Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
10/08.0GAGVA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
REGIME JURÍDICO DAS ARMAS E MUNIÇÕES
Data do Acordão: 05/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE SEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 86º Nº 1 D); LEI 5/2006 DE 23/2; LEI 17/2009 DE 6/5
Sumário: A detenção de um bastão extensível, objecto que não tem aplicação definida, que pode ser utilizado como meio de agressão e não tendo o seu portador justificado a sua posse, integra a previsão do crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86.º, n.º 1, al. d) do Regime Jurídico das Armas e Munições, quer na versão da Lei 5/2006 de 23/2, quer na introduzida pela Lei 17/2009 de 6/5.
Decisão Texto Integral: I – Relatório.
1.1. TC..., já mais identificado nos autos, foi submetido a julgamento, mediante a aludida forma de processo comum singular, porquanto acusado pelo Ministério Público [no uso da faculdade conferida pelo disposto no art.º 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal], da prática indiciária de factualidade [fls. 374 e segs.] que o constituiria como autor material, na forma consumada e, em concurso real, de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido através das disposições conjugadas dos art.ºs 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabela I-C e I-A anexas a tal diploma legal, bem como de um crime de detenção de arma proibida, este previsto e punido pelo art.º 86.º, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições.
Realizado o contraditório Em cujo decurso foi dada observância ao disposto pelos art.ºs 359.º e 358.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, pois como decorre da acta respectiva, se mostram proferidos os despachos seguintes:
DESPACHO
De acordo com a acusação pública vem o arguido acusado, entre o mais, da prática de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), do D.L. n.º 15/93, de 22.01 com referência às Tabela I – C e TI – A anexas a esse diploma legal.
Em face da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento é, neste momento, passível de ser dado como provado que:
- O arguido destinava as substâncias que lhe foram apreendidas ao seu consumo pessoal.
Uma vez que tais factos resultaram do decurso da audiência e podem contender com a alteração do tipo legal de crime em causa nos autos – tendo por efeito a imputação de um crime diverso ao arguido, embora menos grave – nomeadamente o consumo, previsto e punido no art.º 40.º do mesmo normativo legal e art.º 28.º da Lei 30/2000, de 29 de Novembro, consubstanciam os mesmos uma alteração substancial dos factos descritos no libelo acusatório (cfr. artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal por referência ao art.º 1.º n.º 1 alínea f) do mesmo diploma legal) – cfr. neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07.03.2007, referente ao processo n.º 247/04.0 GASPS. C1, disponível in www.dgsi.pt.
Em face do exposto concede-se a palavra ao Ministério Público e ao arguido nos termos e para os efeitos do art.º 359.º n.º 3 do C.P.P., sendo que ao arguido por força, também, do disposto no art.º 358.º, n.º 3 do C.P.P.
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Deste despacho foram notificados todos os presentes, que disseram ficar cientes.
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Dada a palavra ao Digno Magistrado do M.º P.º, ao arguido e ao seu Ilustre Defensor no seu uso, por todos, foi dito estarem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, mais tendo declarado nada terem a requer, prescindindo o arguido de qualquer prazo para defesa, mantendo as alegações já efectuadas.
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Seguidamente, pela M.ma Juiz foi proferido o seguinte
DESPACHO
Atenta a posição assumida por todos os intervenientes processuais e disposto no art.º 359.º do C.P.P., julgo válida a alteração substancial dos factos descritos na acusação nos exactos termos constantes do nosso anterior despacho.

, foi proferida sentença que, e além do mais por ora irrelevante:
- “Convolando” a acusação, absolvendo-o do primeiro ilícito assacado, o condenou antes como autor de um crime de “consumo”, previsto e punido pelo art.º 40.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e 28.º da Lai n.º 30/2000, de 29 de Novembro, na pena de 95 dias de multa, porém reduzida em um dia, atento o facto assente em 22. e o regime decorrente do art.º 80.º, n.º 2, do Código Penal, à taxa diária de € 8,00;
- Determinou a sua absolvição pela prática do segundo ilícito assacado.
1.2. É na irresignação com este segundo segmento de tal sentença que recorre o Ministério Público, extraindo do requerimento com que motivou tal impugnação, a seguinte ordem de conclusões:
1. Sempre se criminalizou a detenção de instrumentos que preenchessem cumulativamente três condições: não tivessem aplicação definida; pudessem ser usados como instrumento de agressão e o portador não justificasse a sua posse, sendo que a propósito deste tipo de objectos/instrumentos, o Regime Jurídico das Armas adoptou a formulação que já constava do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, suprimindo a exigência da letalidade da agressão, bastando que aqueles pudessem ser usados como instrumento para tal.
2. Bastão extensível é um instrumento que preenche, na totalidade, todas aquelas características, pelo que, caso não entrasse em vigor a nova redacção do Regime Jurídico das Armas e suas Munições – onde aquele vem previsto expressamente – a sua detenção injustificada – como sucedeu no presente caso – seria susceptível de fazer incorrer o respectivo agente em responsabilidade criminal.
3. Mesmo antes da entrada em vigor da actual redacção do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, a jurisprudência considerava a detenção de bastão extensível como detenção de arma proibida e quando tal conduta ocorria já no período de vigência da primitiva redacção daquele diploma integrava-a na previsão do art.º 86.º, n.º 1, al. d).
4. Salvo o devido respeito, não faz sentido considerar que antes da entrada em vigor da primitiva redacção do Regime Jurídico das Armas e suas Munições a detenção do bastão extensível era considerada crime e que com a entrada em vigor daquele diploma deixou de o ser, para voltar a ser apenas com a nova e actual redacção daquele regime jurídico.
5. Aliás, não foi pela inclusão nas definições legais constantes da primitiva redacção desse regime jurídico que as armas ou instrumentos aí elencados e considerados como proibidos passaram a ser considerados como tal e a sua detenção criminalizada, pois já o era anteriormente.
6. O art.º 2.º do Regime Jurídico das Armas e suas Munições – na versão anterior e versão actual – não esgota todo o tipo de armas proibidas e cuja detenção é punida, pois ali se prevêem apenas algumas definições legais tendo em vista, não o esgotar de tipicidade de armas proibidas, mas sim o de uniformização de conceitos, como decorre do teor daquele preceito que estabelece que: “Para efeitos do disposto na presente lei e na sua regulamentação e com vista a uma uniformização conceptual, entende-se por: …”
7. A única alteração que se verificou relativamente à detenção do bastão extensível, com a nova redacção do Regime Jurídico das Armas e suas Munições foi – além da medida da pena, que foi agravada – a da sua detenção ser agora absolutamente proibida, ao passo que anteriormente a proibição e correspondente punição dependia do facto do arguido justificar ou não a posse de tal objecto.
8. Além das armas expressamente referidas no Regime Jurídico das Armas e suas Munições existem outras (nomeadamente objectos sem aplicação definida) cuja posse é e sempre foi prevista e punida como crime. Todavia, se no futuro, um certo tipo desses objectos passar a ser expressamente referido naquele diploma (por exemplo, tonfa) tal – quanto a nós – não equivalerá a dizer que anteriormente a sua detenção não constituía crime.
9. O que se pretendeu com esta definição ampla que sempre figurou na alínea d), do n.º 1, do art.º 86.º do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (“ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse”), foi assegurar a responsabilização de todo e qualquer agente que detivesse objecto que tivesse escapado à definição ou imaginação do legislador e preenchesse as três supra (1) características; de outro modo e se apenas fosse de atender à lista constante das definições legais do art.º 2.º, não faria sentido esta definição geral.
10. O exame pericial efectuado ao bastão apreendido, é claro ao referir que se trata de instrumento sem aplicação definida e que pode ser utilizado como instrumento de agressão, tendo resultado como provado que o arguido não justificou a posse do mesmo, sendo certo que a detenção/uso de determinado tipo de bastões apenas está reservado às forças policiais ou a pessoas devidamente autorizadas – por entidade competente – a serem deles portadoras.
11. Assim, detendo o arguido um bastão extensível (objecto que não tem aplicação definida e que pode ser utilizado como meio de agressão) e não tendo justificado a sua posse, sempre se mostraria verificado objectivamente o crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86.º, n.º 1, al. d) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, na versão anterior por ser a redacção mais favorável.
12. Consideram-se incorrectamente julgados os seguintes concretos pontos de facto:
- Factos não provados e que deviam ter sido dados como provados:
e) O bastão é um objecto construído e adquirido unicamente para ser utilizado como instrumento de agressão.
f) O arguido tinha consciência de que a detenção do bastão se encontrava fora das condições legais e em contrariedade com as prescrições das autoridades competentes, bem querendo e sabendo, também, que detinha aquele objecto que constitui arma não permitida, sem qualquer autorização ou justificação para tal.
g) O arguido tinha, ainda, perfeito conhecimento de que a sua conduta era punida criminalmente.”
- Factos provados:
“12. O arguido agiu livre, deliberada e com a perfeita consciência de que detinha o citado bastão, de que o mesmo apresentava as características acima indicadas, de que não tinha qualquer justificação para ter o mesmo na sua posse, que não fosse poder usá-lo como instrumento de agressão e/ou defesa”, este apenas na parte final, ou seja, na parte em que dá como provado que o bastão também pudesse ser usado como instrumento de defesa.
13. As provas que impõem decisão diversa da recorrida são, além das regras da experiência, as próprias declarações do arguido que em sede de audiência de discussão e julgamento afirmou que sabia que não podia andar com aquele bastão e que tal detenção era proibida, conforme os seguintes excertos demonstram:
“M.ma Juiz: O Senhor sabia que não podia andar com este bastão extensível? 5m11s
Arguido: Não, não sabia… minimamente.
9m56s
A M.ma Juiz no resumo que faz das declarações do arguido afirma: o bastão extensível era para sua defesa pessoal. Sabia e tinha consciência de que não podia andar com ele.
O arguido confirma – 10m14s
24m26s
M.P.: Relativamente ao bastão, gostaria que me explicasse porque é que quando há pouco disse que sabia que não era legal, o que é que queria dizer com isso?
Arguido: porque… é do conhecimento geral que não se pode andar armado sim, mas também é do conhecimento geral que as pessoas hoje em dia estão indefesas em relação às pessoas mais violentas e a assaltos…”.
14. Acresce ter sido dado como provado que:
12. O arguido agiu livre, deliberada e com a perfeita consciência de que detinha o citado bastão, de que o mesmo apresentava as características acima indicadas, de que não tinha qualquer justificação para ter o mesmo na sua posse, que não fosse poder usá-lo como instrumento de agressão e/ou defesa.
13. Tinha, ainda, conhecimento de que a sua conduta era proibida, todavia não se absteve de ter esse objecto em seu poder e nessas condições.”
15. Assim sendo, deveria ter sido dado como provado que:
- O arguido tinha consciência de que a detenção do bastão se encontrava fora das condições legais e em contrariedade com as prescrições das autoridades competentes, bem querendo e sabendo, também, que detinha aquele objecto que constitui arma não permitida, sem qualquer autorização ou justificação para tal.
- O arguido tinha, ainda, perfeito conhecimento de que a sua conduta era punida criminalmente.
16. Na verdade, e salvo o devido respeito, não se compreende como é que afirmando-se que o arguido sabia que não podia deter o referido bastão e que sabia que tal detenção era proibida, se considera, depois, que ele não sabia que a sua conduta era punida criminalmente, salvo se se considerar que o mesmo actuava em erro sobre as proibições. Ora, tal não foi demonstrado nem sequer equacionado pelo Tribunal a quo, e mesmo que tal sucedesse, tal erro, porque censurável, não excluiria a punição (cfr. art.º 17.º, n.º 2, do Código Penal), pelo que não tendo o Tribunal recorrido enunciado nenhuma destas duas circunstâncias, incorreu em erro notório na apreciação da prova.
17. Há contradição entre o facto provado sob o n.º 13 [Tinha, ainda, conhecimento de que a sua conduta era proibida, todavia não se absteve de ter esse objecto em seu poder e nessas condições] e o facto dado como não provado na alínea f) [O arguido tinha consciência de que a detenção do bastão se encontrava fora das condições legais e em contrariedade com as prescrições das autoridades competentes, bem querendo e sabendo, também, que detinha aquele objecto que constitui arma não permitida, sem qualquer autorização ou justificação para tal.]
Com efeito, não se percebe como é que se dá por provado que o arguido sabia que a detenção do bastão era proibida (quando se conclui que, a final ele não cometeu tal crime) e, simultaneamente, se dá como não provado que ele não sabia que o detinha fora das condições legais e em contrariedade com as prescrições das autoridades competentes.
Se a detenção do bastão era proibida, como efectivamente o era e é, o que era do conhecimento do arguido, obviamente que este sabia que detinha o bastão fora das condições legais e sem ter autorização para tal.
18. Além disso, não podia ser dado como não provado que o arguido soubesse que detinha aquele bastão que constitui arma não permitida, sem qualquer autorização ou justificação, quando se deu como provado – e bem – que:
10. O arguido não justificou porque trazia consigo, na altura, o referido bastão extensível, que é um objecto susceptível de ser utilizado como instrumento de agressão.
11. O arguido não tinha qualquer autorização para se fazer acompanhar desse objecto.
12. O arguido agiu livre, deliberada e com a perfeita consciência de que detinha o citado bastão, de que o mesmo apresentava as características acima indicadas, de que não tinha qualquer justificação para ter o mesmo na sua posse, que não fosse poder usá-lo como instrumento de agressão e/ou defesa.
13. Tinha, ainda, conhecimento de que a sua conduta era proibida, todavia não se absteve de ter esse objecto em seu poder e nessas condições.”, pelo que há, assim, também, contradição entre estes factos [10 a 13] que foram dados como provados e o facto que foi dado como não provado e constante da al. f) de tal elenco.
19. As referidas discrepâncias [ut 17. e 18.], configuram uma contradição insanável entre os factos dados como provados e os factos dados como não provados.
20. Acresce que em função do exame pericial efectuado ao bastão – cfr. fls. 201 a 204 – se considerou que tal objecto foi construído exclusivamente para ser utilizado como arma de agressão. Tal exame, nunca questionado, constitui prova pericial pelo que, em obediência, ao disposto nos artigos 151.º; 157.º; 159.º e 163.º, todos do Código de Processo Penal, o juízo técnico científico que lhe é inerente se presume subtraído à livre convicção do julgador, conforme aliás expressamente afirmado pela M.ma Julgadora a quo na sua fundamentação de facto. Sucede, porém, que a mesma não atendeu ao respectivo teor, o que deveria ter feito, respeitando aqueles preceitos legais, e, consequentemente, dar como provado apenas que:
- O arguido agiu livre, deliberada e com a perfeita consciência de que detinha o citado bastão, de que o mesmo apresentava as características acima indicadas, de que não tinha qualquer justificação para ter o mesmo na sua posse, que não fosse poder usá-lo como instrumento de agressão.
21. Acresce que a M.ma Juiz a quo deu como provado que o arguido não tinha qualquer justificação para ter o bastão extensível na sua posse, que não fosse poder usá-lo como instrumento de agressão» e/ou defesa.
Ora, esta parte final deste facto dado como provado não consta da acusação pública e muito menos da contestação, já que esta não foi apresentada, nem resultou de qualquer outro exame efectuado ao bastão, já que aquele apenas foi sujeito ao exame pericial constante de fls. 201 a 204.
Assim sendo, nunca o Tribunal sindicado poderia dar como provado que tal instrumento (também) poderia ser utilizado como instrumento de defesa, até porque isso não resulta – pelo menos expressamente – do exame pericial efectuado, ainda que se compreenda que tal instrumento – como qualquer outra arma – possa ser usado como resposta a uma agressão. Certo contudo é que tal resposta será também uma agressão.
22. Ao aditar tal factualidade, o Tribunal a quo fez constar matéria da factualidade provada que não constava do objecto do processo, o que se lhe mostrava vedado – cfr. art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal -.
23. A decisão proferida violou o preceituado nos art.ºs 86.º, n.º 1, al. d), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, na sua versão originária, bem como, ainda, os artigos 151.º; 157.º; 159.º e 163.º, todos do Código de Processo Penal.
Terminou pedindo que no provimento do recurso se ordene a revogação da sentença proferida na parte em que absolveu o arguido do crime de detenção de arma proibida, substituindo-se por outra que, no que concerne, o condene por tal autoria, isto nos termos do art.º 86.º, n.º 1, al. d), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, na versão originária, por ser a que se lhe mostra mais favorável.
1.3. Cumprido o disposto pelo artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, seguiu-se resposta do arguido pugnando pela manutenção do decidido e, logo, pelo improvimento do recurso.
1.4. Proferido despacho admitindo-o, foram os autos remetidos a esta instância.
1.5. Aqui, com vista respectiva, nos termos do artigo 416.º, do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a idêntica manutenção do veredicto da 1.ª instância.
Deu-se cumprimento ao estatuído no n.º 2 do subsequente artigo 417.º.
1.6. Por sua vez, no exame preliminar a que alude o n.º 6 deste mesmo inciso, consignou-se não ocorrerem pressupostos determinantes à apreciação sumária do recurso, além de nada obstar ao seu conhecimento de meritis.
Daí que fosse ordenado o respectivo prosseguimento, com recolha de vistos e submissão à presente conferência.
Urge, pois, ponderar e decidir.
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II – Fundamentação de facto.
2.1. A decisão recorrida [no que releva para a economia deste recurso] teve por provada a seguinte matéria de facto:
1. No dia … de 2008, cerca das 00.30 horas, o arguido conduzia um veículo automóvel de matrícula …, na Estrada Nacional …, Cruzamento de Tourais, Paranhos da Beira, área da comarca de Seia, quando foi mandado parar por elementos da Guarda Nacional Republicana, devidamente uniformizados com os trajes respeitantes a essa força policial, que se encontravam naquele local a efectuar uma operação de âmbito rodoviário e de detecção de produtos estupefacientes.
2. Depois de ter sido efectuado o sinal de paragem ao arguido, este imobilizou a viatura que tripulava, após o que lhe foi perguntado por um dos militares que ali se encontrava, se o mesmo transportava algum produto estupefaciente, não tendo o arguido dado qualquer resposta mas mostrando-se inquieto e nervoso.
3. Na sequência da fiscalização efectuada, nessa altura, ao mencionado veículo constatou-­se que o arguido transportava nessa ocasião no interior daquele:
(…)
9. Além disso, foram encontrados, ainda, na mencionada viatura, entre outros, os seguintes bens que eram transportados pelo arguido:
- Um bastão extensível em metal de cor preto com o comprimento total de 49 centímetros, possuindo um suporte fixo metálico (que serve de empunha dura), com 2 centímetros de diâmetro e 18 centímetros de comprimento, que serve de alojamento às duas hastes extensíveis; uma haste extensível em aço inoxidável, fixa, com 1,7 centímetros de diâmetro e 16,5 centímetros de comprimento, a qual tem por finalidade alojar a haste anterior e uma haste extensível em aço inoxidável, fixa com 0,7 centímetros de diâmetro e 15,5 centímetros de comprimento;
(…)
10. O arguido não justificou porque trazia consigo, na altura, o referido bastão extensível, que é um objecto susceptível de ser utilizado como instrumento de agressão.
11. O arguido não tinha qualquer autorização para se fazer acompanhar desse objecto.
12. O arguido agiu livre, deliberada e com a perfeita consciência de que detinha o citado bastão, de que o mesmo apresentava as características acima indicadas, de que não tinha qualquer justificação para ter o mesmo na sua posse, que não fosse poder usá-lo como instrumento de agressão e/ou defesa.
13. Tinha, ainda, conhecimento de que a sua conduta era proibida, todavia não se absteve de ter esse objecto em seu poder e nessas condições.
14. O arguido é vigilante de uma empresa de segurança privada, auferindo entre € 600,00 a 700,00 mensais líquidos.
15. O arguido mora em Viseu, com dois colegas, em casa arrendada, pagando cerca de € 250,00 mensais para o efeito.
16. Uma vez que tem que se deslocar, diariamente, para outra localidade, onde exerce a sua actividade profissional, o arguido gasta cerca de € 150,00 mensais de combustível.
17. O arguido continua a frequentar, com irregularidade, o ensino superior, faltando-lhe cerca de 10 cadeiras para terminar o curso.
18. Na sequência da apreensão da sua viatura automóvel, o arguido adquiriu outra por € 250,00.
19. O arguido foi condenado, por decisão transitada em julgado a 03.09.2007, por factos praticados em 19.02.2006, pela prática de um crime e condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 80 dias de multa.
O arguido consumia cerca de 5-6 gramas de haxixe por semana.
O arguido confessou parcialmente os factos constantes do libelo acusatório.
O arguido foi detido e libertado no mesmo dia 27.09.2008.
2.2. Já no que concerne a factos não provados, precisaram-se enquanto tais na mesma decisão, os seguintes:
(…)
e) O bastão é um objecto construído e adquirido unicamente para ser utilizado como instrumento de agressão.
f) O arguido tinha consciência de que a detenção do bastão se encontrava fora das condições legais e em contrariedade com as prescrições das autoridades competentes, bem querendo e sabendo, também, que detinha aquele objecto que constitui arma não permitida, sem qualquer autorização ou justificação para tal.
g) O arguido tinha, ainda, perfeito conhecimento de que a sua conduta era punida criminalmente.
2.3. Por fim, é do teor que segue a motivação probatória inserta na decisão recorrida:
Nos termos e para os efeitos dos artigos 97.º e 374.º n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, para formar a sua convicção o Tribunal procedeu ao exame crítico da prova pericial junta aos autos [cfr. exame de fls. … 201 a 204 (neste conspecto, importa apenas recordar que esta prova pericial é apreciada em atenção ao disposto nos artigos 151.º; 157.º; 159.º e 163.º do Código de Processo Penal, tendo em conta que o juízo técnico científico que lhe é inerente se presume subtraído à livre convicção do julgador); documental, designadamente fls. 19 a 20; 31; … declarações do arguido e prova testemunhal.
Começando pelas declarações do arguido, importa referir que o mesmo confessou toda a factualidade constante dos pontos 1; 2; 3; … 9; 10; 11. e 12., referindo, de forma credível a factualidade provada em 14; 15; 16; 17; 18. e 20.
Assim, depois de assumir o seu consumo de substâncias estupefacientes à data em causa nos autos, o arguido afirmou que toda a droga apreendida se destinava ao seu consumo pessoal; no que concerne ao dinheiro que trazia consigo, explicou, de forma plausível e verosímil a sua proveniência e o seu destino; relativamente aos demais objectos que lhe foram apreendidos, explicou que vinha de férias, tendo estado a passar uns dias no campismo, motivo pelo qual se fazia acompanhar de todo aquele manancial de objectos; no que se refere ao bastão, o arguido explicou detê-lo como arma de defesa, uma vez que, por ter trabalhado alguns anos em Lisboa, onde foi diversas vezes assaltado, tem algum receio de ser agredido.
Relativamente à factualidade constante do ponto 13., o arguido admitiu, tão só, ter uma ideia vaga de que o uso do bastão, para sua defesa pessoal, era ilegal, não admitindo, contudo, ter conhecimento de que a detenção do bastão se encontrava fora das condições legais e em contrariedade com as prescrições das autoridades competentes, ou que aquele objecto constituísse arma não permitida.
Mais referiu não ter consciência do carácter criminal da sua conduta.
Sustentou objectivamente essa sua percepção com o facto de ter comprado tal objecto numa loja de produtos chineses, sem qualquer tipo de problema, o que lhe fez criar a convicção de que crime nunca seria.
A posição assumida pelo arguido quanto a esta matéria, conjugada com a concreta incriminação aqui em causa levou o Tribunal a julgar não provada a matéria constante das alíneas f) e g).
Não poderia, obviamente, olvidar o Tribunal a recente alteração legislativa operada pela Lei 17/2009, de 06 de Maio, à Lei 5/2006, posterior, portanto, à data da prática dos factos, e que introduziu no seu art.º 86.º a proibição (com relevância jurídico-criminal) da detenção (...) de bastões extensíveis.
Assim, e sem entrar na apreciação de direito para que as coordenadas já avançadas nos remetem, diremos não ser legítimo concluir que o arguido tivesse conhecimento que o bastão que transportava se encontrava fora das condições legais e em contrariedade com as prescrições das autoridades competentes, ou que aquele objecto constituísse arma não permitida e, ainda, que tal facto fosse punível criminalmente.
No mais, sempre se dirá não poder, também, o Tribunal considerar como assente o facto de o bastão ser um objecto construído e adquirido unicamente para ser utilizado como instrumento de agressão.
Aliás, tal máxima é contrariada, desde logo, pela própria letra da lei das armas que, na sua versão actual, e no seu art.º 2.º, n.º 1, al. an), define bastão extensível como o instrumento portátil telescópico, rígido ou flexível, destinado a ser empunhado como meio de agressão ou defesa.
(…)
Relativamente à prova testemunhal, para além do militar da G.N.R. que o abordou na noite em questão, e que confirmou toda a factualidade provada em (…) 9.; 10. e 11., já assumida pelo arguido, a demais prova testemunhal produzida não revestiu qualquer valia probatória, …
Relativamente ao elemento subjectivo, citando as palavras de Malatesta, quando refere que “o homem, ser racional, não obra sem dirigir as suas acções a um fim. Ora quando um meio só corresponde a um dado fim criminoso, o agente não pode tê-lo empregado senão para alcançar aquele fim.” [A Lógica das provas em matéria Criminal, p. 172 ss; (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Fevereiro de 1993, in BMJ n.º 324, pág. 620]. Há, ainda, que sublinhar o recurso às regras de presunção natural, uma vez que os factos objectivos dados como provados permitem concluir pela sua efectiva verificação.
A prova dos antecedentes criminais do arguido assentou na valoração do seu C.R.C. junto aos autos a fls. 428 e segs.
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III – Fundamentação de Direito.
3.1. Como é consabido, o âmbito dos recursos define-se através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação Cfr. artigos 412.º, n.º 1 e 403.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal., mas isto sem prejuízo do conhecimento, inclusive oficioso, dos vícios e nulidades previstos (as) nos n.ºs 2 e 3, do mesmo diploma adjectivo Cfr. Acórdão do STJ n.º 7/95, em interpretação obrigatória.
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In casu, não emerge dos autos qualquer fundamento acarretando esta intervenção oficiosa.
Donde que o thema decidendum, a fixar-se únicamente em função das conclusões da recorrente, consista em verificarmos se foram incorrectamente julgados os pontos de facto que o recorrente controverte e, na sua decorrência, se se mostram preenchidos os elementos do tipo pelo qual foi o arguido eximido de responsabilidade penal.
Vejamos, então:
3.2. E, relativamente ao primeiro ponto, no sentido em proceder a sua argumentação.
Na verdade, e no que concretamente releva, urge considerar as declarações do arguido; o exame efectivado ao bastão em causa e as regras da experiência.
Nesta perspectiva, e uma vez que não se vislumbra haver o arguido agido em qualquer erro, apenas a conclusão sugerida se mostra admissível. Isto porquanto do exame decorre ser tal bastão um instrumento sem aplicação definida, que pode ser utilizado como instrumento de agressão, cuja detenção/uso apenas está reservado às forças policiais ou a pessoas devidamente autorizadas – por entidade competente – a serem deles portadoras e não justificou o arguido a sua posse, afirmando, categoricamente, ser conhecimento geral (e, logo, do seu também), não poderem as pessoas andar armadas.
Como assim, urge extirpar a contradição que emerge entre as alíneas e); f) e g), tidas por não provadas na decisão recorrida, e os factos aí considerados por provados nos itens n.º 10. a 13, eliminando-se as primeiras, bem como as redacções constantes dos pontos 12. e 13, da decisão recorrida, que se unificam num único e novo ponto 12. do teor que segue:
O arguido agiu livre e deliberadamente, com a perfeita consciência de que detinha o citado bastão; de que o mesmo apresentava as características acima indicadas; e de que não tinha qualquer justificação para ter o mesmo na sua posse, que não fosse poder usá-lo como instrumento de agressão.”
3.3. Fixada a factualidade que agora cabe enquadrar jurídicamente, novamente ao invés do sustentado na decisão recorrida, e ressalvando o devido respeito pelo esforço da argumentação expendida pela M.ma Juiz a quo, afigura-se-nos que a bondade da solução está também aqui com o recorrente.
Porque os factos em análise foram cometidos no hiato temporal que mediou entre a entrada em vigor da Lei n.º 5/2006, e as alterações à mesma introduzidas [rectius, ao seu art.º 86.º, n.º 1, alínea d)], por intermédio da Lei n.º 17/2009, a M.ma Juiz sindicada entendeu dever indagar da justificação da necessidade jurídico-processual sentida pelo legislador em introduzir (para além do mais que aqui não interessa) o bastão e o bastão extensível no elenco das armas proibidas.
Discorrendo, concluiu redundar o segundo diploma em uma lei interpretativa, e, por não se poder, de todo, concluir que a lei contemplasse, já, de forma clara, a punição da conduta em causa nos autos, não poder agora o arguido ser penalmente sancionado, visto o consignado pelo art.º 2.º, n.º 4, do Código Penal.
O princípio da legalidade, cujo conteúdo essencial se traduz em que não pode haver crime nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa, a que também se subordina significa que, por mais socialmente nocivo e reprovável que se afigure um comportamento, tem o legislador de o considerar como crime (descrevendo-o e impondo-lhe como consequência jurídica uma sanção criminal) para que ele possa como tal ser punido.
Esquecimentos, lacunas, deficiências de regulamentação ou de redacção funcionam por isso sempre contra o legislador e a favor da liberdade, por mais evidente que se revele ter sido intenção daquele (ou constituir finalidade da norma) abranger na punibilidade também certos (outros) comportamentos Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, Tomo 1, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 180.
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Daí que, como seu corolário, por exemplo, a analogia – compreendida como aplicação de uma regra jurídica a um caso não regulado pela lei através de um argumento de semelhança substancial com os casos regulados –, tenha, em direito penal, de ser proibida. Conclusão que já resultando evidente do artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República, e do artigo 1.º, n.º 1, do Código Penal, o legislador entendeu reforçar, no n.º 3 deste mesmo normativo, estatuindo expressamente que «não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime».
Também que, como se escreveu na decisão impugnada, não possa uma lei interpretativa, quando fixando um sentido que anteriormente não contemplasse, já, de forma clara, a punição da conduta em causa, ser retroactivamente aplicável. Aqui, visto o mencionado art.º 2.º, n.º 4.
Sucede, todavia, in casu, que a conduta em causa era já punível desde a entrada em vigor da Lei n.º 5/2006, não assumindo a Lei n.º 17/2009, como lhe aponta a M.ma Juiz a quo, carácter de lei interpretativa, no que concerne.
Na senda do regime resultante já do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, o aludido art.º 86.º, n.º 1, alínea d), manteve a criminalização da detenção de instrumentos que preenchessem cumulativamente três condições: não tivessem aplicação definida; pudessem ser usados como instrumento de agressão e o portador não justificasse a sua posse. Única discrepância entre aquele primitivo e este segundo regime, o de neste se haver suprimido a exigência da letalidade da agressão, bastando que aqueles pudessem ser usados como instrumento para tal.
O bastão extensível é um instrumento que preenchia, na íntegra, todas aquelas características, donde que, mesmo que não tivesse entrado em vigor a nova redacção do Regime Jurídico das Armas e suas Munições [onde vem previsto expressamente], já a sua detenção injustificada [como ocorre], seria susceptível de fazer incorrer o respectivo agente em responsabilidade criminal.
Por isso não fazer sentido considerar que antes da entrada em vigor da primitiva redacção do Regime Jurídico das Armas e suas Munições a detenção do bastão extensível era considerada crime e que com a entrada em vigor daquele diploma deixou de o ser, para voltar a ser apenas com a nova e actual redacção daquele regime jurídico.
A versão anterior e a versão actual do Regime Jurídico das Armas e suas Munições não esgota todo o tipo de armas proibidas e cuja detenção é punida, pois ali se prevêem apenas algumas definições legais tendo em vista, não o esgotar de tipicidade de armas proibidas, mas sim o de uniformização de conceitos, como decorre do teor do respectivo art.º 2.º, quando estabelece que: “Para efeitos do disposto na presente lei e na sua regulamentação e com vista a uma uniformização conceptual, entende-se por: …
O que se compreende pois que, como muitas vezes ocorre, o legislador ao estabelecer um conceito, limita-o a um universo que não podendo embora ser transcendido, também não preenche integralmente. Noutras palavras: reportando-se a “instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse”, recorreu a uma formulação que não podendo ser ultrapassada – e não o foi, pois que o bastão extensível assume tais características –, igualmente não exauriu já que, assim não fora, perderia sentido útil tal formulação.
Daí que deva a alteração legislativa introduzida ser apenas compreendida como mera explicitação de um conteúdo que era já o constante da lei anterior e forma de a punir mais severamente, como se alcança do agravamento da pena aplicável.
Circunstância que acarreta a responsabilização penal do arguido, embora cingido ao regime da lei n.º 5/2006, porque o que lhe é mais favorável, atentas as molduras abstractas das penas cominadas.
3.4. Pena então abstractamente cominada a de prisão até 3 anos ou de multa até 360 dias.
Diz-nos o art.º 70.º, do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” e que são, segundo o n.º 1 do art.º 40.º do mesmo diploma “a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.”
Temos assim que a escolha da pena depende de critérios de prevenção geral e especial V.g. Acórdão deste Tribunal, de 17 de Janeiro de 1996, in CJ, ano XXI, tomo I, pág. 38., pelo que o julgador, perante um caso concreto, tem que os valorar para depois optar por aplicar uma pena detentiva ou não detentiva.
Como bem explica o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 2001 Processo n.º 3404/00-5.ª, “subjaz à norma constante no art.º 70.º, do CP, toda a filosofia informadora do sistema punitivo vertido no Código Penal vigente, ou seja, a de que embora se aceitando a existência da prisão (ou pena corporal) como pena principal para os casos em que a gravidade dos ilícitos, ou de certas formas de vida, a impõem ou justificam, a recorrência deverá ter lugar quando, face ao circunstancialismo que se perfile, se não apresentem adequadas, suficientes ou convenientes, as sanções não detentivas, às quais não é de recusar elevada capacidade (ou potencialidade) ressocializadora. Tudo isto se insere no desiderato de se evitarem as curtas penas de prisão (ou a eventualidade da efectivação dessas penas) donde que, por regra, a alternativa por pena de multa se autorize nos casos em que aos ilícitos caiba pena prisional não demasiado elevada.”
Elucida ainda a este respeito o Professor Jorge de Figueiredo Dias In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 497 e 498., que “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição, o que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação. Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é eminentemente estranha, porém, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.”
Explica ainda aquele Ilustre Professor que “o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas Ob. cit. § 500. e que deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização.
Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
Vejamos o caso concreto.
Embora a propósito do outro ilícito cometido pelo arguido, diz-se na sentença sob recurso, pensamos que com acuidade igualmente ao ora em questão:
(…), cremos ser relevante ponderar que são elevadas as exigências de prevenção geral positiva, atenta a violação reiterada do bem jurídico protegido pela norma em causa, (…).
Já no domínio das exigências de prevenção especial positiva, afigura-se-nos que as mesmas se situarão in casu a um nível médio (…) facto de o mesmo [o arguido] ter uma condenação criminal pela prática de um outro crime de natureza diversa ao em causa nos autos e estar bem inserido profissional e socialmente.”
Seja, pois, a impor-se a opção pela pena não detentiva.
Pena que, graduando-se ponderando mais uma vez o já sufragado na decisão recorrida, a propósito, isto é, arrimados no grau de culpa do agente, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, as circunstâncias que depõem a seu favor (comportamento posterior aos factos), nenhumas relevantes se descortinando em seu desfavor, se entende dever fixar, por ajustada e adequada, em 90 dias, à taxa diária arbitrada de € 8,00.
Penas parcelares que cumuladas, de acordo com o critério do art.º 77.º, do Código Penal, corresponderão à pena única de 120 dias de multa.
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IV – Decisão.
São termos em que pelo exposto, se concede provimento ao recurso interposto, e, consequentemente, se determina:
- Eliminar como factos não provados da decisão recorrida, os que nela se mencionaram como suas alíneas e) [O bastão é um objecto construído e adquirido unicamente para ser utilizado como instrumento de agressão]; f) [O arguido tinha consciência de que a detenção do bastão se encontrava fora das condições legais e em contrariedade com as prescrições das autoridades competentes, bem querendo e sabendo, também, que detinha aquele objecto que constitui arma não permitida, sem qualquer autorização ou justificação para tal.] e g) [O arguido tinha, ainda, perfeito conhecimento de que a sua conduta era punida criminalmente.]
- Eliminar como factos provados os que aí constam como pontos 12. e 13., passando a redacção daquele n.º 12 a ter a redacção seguinte:
“12. O arguido agiu livre e deliberadamente, com a perfeita consciência de que detinha o citado bastão; de que o mesmo apresentava as características acima indicadas; e de que não tinha qualquer justificação para ter o mesmo na sua posse, que não fosse poder usá-lo como instrumento de agressão.”
- Condenar o arguido como autor material de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de
23 de Fevereiro, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 8,00.
- Procedendo ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, condenar o arguido na pena única de 120 dias de multa, à aludida taxa diária de € 8,00, mas a que, porém, se desconta um dia, atento o art.º 80.º, n.º 2, do Código Penal, ou seja, na multa global de € 953,00 (novecentos e cinquenta e três euros).
Sem custas o presente recurso.
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Brízida Martins (Relator)
Orlando Gonçalves