Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
275/05.9TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ROQUE
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
BENFEITORIA
ABALROAÇÃO
OBRAS
Data do Acordão: 04/01/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 1046º, N.º 1 E 1275º, Nº 2, TODOS DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Para as benfeitorias, ao contrário do que acontece com as despesas de frutificação, não é relevante a pessoa do titular da coisa, porquanto aquelas despesas se relacionam, intimamente, com esta e não com a pessoa que, transitoriamente, é o seu titular.
2. Não se provando que o senhorio consentiu, expressamente, na realização das obras levadas a efeito pelo inquilino, tal não constitui «a cláusula de estipulação em contrário», prevista no nº 1, do artigo 1046º, do CC, que permite a equiparação do locatário ao possuidor de boa fé.
3. Quando a transformação do arrendado não evite o seu detrimento, nem o valorize senão para o fim de determinado arrendamento, não aproveitando a outras eventuais utilizações futuras, não constituirá benfeitoria, necessária ou útil, mas mera obra de adaptação, sendo certo que só quando, simultaneamente, evite o detrimento da coisa arrendada e a valorize, constitui adaptação do objecto para o fim contratual e, igualmente, benfeitoria.
4. As meras obras de adaptação constituem parte integrante da fracção locada, não conferindo ao inquilino, se impossibilitado de as levantar, sem detrimento da coisa, o direito a ser indemnizado pelo seu valor, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
5. Os factos que permitem conduzir ao conceito de detrimento devem ser demonstrados, não podendo o mesmo retirar-se, conclusivamente, das regras da experiência da vida, como mera dedução lógica, no âmbito das designadas presunções judiciais.
6. Dependendo o direito de indemnização, por benfeitorias úteis, da demonstração, pelo locatário, que do seu levantamento resulta detrimento para o locado e da oposição ao seu levantamento, por parte do dono da coisa, com fundamento em detrimento da mesma, não tendo sido formulado este pedido de levantamento, carece de base legal o pretenso direito de indemnização deduzido pelo locatário.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

A....., casada, farmacêutica, residente em……., propôs a presente acção contra B.....e mulher, C....., ambos residentes na ……, pedindo que, na sua procedência, seja declarado resolvido o contrato de arrendamento subsistente entre a autora e os réus, condenando-se estes a despejar o locado, imediatamente, livre de quaisquer pessoas e bens, restituindo-o ao estado em que se encontrava, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, conforme aos fins do contrato, condenando-se ainda os réus a pagar à autora as rendas vencidas, no montante de 4788,48€, e vincendas, até à efectiva entrega do locado, acrescidas dos respectivos juros de mora, invocando, para o efeito, e, em síntese, que deu de arrendamento ao réu marido a fracção autónoma, infradiscriminada, destinada ao comércio, pela remuneração mensal de 9576,92€, que deixou de ser paga, desde Agosto de 2004.

            Na contestação, os réus, para além do que ainda interessa considerar, com vista à decisão do mérito da apelação, confessam os factos alegados pela autora e, em reconvenção, pedem a condenação desta a pagar-lhes a quantia global de 68785,03€, a título de benfeitorias realizadas no locado, devidamente autorizadas pela autora, operando-se, eventualmente, a compensação com qualquer quantia que os réus, por seu turno, venham a ser condenados a pagar à autora.

            Na réplica, a autora alega que não autorizou a realização de quaisquer obras, por parte dos réus, as quais não têm qualquer utilidade para o arrendado.

            A sentença julgou a acção, procedente por provada, e, consequentemente, ao abrigo do estipulado pelos artigos 63º, nº 2, 64º, nº 1, a) e d), 56º, nº 3, do RAU, 216º, nºs 1, 2 e 3, 479º, nº 1, 1046º, 1273º e 1275º, do Código Civil, decretou a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre a autora e o primeiro réu [a], condenou os réus/reconvintes no pagamento das rendas vencidas, entre Agosto de 2004 e Abril de 2006, inclusive, sendo a renda mensal de 798.08€, acrescidas de juros de mora, desde os respectivos vencimentos, à taxa legal, na ocasião, de 10,58%, (vd. Aviso nº 190/2007 (extracto), in Diário da República, II Série, nº 4, de 5 de Janeiro de 2007) e até efectivo e integral pagamento [b], julgou extinto, por inutilidade superveniente da lide, o pedido quanto à restituição do arrendado à autora [c] e condenou a autora/reconvinda, no pagamento da quantia de 13.130,85€, devida desde a notificação do pedido reconvencional, à qual acrescem juros, à taxa legal, então, de 10,58%, referida, e até efectivo e integral pagamento.

Desta sentença, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outra que a absolva do pedido reconvencional, formulando as seguintes conclusões:

1ª – As respostas aos pontos nºs 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 12, 13 e 14 pecam por deficiência e por contradição com as respostas dadas aos pontos nºs 15 e 16 da base instrutória.

2ª – Tais respostas deveriam ser referidas da seguinte ou equivalente expressão: “…sem qualquer utilidade para a A.”.

3ª – As respostas dadas por esta forma e em tal sentido eliminariam não só a sua deficiência com a contradição entre elas e as respostas dadas aos pontos nºs 15 e 16 da base instrutória.

4ª – Deve, pois, a sentença ser revogada e substituída por outra que dê como provados os factos constantes dos pontos nºs 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 12, 13 e 14 pela forma que se referiu em 2.

5ª – A sentença ora em recurso violou, pelo menos, as seguintes disposições legais: artigo 1043º, nº 1, do CC, 56º, nº 3, 64º, nº 1, d) e 89º-A do RAU, 216º, nº 3, 1273º e 1275º, estes todos do CC.

            Nas suas contra-alegações, os réus defendem que devem ser mantidas as respostas questionadas, dado tratar-se de benfeitorias que ficaram a fazer parte integrante do locado, devendo o seu valor ser levado à compensação.

                                                    *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:
I – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
II – A questão da qualificação das obras realizadas pelos locatários.
III – A questão da indemnização.

               I. DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A autora sustenta que as respostas dadas aos pontos nºs 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 12, 13 e 14 da base instrutória, deveriam ser referidas da seguinte ou equivalente expressão, ou seja, “…sem qualquer utilidade para a A.”.

Independentemente da prévia audição da prova objecto de gravação, no que contende com os pontos da matéria de facto em que a autora suscitou a respectiva alteração, importa, desde já, considerar que esta pretende, em relação aos vários pontos da base instrutória onde se questiona se os réus efectuaram determinadas obras no locado, introduzir respostas, de natureza explicativa ou restritiva, quais sejam as de que as mesmas não revestiram “…qualquer utilidade para a autora”.

Tem a ver este propósito da autora com a necessidade de alcançar a absolvição no pedido reconvencional, onde os réus, com fundamento na realização de benfeitorias, pretendem a condenação daquela no pagamento do valor das que se provaram ter sido realizadas.

Estipula o artigo 216º, nº 1, do Código Civil (CC), que se consideram benfeitorias “…todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa”.

Estas despesas correspondem a trabalhos ou obras de vária ordem, realizados na própria coisa bonificada, ou à satisfação, ou, em todo o caso, à extinção de encargos que pesam sobre ela, visando a própria coisa, a sua utilidade ou melhoria permanentes, ao contrário do que sucede com as despesas de frutificação que se destinam a preparar e, portanto, um resultado transeunte[1].

As benfeitorias, ou melhor, a obra em que elas se concretizam, tem vocação de perenidade, intervindo na substância da coisa, enquanto que os frutos têm como marcas caractereológicas a produção periódica e a não afectação da substância da coisa.

Assim, os frutos, enquanto não separados, não constituem um objecto próprio, fazendo parte integrante, até esse momento, do objecto que os produz, sendo seu proprietário quem for o titular deste.

Quer isto dizer que, para as benfeitorias, ao contrário do que acontece com as despesas de frutificação, não é relevante a pessoa do titular da coisa, porquanto as respectivas despesas se relacionam, intimamente, com esta e não com a pessoa que, transitoriamente, é o seu titular.

Por isso, não assume significado marcante, para a decisão da questão de fundo visada pela autora, a questão de saber se as obras realizadas pelos réus, no locado, revestiram ou não “…qualquer utilidade para a autora”.

E tal, também, não colide, com o muito devido respeito, com o facto de ter merecido resposta negativa a matéria constante dos pontos nºs 15º e 16º da base instrutória, ou seja, “tendo ficado o prédio apto a aí continuar a ser exercida quer a actividade de restauração que até aí vinha sendo exercida, quer uma outra qualquer actividade comercial, já que tais obras terão que ser deixadas no locado?” (15º) e “em virtude das obras efectuadas pelos réus, o locado viu o seu valor aumentado em, pelo menos, 68785,03€?” (16º).

Efectivamente, o ponto nº 15 contém duas perguntas dessincrónicas, quais sejam a de saber se o prédio está apto para o exercício de qualquer actividade comercial, o que até parece absurdo, a menos que lhe venha a ser retirado o respectivo licenciamento, e a outra a de saber se tais obras terão que ser deixadas no locado, enquanto que o ponto nº 16, da base instrutória, contende com o eventual aumento do locado, proveniente da realização das obras, em, pelo menos, 68785,03€, o que não significa, manifestamente, que não apresente um valor inferior.

Nestes termos, este Tribunal da Relação entende que se devem considerar como demonstrados os seguintes factos, incluindo aquele que se adita, sob a alínea F), resultante do texto do contrato de arrendamento de folhas 5 a 7, com base no disposto pelos artigos 373º, nº 1 e 376º, nº 1, do Código Civil (CC), 659º, nº 3 e 713º, nº 2, do CPC:

Por documento particular escrito, a autora, no dia 1 de Junho de 2003, deu de arrendamento ao réu marido, pelo prazo de um ano, a contar do dia 1 de Junho de 2003, a fracção autónoma, designada pela letra C, correspondente à Loja nº 2, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sita na ….., inscrito na respectiva matriz predial, sob o artigo 7003 – A).

O arrendado destinou-se ao comércio e a renda anual acordada entre ambos foi no montante de 9.576,92€, a pagar ao senhorio, em duodécimos de 798,08€, até ao dia 8 de cada mês, na Avª ….. – B).

Desde o mês de Agosto de 2004, o réu marido deixou de pagar à autora, no tempo e lugar próprios, a renda mensal, sendo que, à data de 19 de Janeiro de 2005, os réus devem à autora, a título de rendas, as seguintes quantias: ano de 2004, mês de Agosto: 798,08€, mês de Setembro: 798,08€, mês de Outubro: 798,08€, mês de Novembro: 798,08€, mês de Dezembro: 798,08€; Ano de 2005, mês de Janeiro: 798,08€, no total de 4.788,48€ - C).

A 10 de Abril de 2006, foram entregues à autora as chaves do arrendado – D).

O pedido reconvencional foi reduzido para 13.130,85€, uma vez que foram levantadas pelos réus as seguintes verbas: referidas nos artºs 8º, parte das referidas no artº 9º (a bancada, no valor de 2.047,53€), 10º, 11º, parte das referidas no artº 12º (ficaram as molas, no valor de 100,00€), e, no artigo 13º, (excepto a porta) – E).

Quaisquer obras que o segundo outorgante [o réu marido] pretenda efectuar no local, terão de ser autorizadas, por escrito, pelo primeiro outorgante [a autora] – Cláusula 7ª do documento de folhas 5 a 7 – F).

O locado era, primeiramente, constituído apenas por paredes nuas, tendo os réus, para ali poderem exercer a sua actividade comercial de restauração, realizado várias obras, tendo a autora tomado conhecimento de algumas dessas obras – 1º.

Os réus montaram, no locado, azulejo e tijolo de vidro e rodapé, em mosaico, no valor de 487,00€ - 3º.

Foram colocadas instalações para ligação de armários de quente e frio e máquina de descascar batatas, bem como foram colocadas várias tomadas e armaduras de encastrar, para várias lâmpadas, no valor de 2.716,20€ - 4º.

Foram colocados vários vidros, no valor de 40,00€ - 5º.

Foram montadas várias divisórias em pladur BA 13 e pintadas, bem como foram colocadas portas e ferragens pintadas e remates para as cadeiras, tudo no valor de 2.975,00€ (1.200,00€ + 1.300,00€ + IVA) - 6º.

Nas janelas foram colocados estores de várias medidas, no valor de 492,01€ - 7º.

Na cozinha foram colocadas várias bancadas, bem como máquinas de lavar loiça e de descascar batatas, lavadouros, grelhadores, frigideiras, fogões, máquinas de gelo, baldes do lixo e bancadas, no valor de 44.120,44€, tudo já levantado pelos réus - 8º.

Foram rematadas as diferenças existentes entre as pedras da parede e esta forrada a papel, bem como foi efectuada a ligação de água e esgotos, tendo ainda sido colocado um tubo, em alumínio, para a chaminé, bem com uma bancada super e espelho com iluminação, tudo no valor de 6.228,17€ - 9º.

Foi colocado um termoacumulador eléctrico, da marca “Siebel psh bsi”, no valor de 193€, bem como um triturador TR/BM350, com batedor, no valor de 447,00€, um grelhador em placas de sim, modelo BRAVO301, no valor de 296,00€, uma placa para grelhar canela, no valor de 40,00€, e um exterminador de insectos ZODÍACO, no valor de 120,00€, tudo já levantado pelos réus - 10º.

Foram ainda colocados dois aparelhos de ar condicionado, da marca MITSUBISHI Mod. PLH4AK e OLH2EKK, no valor, acrescido da respectiva montagem, de 7.363,01€, já levantados pelos réus - 11º.

Foram colocadas duas arcas 2CF370, no valor de 330,00€, cada, e quatro molas hidráulicas para portas, no valor de 100,00€ - 12º.

Foi ainda colocada uma porta de serviço, em alumínio, no valor de 540,00€, e vários armários Ref. 261 e cacifos 400 (2), no valor de 367,20€ -13º.

Foi isolado todo o tecto com material adequado – lã de rocha – que importou um dispêndio, de cerca de 1.600,00€, estando a lã de rocha já deteriorada – 14º.

 II. DA NATUREZA DAS OBRAS REALIZADAS PELO LOCATÁRIO

Pretendem os réus, com a reconvenção, a condenação da autora, senhorio do prédio dado em locação aqueles, no pagamento de uma quantia, a título de indemnização, por alegadas benfeitorias que efectuaram no mesmo, a fim de nele instalar um estabelecimento comercial de restauração.

A este propósito, ficou provado que a autora deu de arrendamento ao réu marido uma fracção autónoma com paredes nuas, destinada ao comércio, tendo os réus, para ali poderem exercer a sua actividade comercial de restauração, realizado várias obras, entre as quais interessa ainda considerar o assentamento de azulejo e tijolo de vidro e rodapé em mosaico, a criação de instalações para a ligação de armários de quente e frio e de máquina de descascar batatas, a colocação de várias tomadas e armaduras de encastrar para lâmpadas, de vários vidros, de portas e ferragens pintadas, de remates para as cadeiras, de estores de várias medidas, de um tubo, em alumínio, para a chaminé, de uma bancada super, de espelho com iluminação, de duas arcas 2CF370, de quatro molas hidráulicas para portas, de uma porta de serviço, em alumínio, de vários armários ref. 261 e cacifos 400 (2), a montagem de várias divisórias, em pladur BA 13, e pintadas, o remate das diferenças existentes entre as pedras da parede e a respectiva forragem a papel, a ligação de água e esgotos e o isolamento de todo o tecto, com material adequado, ou seja, lã de rocha, estando esta já deteriorada.
Estabelecendo o artigo 216, n°1, do CC, o conceito de benfeitorias, como sendo «todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa», como já se disse, não define, porém, aquelas que, no âmbito do estipulado pelos artigos 1022º e 1031º, b), do mesmo diploma legal, devem ser realizadas pelo locador para assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que a mesma se destina.
Quer isto dizer que, conjugando esta obrigação imposta ao locador com as obrigações próprias do locatário, a que alude o artigo 1038º, em especial, com o dever de manutenção e restituição da coisa locada, tal como o definem os artigos 1043º e seguintes, impõe-se concluir que o locador é obrigado a realizar todas as reparações e outras despesas essenciais ou indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim a que a mesma se destina, sob pena de faltar, culposamente, ao cumprimento da sua obrigação e de se tornar responsável pelos prejuízos causados ao arrendatário, nos termos das disposições combinadas dos artigos 798º e 564º, todos do CC, mas, por outro lado, que estão a cargo do locatário as reparações ou despesas determinadas pela aplicação da coisa a fim diferente do convencionado[2].
Porém, sobre o arrendatário não incide o dever de proceder a reparações ou despesas essenciais ou indispensáveis ou de efectuar os correspondentes pagamentos, porquanto se trata de uma faculdade concedida no seu interesse, e não de um dever imposto ao locatário, no interesse do locador[3].
Aliás, só na ausência de estipulação contratual em contrário, impenderá sobre o senhorio a responsabilidade pela realização das obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, sendo certo que o arrendatário apenas poderá executar aquelas que o contrato faculte ou quando seja autorizado, por escrito, pelo locador, atento o disposto pelo artigo 1046º, nº 1, do CC, e este último só será obrigado a realizá-las, salvo havendo acordo escrito nesse sentido, se a sua execução lhe for ordenada pela Câmara Municipal competente, face ao estipulado pelos artigos 11º e 13, nº 1, do Regime do Arrendamento Urano, aplicável por força do estipulado pelo artigo 60º, nº 1, da Lei nº 6/06, de 27 de Fevereiro[4].
A falta de autorização da autora senhoria quanto à realização, pelos réus inquilinos, por iniciativa e para uso exclusivo e benefício destes, de obras de adaptação do locado para o exercício da actividade de restauração, a que, contratualmente, se destinava, e que, apenas, de algumas delas tomou conhecimento diferido, quer significar que os réus se lhe substituíram na feitura das obras de adaptação da fracção para os fins do contrato, mas que aquela, em primeira linha, competiria, no âmbito do cumprimento da obrigação de assegurar o gozo da fracção, para os fins do contrato, a que aludem os artigos 1022º e 1031º, b), do CC.
Estipula, por seu turno, o artigo 216º, nº 3, do CC, a propósito das várias modalidades de benfeitorias, que “são benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentem, todavia, o valor; e voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante”.
A isto acresce, nos termos do preceituado pelo artigo 1046º, nº 1, que, não se tratando da hipótese de o locador se encontrar em mora quanto à obrigação de fazer reparações ou outras despesas, ou da existência de estipulação em contrário, “…o locatário é equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada”, com a consequência imposta pelo artigo 1273º, nº 1, de o possuidor de má fé ter “direito a ser indemnizado das benfeitorias necessárias que haja feito, e bem assim como a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento dela”, acrescentando o artigo 1275º, nº 2, todos do CC, que o possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito[5].
Porém, não se tendo provado que a autora consentiu, expressamente, na realização das obras levadas a efeito pelos réus, tal não constitui «a cláusula de estipulação em contrário», prevista no já aludido nº 1, do artigo 1046º, do CC, que, consequentemente, permite a equiparação do locatário ao possuidor de boa fé[6].
Efectivamente, os réus levaram a cabo, por sua iniciativa e para seu exclusivo benefício, sem autorização da autora, obras de adaptação do locado para os fins do exercício da actividade de restauração, a que, contratualmente, se destinava, sendo certo que as aludidas obras aumentaram o seu valor, em montante não, concretamente, apurado.
Afastando-se, terminantemente, do conceito de benfeitorias necessárias as despesas realizadas pelos réus, porquanto não tiveram por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, também é de rejeitar a sua qualificação como benfeitorias voluptuárias, uma vez que se provou que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, aumentaram, porém, o valor locativo do imóvel.
Contudo, a sua qualificação como benfeitorias úteis, enquanto «tertium genus» da categoria legal em presença, não resulta, sem mais, por exclusão de partes.
Com efeito, a adaptação do locado, pelo inquilino, não devidamente autorizado pelo senhorio, para o fim contratual convencionado, nem sempre é incompatível com a noção de benfeitoria, a qual, aliás, contrariamente à acessão, pressupõe uma relação ou vínculo jurídico que liga o seu autor à coisa beneficiada[7].
Porém, quando a transformação do arrendado não evite o seu detrimento, nem o valorize senão para o fim de determinado arrendamento, não aproveitando a outras eventuais utilizações futuras, não constituirá benfeitoria, necessária ou útil, mas mera obra de adaptação, sendo certo que só quando, simultaneamente, evite o detrimento da coisa arrendada e a valorize, constitui adaptação do objecto para o fim contratual e, igualmente, benfeitoria.
Ora, no caso «sub judice», não ficou demonstrado que as obras realizadas pelos réus tenham aumentado o valor do locado ou que dele possam ser retiras, sem detrimento para a coisa onde se radicaram.
Face à factualidade apurada, não resulta que as obras efectuadas tivessem por fim evitar a perda, destruição ou deterioração do local arrendado, mas antes adaptar esse espaço à exploração de um restaurante, não resultando, assim, estar-se em presença de benfeitorias no locado.
E, nem sequer, também, se pode concluir daquela factualidade que as obras realizadas pelos réus aumentaram o valor da fracção, admitindo-se mesmo, face ao teor das respostas à base instrutória e do respectivo despacho de fundamentação, que o tenham diminuído, por não servirem para, no mesmo local, se exercer outra actividade.
Assim sendo, trata-se de uma situação de meras obras de adaptação e não de benfeitorias úteis, que constituem parte integrante da fracção locada, nem tão pouco de deteriorações lícitas, para efeitos da sua reparação, por parte dos réus, no momento da restituição daquela fracção, não cabendo a estes, se impossibilitados de as levantar, sem detrimento da coisa, o direito a ser indemnizados pelo seu valor, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1273º, nºs 1 e 2 e 473 nº 1, do CC[8].

                                 III. DA INDEMNIZAÇÃO
 
Por outro lado, constituindo requisitos, essencialmente, integrantes do direito à indemnização, por benfeitorias úteis, invocado pelos réus, a valorização do locado, o custo das despesas efectuadas, o seu valor actual e a deterioração da coisa com o levantamento das benfeitorias[9], ficaram demonstrados os dois primeiros, mas não já os restantes, em especial, o último, ainda que alegado, ou seja, o pressuposto da deterioração da coisa com o levantamento das benfeitorias, cujo ónus aqueles competia, como facto constitutivo do direito a que se arrogam, nos termos do estipulado pelo artigo 342º, nº 1, do CC.
A sentença recorrida, certamente tendo em conta a regra da experiência baseada no senso comum, mas fora dos quadros da prova produzida, considerou, a este propósito, que o azulejo e tijolo de vidro e rodapé em mosaico, as instalações para ligação de armários de quente e frio e a máquina de descascar batatas, as tomadas e armaduras de encastrar para lâmpadas, os vários vidros, as portas e ferragens pintadas e remates para as cadeiras, os estores de várias medidas, o tubo, em alumínio, para a chaminé, a bancada super, o espelho com iluminação, as duas arcas 2CF370, as quatro molas hidráulicas para portas, a porta de serviço, em alumínio, os vários armários ref. 261 e cacifos 400 (2), as várias divisórias, em pladur, BA 13, e pintadas, os remates das diferenças existentes entre as pedras da parede e a respectiva forragem a papel, a ligação de água e esgotos e o isolamento de todo o tecto com lã de rocha não podiam ser levantados, pela sua própria natureza, pelos réus, sem que isso não causasse detrimento para a fracção.
Porém, os factos que permitiriam conduzir ao conceito de detrimento teriam que ser demonstrados, não podendo o mesmo retirar-se, conclusivamente, das regras da experiência da vida e do que é normal acontecer, por forma a chegar-se à sua demonstração, como mera dedução lógica, no âmbito das designadas presunções judiciais ou naturais.
E isto é assim, além de que a presunção não elimina o ónus da prova, mas antes altera o facto que ao onerado incumbe demonstrar, ou seja, em vez do facto presumido, teria de provar a realidade do facto que serve de base à presunção, nos termos do disposto pelos artigos 349º e 351º, do CC.
Se o levantamento ocasiona detrimento para o prédio, o que é distinto do detrimento das benfeitorias, propriamente ditas, depende da natureza das obras, dos materiais utilizados, do tipo de construção, interior ou exterior, do estado anterior da fracção, antes das obras de melhoramento em causa, tudo isto contendendo com a matéria de facto e não com juízos de valor susceptíveis de se retirarem, por ora, da restante prova produzida.
E nem sequer o detrimento se traduz num facto notório, porquanto, como já se salientou, não se refere às benfeitorias, mas antes ao prédio que se pretendeu favorecer, sendo certo que o seu levantamento poderá causar e causa, seguramente, prejuízos à construção beneficiadora, mas já não é inequívoco que os possa originar em relação à fracção melhorada[10].
Certo é que os réus invocaram, no artigo 12º da contestação-reconvenção, que “…as benfeitorias…não podem ser levantadas sem evitar o detrimento da coisa locada, atendendo à sua natureza e enraizamento na coisa locada…”.
Porém, sendo certo que os réus precisaram que o dano se refere ao prédio e não às benfeitorias efectuadas, propriamente ditas, ainda assim não se justificaria a anulação oficiosa da decisão proferida em 1ª instância, com vista à ampliação da matéria de facto, nesse particular, com fundamento no disposto pelo artigo 712º, nº 4, do CPC, porquanto não ficou provado que “tais obras terão que ser deixadas no locado”, como bem resulta da resposta negativa ao último segmento do ponto 15º da base instrutória, já aludido.
Assim sendo, não tendo os réus provado que do levantamento das benfeitorias resultava detrimento para o locado, não gozam do direito de exigir da autora o pagamento da indemnização pelo seu valor.
Contudo, admitindo-se, por mera hipótese académica, que viesse a demonstrar-se esse pressuposto, através da ampliação da matéria de facto, então, importaria atentar que os réus não formularam o correspondente pedido de levantamento das alegadas benfeitorias.
Por seu turno, tendo a autora, na réplica, deduzido oposição ao pedido de indemnização formulado pelos réus, tal implicaria o reconhecimento do direito ao levantamento das hipotéticas benfeitorias, o que, aliás, estes, em parte substancial das obras realizadas, já efectuaram, mas que, ao contrário do que deveria ter acontecido, não vem pedido na reconvenção.
Ora, dependendo o direito de indemnização, por benfeitorias úteis, da oposição ao seu levantamento, por parte do dono da coisa, com fundamento em detrimento da mesma, não tendo sido formulado este pedido de levantamento, também a autora a ele se não poderia opor e, assim, carece de base legal o pretenso direito de indemnização formulado pelos réus[11].
Procede, assim, a apelação, embora com fundamentação, totalmente, diversa da invocada pela autora.

                                                   *

CONCLUSÕES:

I - Para as benfeitorias, ao contrário do que acontece com as despesas de frutificação, não é relevante a pessoa do titular da coisa, porquanto aquelas despesas se relacionam, intimamente, com esta e não com a pessoa que, transitoriamente, é o seu titular.
II – Não se provando que o senhorio consentiu, expressamente, na realização das obras levadas a efeito pelo inquilino, tal não constitui «a cláusula de estipulação em contrário», prevista no nº 1, do artigo 1046º, do CC, que permite a equiparação do locatário ao possuidor de boa fé.
III – Quando a transformação do arrendado não evite o seu detrimento, nem o valorize senão para o fim de determinado arrendamento, não aproveitando a outras eventuais utilizações futuras, não constituirá benfeitoria, necessária ou útil, mas mera obra de adaptação, sendo certo que só quando, simultaneamente, evite o detrimento da coisa arrendada e a valorize, constitui adaptação do objecto para o fim contratual e, igualmente, benfeitoria.
IV - As meras obras de adaptação constituem parte integrante da fracção locada, não conferindo ao inquilino, se impossibilitado de as levantar, sem detrimento da coisa, o direito a ser indemnizado pelo seu valor, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
V - Os factos que permitem conduzir ao conceito de detrimento devem ser demonstrados, não podendo o mesmo retirar-se, conclusivamente, das regras da experiência da vida, como mera dedução lógica, no âmbito das designadas presunções judiciais.
V - Dependendo o direito de indemnização, por benfeitorias úteis, da demonstração, pelo locatário, que do seu levantamento resulta detrimento para o locado e da oposição ao seu levantamento, por parte do dono da coisa, com fundamento em detrimento da mesma, não tendo sido formulado este pedido de levantamento, carece de base legal o pretenso direito de indemnização deduzido pelo locatário.

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DECISÃO:

            Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar procedente a apelação, e, em consequência, revogam a sentença recorrida, na parte em que condenou a autora-reconvinda no pagamento da quantia de 13.130,85€, absolvendo-a do pedido reconvencional formulado pelos réus, em tudo o mais confirmando a decisão apelada.

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Custas, a cargo dos réus-apelados.


[1] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, I, 1966, 273 e 274.
[2] STJ, de 30-1-81, BMJ nº 303, 212.
[3] Antunes Varela, RLJ, Ano 100º, 380 a 382.
[4] Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, 3ª edição, revista e actualizada, 2001, 414, 416, 418, 419, 421, 422, 483 e 859.
[5] Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, 3ª edição, revista e actualizada, 2001, 356; RP, de 23-7-1987, CJ, Ano XII, T4, 219 (221).
[6] RL, de 16-5-73, BMJ nº 227, 201; RL, de 22-4-74, BMJ nº 236, 185.
[7] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 1987, 163.
[8] Oliveira Ascenção, Direitos Reais, 5ª edição, 109; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 1987, 41 a 44; STJ, de 4-4-2002, Pº nº 02B524, www.dgsi.pt; STJ, de 7-12-94, BMJ nº 442, 165.
[9] STJ, de 3-4-84, BMJ nº 336, 420.
[10] STJ, de 27-4-99, BMJ nº 486, 273; STJ, de 26-2-92, BMJ nº 414, 556; STJ, de 3-4-84, BMJ nº 336, 420; RP, de 20-12-88, CJ, Ano XIII, T5, 206.
[11] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 1987, 42; STJ, de 27-4-99, BMJ nº 486, 273; RP, de 8-6-77, CJ, Ano II, T4, 870.