Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
354/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: RUI BARREIROS
Descritores: ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
ENCERRAMENTO DO ESTABELECIMENTO
REDUÇÃO DE ACTIVIDADE- EQUIPARÁVEL A EFECTIVA PARALISAÇÃO
Data do Acordão: 04/12/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZOS CÍVEIS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 64º, Nº 1, ALÍNEA H), DO DECRETO-LEI Nº 321-B/90, DE 15 DE OUTUBRO, POSTERIORMENTE ALTERADO PELOS DECRETOS-LEI NºS. 278/93, DE 10 DE AGOSTO E 257/95, DE 30 DE SETEMBRO, 64-A/00, DE 22 DE ABRIL, E 329-B/00, DE 22 DE DEZEMBRO (RAU).
Sumário: Para se concluir pelo encerramento há que atender a todas as circunstâncias do caso concreto, designadamente a natureza do local arrendado, o fim do arrendamento, o grau de redução da actividade, as suas causas e mesmo o seu carácter temporário ou definitivo.
Não há encerramento do prédio no caso de simples diminuição, mesmo acentuada, das operações próprias do arrendamento e nele anteriormente exercidas, em particular quando isso estiver justificado.

Mas, não relevam meras utilizações esporádicas, que não alteram o sentido de inactividade em que o prédio é mantido.

Decisão Texto Integral: (...)
I – Relatório.
...
3. Pedidos
3.1. do autor: declaração de resolução do contrato de arrendamento com decretamento do despejo e condenação da ré a pagar as rendas em dívida no montante de 515,28 € acrescida de juros legais, desde a citação.
3.2. da ré: condenação do autor a pagar-lhe a quantia de 1.995,19 €, referente às benfeitorias que fez no locado, a quantia de 644,10 €, a título de redução de renda, e a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença, relativa aos prejuízos causados pela não ocupação do locado entre Janeiro e Maio de 2002.
4. Causas de pedir
...
5.3. Saneado e condensado o processo, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença que, entre outras coisas, declarou resolvido o contrato e condenou a ré a despejar o locado.
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II – Fundamentação.
8. Factos provados
«...
Em 01/01/1976, o Autor deu de arrendamento a fracção supra mencionada, para comércio e indústria, a C, Ldª - al. B) da matéria assente.
Em Julho de 2001, C, Ldª. trespassou à Ré o estabelecimento instalado na referida fracção; passando a Ré, desde essa data, a ser arrendatária da referida fracção – als. C) e D) da matéria assente.
...
A Ré não utilizou o locado pelo menos no período compreendido entre Janeiro e Maio, inclusive, de 2002; período durante o qual o locado esteve encerrado – als. L) e M) da matéria assente.
Mediante documento subscrito pelos respectivos outorgantes e datado de 1 de Fevereiro de 2003 – junto a fls. 31 e cujo teor aqui se dá por reproduzido – a Ré trespassou a IS, Ldª o estabelecimento comercial instalado no locado – al. N) da matéria assente.
Por carta de 6 de Março de 2003, IS, Ldª comunicou ao Autor a realização do trespasse – al. O) da matéria assente.
...
A partir de Novembro de 2001, a Ré apenas utilizou o locado para a realização de algumas reuniões com os seus colaboradores, tendo deixado de nele exercer a sua actividade, não recebendo aí qualquer cliente e mantendo as portas fechadas – respostas aos quesitos 3º, 4º, 5º e 6º.
A Ré ocupou o locado, nele exercendo a sua actividade, até Novembro de 2001, sendo que, a partir dessa data, transferiu a sua actividade para um outro escritório, apenas utilizando o locado para a realização de algumas reuniões com os seus colaboradores – resposta ao quesito 7º.
No interior do locado e, mais concretamente, na parede do corredor existia infiltração de água provinda dos andares superiores, situação essa que já se verificava quando a Ré ocupou o locado na sequência do trespasse referido em C) – resposta ao quesito 8º.
A água escorria pela parede do corredor e a referida infiltração provocava algum mau cheiro – respostas aos quesitos 10º e 11º.
Aquela infiltração danificou uma zona não muito extensa da parede e piso do locado – resposta ao quesito 12º.
A Ré deu conhecimento desse facto ao Autor pelo menos em Outubro de 2001 e abandonou o locado – respostas aos quesitos 13º e 14º.
Devido àquela infiltração, a parede e o pavimento, na zona onde existia a infiltração, necessitavam de ser reparados – resposta ao quesito 16º.
Entre Abril e Maio de 2002, a Ré mandou reparar o pavimento e pintar as paredes do locado, obras essas que abrangeram todo o locado e não apenas a zona – de reduzidas dimensões – onde existiam vestígios da infiltração supra mencionada, tendo despendido com essas obras a quantia de 1.995,19 € - respostas aos quesitos 19º e 20º.
Para a elaboração de projectos de arquitectura e engenharia e para a fiscalização de obras, a Ré não necessita de se encontrar com a porta aberta – resposta ao quesito 24º.
Pelo menos em Outubro de 2001, a Ré informou o Autor de que aparecia humidade na parede do corredor proveniente do andar superior – resposta ao quesito 25º.
Por se tratar de uma obra a realizar fora do locado, o Autor comunicou o facto à Administração do Condomínio que, de imediato, providenciou tal reparação, sem necessidade de qualquer intervenção no locado, tendo a situação ficado resolvida pelo menos em Janeiro de 2002 e nunca mais foi comunicada ao Autor a ocorrência de qualquer inundação – respostas aos quesitos 26º, 27º e 28º.
...
Em data não apurada, a Ré pediu autorização ao Autor para fazer obras de remodelação do arrendado, propondo-se alterar a sua configuração interna, propondo-se a Ré custear essas obras – respostas aos quesitos 32º e 33º.
O Autor respondeu negando autorização para a realização de obras que alterassem a estrutura do locado – resposta ao quesito 34º.
Não obstante a data constante do documento relativo ao trespasse, pelo menos a assinatura da 2ª outorgante apenas foi aí aposta no dia 1 de Março de 2003 – resposta ao quesito 37º».
[1].
9. O Direito.
O que está em causa neste recurso é saber se a ré conservou «encerrado, por mais de um ano, o prédio arrendado para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal» [2].
A sentença recorrida decidiu que sim: «Conforme resulta da matéria de facto provada, a Ré ocupou o locado, nele exercendo a sua actividade, até Novembro de 2001. A partir dessa data, transferiu a sua actividade para um outro escritório, tendo deixado de exercer a sua actividade e de receber clientes no locado, mantendo as portas fechadas, apenas utilizando o locado para a realização de algumas reuniões com os seus colaboradores».
A recorrente entende que não, que não encerrou o locado, embora tenha nele passado a exercer uma actividade reduzida «uma vez que no mesmo passou unicamente a fazer reuniões com os seus colaboradores».
Quer a sentença quer a recorrente citam Aragão Seia, na parte em que ele diz que «não será de falar em encerramento do prédio no caso de simples diminuição, mesmo acentuada, das operações próprias do arrendamento e nele anteriormente exercidas, em particular quando isso estiver justificado» [3]
A verdade, porém é que o referido Autor começa por chamar a atenção de que «para se concluir pelo encerramento há que atender a todas as circunstâncias do caso concreto, designadamente a natureza do local arrendado, o fim do arrendamento, o grau de redução da actividade, as suas causas e mesmo o seu carácter temporário ou definitivo» [4].
Ora, se o fizermos, concluímos como a sentença, uma vez que a redução da actividade da ré foi de tal ordem que se deve «equiparar a efectiva paralisação» [5].
Justificamos a afirmação salientando dois aspectos:
1º) a ré não justificou a sua posição com a existência das referidas reuniões, o que nem sequer alegou na Contestação; é um facto que surge na sequência da discussão da causa; no nº 3 da Base instrutória (B.i.) quesitara-se se «a ré não utiliza o locado desde Novembro de 2001», tendo-se respondido: «provado que, a partir de Novembro de 2001, a Ré apenas utilizou o locado para a realização de algumas reuniões com os seus colaboradores». Ora, está patente que o julgador, que acrescentou à resposta este elemento, certamente preocupado com o máximo rigor, não lhe deu, depois, importância para o efeito de o considerar como actividade própria do locatário, embora reduzida; nem no contexto da resposta e respectiva motivação, nem no seu juízo sobre a existência de encerramento do locado.
A ré, na Contestação, pretendeu justificar a ausência do locado com uma situação de força maior - as infiltrações de “águas negras”, como decorre dos artigos 8º a 14º e 20º a da Contestação -; segundo a ré, ela teria mantido a sua actividade no locado de Julho de 2001 a Dezembro de 2001 [6], interrompendo de Janeiro a Maio de 2002 a fim de fazer obras autorizadas [7] e regressando definitivamente em finais de Maio princípios de Junho de 2002 [8]. Mas, a verdade, é que não ficou provado o referido calendário:
...
Portanto, de Novembro a Dezembro de 2001, de Janeiro a Março de 2002 e de Junho de 2002 a Fevereiro de 2003 decorreram quinze meses, ou seja, mais do que um ano de encerramento, sendo que a actual lei já não suscita a dúvida que o anterior artigo 1093º do Código Civil (CC) permitia por utilizar o vocábulo consecutivamente.
E a recorrente não pode justificar a saída do locado por causa das infiltrações, excepto nos dois meses em que fez as obras autorizadas:
...
Ora, para além de da zona afectada ser de reduzidas dimensões (cf. a anteriores alíneas c) e g)), também a «situação (essa que) já se verificava quando a Ré ocupou o locado na sequência do trespasse referido em C)» [9], o que leva, por um lado, à não classificação de contrato incumprido por parte do locador, nos termos do proémio do artigo 1032º do CC [10], e, por outro lado, à irresponsabilidade do locador, nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do artigo1033º do CC.. Refira-se, ainda que «Pelo menos em Outubro de 2001, a Ré informou o Autor de que aparecia humidade na parede do corredor proveniente do andar superior» e «Por se tratar de uma obra a realizar fora do locado, o Autor comunicou o facto à Administração do Condomínio que, de imediato, providenciou tal reparação, sem necessidade de qualquer intervenção no locado, tendo a situação ficado resolvida pelo menos em Janeiro de 2002 e nunca mais foi comunicada ao Autor a ocorrência de qualquer inundação» [11].
2º) O autor alegou factos que demonstram a insubsistência da pretensão que a ré quer tirar de ter realizado reuniões no locado. De facto, disse, na Petição inicial (P.i.): «tendo inclusivamente sido cortada a água pelos SMASC e não tendo qualquer consumo de energia eléctrica há muitos meses nem tampouco telefone» [12]. Sobre estes factos, a ré disse que «nunca mandou instalar o telefone e tão pouco mandou restabelecer o abastecimento de água, por falta de pagamento da anterior arrendatária, lhe foi cortado; é porém, de todo destituído de fundamento que não tenha, enquanto arrendatária, consumido energia eléctrica porquanto sempre desta foi fornecida e sempre desta se utilizou» [13]. Na motivação das respostas à matéria de facto, a Srª Juíza escreveu: «A não utilização do locado é também evidenciada pelos consumos de água e de luz no locado (cfr. documentos de fls. 134 e 135), sendo que, conforme resulta desses documentos, no período de Junho de 2001 a Fevereiro de 2003 apenas foi facturado 1 m3 de consumo de água e o contrato de fornecimento de luz cessou em 28/1/02, não tendo sido celebrado qualquer outro contrato». Ora, o que podemos concluir do confronto de todos estes factos é que a ré nem sequer se apercebeu que consumiu pouca água - mas não que não «mandou restabelecer o abastecimento de água, por falta de pagamento da anterior arrendatária» [14] -, e que deixou de ter contrato com a EDP em 28 de Janeiro de 2002 - mas não que seja «de todo destituído de fundamento que não tenha, enquanto arrendatária, consumido energia eléctrica porquanto sempre desta foi fornecida e sempre desta se utilizou» [15]. Sempre haveria concordância no que respeita ao facto de que «nunca mandou instalar o telefone» [16]. Mas, admitimos que possa ter havido um equívoco no que foi alegado na Contestação, com troca da água com a energia eléctrica. A questão verdadeira não está nisso, mas sim que não é admissível, do ponto de vista do desiderato da lei - referido pela sentença e pelo recorrente -, que determinado locado, para fins comerciais, mesmo que podendo e funcionando “à porta fechada”, subsista realmente, sem água, luz nem telefone!
Entendemos, assim, nos termos do disposto no artigo 712º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código de Processo Civil, aditar esta referida matéria de facto aos que foram dados como provados. Porque foram alegados, em parte aceites e são suportados por documentos que foram considerados na motivação da matéria de facto, sendo que ajudam a completar um facto introduzido pela Srª Juíza que, não tendo sido relevante para ela, como já se referiu, poderia introduzir alguma equivocidade. A verdade é que, como defende o Dr. Pinto Furtado, «não relevam, como bem se tem julgado, meras utilizações esporádicas, que não alteram o sentido de inactividade em que o prédio é mantido» [17].
Nestes dois elementos, de natureza factual e dedutiva, assentamos a nossa concordância com a sentença recorrida, porque só eles nos permitem fazer aquele exame de caso concreto que Aragão Seia elege como o critério para a conclusão sobre o encerramento.
E não é suficiente trazer à colação os Acórdãos citados pela recorrente. Um deles, apesar de só se pode conhecer o sumário - o que na generalidade dos casos é insuficiente -, não infirma o que defendemos: «...o encerramento do locado só fundamenta a resolução do contrato se, para o arrendatário, nada ali existe de relevante. (...) Não se verifica o encerramento se, destinado o arrendado a escritório de navegação, ali funciona um ‘arquivo morto’ que o arrendatário sempre terá que conservar e que pode consultar com normalidade» [18]. Como estamos a ver, no locado, nem arquivo morto, nem água, nem luz, nem telefone! Quanto ao Acórdão do STJ de 2 de Fevereiro de 1995, não contraria a nossa tese, dizer-se que «mantendo a ré no local arrendado a funcionar como armazém, não pode considerar-se que o prédio está encerrado, mesmo que não se exerça ali outra actividade, compreendido como está aquele uso no destino que, contratualmente, se lhe pode dar» [19]; é que a matéria de facto que sustentou a afirmação era a seguinte: «Desde meados de 1989 até a segundo semestre de 1991, a ré manteve encerrado o local arrendado (...). Sem que aí desenvolvesse qualquer actividade ou aí trabalhasse ou se deslocasse qualquer trabalhador da ré (...). O local arrendado destinou-se sempre e principalmente a escritório e armazém de maquinismos, peças e acessórios (...). Em 1989 e até meados de 1990, para segurança dos materiais em armazém, sempre ali estiveram cães de guarda, ali alimentados diariamente (...)» [20]. Esta matéria de facto, permitiu que os Senhores Conselheiros afirmassem o seguinte: «Ora, mantendo a ré o local a funcionar como armazém, não pode considerar-se que o prédio está encerrado, mesmo que não se exerça ali outra actividade, compreendido como está aquele uso, no destino que lhe pode dar» [21]. Estamos de acordo com esta posição, mas ela não colide com o que defendemos no nosso caso, visto que, como refere Aragão Seia, cada caso é um caso.
III – Decisão.
Nestes termos:
1. aditam à matéria de facto dada como provada a seguinte:
1.1. a ré nunca mandou instalar o telefone no locado.
1.2. pelo consumo de água no locado por parte da ré, no período de Junho de 2001 a Fevereiro de 2003, foi facturado 1 m3.
1.3. o contrato de fornecimento de luz no locado cessou em 28 de Janeiro de 2002, não tendo sido celebrado qualquer outro contrato.
2. confirmam a decisão da primeira instância.
3. Custas pela recorrente.

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[1] a esta matéria acresce a que foi decidida aditar.
[2] artigo 64º, nº 1, alínea h), do Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, posteriormente alterado pelos Decretos-Lei nºs. 278/93, de 10 de Agosto e 257/95, de 30 de Setembro, 64-A/00, de 22 de Abril, e 329-B/00, de 22 de Dezembro (RAU).
[3] Arrendamento Urbano Anotado e Comentado, Almedina, 3ª edição, 1997, pág. 340.
[4] ibidem.
[5] ibidem.
[6] artigos 7º da Contestação.
[7] artigos 8º a 18º da Contestação.
[8] artigos 19º e 21º da Contestação.
[9] resposta ao quesito 8º.
[10] «quando a coisa locada apresentar vício que lhe não permita realizar cabalmente o fim a que é destinada, ...».
[11] respostas aos quesitos 25º, 26º, 27º e 28º.
[12] artigos 20º a 22º da Petição inicial.
[13] artigos 24º e 25º da Contestação, a pág. 38 verso.
[14] artigo 25º da Contestação, a pág. 38 verso.
[15] artigo 26º da Contestação, a pág. 38 verso.
[16] artigo 24º da Contestação, a pág. 38 verso.
[17] Curso de Direito dos Arrendamentos Vinculísticos, Almedina, 2ª edição, 1988, pág. 507.
[18] Acórdão da Relação do Porto de 11 de Março de 993, in Boletim do Ministério Público, nº 425, pág. 618 (BMJ 425º, 618).
[19] BMJ 445º, 441; Sumário do Acórdão.
[20] Boletim citado, pág. 442.
[21] Boletim citado, pág. 443.