Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
17/07.4TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
INDEMNIZAÇÃO
DANOS MATERIAIS
PRIVAÇÃO DE USO
Data do Acordão: 10/06/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 562.º; 566.º DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: 1. Em sede de obrigação de indemnizar a regra é a reposição natural apresentando-se a indemnização por sucedâneo pecuniário como excepcional ou subsidiária – artigos 562º e 566º do CC.
2. A substituição da reposição in natura pelo subsidiário ressarcimento pecuniário por virtude da indemnização ser excessivamente onerosa para o devedor, apenas é admissível quando houver flagrante desproporção entre o interesse do lesado, que primordialmente importa perspectivar e recompor, e o custo que ela envolve para o lesante, no sentido que represente para este - vg. atento o valor da reparação e a sua situação económico financeira - um sacrifício manifestamente desproporcionado de tal sorte que deva considerar-se abusivo, por contrário à boa-fé, o valor decorrente da reconstituição natural.
3. Não ocorre tal excesso quando reparação do veículo foi orçamentada em € 2.991,47 euros, ele valia, à data do acidente, €1750,00 euros e a ré é uma Seguradora presumivelmente saudável em termos económico-financeiros.
4. A mera privação do uso de veículo automóvel, porque instrumento de trabalho e de lazer essencial ou pelo menos importante na vida das pessoas das hodiernas sociedades, é susceptível de gerar danos não patrimoniais ressarcíveis, se tal privação acarretar incómodos, transtornos, angustias, stress, perturbação da tranquilidade e da paz de espírito, afectantes e perniciosos para a integridade e estabilidade emocional e psicológica e, consequentemente, da qualidade de vida.
5. Constitui entendimento jurisprudencial actual que devem abandonar-se indemnizações miserabilistas a título de danos não patrimoniais, e que a determinação do seu quantum, porque resultando de um juízo de equidade não submetido a normas de legalidade estrita, só é passível de censura pelos tribunais superiores em casos de manifesta imprudência e falta de senso comum na sua fixação.
6. Consequentemente, alcança-se como admissível e razoável, a quantia de 12.000,00 euros arbitrada a este título a lesada de 38 anos, empregada de limpeza, que ficou com uma IPP de 3% decorrente de lesões na coluna vertebral com afectação de vários discos intervertebrais, que padeceu e padece de dores quantificáveis no grau 3 numa escala de 1 a 7 e que tem algumas dificuldades em pegar em objectos pesados e realizar serviços de limpeza.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
1.
A....e mulher B...., instauraram contra C....acção declarativa, de condenação, com processo ordinário.
Pediram:
A condenação da Ré a pagar-lhes a quantia de € 16.130,42 a título de indemnização pelos danos sofridos num acidente de viação, acrescida de juros desde a da citação até efectivo e integral pagamento.
Alegaram:
Que a Autora foi vítima de um acidente de viação causado por um condutor em relação ao qual a Ré tinha assumido, por contrato de seguro, a respectiva responsabilidade civil em relação ao veículo que conduzia.
Do acidente resultou a inutilização do veículo, ferimentos na Autora e despesas com tratamentos, perdas de salários por parte da autora devido à incapacidade para trabalhar, despesas com aluguer de outro veículo, bem como danos de natureza não patrimonial resultantes das dores físicas padecidas e alteração do quotidiano resultante da indisponibilidade do meio de transporte que o veículos lhes proporcionava, que contabilizam em €15,00 euros diários.
Contestou Ré.
Aceitou a culpa do seu segurado, mas não os danos e montantes peticionados.
Quanto ao veículo alega que o mesmo valia à data do acidente não mais que €1250,00 euros e que nessa data podia ser adquirido no mercado veículo semelhante ao mesmo preço.
Como o preço da reparação do veículo se mostrou muito superior ao valor do automóvel, quase o triplo, a seguradora colocou à disposição dos Autores a quantidade €1250,00 euros, que os autores não receberam porque não quiseram.
Assumiu as despesas do veículo de aluguer desde a data em que foi pedida a peritagem até à sua realização e entre esta e a divulgação do seu resultado pela oficina reparadora, mas não o tempo que decorreu até ao pedido e os dias que decorreram entre a primeira visita do perito contratado pela Ré à oficina e a segunda visita, resultante do facto de na primeira visita a oficina não ter disponibilizado todos os elementos para concluir a peritagem.
Alega que há abuso de direito na pretensão dos Autores ao terem preferido suportar um prejuízo de € 4 410,00 euros, resultante da indisponibilidade do veículo, quando o podiam ter mandado reparar ou ter substituído por outro.
Concluiu pela improcedência do pedido.

2.
Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença que:
Condenou a Ré a pagar ao Autor:
1- €2 991,47 como valor necessário à reparação do veículo.
2 - €574,22 relativa às despesas com aluguer de veículo de substituição.
3 - €15,00 a título de perdas salariais originadas por faltas ao trabalho causadas pelo acidente.
4 - €27,70 por despesas com tratamentos médicos.
5 - €1 000,00 a título de danos não patrimoniais resultantes da privação de uso do veículo.
6 - €12 000,00 a título de danos não patrimoniais resultantes dos ferimentos e dores padecidos pela Autora e desvalorização parcial permanente de que ficou portadora.
7 - juros de mora sobre estas quantias desde a citação até integral pagamento quanto aos danos patrimoniais e desde esta data quanto aos danos não patrimoniais à taxa se 4% ao ano sem prejuízo de outra taxa que venha a ser publicada nos termos da lei.

Absolvendo a Ré do restante pedido.

3.
Inconformada recorreu a ré.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:


Face à factualidade demonstrada, é manifesta a excessiva onerosidade da reconstituição natural no que toca aos danos sofridos pelo veículo dos AA, que importam uma perda total.

Caberá aos AA, por esse motivo, uma indemnização em dinheiro que deverá corresponder ao valor patrimonial do bem danificado.

Assim tendo-se provado que o veículo danificado valia, à data do sinistro, no máximo 1750,00 euros, a indemnização a este título deveria ter sido fixada nesta verba.

Atendendo a que estamos perante uma perda total do veículo, que não se provou o período exacto da paralisação e que os danos não patrimoniais dos AA não têm relevância bastante para justificar a tutela do direito, não é, salvo o devido respeito, devida a verba de 1000 euros atribuída pela paralisação do veículo.

E mesmo que se entendesse que os danos não patrimoniais sofridos merecem a tutela do direito, pelas mesmas razões deveria a indemnização ser equitativamente reduzida para a verba de 350,00 euros.

Os danos não patrimoniais da autora mulher decorrentes das dores e da IPG de que ficou portadora não devem, em equidade, fixar-se em quantia superior a 4.000 euros.

A douta sentença sob censura violou as normas dos artigos 496 e 566º do CC.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

Excessiva onerosidade da reconstituição natural no que tange aos danos sofridos pelo veículo dos autores.

Irrelevância da paralisação do veículo para atribuição da indemnização, a este título, da quantia de mil euros ou, no mínimo, redução para o montante de 350,00 euros.

Redução da quantia de 12.000,00 euros atribuída à autora a título de danos não patrimoniais para o montante de 4.000,00 euros.
4.
Os factos provados na 1ª instância a considerar são os seguintes:

No dia 01 de Fevereiro de 2006, cerca das 08,55 horas, ocorreu um embate entre os veículos automóveis com as matrículas 99-97-LR e 02-95-EL, na E.N. n.º 341, ao km 40,030, em Ameal, no Concelho e Comarca de Coimbra.
O LR pertencia a D....e era conduzido por E.....
O EL pertencia ao Autor e era conduzido pela Autora - alínea a).
O LR, circulando à retaguarda do EL, no sentido Arzila/Taveiro, e iniciou a ultrapassagem a este último. Em sentido contrário ao LR e ao EL, transitava um outro veículo. De modo a evitar embater frontalmente no veículo que transitava em sentido oposto, o LR embateu na parte lateral esquerda do EL – alínea b).
Em consequência desse embate, o LR e o EL rodopiaram e o LR embateu novamente no EL. Corolário disso, o EL embateu com a traseira nos «rails» de protecção da estrada. O LR e o EL imobilizaram-se mais à frente do local onde o embate ocorreu – al. c)
No local do evento, a faixa de rodagem media 7,10 metros de largura; era marginada de ambos os lados por berma; atento o sentido de marcha do LR e do EL, a berma do lado direito media 2,40 metros de largura; a estrada formava uma recta, avistando-se a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de mais de 50 metros; era asfaltada e estava em bom estado de conservação – alínea d).
No momento do acidente, o tempo estava bom – alínea e).
O E.... conduzia o LR na qualidade de empregado da firma Sismodular e ao serviço desta, sabendo o condutor E.... que conduzia o LR em serviço da mesa, a qual aceitou que ele fizesse os percursos que entendesse com o LR – al. f ).
A B....nasceu em 22-02-1968 – alínea g).
A Ré, por escrito, comunicou ao Autor que o EL tinha sido dado como salvado, propôs-lhe indemnização no valor de € 1.050,00 euros e não ordenou a reparação dos danos do EL – alínea h).
A Ré assumiu o pagamento do aluguer duma viatura respeitante ao período de 10/02 a 13/02 (período em que foi agendada peritagem a título definitivo à sua viatura, e de 21/02, dia em que a oficina informou que o perito podia deslocar-se à oficina para fazer estimativa dos danos, a 08/03 – alínea i).
A Ré não pôs à disposição dos autores um veículo para substituírem o EL enquanto este não for reparado – alínea j).
A responsabilidade civil emergente de acidente de viação em que o LR interviesse estava transferida para a Ré através de contrato de seguro válido e eficaz, titulado pela apólice n.º 522186001 – al. l).
Em consequência do embate a Autora padeceu de dores ao nível da cervical e da zona lombar, sensação de calor na região pré-auricular bilateral, quantificáveis no grau 3 numa escala de 1 a 7 - quesito 1.
O embate produziu-lhe «pequena protrusão discal mediana posterior dos discos intervertebrais C3 e C4» - quesito 2.
Bem como «protrusão posterior difusa do disco intervertebral C5-C6 que reduz o espaço subaracnoideu perimedular anterior e que poderá condicionar discreta compressão do feixe ventral das raízes C6 – quesito 3.
Em consequência das lesões supramencionadas a Autora sentiu e sofreu dores – quesito 4.
A Autora teve dificuldades no exercício da sua actividade profissional de empregada de limpeza e fazer as suas lides domésticas - quesito 5.
Actualmente queixa-se de dores na coluna, falta de força no membro superior direito e de frequentemente sentir as mãos dormentes – quesito 6.
Tem algumas dificuldades em pegar em objectos pesados e realizar serviços de limpeza – quesito 7.
A situação factual acabada de descrever causou-lhe incómodos e transtornos e produziu-lhe alguma tristeza - quesito 8.
A autora B....pagou a quantia de € 10,30 respeitante ao episódio de urgência e exames radiológicos ao Centro Hospitalar de Coimbra - Hospital Geral – quesito 10.
Despendeu também € 17,40 na realização de um TAC – quesito 11.
À data do acidente, a Autora trabalhava como empregada de limpeza para a «Auto Brasil Coimbra» e auferia mensalmente, em média, a quantia ilíquida de € 315,00 euros - quesito 12.
Por força do acidente, a Autora teve de faltar 3,5 horas para ser sujeita a consultas e exames médicos e, por isso, deixou de receber € 15,00 euros – quesito 13.
A reparação do veículo EL foi orçamentada no valor de € 2.991,47 euros – quesito 14.
O EL, à data do acidente, encontrava-se em bom estado geral de conservação e, em consequência dos danos sofridos, o EL não pode circular na estrada – quesito 15.
À data do acidente, o autor era Electricista no Estabelecimento Prisional de Coimbra – quesito 16.
A autora utilizava o EL nas suas deslocações diárias de casa para o trabalho e vice-versa e ambos os Autores nas demais deslocações da sua vida privada – quesito 17.
Para substituírem o EL e se deslocarem, os Autores alugaram um veículo de aluguer sem condutor à firma «VASC Rent-a-Car» no período de 2006/02/03 a 2006/03/10 - quesito 18.
O Autor pagou pelo aluguer referido atrás a quantia de €574,22 euros, correspondente ao período de 03/02/2006 a 11/02/2006 e de 14/02/2006 a 20/02/2006 - quesito 19; e a quantia de € 71,78 euros relativa aos dias 09/03/2006 e 10/03/2006 - quesito 20.
Os autores estiveram desde o dia 11-03-2006, inclusive, sem poderem utilizar o EL nas suas deslocações diárias até terem adquirido um outro veículo - quesito 21.
Os autores vêem-se obrigados a viverem de favores de outras pessoas e a utilizarem transportes públicos; a terem de se levantarem e a saírem de casa mais cedo e a chegarem a casa mais tarde – quesito 22.
Têm de aguardar pela chegada de vários transpores públicos; efectuam alguns percursos a pé, pelo que ficam com menos tempo para descanso e de momentos de lazer – quesito 23.
O que lhes causa transtornos e incómodos – quesito 24.
O acidente foi participado à Ré no dia 2 de Fevereiro de 2006 - quesito 28.
No dia 13 de Fevereiro de 2006 um perito da Ré deslocou-se à oficina escolhida pelos demandantes onde o veículo se encontrava depositado, a «Automóveis do Mondego, Ld.ª», em Antanhol, Coimbra, a fim de elaborar a dita peritagem – quesito 29.
Os representantes da dita oficina não tinham, até essa data, elaborado o orçamento de reparação do veículo, pelo que a Ré ficou a aguardar que essa mesma estimativa fosse elaborada – quesito 30.
No dia 21 de Fevereiro de 2006, o perito deslocou-se novamente à oficina e, depois de analisado o orçamento verificou-se que a reparação do veículo 02-95-EL foi orçamentada, por estimativa, em €2.697,72 euros, IVA incluído – quesito 31.
Tal veículo, de marca Peugeot, modelo 106, com 1124 cc de cilindrada, com motor de gasolina, havia percorrido, à data do sinistro, mais de 139.181 km – quesito 32; e valia, à data do acidente, no máximo, €1750,00 euros – quesito 33.
Só no dia 21 de Fevereiro a oficina solicitou ao perito da Ré que se voltasse a deslocar às suas instalações para conclusão da peritagem, o que efectivamente veio a ocorrer – quesito 36.
Por carta datada de 08 de Março de 2006 a Ré comunicou ao Autor, através de carta que lhe foi enviada, o resultado da aludida peritagem, ou seja, que o veículo EL fora dado como salvado, mais lhe comunicando que, «tendo em conta as características do veículo, propomos como indemnização o valor de 1050€, ficando os salvados na posse de Vª Ex.a» - quesito 37.
No dia 15 de Março de 2006, a Ré recebeu uma carta da Associação de Consumidores de Portugal, entidade que se disse representante do Autor na qual era proposto à Ré o pagamento da indemnização de 1.500 € (ficando os salvados na posse da Ré), acrescidos das despesas suportadas com o veículo de aluguer – quesito 38
A Ré aceitou o pagamento da quantia de €1.500,00, com a entrega dos salvados à ora Ré, apenas não tendo aceite o pagamento das quantias relativas à paralisação do veículo, pelas razões acima expostas – quesito 39
Tal posição foi comunicada à Associação de Consumidores de Portugal por escrito no dia 15 de Março de 2006, tendo, nessa data, sido posta à disposição do Autor a verba de €1.500,00 euros – quesito 40.
Posteriormente, a Associação de Consumidores de Portugal viria a esclarecer que o sentido da proposta correspondia ao pagamento pela Ré do montante de €1.500,00 euros, ficando os salvados na posse do demandante - quesito 41.
A Ré respondeu a esta proposta no sentido de a aceitar, pagando, para acordo extra-judicial ao demandante a verba de €1.500, ficando os salvados na posse deste, tendo, desde logo, colocado à disposição do Autor tal quantia – quesito 42.
Esta mesma proposta foi reiterada ao demandante através de carta que lhe foi endereçada no dia 12 de Maio de 2006 – quesito 43.
A Autora ficará a padecer futuramente de uma de uma incapacidade permanente parcial de 3% - quesito 44.


5.
Apreciando.
5.1.
Primeira questão.
5.1.1.
Estatui o artº 562º do CC:
«Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».
E prescreve o artº 566º nº1:
«A indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor»
Destes normativos emerge que em sede de indemnização, e como regra, emerge o princípio da reposição natural, tendo-se claramente em vista o dano real ou concreto: a perda ou deterioração da coisa, a violação do bom nome, etc.
E que a reparação visa reconstituir a situação patrimonial que o lesado teria se não tivesse sofrido o dano.
Daqui resulta que, em primeira mão, se o objecto for furtado ou danificado e se se tratar de coisa fungível, ela deve ser restituída ou reparada.
E que a indemnização só pode ser fixada em dinheiro se se verificar qualquer das situações do citado nº1 do artº 566º, ou seja, o ressarcimento pecuniário assume um cariz meramente subsidiário.
5.1.2.
No âmbito deste último segmento normativo tem-se entendido que a excessiva onerosidade da reposição natural, deve ser interpretada restritivamente sob pena de se pôr em causa o direito do lesado a dispor do seu próprio património.
Efectivamente constituem doutrina e jurisprudência pacíficas que a inadequação da reconstituição natural, por virtude de ele se tornar excessivamente onerosa para o devedor, apenas surge: quando houver manifesta ou flagrante desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que ela envolve para o lesante, no sentido que represente para este um sacrifício manifestamente desproporcionado de tal sorte que se deva considerar abusivo por contrário à boa-fé o valor decorrente da reconstituição natural.– cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, 2ª ed. p.506 e Ac. da Relação de Lisboa de 29.06.2006, dgsi.pt, p.4860/2006-6.
Por outro lado, para se concluir pela excessiva onerosidade da reparação – e designadamente em casos como o que ora nos ocupa - não basta atender apenas à diferença entre ao valor necessário à reparação e ao valor comercial do veículo.
Mas a tudo o que ele representa no património do lesado.
Que normalmente não coincide com aquele valor, que pode ser bem irrisório e, não obstante, ver o lesado as suas necessidades, a que afecta o veículo, satisfeitas com o mesmo.
Basta imaginar, por exemplo, que alguém danifica um automóvel usado de reduzido valor comercial, mas que o lesado quer continuar a utilizar para as suas deslocações.
Um veículo muito usado fica desvalorizado e vale pouco dinheiro, mas, mesmo assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto que a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor comercial, pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, o que é o mesmo que dizer que pode não reconstituir a situação que o lesado teria se não fossem os danos.
Não faria sentido autorizar-se o lesante a indemnizar apenas o valor em dinheiro do automóvel, sob pretexto de a reparação ser mais cara que esse valor, já que tal implicaria privar o lesado do meio de locomoção de que dispunha e que não pretendia trocar por dinheiro.
Assim, casos há em que, não sendo o veículo reparável, deve o lesante, sendo esse o interesse do lesado, entregar a este outro veículo, que satisfaça as suas necessidades na medida do acidentado, nomeadamente um veículo da mesma marca e modelo, se possível, com igual uso e em igual estado de conservação e que represente no património do lesado o mesmo valor para ele, ou seja, que reconstitua a situação anterior à lesão.
A apreciação da excessiva onerosidade da restauração não resulta, pois, de um puro e simples cálculo aritmético, devendo não apenas atender-se ao valor real ou corrente da coisa danificada, mas também ao valor que subjectivamente tem para a pessoa prejudicada, decorrente do uso que o lesado lhe atribui e da livre disposição para a satisfação das suas necessidades.
É que ao reparar o veículo danificado, ao repô-lo no estado equivalente ao que tinha antes do acidente, mais não se está do que voltar a proporcionar ao seu proprietário o uso de uma viatura que tinha à sua disposição, de que desfrutava.
Assim, com esta reposição natural o lesado não sairá beneficiado, apenas continua a dispor do mesmo veículo e nas mesmas anteriores condições de funcionamento.
E sendo certo que a indemnização por equivalente, correspondente ao valor venal, geralmente não permite a sua substituição por outra viatura em termos de satisfação das mesmas necessidades.
Ou seja, a indagação de saber se, em cada caso, cabe a restauração natural ou a indemnização por equivalente, tem mais a ver com a melhor forma de satisfazer o interesse do lesado do que o interesse do lesante.
Logo, se a reparação dos danos sofridos por um veículo preencher o objectivo da indemnização, de tal forma que o próprio lesado a queira, é indiferente que o custo seja algo superior ao valor comercial do veículo.
Na verdade, o que interessa é apurar qual a melhor forma de reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Por outro lado e na óptica do lesante, este apenas poderá discutir se a restauração natural é excessivamente onerosa para si, devendo, em neste caso, optar-se pela indemnização em dinheiro, quando efectiva e objectivamente, tal se verifique.
O que passa pelo atingir da conclusão de que a reparação é excessivamente onerosa na medida em que representa um sacrifício manifestamente desproporcionado para o responsável quando confrontado com o interesse do lesado na integridade do seu património, na ampla perspectiva supra referida, vg., pela perspectivação da dimensão da diferença monetária entre o valor venal do veículo e o custo da sua reparação e da sua situação económico-financeira..
E tudo sob pena de se beneficiar o lesante, que, por princípio, está obrigado a repor o lesado na mesma situação que estaria não fosse o acto lesivo, o que não se verificaria com a simples, acessória e substitutiva indemnização pecuniária, a qual, inclusive, pode não colocar este numa situação totalmente indemne.
Assim, o entendimento no sentido de não ser aconselhável a reparação quando o custo desta é superior ao valor comercial do veículo é tendencialmente válido apenas quando o veículo danificado é novo – cfr. – cfr. Acs. do STJ de 12.01.2006 e 11.01.2007. dgsi.pt. ps.05B4176 e 06B4430.
5.1.3.
O caso vertente.
Não resulta dos factos provados, por um lado, que a reconstituição natural do dano real do apelado por via da reparação do veículo seja impossível ou insuficiente, designadamente por razões técnicas, para o fim a que se destina, que é a satisfação do quadro de necessidade de utilização na ampla perspectiva supra referida.
E, por outro, não emerge dessa factualidade que a reparação da viatura em causa não garanta que ela fique em condições de segurança para circular, ou seja, que ela esteja degradada em termos de a sua reparação se tornar inviável.
Ademais, dela não dimana, por um lado, à luz do valor do mercado do veículo automóvel, do custo estimado para a sua reparação e do quadro de necessidades que ele proporcionava aos recorridos que a reparação em causa se revele iníqua à luz dos princípios da boa fé.
Nem, por outro, revela que os recorridos, com o valor venal do veículo automóvel em causa e dos salvados, pudessem adquirir um veículo automóvel com o mesmo estado de conservação e de melhoramento em que se encontrava o veículo sinistrado e que lhes garantisse o mesmo nível de satisfação de necessidades.
Perante este quadro de facto e de direito, sobretudo tendo em conta o estado do veículo automóvel em causa ao tempo do sinistro, o seu valor venal ao tempo e o da sua reparação, a diferença entre o valor daquele e o valor desta: €1.241,47 e no confronto com o nível de necessidades que ele proporcionava aos recorridos, e a situação económico financeira da ré a qual, à míngua de outros dados se tem de presumir sólida e desafogada – sob pena de não inspirar confiança aos seus clientes - a conclusão é no sentido de que a reparação por aqueles pretendida não é excessivamente onerosa para a recorrente.
Interpretação esta que, para casos similares, tem sido uniformemente acolhida pela jurisprudência.
O que se verificou no já citado Ac. do STJ 12.01.2006 que decidiu um caso em que o valor de mercado do veículo sinistrado era de € 1.745,79, sendo que os salvados valiam € 199,52, a reparação foi orçada em € 2.992,79; no Ac. do STJ de 10.02.2004, p.03A4468, em que o veículo em causa tinha um valor comercial de 800.000$00 e a sua integral reparação orçar em 1.932.558$00; no Ac. da Relação do Porto de 06.03.2006, p.0650879 em que a reparação orçava em 9000 euros, o valor comercial era de 6.500 e os salvados valiam 650 e no Ac. da Relação do Porto de 09.03.2006, p.0630603 em que o veículo valia à data do acidente 750 euros, os salvados 50 euros e a reparação foi estimada em 2.381,12 euros.
5.2.
Segunda questão.
5.2.1.
Como é consabido a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil depende da existência de danos e pressupõe a verificação do nexo de causalidade entre eles e o facto ilícito lato sensu -artº 563º do CC.
Acresce que, em regra, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem
Assim, a indemnização em dinheiro e o respectivo cálculo, não dispensam o apuramento de factos que revelem a existência de dano ou prejuízo na esfera patrimonial ou pessoal da pessoa afectada.
Consequentemente, e em tese geral, a mera privação do uso de um veículo automóvel é insusceptível de, só por si, fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil, pois que pode não ter qualquer repercussão negativa no património ou esfera pessoal do lesado, ou seja, dela não resultar um dano específico, emergente ou na vertente de lucro cessante.
Porque, vg. existiam outros meios de transporte à disposição do dono ou porque acabou por deles não necessitar.
Donde que seja um ónus do lesado não apenas a alegação em abstracto de danos decorrentes da privação da viatura por falta de reparação da entidade responsável, sendo necessária a alegação concreta das situações em que a viatura deixou de ser fruída, mesmo que essa fruição ou gozo se traduza em actividades não lucrativas e se enquadre em aspectos úteis, lúdicos ou beneméritos. – Cfr. Acs. do STJ de 13-12-2007, dgsi.pt, p.07A3927, de 16-09-2008, p.8A2094, de 30-10-2008, p.08B2662 e de 30-10-2008 p. 07B2131.
Entendemos porém, e sem que tal represente uma postergação deste entendimento, que, em sede de direito probatório, a prova a efectivar pelo lesado deve ser aliviada e não deve exigir-se como reportada a factos minuciosos, pois que efectivamente, as regras da experiencia e normalidade das coisas nos inculcam a ideia que, nos dias que correm e atenta a hodierna organização económico-social, a perda do uso de um veículo automóvel, por regra, acarreta afectações negativas ao nível dos direitos da personalidade e prejuízos para o seu dono.
5.2.2.
O caso vertente.
Em recurso está apenas a indemnização de 1.000,00 euros arbitrada para compensação de danos não patrimoniais pela privação do veículo.
Sendo que o Sr. Juiz a quo sustentou o decidido neste particular nos seguintes factos:
«Os autores estiveram desde o dia 11-03-2006, inclusive, sem poderem utilizar o EL nas suas deslocações diárias até terem adquirido um outro veículo» (quesito 21).
Que «À data do acidente, o autor era Electricista no Estabelecimento Prisional de Coimbra» (quesito 16).
Que «A autora utilizava o EL nas suas deslocações diárias de casa para o trabalho e vice-versa e ambos os Autores nas demais deslocações da sua vida privada (quesito 17).
Que os autores se viram «…obrigados a viverem de favores de outras pessoas e a utilizarem transportes públicos; a terem de se levantarem e a saírem de casa mais cedo e a chegarem a casa mais tarde» (quesito 22).
Que tiveram de aguardar pela chegada de vários transpores públicos; que efectuaram alguns percursos a pé, pelo que ficaram com menos tempo para descanso e de momentos de lazer (quesito 23) e que tudo isto lhes causou «transtornos e incómodos» (quesito 24).

A recorrente entende que este acervo fáctico não é suficiente para sustentar a decisão, pois que ele apenas revela meros incómodos e transtornos que não devem merecer a tutela do direito.
Mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
Como bem expende o Sr. Juiz citando R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra, 1995 p.555/556, é certo que não a merecem essa tutela «...os prejuízos insignificantes ou de diminuto significado, cuja compensação pecuniária não se justifica, que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interactiva vida social hodierna. Assim não são indemnizáveis os diminutos incómodos, desgostos e contrariedades, embora emergentes de actos ilícitos, imputáveis a outrem e culposos» (sublinhado nosso).
Ora os factos provados não consubstanciam apenas meros incómodos ou transtornos que seja exigível aos autores suportarem, perspectivados os actuais ónus decorrentes de uma normal vivencia na hodierna sociedade portuguesa e considerando, designadamente, que nela o veículo automóvel é já aceite - pelo menos atentas as profissões dos autores e o seu modo de vida: trabalhadores por conta de outrem – como um bem essencial e quase imprescindível.
Sendo, ao invés, tais factos, causa de afectações negativas no modus vivendi dos demandantes, os quais certamente lhe diminuíram a qualidade de vida pelos incómodos, perdas de tempo e stress adicionalmente acumulado pela não fruição de um meio de transporte que nos tempos actuais de vivencias atarefadas e assoberbadas e com cumprimento por vezes escrupuloso de horários, se assume como fulcral e quasi indispensável.
Corroborando-se a posição do julgador quando explana que in casu não é exigível que os autores suportem tais afectações: «altruisticamente como algo que todos devam suportar num contexto de adequação social, como um tributo a pagar pela contrapartida dos benefícios que se retiram da vivência em sociedade.»
E desde logo porque elas dimanaram de um acto ilícito para o qual eles nada contribuíram e que não lhes acarretou quaisquer benefícios ou contrapartidas, antes pelo contrário.
Acresce que nas actuais sociedades economicamente desenvolvidas, nas quais, pelo menos tendencialmente a portuguesa se insere, a qualidade de vida passa já não tanto ou essencialmente por aspectos materiais - pois que a generalidade dos cidadãos (posto que muitos com grande esforço e contenção de gastos) e de que os autores são exemplo já que, atentas as suas profissões, se podem classificar como de estrato económico médio ou médio-baixo, auferem proventos bastantes para satisfazer as suas necessidades básicas - mas antes por aspectos mais abrangentes que se prendem vg. com o acesso a bens culturais e de lazer, o repouso, a tranquilidade, a paz de espírito e até com particularismos aparentemente comezinhos, como sejam o maior ou menor esforço ou dificuldade no desempenho das tarefas ou profissões e a menor ou maior dificuldade em chegar-se ao local de trabalho.
Há, destarte, que valorar esta vertente ressarcitória não patrimonial pois que muitas vezes os danos a ela atinentes, consubstanciados em incómodos, transtornos, angustias, stress, perturbação da tranquilidade e da paz de espírito, são mais afectantes e perniciosos para a integridade e estabilidade emocional e psico-somatica - e, consequentemente, da qualidade de vida - do que certos danos materiais, os quais, com o correr da vida e o esforço e trabalho do lesado podem ser ultrapassados ou minimizados.
Decorrentemente, considerando a jaez dos factos provados, a necessidade de cabal ressarcimento dos danos não patrimoniais, o juízo equitativo que deve prevalecer nesta vertente indemnizatória e a natureza e finalidades desta que infra melhor se explanarão, e a não exigência de alegação de factos minudentes por parte do autor, dada a existência de uma certa presunção natural no sentido de que a indisponibilidade do veículo acarreta uma significativa afectação do lesado, entendemos como adequado e justo – não obstante não se ter provado o lapso de tempo durante o qual os autores ficaram subjectiva e negativamente afectados pela privação do carro, mas que se indicia terem sido semanas ou até meses - o montante de mil euros.
O qual, note-se, se reporta a duas pessoas, pelo que, pelo menos tendencialmente e porque não se apurou que os incómodos do autor fossem inferiores aos da autora, ou vice versa, deve ser entendido como atribuído igualitariamente à razão de 500 euros para cada um dos demandantes.
5.3.
Terceira questão.
5.3.1.
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – artº 496º nº1 do CC.
O dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária; o “dano estético”, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima; o pretium juventutis, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida – cfr. Ac. Do STJ de 18.06.2009, dgsi.pt, p. 1632/01.5SILSB.S1.
Há, também, que ter presente que, logo a seguir ao bem vida, os direitos de personalidade, designadamente o direito á integridade física, à honra e ao bom nome - cuja preservação é necessária para se manter a própria dignidade e amor próprio e para possibilitar uma sã convivência social - são, quiçá, os direitos com maior dignidade e que importa respeitar e defender.
A indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista.
Por um lado visa, mais do que indemnizar, reparar os danos sofridos pela pessoa lesada; pretende-se proporcionar ao lesado uma compensação ou benefício de ordem material - a única possível -, que lhe permite obter prazeres ou distracções - porventura de ordem puramente espiritual - que, de algum modo, atenuem o desgosto sofrido: não consiste num pretium doloris, mas antes numa compensatio doloris.
Por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.
Resta sempre difícil apurar, com rigor, da adequação do montante compensatório dos danos não patrimoniais, de sorte a que com o mesmo se possam minorar as afectações negativas sofridas, operando-se, assim, com a maior aproximação possível, a justiça do caso concreto.
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjectivos, resultantes de uma sensibilidade particular.
Devendo ainda considerar-se que a mais recente jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal vem reconhecendo que se torna necessário elevar o nível dos montantes dos danos morais, perante o condicionalismo económico do momento, e o maior valor que hoje se atribui à vida, integridade física e dignidade humanas, sendo que, hodiernamente se vislumbra sedimentada uma corrente jurisprudencial que visa afastar critérios miserabilistas de fixação desta espécie de danos, pautando-se por uma justa, naturalmente mais elevada, fixação dos montantes indemnizatórios.
Certo é que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, e designadamente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso - arts. 496º, nº 3 e 494º do C.C.
Fazendo-se apelo a um julgamento segundo a equidade, em que os critérios que os tribunais devem seguir não são nem podem ser fixos devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”, só se justificando uma intervenção correctiva se a indemnização se mostrar desajustada por meridianamente desconforme a esses elementos – cfr. Ac. Do STJ de 18.06.2009, supra citado.
Havendo aqui, naturalmente, que conviver e aceitar uma certa álea e relatividade das decisões judiciais, características que são inerentes a tais decisões como aliás a qualquer actividade humana que não se estribe em premissas de cariz cientifico-natural ou matemático.
Importando, todavia, perspectivar as diversas decisões prolactadas em casos similares para se tentar operar a fixação de valores idênticos, pois que tal contribui não só para a certeza e segurança do direito como, também, para a consecução da justiça material, quer na sua vertente absoluta, quer na perspectiva relativa ou comparativa.
Assim e neste particular atente-se em algumas decisões do STJ.
No Acórdão de 26 de Junho de 2002 in www.dgsi,pt, o Supremo confirmou o montante de 5.500.000$00 já definido pela Relação, para indemnizar os danos morais sofridos por um lesado de 32 anos, que ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 40%, que foi vítima de um acidente de viação para o qual em nada concorreu, e que ficou afectado de forma significativa e permanente na sua qualidade de vida, tanto pessoal como desportiva e profissional.
Pelo Acórdão de 20 de Novembro de 2003, p. nº03A3450, foi atribuída a indemnização de € 32.421,86 a uma lesada que, tendo a idade de 25 anos no momento do acidente, ficou em estado de coma, foi submetida a diversas intervenções cirúrgicas e sofreu lesões graves lesões por todo o corpo, que lhe provocaram cicatrizes profundas e visíveis; -
Nos Acordãos do STJ de 05.12.2002 e de 26.12.04 ps. 02B3553 e 03B3898, fixou-se, em casos de ofensa do direito à honra por via de órgãos da comunicação social, o montante de 25000 euros.
No Acórdão de 15 de Janeiro de 2004, p.nº03B926, foi arbitrada uma indemnização de € 10,951,92 a uma lesada que tinha 24 anos à data do acidente, à qual foi atribuída uma IPP de 10%, mas que ficou a sofrer de lesões graves e visíveis.
No Acórdão de 5 de Fevereiro de 2004, p. nº 04B083 foi atribuída a indemnização de € 24.939,89 a um lesado que, tendo 52 anos à data do acidente, ficou afectado de um IPP de 35% e sofreu lesões muito graves que o obrigaram a diversas intervenções cirúrgicas e implicaram limitações muito sérias à sua mobilidade.
No Acórdão de 12 de Janeiro de 2006, proc. nº 05B4176 , considerou-se adequada a indemnização de € 12.500 a atribuir a uma lesada que sofreu várias lesões corporais, dores persistentes e constantes, teve de se submeter a diversos exames e sessões de tratamento, ficou com um nódulo fibroso e hipotrofia numa das pernas de cerca de 2 cm, e à qual foi fixada 5% de IPP.
No Acórdão de 4 de Dezembro de 2007, proc. nº 07A3836 foi arbitrado o montante de € 35.000 por danos morais a um lesado com 44 anos à data do acidente, na sequência do qual esteve em conta e em perigo de vida durante vários dias e sofreu diversas sequelas, e ao qual foi fixada uma IPP de 47%.
No Acordão de 23.09.2008, p.07B2469, foi arbitrada a indemnização de 20.000 euros num caso de incapacidade permanente para a profissão de 20%, com atrofia de 03 cm nos músculos da perna num individuo de cerca de 35 anos que praticava desporto e que lhe provocou dificuldades na marcha e dores e incómodos.
No citado Acórdão de 18.06.2009 foi fixado o montante de 20.000 euros a uma lesada de 84 anos a quem foi atribuída uma incapacidade geral parcial permanente de 5%, sendo que as sequelas com o aumentar da idade terão tendência para se agravar e colocá-la em situação de debilidade física que perdura e que se projecta no seu futuro da vida.
Enfim no recente Acórdão de 24.09.2009, p. 09B0037, foi arbitrado o montante de 40.000 euros num caso em que o autor, que tinha 33 anos à data do acidente e ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 18,28% , a qual se traduziu, no caso, numa incapacidade total para o trabalho.
5.3.2.
In casu.
Apurou-se com relevância que:
À data do acidente a autora tinha 38 anos.
Em consequência do embate a Autora padeceu de dores ao nível da cervical e da zona lombar, sensação de calor na região pré-auricular bilateral, quantificáveis no grau 3 numa escala de 1 a 7
O embate produziu-lhe «pequena protrusão discal mediana posterior dos discos intervertebrais C3 e C4».
Bem como «protrusão posterior difusa do disco intervertebral C5-C6 que reduz o espaço subaracnoideu perimedular anterior e que poderá condicionar discreta compressão do feixe ventral das raízes C6.
Em consequência das lesões supramencionadas a Autora sentiu e sofreu dores.
A Autora teve dificuldades no exercício da sua actividade profissional de empregada de limpeza e fazer as suas lides domésticas.
Actualmente queixa-se de dores na coluna, falta de força no membro superior direito e de frequentemente sentir as mãos dormentes.
Tem algumas dificuldades em pegar em objectos pesados e realizar serviços de limpeza.
A situação factual acabada de descrever causou-lhe incómodos e transtornos e produziu-lhe alguma tristeza.
A Autora ficará a padecer futuramente de uma de uma incapacidade permanente parcial de 3%.

Perante este acervo factual há que concluir que os danos na integridade física da autora são significativos e graves. Quiçá não tanto pelo grau de incapacidade que provocaram, mas antes pelas consequências que acarretaram, acarretam e muito provavelmente continuarão a acarretar para o desempenho da profissão da lesada e, em geral, para o desenvolvimento de qualquer actividade física.
Não sendo ainda de olvidar que todo este handicap irá afectá-la a nível psicológico e emocional. Com as inerentes consequências nocivas para a sua qualidade de vida ao longo dos anos que, naturalmente, se prevêem ainda dilatados.
Como bem se expende na sentença: «Uma incapacidade representa sempre para quem a sofre uma diminuição das capacidades da pessoa que se reflectem em todos os aspectos da sua vida, sendo causa de desconforto e sofrimento moral.»
O que, atenta a ocupação profissional da autora e a sua ainda pouco avançada idade é atendível e relevante.
Para além do quantum doloris importa, pois, valorar os supra referidos “prejuízo de afirmação social” e o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”.
Por outro lado, a quantia fixada não se alcança como manifestamente dispare e desconforme por comparação com outras arbitradas em situações mais ou menos similares, maxime das supra referidas e aceite que deve ser o mencionado grau de diferenciação e aleatoriedade que se afiguram inelutáveis.
Coadunando-se, outrossim, com os demais critérios legalmente fixados, vg. a situação económico-financeira das partes, rectius da ré seguradora a qual, à míngua de factos infirmatórios, se deve considerar como saudável e até desafogada.
Nesta conformidade há que convir que o valor de €12.000,00 (doze mil euros) fixado na sentença se alcança como equilibrado, adequado e, logo, justo, tanto para consecutir a justiça do caso concreto, como para atingir a sempre desejada justiça comparativa.

5.4.
Sumariando.
I – Em sede de obrigação de indemnizar a regra é a reposição natural apresentando-se a indemnização por sucedâneo pecuniário como excepcional ou subsidiária – artºs 562º e 566º do CC.
II - Isto porque nem sempre esta indemnização opera o total e adequado ressarcimento do lesado, o que normalmente se verifica em sede de acidentes de viação em que o veículo danificado, mesmo se for usado e estiver comercialmente desvalorizado, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto que a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor venal de mercado, pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades.
III- Destarte, a substituição da reposição in natura pelo subsidiário ressarcimento pecuniário por virtude da indemnização ser excessivamente onerosa para o devedor, apenas é admissível quando houver flagrante desproporção entre o interesse do lesado, que primordialmente importa perspectivar e recompor, e o custo que ela envolve para o lesante, no sentido que represente para este - vg. atento o valor da reparação e a sua situação económico financeira - um sacrifício manifestamente desproporcionado de tal sorte que deva considerar-se abusivo, por contrário à boa-fé, o valor decorrente da reconstituição natural.
IV- Não ocorre tal excesso quando reparação do veículo foi orçamentada em € 2.991,47 euros, ele valia, à data do acidente, €1750,00 euros e a ré é uma Seguradora presumivelmente saudável em termos económico-financeiros.

V – A mera privação do uso de veículo automóvel, porque instrumento de trabalho e de lazer essencial ou pelo menos importante na vida das pessoas das hodiernas sociedades, é susceptível de gerar danos não patrimoniais ressarcíveis, se tal privação acarretar incómodos, transtornos, angustias, stress, perturbação da tranquilidade e da paz de espírito, afectantes e perniciosos para a integridade e estabilidade emocional e psicológica e, consequentemente, da qualidade de vida.

VI –Constitui entendimento jurisprudencial actual que devem abandonar-se indemnizações miserabilistas a título de danos não patrimoniais, e que a determinação do seu quantum, porque resultando de um juízo de equidade não submetido a normas de legalidade estrita, só é passível de censura pelos tribunais superiores em casos de manifesta imprudência e falta de senso comum na sua fixação.

VII- Consequentemente, alcança-se como admissível e razoável, a quantia de 12.000,00 euros arbitrada a este título a lesada de 38 anos, empregada de limpeza, que ficou com uma IPP de 3% decorrente de lesões na coluna vertebral com afectação de vários discos intervertebrais, que padeceu e padece de dores quantificáveis no grau 3 numa escala de 1 a 7 e que tem algumas dificuldades em pegar em objectos pesados e realizar serviços de limpeza.

6.
Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 2009.10.06