Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
942/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
LAUDO
QUESITOS
Data do Acordão: 09/25/2007
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Tribunal Recurso: MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: ARTIGO 64.º DO CEXPROPRIAÇÕES
Sumário: 1. No caso de os peritos terem prestado esclarecimentos deficientes, deve deferir-se o pedido de novos esclarecimentos para suprimento das deficiências.
1. Os peritos minoritários também devem responder aos quesitos formulados
Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE:
I- Relatório:

Expropriante: A...
Expropriada: B...
Prédio objecto de expropriação total: prédio misto matriciado sob os art. U-719 e R-5180, na CRP sob o nº 00078/211185, sito na freguesia da Pampilhosa.
DUP: por despacho de 8-7-2002 publicado no DR, IIª s., de 21-8-2002.
Finalidade: construção do Jardim Público da Pampilhosa.

Interposto recurso do acórdão arbitral, os peritos avaliadores vieram apre­sentar dois laudos:
- o laudo de fls. 327 a 354, assinado por 3 peritos e que integra as respostas aos quesitos (fl. 327 a 330), o laudo propriamente dito contendo os elementos considerados para o cálculo da indemnização e a determinação desta (fl. 331 a 350) e documentos (fl. 351 a 354);
- o laudo divergente, a fls. 361 a 367, assinado pelos restantes dois peritos, mas sem as suas respostas aos quesitos.
Notificados os laudos, veio o expropriante apresentar a reclamação de fls. 373 ss (= 380 ss) contra o laudo minoritário, em suma: I) por falta de respostas aos quesitos do expropriante; II) por o laudo se ter baseado em elementos não constantes do auto da vistoria APRM ao referir que “os elementos constantes da vistoria APRM e da arbitragem são agora complementados com outros» que descreveram, v.g. o bom acesso em rua pavimentada e o benefício de vários equipamentos; III) e por a avaliação efectuada ter desconsiderado o método comparativo, pois que os peritos, além de não terem respondido aos quesitos do Município relativos às aquisições amigáveis de terrenos na zona onde se insere a parcela expropriada, não indagaram qual o valor corrente de mercado (ao tempo da D.U.P.) em transacções de terrenos com características semelhantes às da parcela expropriada.
No despacho de fl. 391 foi decidido: «Uma vez que as ditas reclamações se mostram pertinentes, notifique os srs. peritos para que, no prazo de 20 dias, completem, esclareçam ou fundamentem, por escrito, o relatório apresentado – tendo em atenção os pontos que foram alvo das ditas reclamações – art. 587º nº 3 do CPC». (Note-se que haviam sido apresentados dois relatórios ou laudos).
Foram notificados os 2 peritos minoritários e houve uma 1ª insistência para cumprimento, sem êxito. Houve uma 2ª insistência mediante despacho que todavia foi notificado aos 5 peritos. Após várias peripécias inúteis, vieram os 2 peritos minoritários justificar o atraso e apresentar o que designaram de “esclarecimentos ao relatório de peritagem” (fls. 417 a 419), dizendo em suma: os critérios utilizados e explicitados no relatório tiveram por base a realidade da “parcela” expropriada à data da DUP sem consideração de qualquer mais valia posterior à vistoria APRM; visitada a parcela, foi em consequência da percepção que tiveram da parcela e das condições da sua integração, que os peritos, pesados diversos factores v.g. a proximidade da linha férrea, entenderam valorizar em 12% o índice referido no art. 26º nº 6 do CE; quanto aos critérios de avaliação, remetem para o ponto “4 – Critérios de Avaliação” do relatório.
Notificadas as partes, o expropriante insistiu a fl. 428 ss nos pontos da anterior recla­mação, porquanto os peritos incumpriram a decisão de fl. 391. A expropriada respondeu, opondo-se.
O despacho de fl. 459:
- indeferiu o requerimento de fls. 428 porque «não tem cabimento proces­sual» e por não representar pedido de esclarecimento mas legítima discordância quanto ao relatório e esclarecimentos prestados;
- determinou o encerramento da fase de instrução, sem a inquirição das testemu­nhas arroladas «visto que, face à natureza técnica da matéria controvertida, não se vislumbra qualquer utilidade na diligência»;
- ordenou notificações nos termos do art. 64º do CE/99.
O expropriante recorreu de agravo (fl. 462) da decisão de indeferimento, concluindo a sua alegação de fls. 581 ss no sentido de que deve o despacho recorrido ser anulado e substituído por decisão que ordene a prestação de esclarecimentos às alíneas a), b) e c) do ponto 3, às alíneas a) e b) do ponto 6 e aos pontos 9, 10, 11 e 12 todos da reclamação apresentada pela ora recorrente, em 23/03/2006, e constante de fls. 428 dos autos.
Os expropriados não contra-alegaram.

Correram os vistos legais.
Nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso.

II- Fundamentos:

As conclusões da alegação demarcam o objecto do recurso.
O recurso tem por objecto o despacho proferido a fls. 459, na parte em que indeferiu o dito requerimento de fl. 423 ss em que o reclamante expropriante insistia pelas respostas aos quesitos e prestação de esclarecimentos pelos peritos minoritários, conforme anterior requerimento apresentado pelo ora recorrente ao abrigo do disposto no artigo 587.º n.º 2 do C.P.C.
A questão essencial consiste em saber se o tribunal recorrido decidiu incorrectamente ao indeferir aquele requerimento de fl. 423 ss com base em que «não tem cabimento proces­sual» e por não representar pedido de esclarecimento mas apenas discordância quanto ao relatório e esclarecimentos prestados.

Cumpre apreciar e decidir:
Desde logo salta à vista, por simples análise dos autos, que os 2 peritos minoritários não ofereceram as suas respostas aos quesitos. E deviam tê-las ofe­recido dado que não subscreveram as respostas dadas pelos peritos maioritários.
Em segundo lugar, o exame do laudo minoritário mostra que os peritos, seus subscritores, para o cálculo da indemnização, não utilizaram o método comparativo, mas também não justificaram a sua não utilização, tendo utilizado sim o método analítico.
Ora, como se vê do disposto no art. 26º do CE/99, o método comparativo consagrado nos nºs 2 e 3 desse artigo, podendo ser utilizado, afasta a aplicação do método analítico. Para postergarem aquele primeiro método deviam os peritos ter justificado a impossibilidade de a ele recorrerem.
E os restantes pontos sobre os quais foram solicitados esclarecimentos também não ficaram esclarecidos.
A deficiência nos ditos esclarecimentos (que realmente não o são) é mani­festa. O Ex.mo Juiz devia ter ordenado a prestação dos devidos esclarecimentos a que se refere o artigo 587º do CPC, se necessário em audiência marcada para o efeito.
Na verdade, “não está excluído que, não completando, esclarecendo ou fundamentando integralmente o relatório, os peritos sejam confrontados com a insistência das partes para que seja totalmente satisfeita a sua reclamação” – cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra, 2001, pág. 518.
Pode dar-se o caso de as segundas respostas não serem satisfeitas, isto é, pode suceder que a deficiência contra a qual se reclama não fique devidamente preenchida, ou que a obscuridade não fique suficientemente esclarecida ou que a contradição não fique inteiramente removida (...). Em tal caso não pode negar-se às partes o direito de insistir na sua reclamação e o juiz o poder de ordenar que os peritos dêem satisfação cabal aos reparos feitos” – JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Vol. IV, Coimbra, pág. 256.
Por outro lado, vem acusada a falta de respostas aos quesitos por parte dos peritos minoritários. E tal falta também deve ser suprida.
Sem necessidade de outras considerações, conclui-se que o agravo deve ser provido, com anulação da decisão impugnada.

III- Decisão:

Pelos fundamentos expostos, concede-se o provimento ao agravo, anu­lando-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que defira o solicitado pelo expropriante através do seu requerimento de fls. 428 ss.
Não são devidas custas deste recurso.

Coimbra, 2007-10-02