Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
832/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. SERRA LEITÃO
Descritores: RESCISÃO DE CONTRATO DE TRABALHO PELA ENTIDADE EMPREGADORA
Data do Acordão: 04/22/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ART.ºS 20º; 26º DA LCT ; 9º DO DL 64-A/89, DE 27/02
Sumário:

I – O poder disciplinar da entidade patronal sobre os trabalhadores está plasmado no artº 26º, nº 1, da LCT.
II – O poder de que aqui se fala traduz-se na faculdade de a entidade patronal aplicar sanções de carácter correctivo ou até expulsivo ao trabalhador e tem por finalidade adequar a conduta deste, no fundo, aos interesses do serviço para que foi contratado, de molde a que a empresa, enquanto corpo organizado, se possa defender de actuações susceptíveis de a afectar .
III – Um trabalhador bancário que repetidamente se ausente do seu local de trabalho ( caixa ), por curto lapso de tempo, para ir tomar café, sem que tome medidas de segurança em relação ao cofre portátil que lhe está confiado, com um montante de dinheiro relativamente elevado, age com culpa se entretanto se verificar um assalto a essa caixa ( e cofre que estava aberto ), facilitado por essa sua conduta , justificando-se o seu consequente despedimento .
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juizes da Secção Social do Relação de Coimbra
AA, instaurou contra “BB”, acção declarativa sob a forma de processo comum, pedindo que seja declarado ilícito o despedimento de que foi alvo e consequentemente, ser a R. condenada a reintegrá-la no seu posto, categoria profissional e local de trabalho e, no pagamento das retribuições a que tem direito e que à data da propositura da acção ascendem a 945,84 € até à data do trânsito em julgado da decisão que ponha termo à lide e efective a sua reintegração ao serviço;
a suportar uma sanção pecuniária compulsória a favor do A. no montante de 250 € por cada dia decorrido após o trânsito em julgado da presente lide, sem que o R. reintegre efectivamente a A. nas suas funções.
Para tanto, veio invocar o seguinte, resumidamente:
- A relação contratual que a vinculou à R;
- A sua categoria, funções e retribuições;
- Acrescentou o modo de cessação do contrato (instauração de processo disciplinar e, a invocação de justa causa do despedimento) e, invocou os créditos que a beneficiam decorrentes da ilicitude de tal despedimento;
Argumentou que o “lay out” existente na dependência bancária facilita a ocorrência de assaltos.
Frustrada a audiência de partes, a Ré contestou, invocando que em suma que a sanção aplicada está correcta atendendo à gravidade da conduta da A e aos prejuízos sofridos pela empregadora, salientando que entretanto a A se empregou de novo.
Entretanto A A optou pela indemnização em substituição da reintegração (fls. 232).
Prosseguindo o processo seus regulares termos a fina foi proferida decisão que na improcedência do peticionado, considerou o despedimento em causa, lícito e consequentemente, absolveu a ré.
Discordando apelou a A alegando e concluindo:
1- No caso vertente não ressaltaram provados facto que de forma inequívoca, apontem a culpa do agente ainda que a título de negligência
2- Dos factos dados como provados não emerge a impossibilidade de manutenção da relação de trabalho;
3- O Sr Juiz “ a quo” considerará o despedimento como ilícito quando se não apurem factos suficientes para fazer supor a impossibilidade da manutenção da relação de trabalho, ou quando se comprovem outros factos capazes de descaracterizar os factos apurados como aptos a conduzir a essa impopssibilidade ou, de qualquer modo, possa emitir um prognóstico de viabilidade da relação
4- Da matéria de facto dada como provada, em sede de audiência de discussão e julgamento, não emergem factos que permitam qualificar tais comportamentos como emergentes da culpa da Apelante e por isso( independentemente da sua objectiva gravidade) de configurarem justa causa de despedimento;
5- O juiz subsumindo os factos provados ao conceito de justa causa e avaliando- os em concreto, não apreciou em toda a dimensão a questão, e por isso não viu que a conduta da trabalhadora não tornou impossível a subsistência da relação laboral
6- Por todo o exposto a douta sentença, ora apelada não fes uma aplicação de acordo com os princípios que enformam o direito de trabalho ao caso vertente e designadamente as normas aplicáveis do artº 9º e 10º do D.L. 64-A/89 de 27/2, bem como da cláusula 120ª do ACTV para o Sector Bancário e ainda do artº 27º n~º 3 do D.l. 49,. 408 de 26/11/69.
Contra alegou a Ré defendendo a correcção da sentença em crise.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Dos Factos
1- A A. foi admitida ao serviço do “BB” – , S.A, agência de Coimbra, em 09 de Agosto de 1999;
2- Inicialmente exercia as suas funções e tarefas administrativas no secretariado do Centro de Empresas do BB, a funcionar no Largo da Portagem n.º 25, em Coimbra;
3- Anteriormente a A. foi admitida em Coimbra, na “CC” do Grupo BB, onde prestou trabalho administrativo entre o ano de 1993 e o ano de 1999;
4- A dependência de Coimbra da “CC” foi encerrada, no ano de 1999, tendo sido transferido os seus serviços para Leiria;
5- Através de carta datada de 28 de Julho de 1999, a A. rescindiu o contrato de trabalho mantido com a “CC”;
6- Em 05 de Julho de 2001 a A. foi transferida, a seu pedido, para a Agência do Banco “BB” a funcionar no mesmo edifício, passando a exercer as funções de caixa (front office);
7- A A. estava classificada no nível 5 do ACTV para o sector bancário e, nesse nível, em Janeiro de 2003, auferia a retribuição base de 709,40 €;
8- À retribuição base acrescia um complemento retributivo variável, não inferior a 11% da retribuição mensal efectiva;
9- E, um subsídio de refeição no valor de 165,44 €, por 22 dias úteis de trabalho;
10- E, um subsídio infantil pago trimestralmente (Cl.ª 149.º do ACTV), no montante de 23,90 €;
11- Por deliberação da Comissão executiva do BB datada de 2002/08/30, foi mandado instaurar processo disciplinar com intenção de despedimento à A., tendo sido deliberado retirar das funções de caixa a referida empregada, suspendendo-a da prestação de trabalho e imputar à mesma a responsabilidade pela lesão patrimonial causada ao Banco, devendo repor a verba em falta;
12- Foi nomeada instrutora do processo a Sr.ª Dr.ª DD;
13- A autora recebeu uma comunicação por parte da instrutora do processo disciplinar, datada de 10/09/2002, onde se seguia a nota de culpa e, a indicação de que era a intenção do Banco proceder ao seu despedimento imediato com a invocação de justa causa;
14- Na nota de culpa remetida à autora, dizia-se o seguinte: “(...)no dia 23 de Agosto de 2002, pelas onze horas e trinta minutos a arguida por sua iniciativa e vontade abandonou a Caixa à sua guarda, saindo da agência, para ir tomar café; A caixa à guarda da arguida era a única então em funcionamento na agência, pelo que, durante a ausência da arguida não ficou alguém nos postos de caixa; os empregados que ficaram na agência nos respectivos postos de trabalho foram a empregada EE e, o empregado FF, estando o empregado GG em gozo de férias e o gerente HH ausente por motivo de celebração de escritura em representação do Banco; Após a saída da arguida da agência entrou um indivíduo com pronúncia Espanhola que solicitou a um dos empregados presentes FF uma operação de câmbio em dólares; Depois de informado pelo empregado FF de que naquela Agência não se faziam operações de câmbio de dólares o mesmo indivíduo sentou-se na cadeira em frente da secretária daquele e passou a questioná-lo sobre a abertura de uma conta e da documentação necessária para esse fim; Enquanto isso continuando a arguida ausente da sua caixa entraram na agência um grupo de quatro pessoas que ficaram no meio da agência tendo de seguida o tal indivíduo saído; Tudo sem que os empregados presentes na Agência tenham detectado qualquer movimento junto das caixas até porque estas não são visíveis dos seus postos de trabalho; momentos depois entrou um cliente habitual da agência quase em simultâneo com a arguida AA; E, enquanto esta se dirigia para a caixa foi questionada por um dos elementos daquele grupo de pessoas sobre o câmbio de dólares tendo a arguida informado que não se fazia, pelo que, os mesmos abandonaram a agência; Depois, quando já não havia clientes na agência a arguida colocou o cofre auxiliar de Caixa a abrir com o intuito de transferir o dinheiro nele existente para o cofre forte; ao abri-lo verificou que não se encontrava qualquer montante nesse cofre; Pelo que, questionou o colega FF se ele teria na sua ausência usado aquele dinheiro para pagamento de algum cheque uma vez que o segredo do cofre era do conhecimento dele; Perante a resposta negativa do colega a arguida ficou na incerteza de ter ou não fechado o cofre auxiliar; Do referido cofre auxiliar à guarda da arguida desapareceram durante a sua ausência a quantia de 11.500,00 € (...); A arguida pela mesma atitude negligente, em 21 de Janeiro de 2003, permitiu que um indivíduo furtasse do cofre portátil à sua guarda a quantia de 7.482,00 € ; Apesar de ter então sido chamada a atenção para a sua actividade negligente a arguida reincidiu em comportamento negligente e violador dos seus deveres laborais não salvaguardando como era seu dever, os valores à sua guarda; (...) Assim, a arguida com a sua conduta violou os deveres previstos nas alíneas a), b), c), e) e g) do n.º 1 e 2.º do art. 20.º do Dec. Lei n.º 49.408, bem como as alíneas a), b), d), e) e g) do n.º 1 da Cl.ª 34.º do ACTV para o sector bancário, integrando as infracções disciplinares previstas nas alíneas a), d), e) e h) do n.º 2 do art. 9.º do Dec. Lei n.º 64-A/89, de 27/02”;
15- Em 27 de Setembro de 2002, a A. respondeu à nota de culpa, dizendo, em suma, só se ter ausentado para tomar o café quando não se encontrava nenhum cliente na Agência, tendo desse facto dado conhecimento aos seus colegas, sendo prática usual os trabalhadores da agência fazerem uma curtíssima pausa, rotativamente e, atentas as possibilidades de atendimento ao público; mais refere que o montante desaparecido não terá acontecido durante a curta ausência da arguida já que esta deixou os cofres fechados e, a marmita do movimento diário também fechados, mais refere que quando regressou à zona de atendimento um dos indivíduos que se encontrava no interior da agência solicitou à arguida que lhe prestasse esclarecimentos sobre o funcionamento da ATM, o que, atendendo à sua qualidade de estrangeiro a arguida se disponibilizou a informar deslocando-se alguns metros do seu posto de trabalho para dar os solicitados esclarecimentos, pelo que, está plenamente convicta que o acontecido sucedeu naquele lapso de tempo, isto é, enquanto se afastou meia dúzia de metros do seu local de trabalho para junto da caixa de ATM; mais refere que o lay – out da agência potencia atenta a disposição dos postos de trabalho e a morfologia do posto de trabalho da arguida a ocorrência do sucedido – arrolou no final oito testemunhas;
16- Conforme resulta da carta datada de 04/10/2002, recepcionada pela A. no dia 11/10/2002, foi designado o dia 16 de Outubro de 2002 e, o dia 21 de Outubro, para inquirição das testemunhas arroladas na resposta à nota de culpa;
17- Foram inquiridas as testemunhas – II; JJ; HH; KK; FF; LL; MM;
18- Em 12 de Dezembro de 2002, pela instrutora do processo disciplinar foi elaborado o relatório final, onde se conclui pela veracidade dos factos vertidos na acusação (nota de culpa), tendo a A. violado com a sua conduta os deveres previstos nas alíneas a), b), c), e) e g) do n.º 1 e n.º 2 do art. 20.º do Dec. Lei n.º 49 408 e, na sua específica qualidade de empregado bancário violou ainda os deveres consignados no n.º 1, al.’s a), b), d) e e) da Cl.ª 34.º do A.C.T.V do sector bancário, quebrando a confiança necessária e indispensável à subsistência da relação laboral, concluindo que a conduta da arguida, porque, culposa e grave, integra as infracções disciplinares previstas nas alíneas a), d), e) e h) do n.º 1 e n.º 2 do art. 9.º do Dec. Lei n.º 64-A/89, de 27/02, propondo por isso a sanção disciplinar de despedimento por justa causa;
19- Através de deliberação tomada pela comissão executiva do BB, em 31/12/2002, determinou-se aprovar o relatório final da instrutora do processo; aplicar à arguida AA a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, conforme Cl.ª 117.º n.º 1, al. e) do ACTV do Sector Bancário;
20- Através de carta enviada a 28 de Janeiro de 2003, foi comunicada à A. o teor de tal decisão;
21- O Banco R. elaborou uma instrução de serviço a que corresponde o n.º 38/92 datada de 08 de Junho de 1992, destinada a estabelecer os procedimentos que deverão ser adoptados caso venham a ocorrer assaltos a Balcões ou a tesourarias, o BB instruiu os funcionários, para além da adopção de outras medidas cautelares, a manter os cofres, casas-fortes e A.T.S permanentemente fechados após terem sido utilizados e, a evitar a manutenção fora dos cofres, casas-fortes e A.T.S de valores significativos de numerários ou valores assimiláveis especialmente nos cacifos reservados aos Caixas;
22- No dia 23 de Agosto de 2002, pelas onze horas e trinta minutos a autora por sua iniciativa e vontade saiu da agência, para ir tomar café;
23- Sendo prática usual os trabalhadores da agência fazerem uma curtíssima pausa para tomar café, rotativamente e, atentas as possibilidades de atendimento ao público;
24- A caixa à guarda da autora era a única então em funcionamento na agência, pelo que, durante a ausência da arguida ninguém ficou nos postos de caixa, sendo o caixa substituto o empregado FF;
25- Os empregados que ficaram na agência nos respectivos postos de trabalho foram a empregada EE e, o empregado FF, estando o empregado GG em gozo de férias e o gerente HH ausente por motivo de celebração de escritura em representação do Banco;
26- Após a saída da autora da agência entrou um indivíduo com pronúncia Espanhola que solicitou ao FF uma operação de câmbio em dólares;
27- Depois de informado pelo empregado FF de que naquela Agência não se faziam operações de câmbio de dólares o mesmo indivíduo sentou-se na cadeira em frente da secretária daquele e passou a questioná-lo sobre a abertura de uma conta e da documentação necessária para esse fim;
28- Enquanto isso entraram na agência um grupo de quatro pessoas que ficaram no meio da agência, saindo depois o dito indivíduo;
29- Entretanto, entrou um cliente habitual da agência em simultâneo com a AA;
30- Tendo sido a AA questionada por um dos elementos daquele grupo de pessoas sobre o câmbio de dólares, ao que a A informou que não se fazia esse género de operações na instituição;
31- No entanto, uma das pessoas do grupo solicitou à arguida que esta lhe prestasse esclarecimentos sobre o funcionamento da ATM, o que, atendendo ao facto de ser de nacionalidade estrangeira a A. disponibilizou-se a informar saindo do seu posto de trabalho para prestar os ditos esclarecimentos;
32- A referida caixa ATM situa-se no exterior da agência bancária;
33- Quer a EE, quer o FF não detectaram qualquer movimento junto das caixas até porque estas não eram visíveis dos seus postos de trabalho;
34- Quando regressou do exterior e, já não havia clientes na agência a autora colocou o cofre auxiliar de Caixa a abrir com o intuito de transferir o dinheiro nele existente para o cofre forte;
35- Ao abri-lo verificou que não se encontrava qualquer montante nesse cofre;
36- Pelo que, questionou o colega FF se ele teria na sua ausência usado aquele dinheiro para pagamento de algum cheque uma vez que o segredo do cofre era do conhecimento dele;
37- O cofre auxiliar donde foi retirado o dinheiro não mostrava qualquer sinal de arrombamento;
38- Tal cofre auxiliar possui um código e, um temporizador para a sua abertura, só se abrindo após o decurso do prazo de cerca de 5 minutos;
39- Do referido cofre auxiliar à guarda da autora desapareceu a quantia de 11.500,00 €;
40- No dia 21 de Janeiro de 2002, na agência de Coimbra do BB, do cofre portátil à guarda da A. o qual se encontrava destapado em cima de uma mesa num corredor cuja porta se encontrava aberta, foi retirado um montante no valor de 13.869 €;
41- Na sequência de tal furto, foram feitas modificações no lay-out da agência, por forma a assegurar uma melhor segurança ao posto de trabalho caixa;
42- Através de carta datada de 20 de Fevereiro de 2002, a comissão executiva
do “BB” veio chamar a atenção da A. para a forma menos cuidada como esta manuseou o cofre portátil contendo o dinheiro da sua caixa solicitando-lhe que não repetisse tal descuido, referindo que o seu procedimento originou prejuízos que importava não voltar a acontecer
43 - A. celebrou com o BPN – CARFIN rent – Comércio e Aluguer de Veículos e Equipamentos, um contrato de trabalho a termo certo, com início em 26 de Fevereiro de 2003, por um prazo inicial de 6 (seis) meses, mediante a remuneração mensal de 700,00 € (euros), tendo sido objecto de uma renovação por idêntico período.
Do Direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.
E delas resulta, que no caso concreto, a única questão a dilucidar prende-se com a licitude ( ou não) da rescisão contratual feito unilateralmente pela empregadora, através do despedimento da A
Comecemos por tecer algumas considerações genéricas , sobre esta temática
É indubitável que entidade patronal tem poder disciplinar sobre os trabalhadores que se encontrem ao seu serviço pois tal está plasmado no art.º 26º n.º 1 da LCT.
O poder de que aqui se fala traduz-se na faculdade de a entidade patronal aplicar sanções de carácter correctivo ou até expulsivo ao trabalhador e tem por finalidade adequar a conduta deste, no fundo aos interesses do serviço para que foi contratado, de molde a que a empresa enquanto corpo organizado, se possa defender de actuações susceptíveis de a afectar- cfr. A Neto Contrato de Trabalho- Notas Práticas, ed.15ª págs. 191-.
Por outro lado inquestionável é igualmente que da celebração do contrato de trabalho resultam- para além de direitos- deveres para o trabalhador entre os quais o de realizar o trabalho com zelo e diligência( artº 20º nº 1 b) da LCT).
Acresce que o art.º 9º do D.L. 64-A/89 de 27/2, no seu n.º 1 estabelece que o comportamento culposo do trabalhador que pela sua gravidade e consequência torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento, acrescentando o seu n.º 2 que designadamente são justa causa de despedimento:
- Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho que lhe esteja confiado- alínea d);
- Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa- alínea e);
Foram estas aliás, algumas das infracções imputadas pela ora apelante, à A na nota de culpa que culminou o processo disciplinar instaurado contra a recorrida.
E como é consabido a nota de culpa corresponde no processo disciplinar à acusação em processo penal, daqui resultando que, “nem a entidade patronal poderá proceder ao despedimento do trabalhador com base em comportamentos que não constem da nota de culpa, nem o tribunal poderá estender a sua apreciação para além do que dela consta”- cfr. A Neto, Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 15ª ed. pág. 838-.
Deve ainda atentar-se em que o ónus de alegação e prova da factualidade constante da dita “ nota de culpa” em processo visando a declaração da ilegalidade do despedimento compete entidade patronal( art.º 342º n.º 2 do CCv).
Determina, por seu turno, o artigo 12º n.º 5 da mencionada LCCT que «para apreciação da justa causa deve o tribunal atender, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes».
A obrigatoriedade da existência de justa causa, para tornar lícito um despedimento, resulta do princípio constitucional estabelecido no art.º 53 da CRP, onde exactamente se refere que são proibidos os despedimentos sem justa causa.
Temos assim que os elementos constitutivos de justa causa são:
1- a existência de um comportamento culposo assumido pelo trabalhador;
2- que esse comportamento seja grave em si mesmo e nas suas consequências
3- que em face da gravidade de tal comportamento a subsistência da relação laboral se torne impossível.
A gravidade do comportamento do trabalhador, por outro lado deve ser aferida objectivamente, isto é deve ser considerada como um conceito objectivo- normativo, o que vale dizer que a valoração de tal comportamento deve ser feita segundo o critério do empregador razoável, tendo em conta a natureza das relações laborais caracterizadas por uma certa conflitualidade, as circunstâncias do caso concreto e os interesses em presença- cfr. neste sentido p. ex. Jorge Leite, Barros Moura e Menezes Cordeiro, citados por A Neto in Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 15ª ed. págs. 751.
Há ainda que referir sobre este ponto que assumindo naturalmente o despedimento um carácter de medida sancionatória aplicada pela entidade patronal de uma certa conduta, ele só será de determinar, em último caso, se se não verificar a adequação de outra medida ( disciplinar) para o comportamento em causa, se por outras palavras o comportamento do trabalhador pela sua gravidade objectiva e pela imputação subjectiva torne impossível a subsistência das relações que o contrato supõe- C.J. 1979, 2, 663-.
Aliás é a própria lei, quem efectua uma “ graduação”, digamos assim, das sanções aplicáveis, no art.º 27 do D.L. 49.408
Exige-se ainda que e como corolário do que por último se disse que na aplicação de qualquer medida disciplinar por parte da entidade patronal, seja observado o princípio da proporcionalidade, que é comum a todo e qualquer direito punitivo, princípio este que, implica uma dupla apreciação: a determinação da gravidade da falta e a graduação das sanções. Aquela resultará da apreciação do facto delituoso em si, das circunstâncias em que ocorreu a sua prática, das suas consequências, da culpabilidade e dos antecedentes disciplinares do arguido. Esta justifica-se na medida em que apenas se deverá aplicar uma sanção mais grave quando sanção de gravidade menor não for suficiente para defender a disciplina dentro da empresa”- Pedro Sousa Macedo “Poder Disciplinar Patronal” págs. 55/ 56.
Aliás este princípio da proporcionalidade está expresso no n.º 2 do art.º 27 citado, ao mencionar que a sanção disciplinar deve ser proporcionada à gravidade da infracção e à culpa do infractor.
Ora e como se sabe a culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto- cfr. Vaz Serra, RLJ, 11º- 151, podendo nela distinguirem-se três graus, digamos assim -:
o de culpa levíssima, que é aquela que só as pessoas extremamente diligentes podem evitar;
o de culpa leve, que é aquela em que não cairia uma pessoa de vigilância ou diligência média;
o de culpa grave, que é aquela em que o agente usa de uma diligência abaixo do mínimo habitual, procedendo como pessoa extremamente desleixada- cfr. Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, págs. 57/58-.
Postas estas considerações analisemos então se a conduta da A, configura a ofensa de algum dever contratual e se integra a “ justa causa” da rescisão unilateral do convénio pela empregadora.
Cremos ser inquestionável que existiu negligência, por parte da aqui recorrente
Não pelo facto de ter “ ido tomar café”, ausentando- se por curto lapso de tempo do seu local de trabalho.
Tal constituía como se provou, procedimento normal dos diversos funcionários daquela agência e além do mais deve atentar-se a que ali não se encontrava no momento qualquer cliente.
Porém, ao fazê-lo- e tendo em conta que tinha à sua guarda por virtude do exercício das suas funções de caixa, um cofre portátil que continha um montante monetário relativamente elevado, deveria ter tomado cautelas, para que dali não fosse possível em termos de previsibilidade, retirar o referido dinheiro.
Tanto mais que, por um lado não ficou a substituí-la efectivamente nenhum outro trabalhador e por outro as caixas não eram visíveis do local ponde eles laboravam.
O que vale dizer, que alguma facilidade poderia haver no sucesso de um furto que fosse perpetrado como veio a acontecer, se não se tomassem as cautelas mínimas exigíveis, para a tal – sempre dentro do humanamente possível- obstar.
E na realidade atenta a factualidade apurada, tem que se concluir- salvo o devido respeito por entendimento diverso e possivelmente mais esclarecido- que a A não observou esses cuidados mínimos.
Desde logo porque saindo do seu local de trabalho deveria providenciar para que o cofre portátil ali não ficasse, já que com alguma facilidade como se disse, poderia ser subtraído, o que de certo modo contrariava uma instrução de serviço emanada da Ré.
Depois- e este é efectivamente o posto mais gravoso- não pode deixar de considerar-se que o tal cofre estava efectivamente aberto.
De outra forma, não existindo nele qualquer sinal de arrombamento e sendo que o mesmo só abria ao retardador( cerca de 5 m) e com a utilização de um código, não se explica a possibilidade de apropriação por terceiros( muito provavelmente os tais indivíduos que entraram na agência e que utilizaram vários tipos de “manobras de despistagem “da atenção dos funcionários que ali se encontravam a laborar), nomeadamente atendendo ao curto lapso de tempo em que tudo ocorreu.
Portanto não é ousadia concluir, através da utilização de presunções judiciais( artºs 349º e 351º ambos do CCv) que a dita apropriação ilícita do dinheiro que o cofre continha, apenas aconteceu( ou pelo menos foi extremamente facilitada) porque aquele não se encontrava devidamente fechado como deveria estar, não só porque assim o exigia a diligência mínima de um funcionário medianamente zeloso, como expressamente o determinava a já referida instrução de serviço, a cujo cumprimento a A estava naturalmente obrigada.
Conclui-se assim que esta agiu com negligência grave, sendo que desta resultaram prejuízos patrimoniais da Ré, de não grande relevo, é certo, atendendo a que se trata de uma instituição bancária.
Na realidade mal iria esta se a importância de € 11.500, assumisse na sua situação financeira forte importância.
É consabido que assim não é.
E nem propriamente a sua imagem pode ter ficado afectada, como pretende fazer crer, pois que um furto pode sempre ocorrer, por mais medidas de segurança que se tomem.
E como também resulta da experiência comum, não é pelo facto de um banco ser assaltado( o que não facto extraordinário em Portugal nem na esmagadora maioria dos restantes países ), que a sua credibilidade é minimamente beliscada, pelo cidadão/ cliente comum.
Do que se expôs, poderia então entender-se que embora a conduta da A fosse passível de censura não se justificaria a aplicação da sanção mais gravosa, por se mostrar excessiva( desproporcionada) face à falta cometida.
Salvo o devido respeito, não entendemos assim.
É que não se pode olvidar que esta situação se passa no sector bancário, onde tudo o que diga respeito à conservação, manuseamento etc. de dinheiro e outros valores assume uma especial relevância, já que isso integra de forma importante o núcleo de tal actividade.
Depois, exercendo a A as funções de “ caixa” sobre ela impendia um também especial dever de cuidado com o dinheiro que tinha à sua guarda, cautela essa que efectivamente, com se demonstrou não teve.
Claro que o ser humano não é máquina ( e mesmo estas tantas vezes falham)e lapsos e erros acontecem e são inerente à nossa condição de pessoas.
Só que na aplicação de uma sanção disciplinar não pode deixar de tomar-se em conta, a maior ou menor gravidade do erro.
E se estivéssemos perante uma conduta isolada, então dúvidas não teríamos em considerar, que não se justificava a aplicação do despedimento.
Porém, a verdade é que ficou provado, que pouco tempo antes( cerca de 7 meses) também de um cofre que estava à guarda da A, desaparecera uma quantia monetária, de alguma importância- a nota de culpa ( que é aquilo a que temos que ater- nos) refere € 7482,00- sendo certo que tal objecto se encontrava destapado, em cima de uma mesa, num corredor cuja porta se encontrava aberta, portanto em situação de enorme facilidade de acesso ao quantitativo que ele continha.
E sé verdade, que a Ré na altura, não sancionou disciplinarmente a A não é menos certo que lhe chamou a atenção para tal facto, solicitando-lhe que não repetisse tal descuido( cfr. fls. 214), que evidentemente lhe causara danos.
Este alerta- e esta subtracção- deveriam ter inculcado na aqui recorrente , um sentido de maior auto responsabilização rodeando-se, pelo menos a partir daí, de maiores cuidados no exercício das suas funções de caixa, nomeadamente no que à vigilância sobre o cofre portátil, se refere.
Tal não veio a suceder, como ficou demonstrado.
Assim sendo e atendendo a todo este quadro fáctico, cremos não ser de forma alguma temerário entender- se( dentro do critério do tal empregador razoável) como legítima a quebra de confiança da Ré, na prestação dos serviços pela aqui apelante.
E sem essa confiança, não é possível a manutenção do vínculo laboral.
O que justifica, a nosso ver plenamente, a aplicação da sanção em causa(despedimento), que assim não se configura como ilícito.
Pelo que e atendendo a todo o explanado, confirmando-se a sentença recorrida, se julga improcedente a apelação.
Custas pela A