Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1168/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: FIXAÇÃO DE PRAZO
- PRESSUPOSTOS
FINALIDADES E ÂMBITO DE APLICAÇÃO
Data do Acordão: 10/26/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO- TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1456 E 1457 DO CPC
Sumário: I- A acção especial de fixação judicial de prazo (prevista nos artºs 1456 e 1457 do CPC) destina-se, no essencial, a adjectivar não só o artº 777, nº 2, como também as disposições dos artigos 411, 897, nº 2, 907, nº 2, do CC, e bem assim outras de teor semelhante.
II- Acção essa que visa, assim, tornar efectivo o direito de fixação de prazo nas denominadas obrigações a termo ou a prazo, natural, circunstancial ou usual.
III- Neste tipo de acção não há lugar à indagação sobre questões de carácter contencioso que envolvam a obrigação em causa, ou seja, a única controvérsia aí admissível não poderá ir além da própria questão suscitada pela fixação de prazo.
IV- Nessa acção especial o requerente terá apenas que justificar o seu pedido, sem que tenha necessidade de fazer prova dos seus fundamentos.
V- Assim, constituindo o único escopo dessa acção a fixação de um prazo adequado a uma obrigação sem prazo, não haverá, desse modo, lugar para a recurso à mesma quando as partes estipularam, no contrato, prazo para cumprimento da obrigação, ou seja, e à contrário, só haverá que lançar mão desse tipo de acção quando as partes não fixaram prazo para o cumprimento da obrigação (principal ou acessória).
Decisão Texto Integral:
Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1- A... e B... vieram instaurar, contra C... e mulher D..., acção especial de fixação judicial de prazo, alegando para o efeito, e em síntese, o seguinte:
Serem donos e legítimos proprietários da fracção autónoma, designada pela letra A, correspondente ao r/c esqdº, destinada a habitação, e que melhor se encontra id. no artº 2º da pi.
Por contrato-promessa, celebrado no dia 27/10/1995, os requerentes prometeram vender aos requeridos, e estes prometeram comprar-lhes, pelo preço global então de esc. 9.500.000$00, a referida fracção, e bem assim nas demais condições que se encontram exaradas no documento junto a fls. 9/10, ao qual recorreram para formalizar tal contrato.
Segundo o clausulado em tal contrato, daquele preço foi logo paga, na data da celebração ao mesmo, aos requerentes a importância de esc. 3.500.000$00, a título de sinal e princípio de pagamento, devendo até ao dia 31/3/1996, e como reforço daquele sinal, os requeridos pagar aos requerentes a quantia de esc. 3.000.000$00, sendo que restante do preço estipulado (esc. 3.000.000$00) deveria ser pago no acto da celebração da escritura pública do contrato prometido a ser realizada até ao dia 15/7/1996.
Segundo o que ficou estipulado em tal contrato-promessa competiria ainda aos requeridos promoverem todos os actos necessários à marcação da respectiva escritura pública, devendo para o efeito avisar, com 8 dias de antecedência, os ora requerentes, por carta registada, do dia, hora e cartório notarial em que a mesma deveria ter lugar.
Ficaram ainda os requeridos obrigados a tratarem de toda a documentação necessária à celebração da respectiva escritura pública, sendo que naquela mesma data os requerentes entregaram ainda aos requeridos toda a documentação em seu poder com vista a tal desiderato.
Acontece, porém, que, até à presente data, os requeridos não entregaram aos requerentes qualquer outra importância, para além daquela acima referida aquando da celebração do contrato, e não procederam à marcação da respectiva escritura pública.
Ora porque cansados de esperar, e porque tal situação lhes acarreta graves prejuízos – tanto mais que os requeridos tomarem posse da fracção prometida vender no dia em que foi celebrado o referido contrato-promessa -, e a fim de evitar que a mesma se prolongue por muito mais tempo, vêm requerer que se fixe judicialmente aos requeridos um prazo com vista a realizarem tal escritura, o qual consideram ajustado que se fixe em 30 dias.
Pelo que terminaram pedindo que se fixe um prazo de 30 dias aos requeridos para outorgarem a aludida escritura pública de compra e venda, nas condições expressas no sobredito contrato-promessa.
Com tal requerimento os requerentes juntaram dois documentos: um, de fls. 5/8, relativo a uma certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Alcobaça e contendo o teor da descrição e inscrição do prédio urbano id. no artº 2 da pi; e outro, junto a fls.9/10, relativo ao contrato-promessa id. no artº 3 e ss da mesma pi.

2- Citados para o efeito, os requeridos vieram contestar, alegando para o efeito, e em síntese, o seguinte:
Que desde o ano de 1976 que os requeridos, conjuntamente com os seus descendentes, habitam a referida fracção, na qualidades de arrendatários.
Nas negociações preliminares do referido contrato-promessa os requerentes obrigaram-se também a vender aos requeridos não só a fracção id. no artº 2 da pi, como também duas dependências (que vêm sendo utilizadas com garagem e arrecadação) e bem assim um logradouro com a área de 294 m2, e que os requeridos vêm ocupando e utilizando desde aquela data.
Porém, ao repararem que do teor do sobredito contrato-promessa não constavam as duas referidas dependências e bem assim o aludido logradouro deram conta de tal aos requerentes, recusando-se inicialmente mesmo a assinar o respectivo contrato-promessa. Todavia, só acabaram por assinar o mesmo depois de os requerentes lhe terem garantido que a venda prometida englobava também aquelas dependências e logradouro, tratando-se, segundo os últimos, apenas de uma questão pontual e burocrática e relativa à necessidade de rectificação do artigo matricial do prédio e do seu registo na Conservatória.
Porém, os requerentes nunca apresentaram aos requeridos qualquer documentação comprovativa da legalização do prédio prometido vender e comprar, com aquelas rectificações acordadas, de molde a incluir nele as sobreditas 2 dependências/garagens e bem assim todo o logradouro com a área de 294 m2; e não obstante terem sido, por várias vezes, interpelados para o efeito pelos requeridos.
Os requeridos estavam então em condições de pagar aos requerentes as importâncias contratualmente estipuladas e bem assim de celebrar a respectiva escritura até à data acordada, caso os requerentes lhe tivessem entregue a documentação relativa ao prédio prometido vender com aquelas rectificações que se haviam comprometido a efectuar, sendo ainda certo que os requerentes nunca entregaram também aos requeridos, quer a caderneta predial urbana ou certidão matricial, quer a certidão de registo do prédio na Conservatória, quer a licença de habitabilidade ou de ocupação do mesmo, e nem mesmo os respectivos documentos pessoais ou sequer cópias dos mesmos. Entrega essa que ainda continuam a aguardar.
Por outro lado, ocorreram para os requeridos circunstâncias anormais e de todo imprevisíveis, tais como a morte de um filho, o que os deixou combalidos e doentes, ficando, entretanto, em grandes dificuldades económicas, com avultadas dívidas, quer junto de instituições bancárias, quer junto de fornecedores e outros particulares.
Desse modo, para fazer face ao pagamento dos compromissos assumidos pelo referido contrato-promessa, necessitam os requeridos de recorrer a empréstimos bancários, o que, dada a burocracia exigida, vai impor alguma morosidade.
Pelo que, para o efeito, necessitam os requeridos que lhes seja concedido um prazo não inferior a 8/9 meses.
Todos esses factos esses são do conhecimento dos requerentes, pelo que estão os mesmos a agir com manifesto abuso direito e má fé.
Pelo que terminaram pedindo que “a acção seja julgada improcedente e não provada e em consequência ser fixado prazo não inferior a 8/9 meses (240/270 dias), para os requeridos marcarem e outorgarem a Escritura de Compra e Venda do prédio, sendo ainda os Requerentes obrigados a entregarem previamente aos Requeridos toda a documentação necessária e de sua responsabilidade para a sua marcação, de modo a incluir no prédio prometido vender e comprar duas (e não apenas de uma) dependências para garagens e um logradouro com a área de 294 m2...”.
Com tal articulado, não foi junta ou indicada qualquer prova.

3- Seguiu-se, muito mais tarde, o despacho saneador, no qual a srª juiza do tribunal a quo, considerando dispor de elementos necessários para o efeito, decidiu logo do mérito, fixando em 30 dias o prazo “para os requeridos marcarem a data para a realização da escritura de compra e venda do único (e não dois, como afirmado pelos requeridos) da fracção autónoma designada pela letra A, correspondente ao r/c esquerdo, destinado a habitação, composto por uma sala, dois quartos, cozinha, casa de banho, corredor, varanda e marquise, com a área de sessenta e oito metros quadrados e uma dependência com a área de cinquenta e oito metros quadrados, integrada no prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o nº 00847, inscrito na matriz respectiva sob o artº nº 1154º, sito na freguesia de Prazeres de Aljubarrota, concelho de Alcobaça”.

4- Não se tendo com tal decisão, os requeridos dela interpuseram recurso, o qual foi admitido como apelação.
4.1 Nas correspondentes alegações que a apresentaram, os apelantes concluíram as mesmas nos seguintes termos:
A) Salvo o devido respeito não é aplicável ao caso em apreço a fixação judicial de prazo.
B) Ora o caso em apreço não se enquadra em nenhuma das situações acima enumeradas em 3.
C) Pelo que não podiam os AA/Requerentes lançar mão da fixação judicial do prazo, devendo a presente acção ser por isso julgada improcedente por inaplicabilidade da acção e processo ao caso vertente, o que se requer.
D) Se assim se não entender a acção especial de fixação judicial de prazo trata-se de um processo de jurisdição, (artºs 303 do CPC por remissão do artº 1409 do CPC).
E) Pelo que, por violação dos artºs 1409 nº 1 e 303, nº 4 do CPC, deverá perimir/decair o presente processo e o direito que com ele pretende exercer o que também se requer.
F) Já que é verdade que os AA/Requerentes e os RR/Requeridos para além do prédio urbano prometido vender e comprar aos RR/Requeridos no Contrato-Promessa de Compra e Venda junto sob o nº 2 pelos AA, descrito na CRP de Alcobaça sob o nº 00487 e inscrito na matriz respectiva sob o artº 1154 da freguesia de Prazeres de Aljubarrota, concelho de Alcobaça, prometeram vender e comprar um logradouro com a área de 294 m2, que faz parte do prédio constante do aludido Contrato-Promessa e ainda uma parcela de terreno com 60 m2, sita nos citados freguesia de Prazeres de Aljubarrota e concelho de Alcobaça, omissa na matriz e na C.R.P. respectivas.
G) Sendo da obrigação dos AA/Requerentes legalizar tal parcela de terreno nas Finanças e Conservatória no prazo de 1 ano a contar de 26/10/1995 e de proceder à marcação da respectiva Escritura de Compra e Venda.
H) Não podendo ser fixado judicialmente o prazo do prédio “sub judice” sem ser também fixado judicialmente o prazo da aludida parcela de terreno.
I) O prazo de 30 dias fixado na douta sentença recorrida para os RR/Requeridos procederem à marcação e para a realização da Escritura de Compra e Venda é manifestamente reduzido e insuficiente.
J) Pelo que deverá na pior das hipóteses e sem conceder, ser fixado para marcação e realização da Escritura de Compra e Venda um prazo não inferior a 8/9 meses.
L) A douta sentença recorrida violou, entre outras, as disposições dos artºs 456, 1457 nº 2, 1409, 1303 nº 1, todos do CPC e 777 nºs 2 e 3 do CC.
M) Sendo a sentença nula nos termos do disposto no artº 668 1 b) e em particular d) do CPC, devendo como tal ser declarada.
Termos em que deverá a sentença ser revogada e /ou declarada nula e de nenhum efeito, ou sem conceder substituída por outra que conceda aos RR./Requeridos um prazo não inferior 8/9 meses para procederem à marcação/realização da Escritura de Compra e Venda”.

5- Nas suas contra-alegações, os requerentes-apelados pugnaram pela improcedência do recurso, e pela manutenção do julgado.

6- Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir
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II- Fundamentação
1- Delimitação do objecto do recurso
Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se define objecto e delimita o âmbito dos recursos, isto é, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitados pelas conclusões das alegações dos recorrentes, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. disposições conjugadas dos artºs 664, 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, todos do CPC, bem ainda, a esse propósito, entre muitos outros, Acs da RC de 5/11/2002; do STJ de 27/9/94, de 13/3/91, de 25/6/80, e da RP de 25/11/93, respectivamente, in “CJ, Ano XXVII, T5, pág. 15”; “CJ, Acs. do STJ, Ano II, T3 – 77”; “Act. Jur. Ano III, nº 17, pag. 3”; “BMJ nº 359-522” e “CJ, Ano XVIII, T5 –232”).
Por outro lado, é também sabido, como resulta do prescrito no nº 2 do artº 660 do CPC, que é dever do julgador resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Vem, igualmente, sendo dominantemente entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a derimir (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª Sec” e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª Sec.”)

1.1 Ora calcorreando as conclusões das alegações do recurso verifica-se que as questões que nos cumpre apreciar são, essencialmente, as seguintes:
a) Saber se, no caso em apreço, se justifica a fixação judicial de prazo, através do recurso ao processo especial previsto para o efeito nos artºs 1456 1457 do CPC?
b) No caso da resposta à 1ª questão ser positiva, saber se, mesmo assim, deverá a acção ser julgada improcedente, por violação disposto no artºs 1409, nº 1, e 303, nº 4 (?), do CPC, em virtude de os requerentes não terem indicado, com o requerimento inicial, qualquer meio prova?
c) No caso de resposta negativa às 1ªs duas questões, saber se a sentença deve ser declarada nula por violação do disposto no artº 668, nº 1 als. b) e c), do CPC?
d) Por último, e no caso de resposta negativa às questões anteriores, se o prazo fixado na sentença recorrida, para os requeridos-ora apelantes procederem à realização da escritura pública em causa, deve ser alargado para um prazo não inferior a 8/9 meses?
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2- Os Factos
A única prova produzida nos autos reduz-se apenas àqueles dois documentos acima referidos, que foram juntos pelos requerentes-ora apelados com a apresentação do seu requerimento inicial.
Documentos esses que não foram directamente impugnados pelos requeridos, sendo certo que, no que se refere ao denominado contrato-promessa, as assinaturas dos outorgantes, e nomeadamente a dos últimos, foram reconhecidas presencialmente pelo notário, sem que ninguém ainda tivesse arguido a sua falsidade.
Assim, e para o efeito que aqui nos importa considerar, devem ter-se, o essencial, como assentes os seguintes factos:
2.1 Por contrato-promessa, celebrado no dia 27/10/1995, os requerentes prometeram vender aos requeridos, e estes prometeram comprar-lhes, pelo preço global então de esc. 9.500.000$00, a fracção autónoma, que aqueles declararam ser donos e legítimos possuidores, designada pela letra A, correspondente ao r/c esquerdo, destinado a habitação, composto por uma sala, dois quartos, cozinha, casa de banho, corredor, varanda e marquise, com a área de sessenta e oito metros quadrados e ainda uma dependência com a área de cinquenta e oito metros quadrados, integrada no prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o nº 00847, e inscrito na matriz respectiva sob o artº nº 1154º, sito na freguesia de Prazeres de Aljubarrota, concelho de Alcobaça.
2.2 Contrato esse que foi formalizado através do documento cuja cópia se encontra junta a fls. 9/10 destes autos, sendo que as assinaturas dos outorgantes, e nomeadamente a dos requeridos-promitentes compradores, foram reconhecidas presencialmente pelo notário.
2.3 Segundo o clausulado em tal contrato, daquele preço global foi logo paga, na data da celebração ao mesmo, aos requerentes a importância de esc. 3.500.000$00, a título de sinal e princípio de pagamento, devendo até ao dia 31/3/1996, e como reforço daquele sinal, os requeridos pagar aos requerentes a quantia de esc. 3.000.000$00, sendo que o restante do preço estipulado (esc. 3.000.000$00) deveria ser pago no acto da celebração da escritura pública do contrato prometido (de compra e venda) a ser realizada até ao dia 15/7/1996. (cfr. cláusula 3ª, e seus parágrafos 1º, 2º e 3º).
2.4 Ficou estipulado em tal contrato-promessa que competiria ainda aos requeridos promoverem todos os actos necessários à marcação da respectiva escritura pública, devendo para o efeito avisar, com 8 dias de antecedência, os ora requerentes, por carta registada, do dia, hora e cartório notarial em que a mesma deveria ter lugar (cláusula 4ª).
2.5 Ficou ainda ali estipulado que os ora requeridos ficavam obrigados a tratarem de toda a documentação necessária à celebração da respectiva escritura pública, tendo ali ainda sido declarado que naquela mesma data os requerentes entregaram ainda aos requeridos, e que estes receberam, toda a documentação em seu poder com vista a tal desiderato (cfr. cls. 4ª e 5ª).
2.6 Até ao momento, a referida escritura pública do contrato prometido não foi aí celebrada.
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3- O direito
3.1 Quanto à 1ª questão
Da necessidade, no caso em apreço, de fixação judicial de prazo, através do recurso ao processo especial previsto para o efeito no artº 1456 e ss do CPC?
Na secção X, do capítulo XVIII, sob artigos 1456 e 1457, do CPC, da reforma de 95 – cujo teor é em tudo idêntico ao que existia antes de tal reforma -, encontra-se previsto e regulado o processo especial de fixação judicial de prazo.
Processo esse que, para além de ser especial, é também um processo de jurisdição voluntária (cfr., além do citado capítulo XVIII, o artº 1409 do CPC).
No citado artigo 1456 preceitua-se que “quando incumba ao tribunal a fixação do prazo para o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever, o requerente depois de justificar o pedido de fixação, indicará o prazo que repute adequado”.(sublinhado nosso)
Tal processo especial foi introduzido no nosso direito processual civil pelo DL nº 47690, de 11/5/1976, em correspondência com o artigo 777, nº 2, do C.C., que estipula que “se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordaram na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal.” (sublinhado nosso).
É hoje entendimento dominante que citado processo especial, consubstanciado nos aludidos artºs 1456 e 1457, destina-se adjectivar não só o citado artº 777, nº 2, como também as disposições dos artºs 411, 897, nº 2, 907, nº 2, estes do CC, e bem assim outras de teor semelhantes, (vidé, por todos, Ac. do STJ, de 11/4/2000, in BMJ 496 – 227”; Luso Soares e outros in “Código de Processo Civil Anotado, 16ª ed., pág. 917”; Lopes Cardoso in “Código de Processo Civil Anotado, Livraria Petrony, págs 778/779”, Abílio Neto in “Código de Processo Civil Anotado, 17ª ed., Ediforum, pág.1388”). Tal processo visa, assim, tornar efectivo o direito de fixação de prazo nas denominadas obrigações a termo ou a prazo, natural, circunstancial ou usual (vidé, entre outros, os profs A. Varela, in “Das Obrigações em Geral, 3ª ed., II vol., pág. 42”; Almeida Costa in “Direito das Obrigações, 3º ed., pág. 730”; Ac. RLx de 20/6/2002 in “www.dgsi.pt/jtrl” e Ac. da RC de 21/6/90 in “www.dgsi.pt/jtrc”).
Processo esse, de jurisdição voluntária, que, tal como se pretende, é, assim, um processo simples e expedito e como tal avesso a discussões de problemas de fundo, as quais ficarão relegadas para a respectiva acção em que venha a debater-se, por exemplo, a validade ou invalidade do contrato, a sua subsistência ou não, se há ou não incumprimento do mesmo e o seu responsável, etc, etc. Desse modo, constitui, assim, igualmente entendimento dominante que neste tipo de processos não haverá lugar à indagação sobre questões de carácter contencioso que envolvam a obrigação em causa, ou seja, a controvérsia não poderá ir mais além da questão suscitada pela fixação de prazo, apenas se impondo, assim, ao requerente que justifique o seu pedido (de fixação judicial de prazo), mas sem que tenha de fazer prova dos seus fundamentos (vidé, a propósito, entre outros, Ac. do STJ de 5/3/2002, in “Rev nº 4297/01, 1ª sec., sumários 3/2002”; Ac. RC de 11/1/94 in “BMJ 443 – 629”; Ac. RC de 14/4/93 in “BMJ 426 – 538”; Ac. RP de 16/2/89 in “CJ, Ano XIV, T1 – 194” e Ac. RLx de 12/6/96 in “www.dgsi.pt/jtrl”).
Resulta, assim, claro que neste processo ou acção especial que vimos analisando o seu único escopo se traduz na fixação de um prazo adequado a uma obrigação sem prazo. Fixado esse prazo (e como se escreveu no acordão da RLx de 9/5/91 in “www.dgsi.pt/jtrl”) a parte optará pela via, jurídica, que melhor lhe aprouver, com vista à satisfação da sua pretensão. Tratando-se de um contrato-promessa – como sucede no caso sub judice -, e tal como se discorre no último arresto, em processos deste tipo a actividade jurisdicional visa, no fundo, completar uma lacuna da estipulação das partes, passando a decisão a integrar-se naquele contrato, como se uma das cláusulas se tratasse, cumprindo-se aí o seu objectivo.
Por tudo o exposto, é de entender, assim, que não haverá lugar ao processo especial de fixação judicial de prazo quando as partes estipularam prazo para cumprimento (da obrigação), ou então, à contrário, que só haverá que lançar mão de tal processo quando as partes não fixaram prazo (que nele se vai pedir) para o cumprimento da obrigação (principal ou acessória) – vidé, ainda, em tal sentido, Ac. do STJ de 9/2/89 in “www dgsi.pt/jtsj”; Ac. do STJ de 11/4/2000 in “BMJ 496 – 227”; Ac. RLx de 9/5/91 in “www.dgsi.pt/jtrl”, Ac. RG de 20/11/2002 in “www.dgsi.pt/jtrg”, Ac. RLx de 10/3/91 in “www.dgsi.pt/jtrl”; Ac. RLx de 28/5/95 in “www.dgsi.pt/jtrl”; Ac. RP de 15/1/96 in “www.dgsi.pt/jtrp” e Ac. STJ de 2/9/96 in “www.dgsi.pt/jtsj”).
Ora, postas estas considerações de cariz teórico-técnico e debruçando-nos mais de perto sobre o caso em apreço, verifica-se que os ora apelados vieram instaurar o presente processo especial contra os requeridos-ora apelantes solicitando que se fixe judicialmente um prazo (que eles consideraram ajustado de 30 dias, e que veio a obter concordância na sentença recorrida) para estes últimos outorgarem a escritura de pública relativamente ao contrato prometido (de compra e venda).
Porém, da matéria factual, acima dada como assente, resulta claro que aquando da outorga do contrato-promessa em causa, tendo por objecto o imóvel ali identificado, as partes nele outorgantes, ou seja, os requerentes, na qualidade de promitentes vendedores, e os requeridos, na qualidade de promitentes compradores, determinaram, desde logo, aí, nesse contrato, tal prazo, ou seja, ficou logo estipulado em nesse contrato que a referida escritura deveria ser celebrada até ao dia 15/7/1996, ficando os promitentes compradores-ora requeridos com a responsabilidade de proceder a tal marcação, para o que deveriam avisar, com 8 dias de antecedência, por carta registada, os promitentes vendedores-ora requerentes do dia, hora e local em que tal escritura seria realizada (cfr. o parágrafo terceiro da cláusula terceira e bem assim a cláusula quarta).
Não faz, assim, sentido voltarem agora os requerentes a pedir ao tribunal que fixe novo prazo para que os requeridos celebrem a sobredita escritura – e tanto mais, que o único motivo que alegam baseia-se no facto de os mesmos não a terem celebrado dentro prazo que ficou estipulado contratualmente para o efeito, estando, desse modo, cansados de esperar que tal aconteça, com todos os prejuízos daí advenientes.
Ora, por tudo o que atrás deixámos expresso, não se verificam, assim, os necessários pressupostos legais (dado que o prazo de cumprimento da obrigação em causa foi determinado contratualmente e não estamos sequer perante alguns dos tipos de obrigações supra referidas) para que se possa lançar mão do citado processo especial a fim, de através do mesmo, se fixar judicialmente prazo para os sobreditos efeitos.
E sendo assim, terão de proceder a três primeiras conclusões do recurso – referente à 1ª questão acima enunciada, ficando, desse modo, prejudicada a apreciação das restantes – pelo que ter-se-á de julgar procedente o recurso, revogando-se, consequentemente, a sentença recorrida.
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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso (de apelação) e, consequentemente, revogar a sentença da 1ª instância, ordenando-se o arquivamento dos autos.
Custas (da acção e do recurso) pelos requerentes-apelados.

Coimbra, 26/10/2004