Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1530/06.6TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENOR
PRESTAÇÕES POR ALIMENTOS JUDICIALMENTE FIXADAS
DATA A PARTIR DA QUAL SÃO DEVIDAS
Data do Acordão: 09/23/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 4º, Nº 5, DO D. L. Nº 164/99, DE 13/05, E LEI Nº 75/98, DE 19/11.
Sumário: I – Sendo a lei omissa sobre o momento a partir do qual as prestações alimentares a cargo do FGADM são devidas, deve aplicar-se analogicamente o disposto no artº 2006º do C. Civ. (os alimentos são devidos desde a propositura da acção…”.

II – Embora o pagamento das prestações por alimentos a cargo do FGADM só se inicie no mês seguinte ao da notificação da decisão, ele abrange as prestações vencidas desde a data em que foi apresentado o pedido contra o Fundo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1.1. – A requerente - A... – instaurou, na Comarca de Pombal, acção de incumprimento da regulação do poder paternal da menor B..., contra o requerido - C....
Alegou, em resumo, que o exercício do poder paternal da filha menor B... foi regulado, por acordo, no âmbito do processo de divórcio entre ambos e homologado na competente Conservatória do Registo Civil, no qual o requerido, pai da menor, se obrigou a pagar, a título de alimentos, a quantia de € 100,00 por mês, mas apenas satisfez as prestações de alimentos referentes aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2002, e Janeiro de 2003, estando em falta com as restantes prestações.
Pediu a condenação do requerido a pagar as importâncias devidas a título de alimentos, no montante actual de € 5.146,32, acrescidas de juros, à taxa legal, até efectivo pagamento e na multa de € 249,90 e subsidiariamente o pagamento das prestações de alimentos pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.

1.2. - Realizou-se uma conferência e procedeu-se a diligências probatórias, após o que o Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser dado como demonstrado o incumprimento, com recurso ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores para pagamento das prestações em substituição do progenitor.

1.3. - Foi proferida sentença que decidiu:
a) - Julgar verificado o incumprimento do regime do exercício do poder paternal relativo à menor B..., condenando o requerido C... no pagamento de uma multa de 150 € (cento e cinquenta euros), quantia a depositar em conta bancária de que a menor seja titular ou, caso seja necessário, na que em seu nome venha a ser criada;
b) - Condenar o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores a pagar as prestações de alimentos em falta desde Fevereiro de 2003 (inclusive) até ao presente, num total de 5300 € (cinco mil e trezentos euros), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, às taxas legais em vigor, sobre o capital em singelo de 100 € (cem euros), até efectivo e integral pagamento;
c) – Manter em 100 € (cem euros) a pensão de alimentos mensal devida pelo requerido C... à menor B..., a partir do mês seguinte ao da notificação da presente decisão ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, sendo tal prestação assegurada igualmente pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.

1.4. – O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social recorreu da sentença, argumentando, em síntese, que a obrigação se constitui para o FGADM no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal ( cf. art.4, nº5, do DL nº164/99 de 13/5 ), eximindo-se o mesmo do pagamento de quaisquer prestações alimentícias vencidas e dos seus juros.

1.5. - Respondeu o Ministério Público dizendo que as prestações devidas pelo FGADM são devidas desde a data do respectivo pedido contra o Estado, embora o pagamento só se inicie no mês seguinte ao da notificação da decisão, devendo o recurso ser parcialmente provido.
II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. - Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões, problematiza-se tão somente desde quando é que o FGADM está obrigado ao pagamento da prestação de alimentos, se a partir do momento em que o obrigado deixou de cumprir ( tese da sentença ), se desde a notificação da sentença ( tese do recorrente ), se desde o momento em que foi deduzida a acção ( tese do MP ).
Estas posições expressam no processo as três correntes jurisprudenciais sobre a questão:
a) - Uma no sentido de que a obrigação é devida desde o momento em que o devedor entrou em mora, abrangendo as vencidas, ainda que anteriores à propositura da acção ( cf., por ex., Ac do STJ de 31/1/2002, proc. nº4160/01, Ac RL de 24/11/2005, proc. nº9132/2005, de 9/6/2005, proc. nº3645/2005, de 25/9/2007, proc. nº2668/2007, Ac RC de 15/11/2005, proc. nº2710/05, Ac RP de 25/10/2004, proc. nº0454340, em www dgsi.pt );
b) - Outra de que a condenação abrange apenas as prestações vencidas a partir do mês seguinte à data da notificação da decisão ( cf., por ex., Ac do STJ de 27/9/07, C.J. ano XV, tomo III, pág.63, de 10/7/08, proc. nº08A1860, Ac RL de 13/3/08, proc. nº899/2008, disponíveis em www dgsi.pt );
c) - A terceira posição a defender que, embora o pagamento só se inicie no mês seguinte ao da notificação da decisão, abrange as prestações vencidas desde a data em que foi apresentado o pedido contra o Fundo ( cf., por ex., Ac RC de 12/4/05, proc. nº265/05, de 3/5/06, proc. nº808/06, Ac RC de 27/5/08, proc. nº369/05, Ac RP de 8/3/07, proc. nº0731266,, Ac RL de 13/12/07, proc. nº10407/2007, Ac RE de 10/5/2007, proc. nº739/07, Ac RE de 15/2/2007, proc. nº2356/06, todos em www dgsi.pt ).

2.2. - Confrontados os argumentos ( já conhecidos ), crê-se ser esta a orientação mais consistente e que aqui se adopta.
O art.4 nº5 do DL nº164/99 de 13/5 estatui que – “ o Centro Regional de Segurança Social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal”, mas daqui não resulta a exclusão das prestações alimentares anteriores, limitando-se a regular o início do pagamento das prestações fixadas, ou seja, o momento em que está obrigado a cumprir a decisão do tribunal. Na verdade, uma coisa é o início do pagamento pelo CRSS, outra o momento a partir do qual as prestações são devidas.
Sendo a lei omissa sobre o momento a partir do qual as prestações alimentares são devidas, deve aplicar-se analogicamente o disposto no art. 2006 do CC: "os alimentos são devidos desde a propositura da acção (...) ".
É que a natureza autónoma da prestação a cargo do Fundo não lhe retira a natureza ainda constituir uma prestação de alimentos, como se extrai, além do mais, do relatório do DL nº164/99 e da Recomendação do Conselho da Europa R(82) de 4 /2/1082, relativa à antecipação pelo Estado da Prestação de alimentos devidos a menores.
Por seu turno, se a ratio legis é a de conceder às crianças carecidas de alimentos as condições de subsistência, justifica-se que a obrigação dessas necessidades se reporte à data em que o pedido é formulado, pois como se enfatizou no Ac RE de 30/3/06, www dgsi, “recusar-se ao menor o pagamento de dívidas alimentares vencidas, pelo menos desde o pedido de apoio, seria recusar-lhes um direito social derivado, com matriz constitucional relacionado com direitos fundamentais”, e daí ser esta a interpretação conforme a Constituição.
Acresce que se a prestação não fosse devida desde a data do requerimento, estar-se-ia a potenciar o relapso, pois quanto mais tempo a segurança social demorasse a elaborar o relatório necessário ao apuramento dos factos atinentes à fixação da prestação substitutiva, a que alude o art. 4º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 164/99, mais tarde teria a obrigação de pagar, pelo que “ não parece curial que o conteúdo e alcance dos direitos sociais dos cidadãos de protecção do Estado fiquem à mercê de contingências processuais e na dependência da conduta do devedor”.
Sendo assim, uma vez que o pedido ( subsidiário) de condenação contra o FGADM foi deduzido com a petição inicial, que deu entrada em juízo em 9 de Junho de 2006, a obrigação é devida desde então.
Fixando a lei um prazo certo para o pagamento das prestações, visto iniciar-se no mês seguinte ao da notificação da decisão ( art.4 nº5 do DL nº164/99 de 13/5 ), isto implica que só a partir daí é que existe mora, caso o Fundo não pague ( art.805 nº2 a) do CC ).
III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar parcialmente provido o agravo e, revogando o segmento b) da parte dispositiva da sentença, condenar Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores a pagar as prestações de alimentos em falta desde 9 de Junho de 2006.
2)
Sem custas.
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Coimbra, 23 de Setembro de 2008.