”).
Quanto à violência do esbulho (requisito esse que, como é sabido, é aquele que mais dificuldades tem levantado, na doutrina e jurisprudência, em termos da sua conceptualização) podemos (sem esboçarmos aqui um esforço de grande rigor) dizer que deve traduzir-se em coacção física ou moral e tanto pode ser exercida sobre as pessoas, como sobre as coisas, mas neste último caso só releva se tiver por fim intimidar o possuidor, o que só poderá ocorrer sobre as coisas que constituem obstáculo ao esbulho e não sobre a própria coisa, objecto da posse.
Posto isto, debruçando-nos sobre o caso em apreço e tendo sempre presente tudo o que supra se expandiu, diremos:
Com vista a ser restituída à posse da referida fracção autónoma acima identificada e bem assim do seu recheio (de cujo acesso e consequente exercício se afirma privada pela conduta do requerido) a requerente lançou mão, em termos de tutela judicial, da presente providência cautelar de restituição provisória de posse.
Compulsando o articulado inicial da petição (e que acima deixámos, em síntese, retratado), somos de parecer que foram alegados pela requerente factos bastantes (não nos esqueçamos que estando no domínio de uma providência cautelar estamos a falar de factos indiciários e da aparência do direito que se pretende tutelar) susceptíveis de, no caso de virem a ser comprovados, poderem vir a integrar aqueles três requisitos que acabámos de enunciar. Sendo certo ainda que naquela fase inicial não se pode de animo leve deixar de ter presente a possibilidade legal que sempre existe, no caso de não vir a concluir-se pela violência do esbulho, de converter a providência cautelar especificada numa providência cautelar comum ou não especificada (cfr. artº 395 do CPC), e sobretudo se tivermos em conta que na alegação da recorrente a mesma está privada não só do acesso à casa onde vinha vivendo, como também ao seu próprio recheio (onde pelas regras da experiência da vida se encontrarão decerto muitos objectos de uso e higiene pessoal), a par ainda da alegação de que o requerido vem dali, entretanto, retirando vários bens, quer de natureza comum, quer de natureza própria ou pessoal. E daí que, nessa medida, se nos afigure precipitado o juízo conclusivo feito no despacho recorrido de que não foram alegados factos susceptíveis de poder integrar o chamado periculum in mora.
Por outro lado, estando, sobretudo, em causa, um bem comum e que vinha funcionando como a casa da morada de família, parece-nos claro que tal configurará uma situação de composse.
Na verdade, existe composse quando determinada posse, em vez de um só, tem vários sujeitos, e quando sendo indivisível o direito real correspondente, os compossuidores sê-lo-ão in solidum, ou seja, numa titularidade colectiva da posse e não de posse de quotas ideais do direito possuído. O exercício da posse deve regular-se pelos princípios que disciplinam a comunhão do direito correspondente (cfr. Henrique Mesquita, in “Direitos Reais, in “Ob. cit., pág. 89”).
Ora, e tal como se extrai do artº 1286, nº 3, do CC, nas relações entre compossuidores é permitida a acção de restituição provisória de posse, porque (no dizer dos profs. Pires de Lima e A: Varela, in “Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 63, nota 6”), o exclusivismo de um dos compossuidores conseguido através do esbulho afecta a posição jurídica e os direitos dos restantes”. (Vidé ainda, no mesmo sentido, Penha Gonçalves, in “Direitos Reais, 2ª ed., 1993, págs. 310 e ss” e Ac. da RC de 9/12/2008, in “Rec. de Apelação nº 3689/08, 3ª sec. cível, relatado pelo desemb. Jorge Arcanjo e no qual intervieram com adjuntos o ora relator e o ora 1º adjunto”).
Daí que, e salvo sempre o devido respeito, não vislumbremos, ao contrário do que sucede com o srº juiz a quo, como é que a providência cautelar solicitada se possa mostrar incompatível com a natureza do património comum conjugal, pois tal providencia não visa, no caso, subtrair posse do bem comum em causa de um dos cônjuges para a atribuir ao outro, mas tão somente tem como desiderato permitir que esse cônjuge aceda também à posse do mesmo, isto é, que volte também a disfrutar do exercício efectivo desse direito de posse (de que momentaneamente se viu privado, por força da actuação do outro).
Por fim, não faz, a nosso ver, sentido invocar aqui (como se fez no despacho recorrido) a possibilidade que a requerente tem de aproveitar a pendência da acção do divórcio para, à luz do artº 1407, nº 7, do CPC, desencadear o mecanismo incidental de atribuição da casa de morada da família. É que são meios de tutela judicial diferentes, assentes em pressupostos distintos, sendo certo que, como supra se deixou expresso, é à requerente que incumbe sempre a escolha da providência que pretende ver ser desencadeada para a tutela do seu direito (que entende ter sido ilicitamente violado).
Por tudo o exposto, afigura-se-nos ter sido temerário, perante os factos alegados, o juízo conclusivo feito, naquela fase em que se encontravam os autos, de que o pedido da providência cautelar se apresentava manifestamente improcedente.
Logo, e em suma, somos levados a concluir não haver fundamento legal para o indeferimento liminar da petição ou requerimento inicial, pelo que os autos deverão prosseguir os seus ulteriores trâmites legais.
Pelo que, nessa medida, se julga procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida.

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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se, na procedência do recurso, em revogar o despacho recorrido e, em consequência, ordenar que os autos prossigam os seus ulteriores trâmites legais.
Sem custas.