Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
288/07.6GTAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
CONTRAPROVA REALIZADA NO MESMO APARELHO
Data do Acordão: 12/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE AVEIRO – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 292º, Nº 1 CP, 153º,3, 4 DO CE, 2º E 3º DO DECRETO REGULAMENTAR Nº 24/98, DE 30 DE OUTUBRO
Sumário: 1. O novo exame/ contraprova de ar expirado, deve ser feito noutro aparelho analisador quantitativo, o que está de acordo com a necessidade de o examinando ser conduzido ao local onde possa ser feito o novo exame de contraprova, previsto no art.º 153º 4 do CE.
2. Sendo feito no mesmo aparelho é violada esta norma procedimental , e consequentemente não estamos perante uma contraprova, por falta de requisitos ou perante uma contraprova ilegal
Decisão Texto Integral: Por decisão proferida no processo comum singular nº 288/07.6GTAVR.C1 do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Aveiro o arguido AJ... foi condenado como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punido no art. 292° n° 1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de €10 (dez euros) e na inibição de conduzir pelo período de 5 (cinco) meses.

Inconformado com a decisão interpõe recurso com as seguintes conclusões:
1 . O recorrente foi condenado pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 10,00, e a que correspondem, subsidiariamente, 40 dias de prisão, na inibição de conduzir pelo período de 5 meses e, bem assim, nas custas do processo e em procuradoria.
2. O Tribunal a quo considerou provado, entre outros, que no dia 27 de Julho de 2007, cerca das 1 h50, na EN 109-7, na Rotunda das Pirâmides, em Aveiro, o arguido, ora recorrente, conduzia o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula 00-XX-00, após ter ingerido bebidas alcoólicas e apresentado uma Taxa de Álcool no sangue de 1,38g/l.
3. Ora, na preparação do recurso de apelação que se encontrava a minutar, constatou que a parte final do testemunho prestado na audiência de julgamento pelo agente da GNR-BT, soldado AM…com particular incidência entre os minutos 12 e 14 da gravação efectuada sob o n. 20080702144618-185766-64164, realizada entre as 14:45:12 e as 15:00:04 a 2 de Julho de 2008- se encontra omissa/imperceptível/inaudível.
4. E a verdade é que o identificado testemunho incide sobre factos que o Tribunal deu como provados e nos quais se estribou para sustentar a decisão proferida.
5. Assim sendo, verifica-se, in casu, a nulidade a que aludem os artigos 201º e 205º do C.P.C. na medida em que aquela omissão impossibilita o recorrente de fazer uso cabal do disposto no artigo 690º-A daquele diploma, por aplicação do artigo 4º do C.P.P., o que se alega.
6. Nesta conformidade, deverá na procedência da arguida nulidade ser anulado o depoimento daquela testemunha e, bem assim, a resposta que o Tribunal deu aos factos sustentados nesse mesmo testemunho e prejudiciais ao arguido, mais que não fosse pela aplicação do princípio in dubio pro reo..
Posto isto,
7. Da fundamentação concreta para a decisão da causa, o Tribunal a quo teve em conta, desde logo, que, após despistagem positiva, foi o arguido foi submetido ao teste de alcoolemia através do aparelho de análise quantitativa "Drager", que primeiro deu a taxa de 1,35g/l.
8. Seguidamente, e como o arguido requereu contraprova, foi o mesmo submetido a novo teste de ar expirado - no mesmo aparelho - vindo então a acusar a apurada taxa de 1,38g/l.
9. Ora, as regras da aquisição de prova para a determinação do estado de alcoolemia na condução estão fixadas no artigo 153.o do Código da Estrada e, no que se refere em particular às condições e possibilidade de realização da contraprova por utilização do mesmo analisador, regia, à data, o artigo 3º do Decreto Regulamentar 24/98 de 30 de Outubro.
10. Nada impedia os agentes fiscalizadores de fazerem deslocar o arguido para a realização da contraprova por si solicitada a um outro analisador, dentro do prazo previsto nas disposições supra citadas.
11. E nada obstava a que, admitida essa impossibilidade, pudesse ter sido concedido ao arguido contraprova por recolha de sangue, conforme oportuna e tempestivamente requereu e lhe foi negado.
12. Sim, foi-lhe negado o exercício de tal direito porque não só o afirmou o arguido como o soldado da GNR-BT, entidade autuante e única testemunha inquirida, declarou "Não. Sinceramente não recordava. quando lhe foi perguntado "Recorda-se que este senhor pediu a contraprova?" - do que adiante se dará melhor conta.
13. A ilicitude típica e a exigência de prova obtida por meios legais necessários obstam a que se possa fixar o preenchimento de qualquer infracção.
14. Para o arguido não se tratou de erro material na medida em que se mostra inserido (e não é irrelevante) na determinação da pena que por ele se mostra viciada na dosimetria concreta.
15. Ainda para mais quando sentiu, insistentemente, que o Mmº Juiz, mais do que pretender apurar os factos constantes da acusação, dedicou grande parte do tempo a comentários, insinuações e conclusões.
16. Talvez com o intuito de afastar a fragilidade do depoimento da única testemunha arrolada que, por sinal, não se lembrava de nada em concreto...
17. Embora de uma coisa soubesse claramente: que a «contraprova» tinha sido feita no mesmo aparelho onde tinha sido feita a prova.
18. Não obstante, esta mesma testemunha atestou um facto notório: "Há vários aparelhos [leia-se, em Aveiro]. Nós é que só circulamos com um aparelho.".
19. Corroborando, igualmente, que ao Hospital de Aveiro demorariam menos de 5 minutos.
20. Nestes termos, e para além dos erros de apreciação da matéria de facto, violou o Tribunal a quo o estatuído nas disposições citadas do artigo 153º do Código da Estrada, dos artigos 2º e 3º do Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30 de Outubro, e, por via delas, os artigos 292.oe69.o do Código Penal.
21. Para além do mais, o artigo 153º, n.º 3 do C.E., dispõe, a respeita da contraprova subsequente a um exame com resultado positivo “... deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinado: a) Novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado; ou b) Análise de sangue.".
22. Por seu turno, decorre do n. 4 do citado artigo, que, no caso de opção pelo novo exame através de ar expirado "... o examinado deve ser de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado. " .
23. Também desta norma decorre que o examinado, escolhendo o meio de contraprova, se optar por novo exame através de aparelho aprovado, deve ser conduzido a local onde possa fazer esse exame.
24. Esta diz-nos: se necessário, deve ser conduzido a local onde possa fazer esse exame e será «necessário» quando não possa ser feito no mesmo local, ou seja, prima facie, quando não estejam reunidas as condições para o efeito.
25. Contudo, dos autos resulta que o arguido não foi conduzido a nenhum local para efectuar o novo teste, a requerido contraprova, pois, aquele acabou por ser efectuado no mesmo aparelho.
26. Assim, sendo o novo exame feito no mesmo aparelho, existe a violação de uma norma procedimental, implicando, de per si, estarmos perante uma contraprova inválida por falta de requisitos ou, até, perante uma contraprova ilegal.
27. Diga-se, no sentido de esclarecer, que o Decreto Regulamentar admite que o teste de contraprova seja efectivado no mesmo aparelho quantitativo, mas só no caso de não ser possível recorrer a outro no mesmo prazo.
28. Ou seja, só pode ser utilizado o mesmo aparelho caso não seja possível recorrer a outro (e isso só pode acontecer se o local onde se encontra o outro aparelho estiver a mais de 15 minutos de distância, caso contrário o examinando tem de ser lá conduzido).
29. Fazer assim a contraprova no mesmo aparelho sem que se observe o requisito, "não ser possível recorrer a outro" é o mesmo que ter efectuado um exame que não podia ser feito, porque não reunia as condições para ser usado o mesmo aparelho.
30. Face a tal factualidade, nada impedia que se tivesse recorrido a outro analisador, tendo em conta, desde logo, a proximidade do quartel - seguramente a menos de 5 minutos.
31. Até porque, então para que serviriam os outros aparelhos se numa noite em que existem diversas patrulhas, com dezenas de agentes, circulam com apenas um?
32. Com a devida vénia, permita-se-nos a transcrição do douto aresto da Relação do Porto, com data de 30 de Abril de 2008, in www.dgsi.pt, que se pode encontrar sob o n.o 0810062:
"Assim, das duas, uma:
- ou tinha outro aparelho e então não podia fazê-lo no mesmo;
- ou não tinha outro aparelho e então tinha de conduzir o examinando ao local onde este se encontrasse. Se por acaso este outro aparelho estivesse a uma distância superior a 15 minutos, a autoridade policial devia informar o arguido desse facto, a fim de ele conscientemente manter ou não a opção pelo "novo exame de ar expirado em aparelho aprovado", pois que o que ele havia requerido tinha de ser feito no aparelho posto em causa ao requerer a contraprova.".
33. Para além do sobredito, na sentença nem sequer é referido que o aqui recorrente, tivesse concordado com a realização do novo exame no mesmo aparelho.
34. Aliás, devia ter sido comunicado ao arguido a inexistência de outro aparelho e, assim esclarecido, poderia este ter insistido na realização de análise ao sangue ou então optado pela manutenção na realização do exame no mesmo aparelho.
35. Por tal, havendo um novo exame, no mesmo aparelho, sem que o mesmo tenha sido sujeito a qualquer alteração, faz com que estejamos perante repetição do exame e não propriamente ante uma contraprova.
36, Aqui chegados, não estando preenchidos os requisitos através dos quais a lei permite o recurso ao mesmo aparelho para realizar o novo exame, este não é conforme à lei, daí que se tenha a prova por inválida.
37. Como as nulidades resultantes da produção de prova proibida são de conhecimento oficioso, e têm "...um tratamento ainda mais radical que o das nulidades propriamente ditas: as provas obtidas ilegalmente não podem ser utilizadas como prova, sendo o recurso a elas um erro de direito".
38. Pelo exposto, a realização do novo exame no mesmo aparelho quantitativo, fora das condições legalmente exigidas para o efeito, e sem dar conhecimento desse facto ao arguido deverá ser declarada inválida e, consequentemente, não valorada.
39. Em suma, peticiona-se a reapreciação da matéria de facto, revogando-se a mesma no sentido supra referido e, bem assim, o reconhecimento da nulidade da obtenção da prova por violação das regras de contraprova e, em consequência, deverá a sentença posta em crise ser revogado face à invalidade/ilegitimidade da prova produzida, absolvendo-se o arguido da prática do crime que lhe vem imputada e correspectiva sanção acessória de inibição de conduzir, custas do processo e procuradoria.

O recurso foi admitido.

Na resposta diz o Ministério Público:
1.- O depoimento do soldado AM…tem a duração total de quase 15 minutos, sendo que, em menos de 2 minutos de tal depoimento, é difícil compreender o mesmo, já que o referido militar se terá aproximado da bancada do Mmº. Juiz para ser confrontado com elementos do processo e aí, longe do microfone, terá dito algumas palavras.
2.- Estas palavras foram ouvidas por todos os sujeitos processuais e devidamente contraditadas, afigurando-se manifestamente inverosímil que, em tal momento, a testemunha tivesse deposto em sentido contrário ao resto do seu - aliás extenso depoimento.
3.- Acresce que, quando a testemunha voltou ao seu lugar, foi, em síntese, repetido o que, entretanto, teria dito.
4.- Da audição do depoimento do identificado militar decorre que o mesmo, de forma clara, coerente e credível, confirmou os factos constantes da acusação e, quase um ano volvido sobre os factos, não se lembrando da situação concreta, explicou ao Tribunal a sua forma de actuação quando em operações de fiscalização de condutores que, garantiu, é sempre a mesma, pelo que foi a seguida com o arguido, como também garantiu.
5.- A circunstância de algumas palavras do referido depoimento serem imperceptíveis não constitui nulidade mas mera irregularidade processual, que, como tal, está sujeita ao regime do artigo 123.o, do Código de Processo Penal, ou seja, quando muito, dá lugar à repetição do acto, à qual, atenta a essencial idade de tal depoimento para a formação da convicção do julgador, nada se opõe, embora se considere tal acto desnecessário, em face do que, supra, se expôs.
6.- O Tribunal a quo fez uma adequada apreciação da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, tendo concluído pela prática dos factos mediante a apreciação do depoimento prestado pelo arguido, pela testemunha da acusação, conjugado com os demais elementos do autos, designadamente os talões do alcoolímetro.
7.- Não obstante a testemunha da acusação não se lembrasse concretamente da situação dos autos - o julgamento ocorreu quase um ano depois dos factos - do seu depoimento decorre que, como em todas as outras fiscalizações de condutores, deu conhecimento ao arguido da possibilidade de requerer contraprova, por novo exame ao ar expirado, a ser feito no mesmo aparelho, já que não havia outro disponível, ou por colheita de sangue. O arguido, devidamente esclarecido, optou pela primeira das referidas formas.
8.- O teste - contraprova incluída - foi efectuado com cumprimento de todas as disposições legais e regulamentares aplicáveis (cfr. o art. 153° do Código da Estrada e o Decreto Regulamentar n.o 24/98, vigente à data dos factos ), sendo, pois, inatacável o seu valor probatório.
9.- A decisão proferida quanto aos factos foi a única possível, atenta a prova dos autos.
Termos em que deve ser julgado improcedente o recurso do arguido, confirmando-se, assim a sentença recorrida.

Nesta instância a Exmª Procuradora - Geral Adjunta é de parecer que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

O recurso convoca duas questões:
1.- Nulidade por lapso de gravação;
2.- Legalidade da Prova.

Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 27 de Julho de 2007, cerca de 1h50m, na EN 109-7, na Rotunda das Pirâmides, em Aveiro, o arguido conduzia o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula 00-XX-00, após ter ingerido bebidas alcoólicas e apresentando uma Taxa de Álcool no Sangue de 1 ,38 g/1
2. Não obstante a ingestão das referidas bebidas alcoólicas e apesar de não saber concretamente qual a taxa de álcool que poderia apresentar quando iniciou a condução e enquanto a manteve, o arguido agiu com vontade livre e consciente ao conduzir tal veículo, tendo conhecimento que conduzir veículos automóveis com tal taxa de álcool no sangue era proibido e punido por lei.
3. No essencial confessou os factos e mostra-se arrependido.
4. Aufere mensalmente cerca de €2.000.
5. Vive, com a esposa em casa própria, pagando ao banco cerca de €850 mensais pelo empréstimo contraído com a aquisição da casa.
6. Tem o 11° ano de escolaridade.
7. Em Setembro de 2002, o arguido já havia sido condenado, em pena de multa e na respectiva pena acessória de proibição de conduzir, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez. Entretanto, e após estes factos, foi condenado, por crime de peculato, em pena de prisão suspensa na sua execução.
Não se provaram outros factos da acusação que estejam em contradição com os assentes e que tenham relevância para a decisão da causa, designadamente:
- que a condução efectuada pelo arguido tivesse ocorrido concretamente pelas 02h01m.

Indicação probatória.
O tribunal, num juízo crítico de apreciação da prova produzida, formulou a sua convicção, quanto aos factos dados como provados, tendo por base os seguintes elementos:
a) nas declarações do arguido que confirmou a condução do veículo em causa no contexto espaço-temporal, bem como a sua submissão ao teste de alcoolémia, afirmando saber que não lhe era permitida a condução com tal taxa de álcool. Admitiu que antes dos factos havia ingerido vinho tinto e um pouco de whisky. Igualmente foram tidas em conta as suas declarações quanto à sua situação económica, familiar e habilitações literárias;
b) no depoimento da testemunha AM… (soldado da GNR/BT), o qual com grande sentido de isenção e de forma clara se pronunciou quanto ao modo e contexto espaço-temporal em que os factos ocorreram. Referiu tal testemunha que, no âmbito de uma acção de fiscalização (vulgo STOP) que estava a ser realizada naquele local, mandou parar o arguido que conduzia o veículo em causa, tendo submetido o mesmo ao teste de pesquisa de álcool, primeiro através de um aparelho de despistagem. Pelo facto de acusado taxa positiva, foi o arguido submetido ao teste de alcoolémia através do aparelho de análise quantitativa "DRAGER", que primeiro deu a taxa constante do primeiro talão de fls. 5. Como o arguido requereu a contraprova através de novo teste de ar expirado, submeteu-o a tal contraprova, vindo então a acusar a apurada taxa de 1,38 g/l. Disse ainda que o arguido teve um comportamento correcto e colaborante;
c) no teor dos seguintes documentos: segundo talão do aparelho Drager que evidencia a realização do teste às 02:01 horas e acusa 1 ,38 g/1 (situação esta conjugada com o que dispõe o n° 6 do art. 153° do Código da Estrada), bem como no teor do C.R.C. de fls. 86 a 88;
d) nas regras da experiência comum ligadas à liberdade de actuação no exercício daquela condução e à consciência da ilicitude por parte do arguido, tanto mais que aquela taxa de álcool só poderia advir de uma anterior ingestão de bebidas alcoólicas, sendo que o arguido até referiu que ao jantar, antes dos factos, havia ingerido vinho tinto e um pouco de whisky.

Quanto aos factos dados como não provados não foi feita prova dos mesmos por forma a que pela positiva, pudessem ser tidos como assentes. Com efeito, e para além de, pela testemunha AM…, ter sido dito ter mandado parar o arguido poucos minutos antes do primeiro teste, resulta do primeiro talão de tIs. 5 que pela 1.57 horas o arguido estava a fazer um teste de alcoolémia e que pelas 02.01 horas é que realizou o novo teste de ar expirado, situações estas que afastam o alegado na acusação de que ás 02.01 horas o arguido ainda estivesse a conduzir.

1.- Da deficiente gravação
Alega o recorrente que na preparação do recurso de apelação constatou que a parte final do testemunho prestado na audiência de julgamento pelo agente da GNR-BT, soldado AM… com particular incidência entre os minutos 12 e 14 da gravação efectuada sob o n. 20080702144618-185766-64164, realizada entre as 14:45:12 e as 15:00:04 a 2 de Julho de 2008 se encontra omissa/imperceptível/inaudível.
A documentação das declarações prestadas oralmente na audiência e a posterior transcrição das provas que impõem decisão diversa da recorrida constituem base da reapreciação da decisão em matéria de facto (arts. 363.º e 412.º, n.ºs 3, al. b), e 4, do CPP).
O recorrente, quando questiona a matéria de facto, deve indicar os segmentos da decisão que pretende impugnar e, concomitantemente, indicar em relação a cada um daqueles segmentos quais as provas que suportam a sua discordância em relação à sentença. Por isso impõe-se a documentação da prova para que a impugnação seja deduzida de acordo com o disposto no artigo 412° n. 3 do Código de Processo Penal.
As deficiências de gravação não traduzem nulidade, mas mera irregularidade. Dispõe o art. 118°, n° 1, do Código de Processo Penal, que "a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo Penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei", acrescentando o nº 2 do mesmo artigo que "nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular".
A falta de gravação de prova produzida em audiência, quando aquela tiver sido expressamente requerida ou não tiver sido prescindida, conforme os casos, não vem expressamente prevista no elenco das nulidades constante dos arts. 119º e 120º, razão pela qual, por força do disposto no art. 118°, constitui mera irregularidade, sujeita ao regime de arguição e de sanação do art. 123°, nºs 1 e 2. Neste sentido se decidiu no Ac. do STJ (fixação de jurisprudência) n° 5/2002 .
Mesmo a entender-se que a irregularidade em causa podia afectar a validade do acto praticado (art. 123 nº 2, do CPP), sempre caberia dizer que o referido vício só poderia ser oficiosamente reparado enquanto estivesse em curso a diligência processual em que o acto foi praticado e nunca em fase posterior, mormente em sede de conhecimento de recurso (cf Gil Moreira dos Santos, in Noções de Processo Penal, 2a Ed.. pp.217-218)".
No caso vertente, a irregularidade decorrente da falta de gravação integral dos depoimentos prestados em audiência foi arguida pelo recorrente, mas só no prazo previsto para motivação do recurso.
Por isso não foi aceite por despacho devidamente fundamentado do Srº Juiz a fls.189.
Como decorre do que antes se consignou, a irregularidade cometida não afectava o acto processual praticado (a audiência de julgamento), mas apenas e tão só um direito disponível - o direito de interpor recurso da matéria de facto -, pelo que só determinaria a invalidade do acto se fosse tempestivamente arguida; no caso, arguida no próprio acto, como determina o n 1 do art. 123°. Não o tendo sido, é extemporânea a sua arguição em sede de recurso, devendo a irregularidade ter-se por sanada Confronte neste sentido Acórdãos do STJ de 26-09-2007 e de 27-04-2006, Proc. n.º 4012/05 - 5.ª na Base de Dados da DGSI..
O arguido deveria averiguar do conteúdo da gravação enquanto decorria a audiência, uma vez que se encontrava presente no acto.
A não documentação das declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento, contra o disposto no art. 363.º do CPP, constitui mera irregularidade, sujeita ao regime estabelecido no art. 123.° do mesmo diploma legal, pelo que uma vez sanada o tribunal já dela não pode conhecer – as irregularidades têm de ser arguidas pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado, sem prejuízo de o poderem ser nos três dias úteis subsequentes a tal prazo, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do art. 145.º do CPC, aqui aplicável por força do art. 104.º do CPP (Ac. do STJ de 04-01-2006, Proc. n.º 1834/05 - 3.ª).
Acresce que para além das razões de intempestividade só do despacho de fls. 189 é que haveria lugar ao recurso.
Mas para além do exposto e para que fique claro que não claro que não há preclusão de qualquer garantia por falta de exercício tempestivo, não é verdade que a gravação contenha a aludida deficiência. A gravação do depoimento da testemunha AM… é clara absolutamente perceptível e não há qualquer omissão ou deficiência que perturbe a sua integral compreensão.
Pelo exposto não procede a alegada irregularidade.

2.- Da Legalidade da Prova

De seguida questiona a forma como a prova foi obtida. Nada impedia os agentes fiscalizadores de fazerem deslocar o arguido para a realização da contraprova por si solicitada a um outro analisador, dentro do prazo previsto no artigo153º do Código da Estrada no que se refere em particular às condições e possibilidade de realização da contraprova por utilização do mesmo analisador Convém referir que o Decreto Regulamentar 24/98 de 30 de Outubro estava em vigor à data dos factos e só foi revogado pela lei nº18/2007 de 17 de Maio em 17 de Agosto. e nada obstava a que, admitida essa impossibilidade, pudesse ter sido concedido ao arguido contraprova por recolha de sangue, conforme oportuna e tempestivamente requereu e lhe foi negado.
Há dois aspectos distintos nesta alegação: o método de obtenção da prova e os factos que a determinam ou convocam. Ou seja conforme a versão de facto assente ter-se-á que verificar se foi negado um direito á contraprova ou se a prova foi devidamente obtida
Diz o recorrente que lhe foi negado a obtenção de contraprova por recolha de sangue. Esta alegação constitui matéria de facto não descrita no rol dos factos provados ou não provados, por isso carece de demonstração. Será que efectivamente lhe foi negado este meio de prova?
Dos factos nada resulta nesse sentido, pelo que deveria o arguido suscitar a este tribunal a reapreciação da prova em pontos que expressamente o demonstrassem.
No termos do artigo 412°, nos 3 e 4, do Código Processo Penal quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos.
Neste caso teria que suscitar a incorrecta apreciação de facto por omissão. O juiz recorrido fez a prova mas não a valorou, desconsiderou-a.
Porque não foram cumpridos estes formalismos e nós não podemos afirmar que essa seja a vontade expressa do recorrente, apreciaremos a validação dos meios de prova por referência aos factos apurados.
Por princípio são admissíveis todas as provas, salvo as que não forem proibidas por lei – art. 125º do Código Processo Penal. Dos art. 124, 125º e 127º extrai-se o princípio geral de que, em processo penal, se pode usar qualquer meio de prova, salvo se a lei contemplar alguma reserva na sua validação.
Portanto a prova é ilegal se o tribunal a tiver validado ao arrepio das regras estipuladas para a obtenção da prova, no caso o art. 153º do Código da Estrada.
Nos termos do art. 153º do Código da Estrada o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
O nº 2 do artº 153º regulamenta a obtenção de prova acrescentando: se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito, ou, se tal não for possível, verbalmente, daquele resultado, das sanções legais dele decorrentes, de que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e de que deve suportar todas as despesas originadas por esta contraprova no caso de resultado positivo.
A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:
a) Novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado;
b) Análise de sangue.
No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado.
Se o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido, o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito.
Dos factos apurados resulta que no dia 27 de Julho de 2007, cerca de 1h50m, na EN 109-7, na Rotunda das Pirâmides, em Aveiro, o arguido conduzia o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula 15-DM-54, após ter ingerido bebidas alcoólicas e apresentando uma Taxa de Álcool no Sangue de 1 ,38 g/1.
Da motivação consta que: no âmbito de uma acção de fiscalização (vulgo STOP) que estava a ser realizada naquele local, o autuante mandou parar o arguido que conduzia o veículo em causa, tendo submetido o mesmo ao teste de pesquisa de álcool, primeiro através de um aparelho de despistagem. Pelo facto de ter acusado taxa positiva, foi o arguido submetido ao teste de alcoolémia através do aparelho de análise quantitativa "DRAGER", que primeiro deu a taxa constante do primeiro talão de fls. 5. Como o arguido requereu a contraprova através de novo teste de ar expirado, submeteu-o a tal contraprova, vindo então a acusar a apurada taxa de 1,38 g/l. Disse ainda que o arguido teve um comportamento correcto e colaborante.
Portanto o arguido requereu contraprova e a mesma foi obtida de acordo com os procedimentos estipulados através de novo exame, efectuado através de aparelho aprovado. Não faz sentido invocar agora que pediu a realização de uma análise de sangue, sem o tentar demonstrar por recurso aos meios de prova disponíveis e de acordo com o formalismo já referido.
Portanto está definitivamente adquirido que houve exame e contraprova através de novo exame. Questão distinta é apreciar o processamento da contraprova sindicando a sua legalidade para assim concluir se houve ou não erro notório.
Argumenta o recorrente que lhe devia ter sido comunicado a inexistência de outro aparelho e, assim esclarecido, poderia este ter insistido na realização de análise ao sangue ou então optado pela manutenção na realização do exame no mesmo aparelho.
Há aqui um pequeno detalhe que nos merece particular atenção e em parte já foi devidamente detectado no Acórdão de 30/04/2008 do Tribunal da Relação do Porto. Na vigência do Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30 de Outubro, tendo o arguido pedido a contraprova e aceitado que ela fosse realizada em aparelho aprovado, não sendo possível recorrer a outro analisador, o agente da autoridade, antes de usar o mesmo aparelho, devia informar da situação o examinando, a fim de este poder optar então e ainda pela contraprova através de exame sanguíneo Formalismo que não é contrariado pelo art. 3º da Lei nº 18/2007 e sai reforçado com a redacção do artº 153º nº3 e 4 do Código da Estrada..
No caso de contraprova através de novo exame, “... é feita em analisador quantitativo, no prazo máximo de quinze minutos após a realização do primeiro teste, podendo, para o efeito, ser utilizado o mesmo analisador, caso não seja possível recorrer a outro no mesmo prazo.” – artº 3º 1 D.R. 4/98 de 30/10.
Daqui resulta que o novo exame/ contraprova de ar expirado, deve ser feito noutro aparelho analisador quantitativo, o que está de acordo com a necessidade de o examinando ser conduzido ao local onde possa ser feito o novo exame de contraprova, previsto no artº 153º 4 do CE.
Sendo feito no mesmo aparelho é violada esta norma procedimental, e consequentemente não estamos perante uma contraprova, por falta de requisitos ou perante uma contraprova legal.
Efectivamente o Decreto Regulamentar permitia que para o teste de contraprova fosse utilizado o mesmo aparelho quantitativo, mas só no caso de não ser possível recorrer a outro no mesmo prazo, ou seja só podia ser utilizado o mesmo aparelho caso não fosse possível recorrer a outro (e isso só pode acontecer se o local onde se encontra o outro aparelho estar a mais de 15 minutos de distância, caso contrario o examinando tem de ser lá conduzido).
Assim fazer a contraprova no mesmo aparelho sem que se observe o requisito, “não ser possível recorrer a outro” é o mesmo que ter efectuado um exame que não podia ser feito, porque não reunia as condições para ser usado o mesmo aparelho.
Aliás este entendimento sai reforçado com a redacção do nº4 do art. 153º do Código da Estrada que estipula que no caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado.
Está implicitamente subentendido, senão expresso, que a contraprova tem que ser efectuado em aparelho de igual valia mas necessariamente diferente, por isso se diz que o examinado deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado.
Quando se pede a contraprova questiona-se os métodos e equipamentos ( art. 3º da lei nº 18/2007) por isso não faz sentido recorrer ao mesmo equipamento. Tem que haver um equipamento alternativo e garantido outro método de recolha. Tratando-se de divergência em relação ao equipamento ou se recorre a equipamento de igual valia, devidamente homologado, disponível no local ou na sua falta conduz-se o examinado a local onde o referido exame através de aparelho alternativo possa ser efectuado.
Ainda assim, caso se entenda que o actual nº4 do art. 153º, ainda era compatível com o Decreto Regulamentar nº 24/98, das duas uma:
- A autoridade policial ou tinha outro aparelho e então não podia fazê-lo no mesmo;
- ou não tinha outro aparelho e então tinha de conduzir o examinando ao local onde este se encontrasse. Se por acaso este outro aparelho estivesse a uma distância superior a 15 minutos, a autoridade policial devia informar o arguido desse facto, a fim de ele conscientemente manter ou não a opção pelo “novo exame de ar expirado em aparelho aprovado”, pois que o que ele havia requerido tinha de ser feito no aparelho posto em causa ao requerer a contraprova.
A autoridade policial quando procedeu a novo exame, no mesmo aparelho Basta a leitura de fls. 5 que serve de suporte aos talões do teste para verificar que os dois exames foram efectuados no mesmo aparelho com o nº de série ARPN - 0072, em vez de uma contraprova procedeu a repetição do exame e como vimos a contraprova visa despistar qualquer erro ou falha do aparelho no exame anterior, colocando em causa o resultado dado pelo mesmo.
Portanto validou-se um meio de prova à revelia das normas e procedimentos previstos na lei. Por isso e porque ao validar o primeiro exame viola-se o direito à contraprova, tem que se concluir por um juízo de absolvição.

Termos em que na procedência do recurso absolve-se o arguido do crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punido no art. 292° n° 1 do Código Penal e da respectiva inibição de conduzir.
Sem tributação.
Coimbra, 17 de Dezembro de 2008
Os Juízes desembargadores:
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(João Ataíde das Neves, relator)
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(Calvário Antunes)