Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1485/08.2TBVNO-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: INSOLVÊNCIA
CREDOR
DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE
Data do Acordão: 12/29/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CELORICO DA BEIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 30º N.º 2 DO CIRE; ARTIGO 146.º, N.º 1-A) A E) DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Em acção de insolvência impugnando o Requerido na Oposição a situação de insolvência, o ónus da indicação dos cinco maiores credores a que alude o artigo 30º nº 2 do CIRE, considera-se satisfeito com a menção de que tais credores não existem.
2. A dissolução da sociedade que gera a extinção da mesma não se confunde, nomeadamente para os termos do processo de insolvência, com a cessação da respectiva actividade.
3. Não tendo a sociedade comercial sido dissolvida, nada impede que seja requerida a respectiva insolvência.
Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO.

A....., casada, residente na Rua Principal, nº 5, Urqueira, Ourém, portadora do bilhete de identidade 8106459 e NIF 157 063 325, e B....., casado, residente na Rua da Carvalheira, nº 17, lugar de Resouro, freguesia de Urqueira, concelho de Ourém, portador do bilhete de identidade 6507285 e NIF 136 606 032, vieram requerer a declaração de insolvência de C.....NIPC 500 191 921, com sede na Rua dos Combatentes, n.º 101, 2435-125, Caxarias, Ourém.

Alegam que a Requerida é uma sociedade por quotas que se dedica à actividade de indústria de construções metálicas e serralharia civil e ao comércio de materiais de construção.

Constam da Conservatória do Registo Comercial da Requerida como seus gerentes D....., E....., F.....(falecido em 1994) e G.....(que não comparece nas instalações da requerida desde 1998), pelo que a gerência de facto é assegurada por D..... e E......

Em 07/10/2008 a Requerida não tinha pago aos seus funcionários os subsídios de férias e de Natal relativos ao ano de 2007, bem como as retribuições respeitantes aos meses de Agosto e Setembro de 2008.

Apenas em Abril de 2008 a Requerida efectuou o pa­gamento do subsídio de férias relativo ao ano de 2006, sendo que, desde Novembro de 2007, tem vindo a atrasar o pagamento das retribuições aos seus funcionários.

Desde meados de 2007 que os trabalhos da requerida começaram a escassear, tornando-se quase inactiva no início de 2008, deixando de ter trabalho diário para os seus funcionários, comparecendo estes no seu horário de trabalho, sem ter nada para fazer.

O stock de material que existia nas instalações foi desaparecendo, bem como a sucata, máquinas e grua.

Alegam ainda que a mulher do gerente D....., que foi funcionária da Requerida até Janeiro de 2008, constituiu uma sociedade do mesmo ramo, com a designação H....., de que é gerente, sendo o referido sócio, actualmente, encarregado em tal sociedade.

Nestes termos o serviço encomendado à Requerida passou a ser desviado para a sociedade supra referida.

Todos os bens da Requerida foram “alienados” à referida sociedade à excepção das suas instalações, uma vez que sobre as mesmas, impendem diversos ónus e encargos no valor global de € 541.260,33.

Os Requerentes eram trabalhadores da requerida, sendo que, por carta registada com aviso de recepção datada de 07/10/2008, procederam à rescisão dos seus contratos de trabalho, peticionando o pagamento das remunerações em atraso bem como da correspondente in­demnização.

São ainda credores da requerida a "I..... , Lda.", J.....e a "K.....".

A requerida não tem crédito junto da banca ou dos fornecedores. Tem um passivo bancário grande.

A Requerida deve à Requerente L.....a quantia de € 26.404,20 e ao Requerente B.....a importância de € 38.869,20.

Citada a requerida, veio a mesma deduzir oposição, a qual não foi recebida em virtude de não ter sido dado cumprimento pela sua parte ao disposto no artigo 30º nº 2 do CIRE.

Nos termos do artigo 30º nº 5 do CIRE foram considerados confessados os factos articulados na Petição inicial.

Foi proferida sentença que julgou a acção procedente por provada e em consequência declarou a insolvência da Requerida "C......, NIPC 500 191 921, com sede na Rua ……., Ourém nos termos dos artigos 30º nº 5, 36º alínea b) e 20º nº 1 alínea b) do DL 53/2004 de 18 de Março na redacção que lhe foi dada pelo DL 200/2004 de 18 de Agosto.

Daí o presente recurso de Apelação interposto pela Requerida, a qual no termo da sua alegação pediu que se revogue a sentença em crise.

Foram para tanto apresentadas as seguintes,

Conclusões.

1) Conforme consta dos autos, A..... e B....., na qualidade de Credores, requereram em Tribunal a Declaração de Insolvência da ora Recorrente, fundamentando a sua pretensão na falta de pagamento de créditos salariais;

2) A Recorrente deduziu oposição à declaração de insolvência requerida;

3) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, proferiu logo Sentença, onde determinou o não recebimento a oposição apresentada pela aqui Recorrente e desde logo decretou a insolvência, nos termos e com os seguintes fundamentos: “... A indicação dos cinco maiores credores por parte dos Requerentes não exime a Requerida de dar cumprimento ao estatuído no artº 30º, nº 2, do CIRE. Ora, não obstante ter sido citada com a cominação de que a não junção da lista dos cinco maiores credores determinava o não recebimento – cfr. fls. 8 – a devedora não a apresentou.

Assim, tal circunstância tem, nos termos da lei, como consequência o não recebimento da oposição.

Face ao exposto, nos termos do artº 30º nº 2, do CIRE não recebo a oposição à insolvência apresentada pela “C......... ”;

4) Refere o nº 3 do artigo 30º do CIRE que: "A oposição do devedor à declaração de insolvência pretendida, pode basear-se na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência".

5) O Sr. Juiz proferiu a Sentença sem atender a inexistência da situação de insolvência;

6) Não atendendo que a Recorrente já não exerce actividade;

7) Tendo cessado a sua actividade, no dia 17-10-2008, e disso ter feito prova com a oposição apresentada;

8) E que, à data da entrada da acção, já a Recorrente tinha cessado a sua actividade;

9) Não se podendo respeitar a finalidade do processo de insolvência, enunciado no CIRE;

10) Não estando reunidos os pressupostos legais para se requerer a declaração de insolvência da Recorrente;

11) E disso ter feito prova a Recorrente;

12) Nunca podendo o Meritíssimo Juiz, decidir da forma como o fez;

13) Assim, deverá ser revogada a Sentença.

Contra-alegaram os apelados pugnando pela confirmação da sentença.

Cumpre decidir.

            *

2. FUNDAMENTOS.

O Tribunal deu como provado os seguintes,

2.1. Factos.

2.1.1. "C…., Lda.", pessoa colectiva n.º 500 191 921, com sede em ….., Ourém, tem por objecto a indústria de construções metálicas e serralharia civil e o comércio de materiais de construção.

2.1.2. Tem o capital social de € 144.521,70 titulado por «M.....», NIPC 500 145 318, com sede em …….

2.1.3. A gerência pertence a D....., E....., F.....e G......

2.1.4. A sociedade vincula-se com a assinatura do gerente D..... que é quem diariamente, gere a empresa.

2.1.5. Os Requerentes eram trabalhadores da Requerida que, por cartas registadas com aviso de recepção, datadas de 07/10/2008, procederam à resolução dos seus vínculos laborais, invocando justa causa e solicitando o pagamento das remunerações em atraso e das correspondentes indemnizações.

2.1.6. A Requerente A….. foi admitida em 01/12/1981 para exercer as funções de paquete, exercendo à data as funções de 1ª escriturária com o vencimento de € 549,00 mensais.

2.1.7. O Requerente B.....foi admitido em 29/11/1971 para exercer as funções de aprendiz de serralheiro, exercendo, à data, as funções de serralheiro civil de 1ª classe, com o vencimento mensal de € 888.

2.1.8. Ambos os Requerentes trabalharam até às 12h30m do dia 16/10/2008.

2.1.9. A Requerente L.....peticionou o pagamento da quantia de € 26.404,20 e o Requerente B.....a quantia de € 38.869,20.

2.1.10. Em 07/10/2008 a Requerida não tinha pago aos seus funcionários os subsídios de Natal e de férias relativos ao ano de 2007 bem como as remunerações dos meses de Agosto e Setembro de 2008.

2.1.11. O subsídio de férias do ano de 2006 foi pago em Abril de 2008.

2.1.12. Desde Novembro de 2007, sem apresentar qualquer explicação, que a Requerida tem atrasado os pagamentos aos funcionários.

2.1.13. Desde o início do ano de 2008 que a Requerida se encontra quase inactiva, sendo que o último serviço de estruturas metálicas ocorreu em Fevereiro de 2007.

2.1.14. A Requerida deixou de ter trabalho diário para os seus funcionários.

2.1.15. O stock de material (ferro, alumínio e i­nox) foi desaparecendo, sendo que, em Agosto de 2008, desapareceu todo o inox que se encontrava nas instalações da Requerida.

2.1.16. Desapareceram, também, a sucata, máquinas e gruas que existiam.

2.1.17. O gerente da Requerida, D....., é actualmente, encarregado na sociedade a H......

2.1.18. O serviço da Requerida passou a ser desviado para a H......

2.1.19. Sobre as instalações da Requerida impendem diversos ónus e encargos, designadamente:

- Duas hipotecas voluntárias a favor do BPA no valor de € 308.157,34.

- Hipoteca legal a favor do CRSS de Santarém, no valor de € 101.333,94.

– Penhora a favor do credor RAMECEL, Lda, no valor de € 4.144,44.

- Hipoteca legal a favor de IFGSS, IP no valor de € 58.491,37.

– Penhora a favor do IFGSS,IP no valor de € 52.974,53.

- Penhora a favor do credor «BARRAFERROS, Lda.» no valor de € 5.503,41.

– Penhora da Fazenda Nacional no valor de € 10.655,30.

2.1.20. Além dos credores referidos em 16, são ainda credores da Requerida a "I....., Lda.", J.....e «K....., SA».

2.1.21. A requerida não tem crédito junto da banca nem dos fornecedores.

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2.2. O Direito.

Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

- A falta de indicação da lista de credores a que alude o artigo 30º nº 2 do CIRE. Consequências.

- A declaração de insolvência da empresa basta-se com a cessação da respectiva laboração?

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2.2.1. A falta de indicação da lista de credores a que alude o artigo 30º nº 2 do CIRE. Consequências.

A questão que se discute insere-se dentro do formalismo processual da declaração de insolvência a que aludem os artigos 18º ss do CIRE. Após a distribuição tem lugar a apreciação liminar a que se reporta o artigo 27º o Sr. Juiz, caso entenda que o processo deve prosseguir, manda citar pessoalmente o devedor, no prazo referido no artigo anterior. No acto de citação é o devedor advertido da cominação prevista no nº 5 do artigo 30º e de que os documentos referidos no nº 1 do artigo 24º devem estar prontos para imediata entrega ao administrador da insolvência na eventualidade de a mesma ser declarada – artigos 29º nsº 1 e 2 do citado Diploma Legal.

Estatuem por seu turno os números 1 e 2 do artigo 30º que "o devedor pode, no prazo de 10 dias, deduzir oposição, à qual é aplicável o disposto no nº 2 do ar­tigo 25º.

 2 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o devedor junta com a oposição, sob pena de não recebimento, lista dos seus cinco maiores credores, com ex­clusão do requerente, com indicação do respectivo domicílio. A necessidade de a requerida listar no momento da apresentação da oposição os cinco maiores credores justifica-se desde logo porque o processo de insolvência não permite mais articulados para além da PI e da Oposição, seguindo para julgamento após a apresentação desta última quando a haja – artigo 35º do CIRE. Sendo aí declarada a insolvência, haverá que designar-se os cinco maiores credores conhecidos com exclusão do que tiver sido requerente como vem referido nos artigos 36º alínea j) e 37º nº 3 do CIRE.

Sucede que a apelante diz que não estava obrigada a indicar tais credores na medida em que a sua oposição se fundamenta na inexistência do crédito dos requerentes, sendo que o pedido formulado por estes é infundado.

A apelante não tem razão. Com a exigência de in­clusão da aludida cominação o legislador pretendeu obviar a delongas na obtenção da informação sobre os cinco maiores credores da devedora pretendendo assim, no caso de proceder o pedido de insolvência, a rápida citação daqueles. E compreende-se que a aludida falta de indicação tenha tido como consequência o não recebimento da oposição; é que a apelante na sua oposição não disse uma palavra que justificasse tal falta, sendo certo que a exigência da lei se bastaria com a declaração da sua parte de que não existiam credores, como tem entendido a Jurisprudência em casos análogos.

Improcedem pois as considerações da apelante sob este item.

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2.2.2. A declaração de insolvência da empresa basta-se com a cessação da respectiva laboração?

A apelante opõe-se à declaração da insolvência com o fundamento de que havia cessado a sua actividade em 17/10/2008, i.e. antes da presente acção haver sido intentada e disso haver feito prova com a oposição apresentada. Destarte, não seria possível declarar a insolvência que se requereu.

Também aqui a apelante carece de razão[1]; pretende no fundo equiparar a cessação dos pagamentos à extinção da empresa, aqui uma sociedade comercial; ora o termo da sociedade comercial só ocorre com a respectiva ex­tinção; e esta verifica-se apenas com a respectiva dissolução que para além dos termos previstos no contrato, passa pelo preenchimento das hipóteses previstas nas alíneas a) a e) do nº 1 do artigo 146º do Código das Sociedades Comerciais. Nada disso ocorre aqui, sendo certo que sempre recairia sobre a apelante o ónus de o demonstrar. E não o tendo feito, com mais intensidade se faz sentir o receio dos requerentes que possam vir a perder a garantia dos seus créditos, atento a que a empresa declarou já, perante as finanças, a cessação da sua actividade. Na falta de obtenção de proventos através da sua actividade justifica-se que os AA. tenham lançado mão do processo de insolvência com vista a tentar obter, liquidado o activo que eventualmente reste,  o ressarcimentos dos seus créditos sobre a empresa, alguns vencidos há muito.

Os requisitos integradores da insolvência mostram-se plenamente preenchidos atentos os factos assentes que foram devidamente escalpelizados na sentença em crise.

Nesta conformidade impõe-se a confirmação do julgado.

À guisa de sumário e conclusões poderá pois assentar-se no seguinte:

1) Em acção de insolvência impugnando o Requerido na Oposição a situação de insolvência, o ónus da indicação dos cinco maiores credores a que alude o artigo 30º nº 2 do CIRE, considera-se satisfeito com a menção de que tais credores não existem.

2) A dissolução da sociedade que gera a extinção da mesma não se confunde, nomeadamente para os termos do processo de insolvência, com a cessação da respectiva actividade.

3) Não tendo a sociedade comercial sido dissolvida, nada impede que seja requerida a respectiva insolvência.

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3. DECISÃO.

Pelo exposto decido julgar a apelação improcedente confirmando a sentença apelada.

Custas pela Apelante.

[1] Cfr. Ac. Ac. do S.T.J. de 21-5-1998 (P. 376/98) in Bol. do Min. da Just., 477, 527; da Rel. do Porto de 25-05-2000 (R. 30 545) in Bol. do Min. da Just., 497, 442.