Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
391/06.0TBOFR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: COMPRA E VENDA
VENDA DE COISA ALHEIA
COISA DEFEITUOSA
Data do Acordão: 02/10/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OLIVEIRA DE FRADES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 899º E 900º DO CC
Sumário: 1. Tendo um dos réus, não vendedor, participado nas negociações preliminares da compra e venda, sem que se tenha provado que praticou algum facto ilícito, não pode esse réu ser responsabilizado pela compra e venda que não celebrou.

2. Não condenou em objecto diverso do pedido a sentença que condenou na redução do preço como os autores haviam pedido, ainda que a sentença tenha operado a redução com base na venda de coisa defeituosa, quando os autores a haviam pedido com base na venda de coisa alheia.

3. Vendedores são os que como tais figuram na escritura de compra e venda, ainda que representados por procurador e ainda que as negociações preliminares tenham decorrido entre os compradores e um terceiro.

4. Ao caso em que é vendido como próprio um prédio como sendo composto pelas parcelas A e B, mas sendo alheia a parcela A, aplicável é o regime da venda de coisa parcialmente alheia previsto no artigo 900º do CC e não o regime da venda de coisa defeituosa ou o regime do erro sobre o objecto do negócio.

5. Sendo nula a venda quanto à parte em que a coisa é alheia, não se aplica o prazo de caducidade anual previsto para a anulabilidade.

6. Estando os compradores de boa fé e tendo os vendedores actuado com culpa, aqueles têm o direito, não só à redução proporcional do preço, mas também o direito à indemnização pelas despesas resultantes das acções em que eles tiveram de se envolver como sendo titulares do direito sobre a coisa na parte em que é alheia, nos termos do artigo 899º do CC.

Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE:

I - Relatório:

Os autores A... e mulher B... vieram intentar aos 21-11-2006 a presente acção sumária, contra:

1). C... e mulher, D...;

2). E... ;

3). F... .

Alegam os autores, em súmula, que adquiriram por escritura de compra e venda, celebrada em 2-3-2004, aos 1ºs réus, C... e mulher, o prédio rústico inscrito na matriz sob o n.º 1394 e descrito na CRP de Oliveira de Frades sob o n.º 262 da freguesia de Sejães, pelo preço de €6.000,00, além de outros dois prédios. Aquele prédio estava inscrito na matriz a favor de G... , mãe da vendedora, com a área de 1800 m2, e inscrito no registo a favor da 1ª ré por doação feita pela G.... O contrato de compra e venda foi consumado na sequência de negociações efectuadas com os 2º e 3º réus na qualidade procuradores dos 1ºs réus mas, aparentemente, também com interesses próprios no negócio, tendo sido a 2ª ré quem outorgou a escritura nessa qualidade. Foi ao réu F... que foi entregue o preço respectivo.

Mais alegam que negociaram e compraram o identificado prédio na convicção de que tal prédio tinha 1800m2, tal qual lhe foi apresentado, tendo aceite pagar os 6000 euros na base dessa metragem e na base de que ele tinha a configuração resultante do levantamento topográfico—doc nº 4, vg confinando a NW com o caminho público. Após a compra, foram os AA surpreendidos com a reivindicação da parcela de 863 m2 (sob letra A) desse prédio por H... e mulher I... . Então os AA propuseram a acção sumária 198/04 reivindicando a propriedade e posse do terreno, com a configuração do levantamento topográfico—doc nº 4 e a área de 1894 m2, acção que improcedeu, por falta de prova quanto à parcela sob letra A (tendo a parcela restante sob a letra B 1031 m2). Também improcederam as acções 237/05 e 276/05 postas pelos ora AA. Por causa das declarações da própria 1ª ré, no sentido de que o dito prédio só tinha a área de 1031 m2 e não confrontava com Junta de Freguesia, em vez de 1800 m2 (reais 1894 m2), os ora AA sucumbiram na pretensão de verem reconhecida a propriedade sobre os 1800 m2 (reais 1894 m2), pelo que ficaram na posse e propriedade de apenas 1031m2 apesar de terem pago os 1800 m2 (reais 1894 m2).

Alegam que o referido prédio só tem de área 1031m2, porquanto a área de 863m2 pertence a um outro prédio, que logo após as escrituras lhes foi reivindicado pelos donos. Por outro lado, sem a área de 863m2 o prédio não confronta a noroeste com caminho público e, por isso, o prédio fica parcialmente encravado. Os réus eram conhecedores de tais factos e não advertiram os autores dos mesmos.

Os 863 m2 eram bem alheio e daí a nulidade parcial do negócio (art. 892º do CC) com o direito dos AA à redução do negócio (art. 292º), com redução e devolução proporcional do preço e indemnização pelas despesas que tiveram em consequência essa nulidade (art. 897º a 899º).

Terminam os autores pedindo que se julgue parcialmente nulo o contrato de compra e venda do prédio supra referido e, consequentemente, se condene os réus a pagar-lhe a quantia de €6.967,79, acrescida de juros legais, pela redução do negócio e pelos prejuízos que tiveram por terem intentado duas acções e contestado uma outra em consequência dos factos supra referidos.

Na sua contestação, os réus C... e mulher vieram invocar a prescrição do alegado direito dos autores, alegando que a escritura de compra e venda do prédio foi outorgada no dia 2 de Março de 2004 e, nessa data, os autores souberam dos factos integradores da causa de pedir e do seu eventual direito que, a existir, consubstancia-se num pedido de anulabilidade parcial do negócio realizado, por erro sobre o objecto ou sobre os motivos, tendo pois decorrido mais de um ano até à propositura da acção. Face à alegada venda de bens alheios, apenas pode caber aos AA o direito a ser indemnizados nos termos do art. 899º do CC. As despesas referidas no art. 38 da petição são voluptuárias. Na escritura, só formalmente são os 1ºs réus os vendedores, mas efectivamente vendedores foram os 2º e 3º RR, que haviam comprado o prédio através da procuração notarial de 28-8-98 e pelo pagamento do preço de 1500 contos. É que os 1ºs réus tinham vendido o prédio ao réu F... e tinham passado uma procuração irrevogável à ré Ilda, porque esse réu andava em litígio com a mulher e não quis a transmissão do prédio para o seu nome. Concluíram pela sua absolvição do pedido.

Na sua contestação, os réus F... e E... vieram, além do mais, defender-se por excepção, invocando a ineptidão da petição inicial e a sua ilegitimidade. Por impugnação alegam que não eram os proprietários do prédio em causa e apenas agiram como procuradores dos réus C... e mulher, desconhecendo as características do prédio e apenas constando da escritura os dados que contavam dos doc que a instruiram.

Os autores responderam às excepções deduzidas pelos réus e concluíram como na petição.

As excepções invocadas pelos réus E... e F... foram conhecidas no saneador. Relegou-se para decisão final o conhecimento da alegada prescrição. Foram enumerados os factos assentes A) a G) e organizada base com 32 quesitos (fl. 108 a 114).

Realizou-se audiência de julgamento, que culminou nas respostas à base instrutória (fl. 363 ss do 2º vol.).

Na sentença decidiu-se julgar improcedente a excepção de caducidade do direito de acção e julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência:

 a) Condenar os réus C... e mulher D... e F... a pagar solidariamente aos autores A... e B... a quantia de €6.967,79 acrescidos de juros à taxa legal desde a citação para a presente acção;

b) Absolver a ré E... do pedido.

Inconformado, recorre o réu F..., pretendendo a sua absolvição do pedido, para o que conclui a sua alegação:

1ª- É perante a pretensão deduzida pelos autores na Petição Inicial que o apelante deve deduzir a sua defesa na Contestação;

2ª- É irrelevante a matéria factual aduzida por outros co-réus para qualificar o apelante como o real vendedor do prédio rústico em causa se este não foi considerado como tal pelos autores que o qualificam na Petição Inicial como sendo o representante e procurador dos vendedores.

3ª- O apelante não pode ser considerado representante e procurador dos autores na venda do prédio rústico em causa, provando-se que a procuração que conferiu poderes para a celebração do negócio não foi emitida a favor do apelante mas sim a favor de um terceiro que veio a outorgar a respectiva escritura pública.

4ª- Mesmo que o apelante fosse considerado procurador e representante dos autores, provando-se unicamente que foi ele quem negociou com estes o prédio em causa e recebeu o preço, e não se provando que tivesse conhecimento dos factos alegados nos artigos 10.º e 16.º da Base Instrutória, é de considerar que inexiste matéria de facto e razões de direito para o condenar no pagamento a uma quantia correspondente à redução do preço da venda por defeitos da coisa vendida.

5ª- De igual modo não se provando que o apelante era procurador e representante dos vendedores não pode este ser condenado por custos (honorários, despesas judiciais e custas de parte) que os autores tiveram com duas acções judiciais que interpuseram no desconhecimento de que prédio não tinha a configuração geométrica de um rectângulo, era parcialmente encravado a noroeste em causa, tinha uma área menor e confrontações diferentes das que constavam nos documentos que instruíram a escritura pública referida em 1.º da Matéria de Facto Assente.

6ª- De qualquer forma seria sempre de considerar que não há nexo causal entre esses custos com processos judiciais e o facto do prédio vendido ser susceptível de redução de preço ao abrigo do regime da venda de coisas defeituosas peticionada nos presentes autos.

7ª- De igual modo não é o apelante responsável pelos custos – honorários, despesas judiciais e custas de parte - de um processo judicial que terceiros interpuseram contra os compradores e outros, tendo os demandantes vindo desistir do pedido, o que foi aceite pelos apelados, sendo sempre de considerar inexistir qualquer nexo causal com a redução de preço ao abrigo do regime da venda de coisas defeituosas peticionada nos presentes autos.

8ª- Uma vez que não foi feita qualquer prova de que os vendedores (bem como dos seus representantes e/ou procuradores) agiram com dolo na celebração do negócio de compra e venda do prédio em causa, competia aos autores alegar e provar que procederam à denúncia dos defeitos da coisa vendida;

9ª- Compulsando os autos, relativamente ao prédio em causa, verifica-se que os autores compradores não alegaram que efectuaram a denúncia dos defeitos aos réus vendedores.

10ª- Não tendo os autores compradores alegado que procederam à denúncia do defeito da coisa aos réus vendedores, não se exige que estes provem o momento em que aqueles tiveram conhecimento do defeito;

11ª- Na verdade, só perante a denúncia do defeito da coisa por parte dos autores compradores é que os réus vendedores poderão reagir, excepcionando, se for o caso, a caducidade da mesma, incumbindo no entanto sobre si o ónus de provar o momento em que aquele teve conhecimento do defeito.

12ª- Não havendo dolo dos vendedores, o vício de que padece a coisa vendida é classificado como erro simples e enquadrado no regime geral previsto nos arts.º 240.º e segs. CC., aplicável atento o disposto no artº 905ºe 913º, n.º 1.

13ª- Mesmo que só tenha invocando a mera redução do negócio - rectius, do preço - os autores tinham que alegar e fazer prova de que foi essencial para os termos do negócio de compra e venda do prédio rústico Tenda o facto de acharem que ele tinha a área e confrontações constantes na escritura pública, bem como a configuração geométrica de um rectângulo que confinava a noroeste com caminho público, não sendo parcialmente encravado;

14ª- Tanto mais que o prédio rústico em causa não foi vendido “ao metro quadrado”, mas sim conjuntamente com mais dois prédios, um deles urbano.

15ª- Ao não entender assim, violou a sentença proferida pelo tribunal “a quo”, entre outros, o disposto nos artigos 247.º, 251.º, 258.º, 259.º, 483º, 563.º, 874.º,  875.º, 905.º, 909.º, 915.º, 916.º e 917.º CC e 467.º, n.º 1, al.) d) CPC.

Também inconformados, recorrem os réus C... e mulher, pretendendo que se declare a nulidade da sentença, ou se anule o julgamento ou, por fim, se revogue a sentença em apreço, absolvendo os recorrentes dos pedidos contra eles formulados, para o que concluem a sua alegação:

: a sentença é nula uma vez que nela a Mmª Juiz “a quo” condenou os Recorrentes em objecto diverso do pedido: art. 668º/1/e) do CPC. 

: deve o julgamento ser anulado, ordenando-se a ampliação da matéria de facto, de modo a nela ser integrada a factualidade alegada pelos Recorrentes nos arts. 29º a 36º da sua Contestação, repetindo-se o julgamento para decisão sobre tais factos e, bem assim, para reapreciação das respostas dadas aos nºs 6º a 9º da Base Instrutória, de modo a evitarem-se eventuais contradições na decisão;

3ª: deve considerar-se que nos autos há prova insusceptível de ser destruída por qualquer outro meio, que obriga a resposta diversa aos quesitos formulados sob os nºs 6, 7, 8, 9, 11, 12 e 23 da Base Instrutória. Assim,

: aos quesitos formulados sob os nºs 6, 7, 8, 9 e 12 da Base Instrutória deve dar-se a resposta de “Não Provado”; ao quesito nº 11 deve considerar-se como não escrito por conter conceitos de direito ou ser meramente conclusivo; e ao quesito 23º deve dar-se a seguinte resposta: Provado que, pelo menos desde 17/05/2004 os Autores tomaram conhecimento que o prédio referido em A) não tinha a área de 1.800m2 e que não confrontava a noroeste com caminho público;        

: atento o facto dos Recorrentes terem recebido do Réu F... o preço da venda que lhe fizeram dos seus três prédios sitos em Sejães, entre os quais se encontra o que está em questão nestes autos, acordando não outorgarem de imediato a competente escritura pública, mas passando à Ré E... uma procuração no interesse dela, irrevogável, através da qual lhe conferiram poderes para ela vender pelo preço e condições que entendesse, designadamente a ela mesmo esses prédios, tendo estes Réus passado a utilizar tais prédios, negociando com os Autores a sua venda, deles recebendo o dinheiro nesse negócio, que nunca entregaram aos Recorrentes, deve entender-se que efectivamente os Recorrentes venderam aos ditos Réus esses prédios e que foram estes que posteriormente os venderam aos Autores, nada tendo, por isso, os Recorrentes a ver com o negócio realizado entre os outros Réus e os Autores.

6ª: sendo o contrato realizado entre os Autores e a 2ª e 3º Réus uma compra e venda de imóveis, à mesma não se aplica o instituto jurídico da compra e venda de coisas defeituosas, porquanto os Autores não alegaram os pressupostos fácticos necessários para que o mesmo pudesse ser aplicado, já que dos factos provados se não pode concluir que a coisa vendida padeça de defeito objectivo e essencial que impeça a realização do fim a que ela se destina, seja porque a desvaloriza na sua afectação normal, seja porque a priva das qualidades asseguradas pelo vendedor. 

7ª: o direito dos Autores a ver declarada a anulabilidade parcial do contrato, reduzido o preço do mesmo ou a ser indemnizados já caducou, uma vez que logo quando intentaram a Acção com forma de Processo Sumário nº 198/04.9TBOFR (17/05/2004), tendo-se em consideração que a causa de pedir ali alegada é essencialmente a mesma que eles apresentaram nestes autos, sabiam que o seu prédio não tinha a configuração e área que invocam, pelo que quando intentaram esta acção já tinha decorrido mais de um ano sobre a data de propositura da outra;

: por carência de factos não se deve fixar o valor da redução do peço. 

: aos Recorrentes é legalmente inexigível o pagamento das despesas suportadas pelos Autores em honorários, despesas judiciais e custas de parte nos processos supra identificados, crédito este que, aliás, é ilíquido.

10ª: A Mmª Juiz ao decidir da forma como fez violou o disposto nos art.s 668º/1/e); 511º do CPC e 913º a 922 do CC, ao deles não ter feito a interpretação supra defendida.

 

Os AA contra-alegaram em relação aos dois recursos, pugnando pela confirmação da sentença.

Correram os vistos legais.

Nada obsta ao conhecimento do objecto dos recursos.

II - Questões a solucionar:

1ª). O recurso do réu F... coloca, em suma, a questão de saber se ele pode ser responsabilizado pela venda do prédio em causa aos AA, quanto à redução do preço e aos danos alegadamente daí resultantes para os AA, ou se deve ser absolvido do pedido.

O recurso dos 1ºs réus coloca, através das conclusões da alegação, as seguintes questões, a saber:

2ª). Se a sentença é nula por tê-los condenado em objecto diverso do pedido;

3ª). Se deve o julgamento ser anulado, ordenando-se a ampliação da matéria de facto de modo a nela ser integrada a factualidade alegada pelos Recorrentes nos arts. 29º a 36º da sua Contestação, repetindo-se o julgamento para decisão sobre tais factos e, bem assim, para reapreciação das respostas dadas aos nºs 6º a 9º da Base Instrutória, de modo a evitarem-se eventuais contradições na decisão;

4ª). Se a Relação pode alterar as respostas dadas aos quesitos 6, 7, 8, 9 e 12 da Base Instrutória para não provado e se a resposta ao quesito nº 11 deve considerar-se como não escrita por conter conceito de direito ou ser meramente conclusivo e se ao quesito 23º deve dar-se a seguinte resposta: Provado que, pelo menos desde 17/05/2004 os Autores tomaram conhecimento que o prédio referido em A) não tinha a área de 1.800m2 e que não confrontava a noroeste com caminho público;        

5ª). Se deve entender-se que efectivamente os Recorrentes venderam aos 2º e 3º Réus os prédios e que foram estes que posteriormente os venderam aos Autores, nada tendo, por isso, os Recorrentes a ver com o negócio realizado entre tais Réus e os AA;

6ª). Se à compra e venda de imóveis não se aplica o instituto jurídico da compra e venda de coisas defeituosas;

7ª). Se já caducou o direito dos Autores a ver declarada a anulabilidade parcial do contrato, reduzido o preço do mesmo ou a ser indemnizados;

8ª). Se por carência de factos não se deve fixar o valor da redução do preço;

9ª). Se aos Recorrentes é legalmente inexigível o pagamento das despesas suportadas pelos Autores em honorários, despesas judiciais e custas de parte nos processos supra identificados, crédito este que, aliás, é ilíquido.

III - Fundamentos:

A 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1) Em 1998 os réus C... e mulher acordaram com o réu F... a aquisição, por este, do prédio rústico denominado Tenda, terreno a pinhal, com a área de 1.800m2, a confrontar a norte com a junta de  freguesia, nascente com X...., sul e poente com Y...., inscrito na matriz sob o art. 1394, com o valor patrimonial tributário de €188,65, descrito na CRP de Oliveira de Frades sob o nº 262 da freguesia de Sejães, inscrito pelo G – um a favor da vendedora, inscrito a favor da ré D... e actualmente inscrito a favor dos autores pela inscrição G- 2 ap. 05/040315.

2) (…) mais acordaram que a escritura de compra e venda não fosse feita de imediato e, nessa sequência, em 28 de Agosto de 1998, no Cartório Notarial de Oliveira de Frades, os réus C... e mulher D..., declararam que: “constituem sua bastante procuradora E..., divorciada, natural da freguesia de Milheirós de Poiares, concelho de St.ª Maria da Feira, residente no lugar da Estrada, Mansores, Arouca, a quem concedem poderes para vender pelo preço e condições que tiver por conveniente, os prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos 1444 e 1394 e prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 54 da freguesia de Sejães, deste concelho, outorgar e assinar as respectivas escrituras, podendo a procuradora fazer negócio consigo mesma, e os representar junto de quaisquer repartições públicas, nomeadamente Repartições de Finanças e Conservatória do Registo Predial, podendo nesta última requerer quaisquer actos de registo provisórios ou definitivos, cancelamentos e averbamento, requerendo, praticando e assinando tudo o que necessário for ao cumprimento do presente mandato. A presente procuração é passada no interesse da mandatária, sendo irrevogável, nos termos do art.º 261.º, n.º 3 do art.º 265.º, n.º 2 do art.º 1170 e art.º 1175.º, todos do Código Civil.”.

3) A partir da data referida em A) o prédio aí referido passou a ser utilizado pelos réus F... e E....

4) Os Autores negociaram a aquisição do prédio referido em A) com o réu F..., demonstrando este interesse próprio no negócio.

5) Por escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Oliveira de Frades, celebrada em 2 de Março de 2004, livro 184C a fls. 2l6, a ré E..., outorgando na qualidade de procuradora de C... e D..., declarou vender e os autores declararam comprar: “por seis mil euros, o prédio rústico denominado Tenda, terreno a pinhal, com a área de 1.800m2, inscrito na matriz sob o artigo 1394, com o valor patrimonial tributário de €188,65, descrito na dita Conservatória sob o número duzentos e sessenta e dois da freguesia de Sejães, inscrito pelo G – um a favor da vendedora”.

6) O prédio referido em A) encontra-se inscrito na matriz sob o artigo 1394, a favor de G..., mãe da vendedora, com a área de 1800m2 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 262/980709 com “Rústico – “Tenda”, terreno a pinhal – 1.800m2 – norte junta de freguesia, nascente X..., sul e poente Y..., - artigo 1394” e sob a inscrição G1, ap. 02/980709, foi inscrito a favor da ré D..., casada com C... e actualmente inscrito a favor dos autores pela inscrição G 2 ap. 05/040315.

7) Os AA entregaram ao réu F... o montante referido em 5).

8) O prédio referido em 5) tem a área de 1.031m2 e a diferença de área entre a aí referida e esta - 863m2 - é pertença de um outro prédio.

9) Os autores celebraram o contrato referido em 5) na convicção que esse prédio tinha a área de 1800m2 e que tinha a configuração de um rectângulo que confinava a noroeste com caminho público.

10) O prédio referido em 5) sem a confrontação referida em 9) é parcialmente encravado, o que desvaloriza todo o prédio em montante não inferior a €1,00/ m2.

11) Logo após a aquisição referida em 5) H... e mulher I... intitularam-se donos da parcela de terreno referida em 8), na parte que confronta a noroeste com o caminho público.

12) Os réus C... e mulher D... fizeram constar nos registos anteriores a área de 1800m2;

13) Na data referida em 1) o réu F... pagou aos réus C... e mulher a quantia de 1.500.000$00 (actualmente €7.481,97).

14) Os réus C... e mulher D... só depois da escritura referida em 5) é que tiveram conhecimento desse negócio e nunca receberam o preço aí referido.

15) Na sequência do facto referido em 11) e no desconhecimento do referido em 12) os autores intentaram acção contra H... e esposa I... e Belmiro Rodrigues que correu termos neste Tribunal sob o n.º 198/04.9TBOFR e contra H... e esposa I..., J..., L... e M... sob o n.º 237/05.6TBOFR;

16) H... e mulher I... intentaram contra G..., D... e marido C... e A... e mulher B..., acção ordinária 276/05.7TBOFR.

17) Nas acções referidas em 15) e 16) os autores despenderam a quantia de €2.420,00 em honorários, €500,00 em despesas judiciais e a quantia de €453,11 em custas de parte.

                                                              xxx

O conhecimento das questões de facto é logicamente prévio ao conhecimento das questões de direito objecto do recurso, porque a aplicação do direito pressupõe assente a factualidade pertinente.

Começamos, portanto, por conhecer das enunciadas questões 3ª e 4ª.

- Sobre se deve o julgamento ser anulado, ordenando-se a ampliação da matéria de facto de modo a que na base instrutória seja integrada a factualidade alegada pelos recorrentes nos arts. 29º a 36º da sua Contestação:

A solução é negativa, dado que essa matéria alegada é irrelevante.

Na verdade, quaisquer construções erigidas pelos AA nos prédios que compraram não podem ter a virtualidade de aumentar a área do solo, diversamente do que os apelantes defendem. Nem a existência dessas construções tem a virtualidade de obstar a que se possam determinar a configuração e área de cada prédio, também diversamente do que os apelantes defendem.

- Sobre a pretendida alteração das respostas dadas aos quesitos 6, 7, 8, 9 e 12 da Base Instrutória para não provado:

Verifica-se dos autos que tais factos foram julgados provados, em parte com fundamento na prova pessoal produzida incluindo testemunhal (vd. Fl. 365). Simplesmente, não foi pedida nem realizada gravação dessa prova, de modo a poder a Relação reapreciá-la. Além disso, os autos não disponibilizam meios de prova que só por si possam conduzir à modificação da decisão desses factos (cf. Art. 712º nº 1 do CPC).

- Sobre se a resposta de provado ao quesito nº 11 deve considerar-se como não escrita por conter conceito de direito ou ser meramente conclusivo:

Aí se perguntava: o prédio referido em A), sem a confrontação referida em 9º (isto é, confinância a NW com caminho público), é parcialmente encravado?

Embora o encravamento seja conceito comum (no sentido de falta de comunicação com a via pública, no caso o dito caminho público), o conceito de encravamento parcial é algo obscuro. Verifica-se, todavia, que a motivação da decisão de facto contém a explicação do sentido: «… é parcialmente encravado só tendo acesso pelo lado de baixo com um caminho a pé» (vd. Fl. 365), aliás de acordo com o relatório pericial, com referência à data da escritura (vd. Fl. 270). Este esclarecimento podia ter sido aditado pelo julgador na 1ª instância, mas, não o tendo sido, pode a Relação aditá-lo ao provado, pois que seria injustificado anular o julgamento por causa dessa minúcia.

Assim, o facto do ponto 10) fica redigido com o aditamento desse esclarecimento: «O prédio referido em 5), sem a confrontação referida em 9), é, com referência à data da escritura, parcialmente encravado—no sentido de que só tem acesso pelo lado de baixo para um caminho a pé—o que desvaloriza todo o prédio em montante não inferior a €1,00/ m2».

- Sobre se a resposta de não provado ao quesito 23º deve alterar-se para a seguinte resposta: Provado que, pelo menos desde 17/05/2004 os Autores tomaram conhecimento que o prédio referido em A) não tinha a área de 1.800m2 e que não confrontava a noroeste com caminho público:      

Ora, o doc de fls. 161 ss mostra que nessa data os ora AA intentaram a acção 198/04 contra terceiros, mas estando os AA convencidos de que a parcela em causa (com a letra A) lhes pertencia, pois que formularam pedidos nesse sentido. E, conforme fl. 175, só em 14-3-2006 foi proferida sentença julgando tal acção improcedente. Por via de consequência, não há prova documental do facto que os recorrentes pretendem ver provado. E de prova testemunhal não dispomos, como já dissemos. Donde, não se pode alterar a resposta ao quesito (cf. Art. 712º nº 1 do CPC).

Posto isto, e para além do que se referiu a respeito do ponto 10), nada há a censurar na decisão de facto.

De direito:

Cumpre agora conhecer das questões de direito, pela ordem da interposição das apelações.

Sobre a apelação do réu F...:

Embora os AA tenham negociado com tal réu a compra e venda e embora tal réu e mulher tenham recebido o preço, tal não implica só por si algum ilícito que gere responsabilidade civil por parte do réu F... para com os AA., sabido que nem sequer a pretensão dos AA se filia no disposto no artigo 227º do CC. Pode, por hipótese, ter-se tratado de gestão de negócios, gestão que não sabemos se foi ou não autorizada ou aprovada pelos vendedores. Certo é que a compra e venda acabou por ser celebrada entre os AA e os 1ºs réus, estes como vendedores representados sim pela ré Ilda.

Nem sequer se provou que o apelante fosse o representante dos vendedores e muito menos que tivesse ocultado quaisquer factos determinativos da vontade negocial dos autores.

Nem se provou sequer que o apelante tivesse conhecimento da área real do prédio rústico em causa e que conhecesse os seus limites e configuração geométrica. Pelo contrário, provou-se que foram os co-réus C...e mulher D... que fizeram constar no registo predial que o prédio em causa tinha a área de 1 800 m2 do prédio.

Face ao provado, não se encontra preenchido qualquer dos requisitos do artigo 483º nº 1 do CC, para responsabilizar tal réu por facto ilícito.

Consequentemente, não devia a sentença ter condenado o réu F..., antes o devia ter absolvido do pedido. A sua apelação procede.

Sobre a apelação dos 1ºs réus:

Questão da nulidade de sentença:

Não se verifica a condenação em objecto diverso do pedido, dado que os AA haviam pedido a condenação dos réus a pagar-lhe a quantia de €6.967,79, acrescida de juros legais, pela redução do negócio e pelos prejuízos que tiveram, e foi precisamente nisso que a sentença condenou os réus.

Questão de saber quem foram os vendedores dos prédios aos AA:

Entendem os apelantes que efectivamente os Recorrentes venderam aos 2º e 3º Réus os prédios e que foram estes que posteriormente os venderam aos Autores, nada tendo, por isso, os Recorrentes a ver com o negócio realizado entre tais Réus e os AA.

Ora, o provado mostra claramente que foram os ora apelantes quem vendeu aos AA, conforme ponto de facto 5). Não vem provada qualquer venda dos 1ºs réus aos 2º e 3º réus, designadamente do provado não resulta, atentos os cânones interpretativos do artigo 238º do CC, que a procuração passada a Ilda “encerre um verdadeiro negócio translativo de propriedade” como os apelantes defendem.

Questão de saber se ao caso dos autos não é aplicável o regime da compra e venda de coisas defeituosas, regime que a sentença aplicou:

Enquanto os AA defendiam na petição que o caso era de venda de coisa alheia, os ora réus defendiam na contestação, ao invocarem o decurso do prazo prescricional de uma ano, que o negócio realizado enfermava de anulabilidade parcial, por erro sobre o objecto ou sobre os motivos. No recurso, falam em anulabilidade parcial.

A sentença discorreu: «Desde já se diga, o que vamos fazer de forma perfunctória, que não estamos na presença de venda de coisa alheia, tal como configuram a acção os autores. A venda de coisa alheia pressupõe que o objecto vendido seja alheio e não que se tenha adquirido um terreno na suposição de que teria determinadas características - áreas e confrontação - e não as ter».

Ora, está provado que a parcela com a área de 863m2 (parcela sob a letra A no levantamento topográfico a fl. 29 ou 165) é pertença de um outro prédio, prédio que conforme consta da certidão junta a fls. 161 a 175 e extraída do dito Pº 198/04 é pertença de H... e mulher, ali demandados (estes são os referidos no ponto de facto 11 da sentença sob recurso). Tal significa que a parcela de 863 m2, confinante com o caminho público a norte (ou NW), o mesmo é dizer confinante com a Junta de Freguesia, é terreno alheio aos vendedores 1ºs réus.

Os vendedores agiram na prossecução do seu interesse (a tal não obstando a representação na escritura), declarando ser titulares do prédio confinante a NW com o caminho público e que teria 1800 m2, quando na realidade que depois se veio a verificar não o eram na sua totalidade, mas apenas titulares da parcela com 1031 m2.

Consequentemente, a compra e venda provada no ponto de facto nº 5 é compra e venda de bem parcialmente alheio ([1]). Só a parcela de 1031 m2, correspondente à letra B do dito levantamento topográfico, pertencia aos 1ºs réus vendedores. A parcela de 863 m2, correspondente à letra A do dito levantamento topográfico e confinante com a Junta ou caminho público, foi vendida pelos 1ºs réus aos AA em nome próprio como sendo própria, mas é alheia; e não consta qualquer autorização dos seus titulares para tal venda.

A coisa objecto da venda foi o prédio como sendo composto das ditas parcelas A e B e não se pode afirmar haver defeito nesse objecto. O facto de uma parcela ser alheia não torna viciosa a coisa vendida. Donde, o regime não é o de venda de coisa defeituosa.

Também o caso não suscita a aplicação do regime geral do erro sobre o objecto, embora se possa dizer que os compradores estavam em erro ao estarem convictos de que os vendedores eram donos do prédio como sendo o somatório das duas parcelas. É que a figura geral do erro é consumida pela figura específica da venda de coisa parcialmente alheia.

O caso é pois de venda de coisa parcialmente alheia, a que é aplicável o disposto no artigo 902º do CC ([2]), e não é de venda de coisa defeituosa como o entendeu a sentença, nem é de erro sobre o objecto como pretendia a contestação dos 1ºs réus.

Se a venda recair sobre bens parcialmente alheios, o artigo 902º do CC admite a possibilidade de o contrato valer no que respeita à parte pertencente ao vendedor, por força da aplicação do regime da redução do negócio jurídico, previsto no artigo 292º do CC. Portanto, a venda de bens parcialmente alheios será em princípio válida em relação à parte que pertencia ao vendedor, sendo nula quanto à parte restante, aplicando-se a esta o regime da venda de bens alheios e sendo o preço estipulado proporcionalmente reduzido ([3]). Sem prejuízo do direito dos compradores à indemnização nos termos dos artigos anteriores ao 902º para onde este remete.

Questão de saber se caducou o direito dos AA à anulabilidade parcial, à redução do preço e à indemnização:

Os 1ºs réus entendiam na contestação que decorrera o prazo de um ano para a anulação por erro, tendo para o efeito invocado discriminada e expressamente a excepção como sendo de prescrição. A sentença conheceu da questão como sendo sim da “caducidade ou não do direito de acção” e considerou:
«O comprador, nos termos dos arts. 916.º e 917.º do citado Código, deve denunciar ao vendedor o vício do contrato, ou a falta de qualidade da coisa, excepto havendo dolo do vendedor, nos prazos curtos previstos no art. 916º, nº 2, do Código Civil, e intentar a “acção de anulação por simples erro”, no prazo previsto no art. 917º, sob pena de caducidade.
«O DL 267/94 alterou, ainda, o art. 916º do Código Civil, que passou a ter a seguinte redacção:
“1. O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este houver usado de dolo.
2. A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.
3. Os prazos referidos no número anterior são, respectivamente, de um e de cinco anos, caso a coisa vendida seja um imóvel”.
«Este normativo estabelece um prazo de garantia, tendo por limite cinco anos, após a entrega da coisa, sendo esta um imóvel, quando não tiver a qualidade exigida.
“No fundo, em relação à denúncia, sendo a coisa vendida imóvel, o prazo de trinta dias passa para um ano e o prazo de garantia de seis meses para cinco anos. Verificou-se, pois, um alargamento dos prazos estabelecidos no art. 916° Código Civil.” Direito das Obrigações-Parte Especial”, pág.133, de Pedro Soares Martinez.
«Temos, assim, que os autores tinham o prazo de um ano, após o conhecimento do defeito, para o denunciarem aos réus vendedores.
«Ora, os réus não provaram quando os autores tiveram conhecimento dos defeitos, como lhes competia pela repartição do ónus da prova – art.º 342.º, n.º 2, do CC.
«Por outro lado a venda foi efectuada em 2 de Março de 2004 e a acção foi intentada em 21.11.06, dentro do prazo de 5 anos, fizeram-no atempadamente já que com a propositura da acção – art. 331º, nº1, do Código Civil – impediram a caducidade»--SIC.

Sucede que a questão posta pelos réus não respeitava à caducidade no âmbito da venda de coisa defeituosa, mas sim à extinção do direito de anulação pelo decurso do prazo anual a que se refere o artigo 287º do CC. O juiz conheceu de questão que não lhe foi colocada e não conheceu da questão que os réus suscitaram.

Suprindo a nulidade da sentença, temos a dizer que o caso não é de anulabilidade como os apelantes pretendem, razão pela qual o artigo 287º do CC não é aplicável. O caso é sim de nulidade parcial do negócio. E a arguição de nulidade não está sujeita a prazo, dado que pelo artigo 286º do CC pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado.

Nem o direito à redução e à indemnização está sujeito a prazo curto para o seu exercício, pois que nos situamos no âmbito da responsabilidade contratual pela compra e venda em que não se aplicam os preceitos da venda de coisa defeituosa ou do regime geral do erro.

Questão de saber se por carência de factos não se deve fixar o valor da redução do preço:

Inexiste carência de factos para o efeito.

Os AA haviam pedido, dentro do montante global de € 6967,79, o parcelar de € 2563,32 pela redução proporcional do preço pago, que fora de € 6000,00 atendendo a que o prédio teria 1800 m2.

A sentença acolheu aquele montante de € 2563,32, dentro do global pedido.

Sucede que na verdade, segundo o perito avaliador, o prédio teria realmente 1894 m2. E está provado que a parte alheia tem 863 m2 e que a parcela sob a letra B tem 1031 m2. Ora, €6000: 1800 m2 x (1800-1031 m2) = € 6000:1800 m2 x 769 m2 = € 2563,32. Logo, os AA pediram a redução apenas em relação à diferença de 769 m2, pois que haviam aceite o prédio como tendo 1800 m2 em vez dos 1894 m2 reais. Ora, isto não prejudica os réus, antes os beneficia.

Os factos provados são suficientes para operar a redução.

Questão de saber se aos recorrentes é legalmente inexigível o pagamento das despesas suportadas pelos Autores em honorários, despesas judiciais e custas de parte nos processos supra identificados, crédito este que aliás é ilíquido:

Os AA são compradores de boa fé, pois que ignoravam que os vendedores não eram donos da parcela sob a letra A com 863 m2. De tal modo estavam convictos de que o prédio comprado englobava essa parcela que intentaram duas das referidas acções para fazerem valer o seu suposto direito contra terceiros e viram-se co-demandados noutra daquelas acções como adquirentes do prédio afinal parcialmente alheio.

Por sua vez, os 1ºs réus tinham o dever de elucidar os AA da dimensão real do prédio matriciado 1394 que lhes venderam e que lhes pertencia, ou seja, de que o prédio se reduzia à parcela sob a letra B, com 1031 m2. Em vez disso, apresentaram documentos das Finanças e do registo em face dos quais o prédio teria 1800 m2 e confrontaria a norte com caminho público (ou Junta de freguesia). Ou seja, agiram com culpa.

Daí que, nos termos do artigo 899º do CC, os 1ºs réus sejam responsáveis pela indemnização dos danos emergentes, designadamente das despesas que os AA de boa fé se viram obrigados a suportar com tais acções e que, se não fora a venda de prédio parcialmente alheio, não teriam de suportar. E o crédito por essas despesas é líquido.


Síntese conclusiva:
1. Tendo um dos réus, não vendedor, participado nas negociações preliminares da compra e venda, sem que se tenha provado que praticou algum facto ilícito, não pode esse réu ser responsabilizado pela compra e venda que não celebrou.
2. Não condenou em objecto diverso do pedido a sentença que condenou na redução do preço como os autores haviam pedido, ainda que a sentença tenha operado a redução com base na venda de coisa defeituosa, quando os autores a haviam pedido com base na venda de coisa alheia.
3. Vendedores são os que como tais figuram na escritura de compra e venda, ainda que representados por procurador e ainda que as negociações preliminares tenham decorrido entre os compradores e um terceiro.
4. Ao caso em que é vendido como próprio um prédio como sendo composto pelas parcelas A e B, mas sendo alheia a parcela A, aplicável é o regime da venda de coisa parcialmente alheia previsto no artigo 900º do CC e não o regime da venda de coisa defeituosa ou o regime do erro sobre o objecto do negócio.
5. Sendo nula a venda quanto à parte em que a coisa é alheia, não se aplica o prazo de caducidade anual previsto para a anulabilidade.
6. Estando os compradores de boa fé e tendo os vendedores actuado com culpa, aqueles têm o direito, não só à redução proporcional do preço, mas também o direito à indemnização pelas despesas resultantes das acções em que eles tiveram de se envolver como sendo titulares do direito sobre a coisa na parte em que é alheia, nos termos do artigo 899º do CC.

IV - Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam no seguinte:

a). Em julgar procedente a apelação do réu F..., revogando a sentença na parte em que o condenou e consequentemente absolvendo-o do pedido;

b). Em julgar improcedente a apelação dos 1ºs réus, C... e mulher, D..., confirmando a decisão impugnada na parte que lhes respeita, embora com diferente fundamento (que é o do regime da venda de coisa parcialmente alheia).

Custas da apelação do réu F... pelos AA.

Custas da apelação dos 1ºs réus a cargo destes.

[1] «Podemos falar de venda de bens parcialmente alheios quando uma parte material da coisa alienada pertence a pessoa diferente do vendedor…» --Diogo Bártolo, Venda de Bens Alheios, in Estudos em Homenagem ao Prof. I. G. Telles, IV, 2003, p. 397.


[2] Preceitua o artigo: «Se os bens só parcialmente forem alheios e o contrato valer na parte restante por aplicação do artigo 292º, observar-se-ão as disposições antecedentes quanto à parte nula e reduzir-se-á proporcionalmente o preço estipulado».
[3] Neste sentido, cf. Diogo Bártolo, op. cit, p. 397.