Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
554/08.3TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS
PRIVAÇÃO DE VEÍCULO
DESVALORIZAÇÃO COMERCIAL
Data do Acordão: 01/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA 1º J CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.562, 564, 566, 1305 DO CC
Sumário: I – O dano de privação do uso de veículo automóvel acidentado, impedindo o uso pelo proprietário, é um dano autónomo, passível de reparação, devendo recorrer-se à equidade, pois a conduta do lesado, que não procedeu ao aluguer de outra viatura, durante o período em que esteve impedido de usar a sua, não obsta à indemnização do dano verificado.

II – Provada a desvalorização comercial do veículo, na sequência de acidente estradal e consequente reparação, mas não apurado o grau de desvalorização, deverá recorrer-se à equidade para fixar a devida indemnização, com os elementos de prova fornecidos pelos autos e outros factos aí apurados.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1.A autora A... intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra B...., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 12.806,32, acrescida de despesas de parqueamento e da eventual diferença entre o valor peticionado e o valor necessário para reparar o veículo aquando da sua efectiva reparação, a apurar em execução de liquidação de sentença e ainda juros vencidos desde a data do acidente até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese, que é proprietária do veículo com a matrícula 00-00-SC, que no dia 7 de Setembro de 2007, cerca das 13h30m, conduzia o seu veículo na Rua Júlio Araújo Vieira, em Taveiro, e que o veículo de mercadorias, marca Toyota Dyna, de matrícula 00-00-QQ, pertencente à Câmara Municipal de C...., circulava no mesmo sentido e atrás do seu veículo. Ela circulava pela parte esquerda da sua faixa de rodagem, pois pretendia mudar de direcção, à esquerda e quando se encontrava na sua faixa de rodagem junto ao eixo da estrada e após ter efectuado o sinal de mudança de direcção à esquerda, certificou-se que podia efectuar tal manobra em segurança e virou à esquerda, mudando de direcção a fim de entrar numa zona de acesso residencial. Nesse momento, surgiu o veículo QQ, a uma velocidade superior a 80 km/hora, provindo de uma rotunda que se situa a 50 metros e iniciou a ultrapassagem ao veículo da autora, no momento em que esta efectuava a manobra de mudança de direcção à sua esquerda e quando o veículo da autora se encontrava já na perpendicular em relação ao eixo da estrada, ocorreu um embate entre os veículos.

Alega prejuízos decorrentes do acidente. Mais alega que a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula QQ foi transferida para a ré por contrato de seguro titulado pela apólice nº 000000000

A ré contestou, alegando, em síntese, que o acidente ocorreu por culpa da autora, porquanto esta reduziu a velocidade e encostou-se à berma direita junto à sua residência e posteriormente, quando o veículo QQ já iniciara a manobra de ultrapassagem, a autora, sem qualquer sinalização indicativa, guinou repentinamente para a esquerda, a fim de entrar numa área de estacionamento, pelo que o condutor do veículo seguro na ré travou, mas não foi possível evitar o embate. Mais refere que os valores peticionados pela autora são absolutamente exagerados e carecem de fundamento e de nexo de causalidade.

Conclui pugnando pela improcedência da acção.

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Foi proferida sentença que julgou procedente parcialmente a acção e condenou a Ré a pagar à A., a quantia global de € 11.999,96 € (onze mil, novecentos e noventa e nove euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal até integral pagamento.

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2.A Ré interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões que se sintetizam:

a)No tocante ao valor de 6.500 €, arbitrado a título de privação do uso do veículo, o mesmo é desfasado porquanto face aos factos provados apenas se apurou que a A teve de pedir veículos emprestados, mas não se alegou e provou que pagou qualquer valor pela utilização dos mesmos;

b)Consequentemente a A não sofreu danos no seu património, decorrentes de tal paralisação, não possuindo direito a ser ressarcida por este dano autónomo;

c)Ainda que se considerasse tal direito a quantia arbitrada é exagerada devendo ser substancialmente inferior;

d)No que toca ao valor de 1.000 €, atribuído a título de desvalorização do veículo não se provou tal facto, pelo que a A não tem direito ao mesmo;

e)Acresce que sendo o valor venal do veículo, à data do acidente, de 2.000 €, que o mesmo era de Julho de 2001 e nessa data já tinha 98.938 Km, é descabida tal indemnização, até porque não foi atingido qualquer órgão mecânico importante e de difícil reparação;

f)Deve pois a sentença ser alterada em conformidade.

3.A A contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido, face aos factos apurados quanto à paralisação do veículo, pois tem direito a indemnização pela simples indisponibilidade da viatura, ainda que não se prove a existência de danos emergentes ou lucros cessantes, de acordo com a boa doutrina e jurisprudência, e que se provou factualmente a desvalorização comercial da mesma, devendo ser atribuída a correspondente compensação.

II – Factos Provados

- No dia 7 de Setembro de 2007 pelas 13.30 h, a autora conduzia o seu veículo 00-00-SC na Rua Júlio Araújo Vieira, em Taveiro, no sentido Taveiro - Retail Park Mondego.

- A autora circulava no seu sentido de trânsito, a uma velocidade não superior a 10 km/hora.

- O veículo de mercadorias, marca Toyota Dyna, de matrícula 00-00-QQ, pertencente à Câmara Municipal de C...., circulava no mesmo sentido e atrás do veículo da autora.

- A via por onde circulavam os veículos é constituída por uma faixa de rodagem com oito metros de largura e dois sentidos de trânsito opostos.

- Sem qualquer separador, divisória ou traço contínuo.

- A autora circulava pela parte esquerda da sua faixa de rodagem, pois pretendia mudar de direcção, à esquerda.

- Quando se encontrava na sua faixa de rodagem junto ao eixo da estrada e após ter efectuado o sinal de mudança de direcção à esquerda, a autora certificou-se que podia efectuar tal manobra em segurança.

- E, na sequência desse facto, virou à esquerda, mudando de direcção a fim de entrar numa zona de acesso residencial aí existente.

- Nesse momento, surgiu o veículo QQ provindo de uma rotunda que se situa a 50 metros.

- E, nessas condições, iniciou a ultrapassagem ao veículo da autora, no momento em que esta efectuava a manobra de mudança de direcção à sua esquerda.

- E na sequência desses factos ocorreu um embate entre a frente esquerda do veículo QQ e a traseira esquerda do veículo da autora.

- O embate ocorreu quando o veículo da autora se encontrava já na perpendicular em relação ao eixo da estrada, dirigindo-se para a referida área de acesso residencial.

- Encontrando-se já totalmente na faixa de rodagem de sentido oposto àquele em que circulava, ou seja, do sentido Parque Mondego – Taveiro.

- Por força do embate na sua extremidade traseira esquerda, o veículo da autora girou sobre si, invertendo o seu sentido de marcha até que colidiu e se imobilizou junto ao passeio da área residencial aí existente.

- Antes de embater no veículo da autora, o condutor do veículo QQ travou, tendo deixado no pavimento o rasto de uma derrapagem com 4,20 metros de comprimento.

- Em consequência do embate, o veículo da autora sofreu danos na zona traseira e, designadamente, no pára-choques, porta da bagageira, vidros, farolins, tejadilho e painel lateral esquerdo.

- A reparação desses danos foi orçamentada em 4.436,32 €.

- Em consequência do embate, o veículo da autora não pôde circular.

- O veículo da autora ficou imobilizado nas oficinas da D...., desde a data do sinistro até Fevereiro de 2008, em virtude de a autora não ter meios financeiros para o mandar reparar.

- As despesas com o parqueamento do veículo, desde 29/01/2008 e até à propositura da acção, ascendem a 80 €.

- E, a partir dessa data, ascenderam a 10 € por dia, num total de 100 €, incluindo os 80 € acima referidos.

- A autora trabalha na E.... e carece do veículo para se deslocar no seu dia-a-dia.

- E para ir à Universidade F.... onde completava a sua formação e estudava - pois posteriormente a autora deixou de estudar na Universidade F......

- Quer para proceder e desenvolver a sua normal actividade de vendedora da G.... .

- O referido veículo era também utilizado para a deslocação de pessoas do seu agregado familiar e sobretudo da mãe da autora, com quem vive em comunhão de mesa e habitação e para diariamente a levar ao seu emprego na H... , em Fala - Coimbra.

- Por não dispor do veículo a autora teve de pedir veículos emprestados - entretanto o veículo foi reparado em Agosto de 2008, reparação que custou à autora € 4.399,96 e a autora já pode dispor dele.

- A autora teve de utilizar táxi e autocarro.

- Para além do trabalho normal que desempenhava como funcionária da F..., a autora é vendedora da G......

- O acidente e respectiva reparação determinam uma desvalorização do veículo.

- Em consequência do sinistro, a autora foi forçada a perder várias horas do seu tempo com deslocações ao advogado, à companhia de seguros, à oficina D.... e à GNR.

- Em consequência do acidente a autora andou inquietada, por ver o seu carro imobilizado, danificado, ao pó, numa oficina.

- Andou angustiada, deprimida e triste.

- O veículo da autora é de Julho de 2001.

- E, à data do acidente, já tinha 98.938 km.

- A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula 00-00-QQ encontrava-se, à data do acidente, transferida para a ré por contrato de seguro titulado pela apólice nº 000000000

- Não obstante a interpelação da autora, a ré declinou a sua responsabilidade pelo acidente.

III - Do Direito

1.Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts.º 684º, nº 3 e 685º-A, do CPC).

Nesta conformidade as únicas questões a decidir são as seguintes.

-Indemnização por privação do uso do veículo.

-Desvalorização comercial do mesmo

2.1. A doutrina e a jurisprudência têm vindo a aceitar o reconhecimento de um direito de indemnização autónomo pela privação do uso normal de um bem (maxime de um veículo).

Como justificação para a solução, defende-se que a utilização dos bens faz parte dos interesses patrimoniais inerentes ao próprio bem e que a simples possibilidade de utilização ou de não utilização constitui uma vantagem patrimonial que, uma vez afectada, deve ser ressarcida. Cfr. António Abrantes Geraldes, «Indemnização do dano da privação do uso», pág.26 e Menezes Leitão, «Direito da Obrigações», I Vol., pág.316/317.

Entende-se que a autonomização da privação do uso como dano de natureza patrimonial a integrar através de indemnização, encontra expressão na previsão das disposições conjugadas dos arts.º 562º, 563º, 564º e 566º, todos do C.C.

O art.º 562º estabelece o princípio da reposição natural quanto à indemnização. Revelando-se inviável a reconstrução natural, terá lugar a indemnização em dinheiro, equivalente à diferença entre a situação presente e a provavelmente existiria se não ocorresse o evento danoso (art.º 566º, nº 1 e 2).

Perante o quadro factual apurado, que em consequência do embate, o veículo da autora não pôde circular; o veículo da autora ficou imobilizado nas oficinas da D....., desde a data do sinistro até Fevereiro de 2008, em virtude de a autora não ter meios financeiros para o mandar reparar; a autora trabalha na E.....e carece do veículo para se deslocar no seu dia-a-dia; e para ir à Universidade F..... onde completava a sua formação e estudava - pois posteriormente a autora deixou de estudar na Universidade F.....; quer para proceder e desenvolver a sua normal actividade de vendedora da G.....; o referido veículo era também utilizado para a deslocação de pessoas do seu agregado familiar e sobretudo da mãe da autora, com quem vive em comunhão de mesa e habitação e para diariamente a levar ao seu emprego na H....., em Fala – Coimbra; por não dispor do veículo a autora teve de pedir veículos emprestados - entretanto o veículo foi reparado em Agosto de 2008, reparação que custou à autora € 4.399,96 e a autora já pode dispor dele; a autora teve de utilizar táxi e autocarro; para além do trabalho normal que desempenhava como funcionária da F...., a autora é vendedora da G.....; em consequência do sinistro, a autora foi forçada a perder várias horas do seu tempo com deslocações ao advogado, à companhia de seguros, à oficina D..... e à GNR; há que concluir que o seu direito de propriedade – art.º 1305º, do CC - foi violado na vertente de uso da referida viatura.

É, pois, incontestável, que a A. necessitava de ter à sua disposição uma viatura para facilidade de desempenho das suas actividades. Privada da mesma, e sem que ela tenha sido substituída por outra com semelhantes utilidades, ou tivesse sido colmatada com a atribuição de um quantitativo destinado a suprir a sua falta, isto constitui um prejuízo com reflexos no património da A.(art.564º/1).

Como se pondera na obra primeiramente citada (pág.39), “é incontornável a percepção de que entre a situação que existiria se não houvesse o sinistro e aquela que se verifica na pendência da privação existe um desequilíbrio que, na falta de outra alternativa, deve ser compensado através da única forma possível, ou seja, mediante a atribuição de uma quantia adequada”.

Em suma, a privação do uso de um bem patrimonial implica, por si, um dano que deve ser indemnizado.

Privada da utilização de uma viatura automóvel desde 7.9.07 até Agosto de 2008 é de admitir a indemnização autónoma correspondente a tal privação.

Os prejuízos não deixam de ser representados pelo desequilíbrio de natureza material correspondente à diferença entre a situação que existiria e aquela que é possível verificar depois de se constatar a efectiva privação do uso de um bem (art.566º/2). Isto é o bastante para determinar o ressarcimento mediante a atribuição de uma compensação pecuniária, se necessário recorrendo à equidade (art.566º/3). Cfr. A. Geraldes, ob.cit., pág.47.

Neste sentido, entre outros, o Ac. STJ, de 29.11.05, in C.J., T., 3, pág. 151, que explicita que “ Admite-se, sem hesitações, que da imobilização de um veículo pode resultar um dano emergente – a utilização mais onerosa de um transporte alternativo como seria o aluguer de outro veículo – ou um lucro cessante – a perda de rendimento que o veículo dava com o seu destino a uma actividade lucrativa. Nestes caos, há, indubitavelmente, um dano que tem de ser ressarcido. Diversa é a situação em que o que está em causa é a mera privação do uso do veículo que impossibilita o seu proprietário de dele dispor livremente, dispor com o conteúdo definido no art.º 1305º, do CC, fruindo-o e aproveitando-o como bem entender…. Neste caso o lesado tem direito a indemnização, calculada nos termos do art.º 566º, nº 3, do CC, por apelo à equidade”.

E o Ac. STJ, de 5.6.07, in C. J., T. 2, pág. 151, que fixou que “A privação do uso de veículo automóvel em consequência dos danos sofridos em acidente de trânsito, constitui, só por si, um dano patrimonial indemnizável”.

E o Ac. STJ, de 17.4.08, in C.J., T. 2, pág. 31, que fixou que “O dano de privação do uso de veículo automóvel acidentado, impedindo o seu uso pelo proprietário, é um dano autónomo, específico, passível de reparação, devendo recorrer-se à equidade. A conduta poupadora do lesado, que não procedeu ao aluguer de outra viatura durante o período em que esteve impedido de usar a sua, não obsta à indemnização do dano verificado”.

Pode ver-se, ainda, os Ac. da Rel. de Coimbra de 25/01/2005, 20/03/2007, in www.dgsi.pt., referidos na decisão recorrida.

2.2. Não se suscitando assim grandes dúvidas quanto ao acerto do pedido de ressarcimento de tal dano, importa definirmos se foi ajustado o critério proposto para a sua quantificação.

Peticiona a autora um montante não inferior a 20 €/dia, a título de paralisação pelo período de tempo que ficou privada do uso de veículo, tendo em conta, como alegou na p.i., que o custo de aluguer de um veículo com as características do acidentado, importaria em cerca 111 euros por um dia, para km ilimitados, segundo tabela da P..... que juntou (como doc. nº 10), impugnada pela recorrente.

É de observar que tal tabela, para classe económica, para um aluguer por 8 ou mais dias, já prevê um valor diário de cerca de 63 €. E para veículos com inferior cilindrada ao da A., um Renault Clio, a gasóleo de cerca de 1.500cm3, prevê um preço mínimo de cerca de 38 euros.

Ponderando as circunstâncias do caso concreto, constata-se uma utilização contínua e frequente do veículo, pela A, para a sua vida pessoal, familiar, e profissional, que a Ré declinou a sua responsabilidade pelo acidente, que o veículo ficou imobilizado durante cerca de 11 meses em virtude daquela não ter meios financeiros para o mandar reparar, e que a A teve que recorrer a veículos emprestados, a táxi e autocarro.

Considerando que a decisão recorrida fixou o valor em 6.500 €, que o período de imobilização foi de cerca de11 meses, a que corresponde um valor diário de cerca de 20 € (11 meses = +/- 330 dias x 20) é justo e equilibrado fixar em tal quantia a indemnização devida pela paralisação do veículo (art.º 566º, nº 3, do CC), decisão que não nos merece, assim, qualquer censura.

3.A autora peticiona também o montante de € 1500 pela desvalorização do veículo em consequência do acidente, tendo a decisão recorrida fixado o montante em 1.000 €.

Ao contrário do que a recorrente diz ficou provado que o veículo sofreu desvalorização, e só se compreende a afirmação da mesma, em sentido contrário, por evidente desatenção.

Afirma a recorrente que sendo o valor venal do veículo, à data do acidente, de 2.000 €, que o mesmo era de Julho de 2001 e nessa data já tinha 98.938 Km, é descabida tal indemnização, até porque não foi atingido qualquer órgão mecânico importante e de difícil reparação.

Ora, não é verdade que se tivesse provado tal valor venal. De facto no quesito 29º, perguntava-se se o acidente e respectiva reparação tinham determinado uma desvalorização do veículo no valor de 1.500 €, correspondente a 10% do seu valor, como a A afirmara na p.i., mas tão só se provou que ocorreu a referida desvalorização em consequência do acidente e respectiva reparação.

Já se vê do exposto, que a A partiu do raciocínio que o seu veículo valia 15.000 €, para peticionar como o fez, valor que se afigurava não ser real.

Provou-se que o veículo da autora é de Julho de 2001 e, à data do acidente, cerca de 6 anos depois, já tinha 98.938 km. E que, em consequência da colisão, ficou danificado na zona traseira e, designadamente, no pára-choques, porta da bagageira, vidros, farolins, tejadilho e painel lateral esquerdo.

No relatório pericial, o perito nomeado pelo tribunal M..., atribuiu ao veículo o valor de 2.000 €, à data do acidente, valor que encontrou com base em instituições e profissionais do ramo automóvel, em diversos Stand’s, bem como em profissionais dos concessionários R....., tendo em conta as características que a viatura apresentava (vide fls.108). Do despacho de resposta à matéria de facto vê-se que o julgador exarou o que as testemunhas disseram sobre este aspecto, designadamente a testemunha arrolada pela A, N..., vendedor de automóveis, afirmou que a viatura valia cerca de 7.500 €, enquanto a testemunha O..., perito avaliador da recorrente, que efectuou a peritagem inicial e condicional para esta, afirmou que a mesma valia mais que o valor indicado pelo perito. Por sua vez, o perito do tribunal M....., ouvido em audiência, para prestar esclarecimentos referiu que um veículo igual ao da A, novo, custa cerca de 11.000 €, pelo que um veículo com tantos anos, como o dela, nunca poderia valer 7.500 €.

Resulta, pois, patente que a viatura da A à data do acidente não valia por certo os 15.000 € que ela supunha. O respectivo valor, perante os dados que se colhem nos autos, aponta assim para um valor, entre o mínimo de 2.000 € e o de 7.500 €, embora este limite máximo abstracto não seja muito fiável, ou seja para um valor médio a rondar os 4.000/4.500 €. De acordo com o exposto raciocínio da A, então a desvalorização seria de 10%, isto é no valor de 400/450 €.

Tendo, então, em conta que se tratava de um veículo com cerca de 6 anos de vida e cerca de 100.000 km, embora um veículo a gasóleo, cuja duração e fiabilidade é superior aos veículos a gasolina, e os danos que sofreu, na zona traseira e, designadamente, no pára-choques, porta da bagageira, vidros, farolins, tejadilho e painel lateral esquerdo, e o próprio valor da reparação, cerca de 4.400 €, indiciador de reparação já de algum modo mais extensa, entende-se equitativo e adequado, nos termos do art.º 566º, nº 3, do CC, fixar o valor da desvalorização em 450 €.

4. Nos termos do art.º 713º, nº 7, do CPC, elabora-se o seguinte sumário:

A) O dano de privação do uso de veículo automóvel acidentado, impedindo o seu uso pelo proprietário, é um dano autónomo, passível de reparação, devendo recorrer-se à equidade, pois a conduta do lesado, que não procedeu ao aluguer de outra viatura, durante o período em que esteve impedido de usar a sua, não obsta à indemnização do dano verificado.

B)Provada a desvalorização comercial do veículo, na sequência de acidente estradal e consequente reparação, mas não apurado o grau de tal desvalorização, deverá recorrer-se à equidade, para fixar a devida indemnização, com elementos de prova fornecidos pelos autos e outros factos aí apurados.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso da Ré, revogando-se parcialmente a sentença recorrida no que ao valor da desvalorização do veículo diz respeito, fixando-se a respectiva indemnização em 450 €, mantendo-se o demais decidido.

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Custas a cargo da recorrente e da recorrida, na proporção do respectivo decaimento.