Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | BELMIRO ANDRADE | ||
Descritores: | INJÚRIA IMPUTAÇÃO DE CRIME PROVA DA VERDADE DE FACTOS E DE JUÍZOS DE VALOR | ||
Data do Acordão: | 09/30/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE TOMAR – 2º J | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 180º, 2 B) , 181º CP | ||
Sumário: | 1. A imputação a alguém de um crime – facto censurável ao mais alto nível do mínimo ético imprescindível à vida em sociedade - é, só por si, injuriosa. 2. Reconhece a ilicitude da imputação quando se justificando a mesma com a prova da verdade. Carece de sentido provar a verdade de uma imputação que previamente se negou. 3. Não se admite prova da verdade, por impossibilidade de produção se prova sobre juízos de valor, mas apenas sobre factos. 4. A imputação de um facto depende da manifestação exterior em que esse mesmo acto se materializa. Constitui algo de objectivo, um acontecimento da vida real, fenómeno da natureza ou manifestação concreta dos seres vivos, em particular os actos praticados pelas pessoas ou os seus comportamentos – daí que possa provar-se que aconteceram, uma vez que se trata de realidades objectivas. 5. A formulação de um juízo constitui a manifestação de uma opinião de quem o emite, portanto profundamente subjectiva, produto de determinada reflexão e da sua perspectiva das coisas e do mundo. | ||
Decisão Texto Integral: | I. A arguida, M..., recorre da sentença em que o tribunal recorrido decidiu condená-la: - pela prática, em autoria material, de um crime de injúria, p.p. nos arts. 181º do C.P., na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 12 (doze euros) perfazendo a multa global de € 600 (seiscentos euros); --- - a pagar ao demandante a quantia total de € 1500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da sentença, até integral pagamento. --- **** II. A decisão do tribunal recorrido em matéria de facto é a seguinte: A) Matéria de facto provada.----- --- - Da acusação - ----- ---1. No dia 15 de Setembro de 2007, pelas 15 horas, na Associação Recreativa das …, enquanto decorria o almoço de aniversário da colectividade, a arguida, dirigindo-se ao assistente, proferiu as seguintes expressões “És um merda”, “ordinário”, “Não vales nada”, “Obrigado pelo que mandaste fazer ao meu carro – tenho dois pneus furados”. ---- *** III. Nos termos do art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. Impondo o legislador ao recorrente, determinados ónus de especificação / fundamentação não só na identificação, concreta dos pontos em que discorda da decisão recorrida, como ainda dos fundamentos materiais que são susceptíveis de “impor” decisão diversa da recorrida – cfr. art. 412º, n.º3 e 4 do CPP. Aliás sendo as decisões judiciais fundamentadas sob pena de nulidade (art. 374º e 379º do CPP) a procedência do recurso obriga a que se demonstre a insubsistência dessa mesma fundamentação Constituindo entendimento uniforme, atenta ainda a natureza do recurso (não um novo julgamento mas a reapreciação do julgamento de determinadas questões efectuado previamente e pelo tribunal recorrido em decisão fundamentada – se não o for é nula) que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso - cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173, fazendo eco da jurisprudência uniforme daquele alto tribunal. Sem prejuízo, naturalmente, da apreciação das questões de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º, n.º2 do CPP, de acordo como o Ac. STJ para fixação de jurisprudência de 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95. Impondo o legislador ao recorrente determinados ónus de especificação no sentido de identificar, com um mínimo de rigor, não só os erros - in procedendo ou in judicando - que aponta à decisão de que recorre, bem como as razões de facto e de direito susceptíveis de impor decisão diversa da recorrida, numa argumentação minimamente persuasiva, á luz dos critérios legais em vigor e dos princípios da interpretação das leis são susceptíveis de convencer o tribunal de recurso da bondade da sua argumentação do recorrente e da insubsistência daquela que vem plasmada na decisão impugnada – cfr. art. 412º do CPP, designadamente os n.ºs 3 e 4, relativos à impugnação da matéria de facto. É assim ao recorrente, salvas as questões de conhecimento oficioso, que incumbe rebater o iter valorativo em que assenta a decisão recorrida (no pressupostos de que esta é fundamentada e não o sendo é nula) que incumbe demonstrar a insubsistência da decisão recorrida e do percurso valorativo em que repousa. No caso, como é bem salientado no douto parecer, no que toca à impugnação da matéria de facto o recorrente cumpre defeituosamente esse ónus – invocando, aliás, com a mesma linha de argumentação de desacordo com a matéria dada como provada, simultaneamente, a falta de fundamentação, o vício de erro notório na apreciação da prova e a valoração da prova. Como que pretendendo chegar a conclusões distintas, com o mesmo fundamento nuclear o que em processo civil, a formular pedidos incompatíveis com a mesma causa de pedir. Todavia, não permitindo o convite ao aperfeiçoamento a modificação da fundamentação do âmbito do recurso mas apenas suprir deficiências das conclusões (situação clarificada pela actual redacção do art. 416º, n.ºs 3 e 4 do CPP na sequência de arestos do TC relativos ao aperfeiçoamento) - sob pela de se transformar o aperfeiçoamento na oportunidade de um novo recurso que poderia nem ser aquele que é querido pelo recorrente mas aquele que o tribunal de recurso, melhor, o relator a quem compete o convite, pudesse entender adequado). Assim não se justificava, no caso, o convite, por ser compreensível a perspectiva material da recorrente que constitui o lastro/fundamento das pretensões formuladas. * Começa a recorrente por alegar que “Os elementos probatórios recolhidos em audiência de julgamento e demais elementos dos autos, não permitem concluir que a arguida proferiu as expressões que o douto Tribunal considerou provadas”. Para logo de seguida afirmar que o tribunal recorrido “não fundamenta justificadamente as razões de tais conclusões”. Esta última asserção, a verificar-se, constitui nulidade da sentença, nos termos previstos no art. 379º do CPP, que constitui questão prévia, susceptível de prejudicar a apreciação de mérito – a ausência de fundamentação impede a sindicância do mérito dessa motivação / fundamentação que não existe. O dever de fundamentação de todos os despachos judiciais encontra-se consagrado genericamente no art. 158º do CPC e agora especificamente no Art. 97º, n.º4 do CPP (redacção dada pela Lei 59/98) que postula: Os actos decisórios são sempre fundamentados devendo especificar os motivos de facto e de direito da decisão. Em conformidade com imposição expressamente cominada pelo art. 205º, n.º1 da Constituição da República na redacção saída da revisão de 1997. Como refere Marques Ferreira in Jornadas de Direito Processual Penal do C.E.J., O Novo Código de Processo Penal, ed. Almedina, p. 229-230, “de acordo com os princípios informadores do Estado de Direito Democrático e no respeito pelo efectivo direito de defesa consagrado nos arts. 32º, n.º1 e 21º da Constituição a fundamentação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico e racional que lhe subjaz. E extraprocessualmente deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários não são apenas os sujeitos processuais, mas a própria sociedade”. O art. 374º do CPP, enunciando os requisitos da sentença, estabelece no seu n.º2 (redacção introduzida pela lei 59/98): Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Por sua vez o art. 379º do CPP postula: 1. É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no artigo 374º, n.ºs 2 e 3, alínea b)”. (…) No caso vertente, como se vê do excerto correspondente, supra reproduzido, a decisão recorrida encontra-se perfeitamente fundamentada. Especificando, relativamente às afirmações que a recorrente questiona, que teve por fundamento “as declarações do assistente conjugadas com os depoimentos das testemunhas Fernando Marques e Júlio Freitas que presenciaram os factos e relataram as expressões mencionadas (...) Ambas depuseram de forma clara e objectiva, sem hesitações ou contradições, merecendo credibilidade”. Ou seja o tribunal fundou a sua convicção no identificado conteúdo de testemunhos (para além do depoimento do queixoso) que confirmaram na íntegra as expressões em causa - para além daquelas que são admitidas pela própria recorrente. Acrescentando-se – adiantando caminho para a reapreciação do valor probatório dos testemunhos - que nem em audiência, nem agora em fase de recurso foi aventada, sequer, qualquer razão ou relação com algum dos sujeitos processuais, que pudesse, de alguma forma, retirar objectividade e isenção aos depoimentos das testemunhas em que o tribunal fundou a sua convicção. E que a recorrente passa “em branco”, diga-se, na fundamentação do recurso. Mas o tribunal recorrido ponderou ainda os depoimentos das «testemunhas T…, S… e A… mencionaram apenas que a arguida estava nervosa devido ao estado dos pneus, fizeram apenas referencia à expressão “Obrigado pelo que mandaste fazer ao meu carro” mas admitiram que pudessem ter havido outras expressões que não tivessem ouvido». Testemunhas que tendo confirmado – apenas – ter ouvido a expressão admitida pela não puseram todavia em causa que esta tivesse proferido todo o acervo de expressões dadas como provadas, admitindo que pudessem ter proferidas. Valoração que, diga-se, se ajusta ao “móbil” apresentado pela própria arguida. Sendo contraditória a versão da arguida de que, ao confrontar o ofendido com a imputação de um facto altamente censurável (furar voluntariamente os pneus do carro), se limitasse a “agradecer-lhe” o facto que reprovava veementemente, tanto mais atenta a situação de conflito pré-existente entre ambos. Assim a motivação, ainda que sintética é clara e exaustiva, além de apreciar criticamente os depoimentos em função da razão de ciência e credibilidade dos depoentes, deixando perfeitamente claro o iter lógico-dedutivo da apreciação e valoração da prova em que repousa, de forma a permitir a sua sindicância pelos interessados bem como pelo tribunal de recurso. Aliás a recorrente depois de dizer que a sentença não é fundamentada, passa, precisamente, a questionar essa mesma motivação que antes negara existir. Sendo pois manifestamente insubsistente o recurso neste âmbito. * Aponta a recorrente à decisão recorrida, depois, o vício de erro notório na apreciação da prova. A negação da motivação da sentença (questão acabada de analisar) evidencia que a recorrente, não tendo argumentos para rebatê-la, opta por ignorá-la, passando ao lado do mérito dessa apreciação. Na mesma linha, na falta de argumentos de natureza substancial a recorrente a recorrente avança para o vício de erro notório de apreciação/valoração da prova. Postula o art. 410º n.º2 do CPP: Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: (…) c) Erro notório na apreciação da prova. Incidindo sobre a decisão da matéria de facto os vícios do art. 410º não se confundem com a reapreciação da prova, com base no registo da prova produzida oralmente em audiência ou de outros meios de prova incorporados nos autos, nos termos previstos nos artigos 412º e 431º do CPP. Constituem vícios relativos à estrutura interna da sentença, emergindo do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: Constituindo “vícios ao nível da lógica jurídica da matéria de facto, da confecção técnica do decidido, apreensíveis a partir do seu texto, a denunciar incoerência interna com os termos da decisão” – cfr. Ac. STJ de 07.12.2005, CJ-STJ, tomo III/2005, p. 224.
De cautela em cautela termina a recorrente a impugnar a mediada concreta da pena e o valor da indemnização arbitrados. Também aqui, liminarmente, a pretensão da recorrente assenta na premissa da modificação da matéria de facto que não se verificou. De todo o modo, sempre se dirá: Numa moldura abstracta que prevê pena de prisão até 3 meses ou pena de multa até 120 dias, a sentença aplicou uma pena de multa que fixou em 50 dias, à razão diária de € 12. Aplicou pois a pena de multa muito abaixo do meio-termo da respectiva moldura. Equaciona a respeito a decisão recorrida “ (…) na determinação da medida pena aplicável, deve o juiz fazer aplicação dos critérios consagrados nos artigos 40º, 71º e 72º do CP. (…) no caso o grau de ilicitude situa-se acima da média, considerando o número de expressões proferidas e ainda que os factos foram praticados na presença de outras pessoas (…) O dolo é directo, de intensidade mediana, pois a arguida sabia que ofendia a honra e consideração de terceiros e ainda assim não se inibiu de proferir tais expressões (…) As necessidades de prevenção geral e especial não exigem relevantes cautelas (…) A favor da arguida milita o facto de estar inserida social e profissionalmente e de não ter antecedentes criminais (…) Também a circunstância de a arguida se ter deparado com dois pneus da sua viatura furados e de por isso ter ficado nervosa, embora não constitua causa de desculpa, deve ser ponderada como atenuante da censurabilidade que lhe deve ser dirigida”. Ora a recorrente não justifica, com base na violação dos critérios legais ou na sua aplicação ao caso concreto, que não se verifiquem os fundamentos invocados na sentença. Mostrando-se a pena doseada de forma perfeitamente parcimoniosa dentro do critério legal enunciado. O mesmo se diga em relação à taxa diária, sabendo-se que a arguida “é professora de …, e declarou auferir cerca de € 2.200 de retribuição mensal” e não tem encargos familiares - “ Vive sozinha”. Situando-se taxa fixada abaixo de 1/3 do rendimento diário da arguida. No que toca à indemnização civil a sentença recorrida, em juízo de equidade, com base nos critérios invocados dos artigos 496º-494º do C. Cvil aplicaável pró remissão do art. 129º do CP, arbitrou-a em € 1.500,00 – estando em causa, apenas danos não patrimoniais. Mais fundamentando a sentença recorrida “(…) No caso dos autos, em face do quadro fáctico dado como provado, resulta incontestável que a actuação da arguida/demandada é ilícita, consubstanciada na imputação de factos e utilização de palavras ofensivas da honra e consideração do demandante, o que, para além consubstanciar, em abstracto, a prática de crime, ocasionou danos não patrimoniais a R… (…) Não resultam dúvidas acerca da culpabilidade da arguida/demandada. A sua conduta é censurável seja qual for o prisma por que a mesma se analise. Podia e devia ter agido de modo diverso (..) Uma vez que tal quantia foi fixada de forma actualizada, sobre a mesma apenas incidirão juros de mora a contar da data da sentença, à taxa legal em vigor”. Ora a recorrente, mais uma vez não invoca a violação de critério legal, ou sequer a violação de critérios jurisprudenciais relevantes, dado que está em causa a formulação de um juízo de equidade. Surgindo a quantia arbitrada como perfeitamente módica, atenta a natureza e relevo da ofensa, a situação sócio-económida da arguida, a sua formação moral, a actuação dolosa. Sendo também nesta ponto a motivação do recurso de todo insubsistente. ** IV. Nestes termos decide-se negar provimento ao recurso, julgando-o totalmente improcedente. ----- Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça, atento o labor a que deu causa, a total insubsistência e a situação económica da recorrente, em 9 (nove) UC. |