Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1139/03.6GBAGD
Nº Convencional: JTRC
Relator: PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: AUDIÊNCIA
REABERTURA
Data do Acordão: 11/11/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA, JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 2º, 4, 44º,45º CP , 371º-A CPP
Sumário: 1. A decisão sobre a medida e espécie da pena tem lugar no dispositivo que se segue ao julgamento, a sentença, apenas podendo ser reapreciada em recurso que da mesma seja interposto.
2. O regime de permanência na habitação e a prisão por dias livres são verdadeiras penas de substituição da pena de prisão e não formas de execução desta.
3. A reabertura da audiência destina-se aos casos de aplicação da lei nova mais favorável, após o trânsito em julgado da condenação, com base na primeira parte do artigo 2º, nº 4 do Código Penal que imponham a aplicação de uma nova pena e que, por isso, impliquem reavaliação dos fundamentos de facto da decisão.
Decisão Texto Integral: I. Relatório
No processo comum singular nº 1139/03.6GBAGD da Comarca do Baixo Vouga, Juízo de Instância Criminal de Águeda, o arguido A... foi condenado por sentença de 7 de Abril de 2006, confirmada por acórdão desta Relação de 29 de Novembro de 2006, transitado em julgado, na pena única de um ano e oito meses de prisão, resultante das seguintes penas parcelares:
- um mês e quinze dias de prisão pela autoria de um crime de violação de domicilio qualificado p. e p. pelo artigo 190º, nº 1 e nº 3 do Código Penal;
- um ano de prisão pela autoria de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo artigo 347º do Código Penal;
- um ano de prisão pela autoria de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos artigos 143º, nº 1 e 146º, nº 1 do Código Penal;
- sete meses de prisão pela autoria de um crime de dano p. e p. pelo artigo 212º, nº 1 do Código Penal.

O arguido encontra-se preso em cumprimento de tal pena desde 27 de Março de 2009 e, considerando dois dias de detenção sofrida, está o seu termo previsto para 24 de Novembro de 2010.

Em 31 de Março de 2009 o arguido requereu, ao abrigo do disposto no artigo 44º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, que a pena seja executada em regime de permanência na habitação ou, nos termos do artigo 45º do mesmo diploma, por dias livres.

O arguido foi ouvido em declarações e foi elaborado relatório social.
Em 27.7.2009 foi determinada a reabertura da audiência nos termos do artigo 371º-A do Código de Processo Penal.
Realizada a audiência, em 7 de Agosto de 2009 foi proferida sentença em que se decidiu manter inalterada a pena aplicada ao arguido.

Inconformado com o decidido, o arguido recorreu, condensando a respectiva motivação nas seguintes conclusões:
I- Após início do cumprimento de uma pena de prisão efectiva, se o condenado requer a aplicação do regime fixado no Artº. 44º e, caso o Tribunal o entenda, em simultâneo, com o regime do Artº. 45º, ambos do Código Penal, tamanho requerimento não se subsume a uma reabertura da Audiência, antes, configurando um requerimento normal que com celeridade terá de ser apreciado;
II- O regime legal fixado no Artº. 44° do Código Penal, mais de que um mero incidente de execução da pena, consubstancia uma verdadeira pena de substituição.
III- Assim, tendo por como ultima ratio a pena de prisão, bem assim o efeito infame do meio prisional, bem assim o facto de ao arguido haver sido aplicada a pena de um ano e seis meses, o facto de este estar obrigado a contribuir com a pensão de alimentos para os seus filhos menores na quantia de € 250,00 e de estes, nomeadamente, um filho de 12 anos manifestar grande preocupação com o facto de o pai estar preso, é de lhe aplicar a pena de substituição a que alude o Art9. 44º nº. 2 do Código Penal, por se mostrar preenchido o requisito da al. d) do n° 2;
IV- Por maioria de razão, há-de resultar aplicável tamanho regime se o condenado, concomitantemente com essa pena de substituição, se propõe cumprir pena de prisão por dias livres a executar ao fim de semana, não sendo necessário, neste caso, a verificação do requisito temporal a que alude o Artº. 45º do Código penal, já que é o próprio condenando que, para garantia do cumprimento da pena do Art°. 44º se propõe, simultaneamente, cumprir a pena prevista naquela norma legal.
V- Assim sendo, face ao disposto no Artº. 44º do Código Penal, nomeadamente, ao facto de este preceito consubstanciar uma verdadeira pena de substituição e o facto de o arguido se prontificar a cumprir prisão por dias livres, afigura-se-nos ser de concluir por um juízo de prognose a si favorável em ordem à sua reintegração e respectiva capacidade para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável à luz de uma perspectiva de realização adequada e suficiente das finalidades da punição.
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO CUJO PROFICIENTE SUPRIMENTO DE Vª.S EXª.S SE INVOCA, DEVE O PRESENTE RECURSO SER RECEBIDO E NO SEU TOTAL PROVIMENTO, REVOGAR-SE A DECISÃO RECORRIDA, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.

Notificado, o Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo o seguinte:
1. A decisão recorrida fez uma correcta aplicação da lei, não merecendo qualquer juízo de censura, dada a benevolência da condenação, tendo em conta o historial do arguido.
2. Face à pena aplicada ao arguido está afastada a possibilidade de a mesma poder ser substituída por qualquer das penas de substituição previstas nos artigos 44° e 45º do Código Penal.
3. Face ao comportamento do arguido no decurso dos presentes autos justifica-se que o mesmo cumpra a pena de prisão, dada a culpa e ilicitude que rodearam a sua conduta.
Termos em que, julgando improcedente o recurso do apresentado pelo arguido será feita JUSTIÇA!

Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 1 do Código de Processo Penal, o arguido respondeu pugnando pela procedência do recurso.

Corridos os vistos legais e realizada conferência, cumpre apreciar e decidir.
***
II. Fundamentos da Decisão Recorrida
Da decisão recorrida constam os seguintes fundamentos (transcrição da parte relevante para apreciação do recurso interposto):
Da prova produzida em sede de reabertura da audiência de julgamento e do relatório junto autos resultou ainda que:
O arguido tem veículos automóveis que coloca em stands à consignação, nomeadamente em X… e em Y…, ficando para si com metade do lucro venda;
No mês de Junho de 2009 não vendeu qualquer veículo automóvel;
A mãe dos filhos do arguido aufere € 1.550,00 mensais resultantes de um armazém que deu de arrendamento a uma empresa que se dedica ao fabrico de móveis de casa de banho;
Tem ainda um outro armazém com cujo arrendatário se encontra em litígio judicial por rendas em atraso;
A esposa do arguido dedica-se à criação de gado suíno, bem como à execução e comercialização de tapetes de Arraiolos, actividades que lhe dão rendimentos no valo de € 600,00 mensais;

Factos não provados
Da prova produzida em sede de reabertura da audiência de julgamento não ficou provado que:
- é o arguido que tem provido pelo sustento da esposa e dos filhos, comprando alimentos; vestuário, provendo pelo pagamento de despesas escolares, médicas e medicamentosas, para além da pensão de alimentos que paga.

Fundamentação da decisão da matéria de facto
Pese embora a reabertura da audiência, nos termos do art. 371 °-A do Código de Processo Penal, se limite à questão da apreciação da possibilidade de aplicação retroactiva da lei nova por se mostrar em concreto mais favorável, não visando a realização de um segundo julgamento, tal não afasta a possibilidade da produção de prova acrescida (mesmo por determinação ex officio, se necessário para aferir da aplicabilidade da lei nova. Ac. RP 23.01.2008, www.dgsi.pt; Ac. RC 27.02.2008, CJ, ano XXXIII, tomo 1, pág. 55 e ss.;Ac. RG 07.04.2008, www.dgsi.pt; Ac. RP 28.05.2008, www.dgsi.pt; Ac. RP 10.12.2008, www.dgsi.pt
No caso dos autos, sendo que a questão que é trazida à apreciação do Tribunal é a da aplicabilidade do disposto no n° 2 dá art. 44° do Código Penal, reclamou a produção de prova acrescida (cingida à matéria alegada e com relevo em face da hipótese legal dessa norma), que foi apreciada pelo Tribunal mediante uma análise global e criteriosa, que foi interpretada, conjugada e ponderada segundo cânones de razoabilidade, adequação e sempre em observância das regras por que se pauta o processo penal.
Assim, o Tribunal teve em consideração o relatório social constante de fls. 1011 a 1016 dos autos, referente às condições de vida do cônjuge do arguido e dos seus filhos.
O arguido, nas suas declarações, fez referência às condições económicas da sua esposa revelando, contudo, não ter um conhecimento concreto, antes revelando ser fruto de informações que teve, à excepção do facto de um dos armazéns da esposa ter sido ocupado por uma empresa que foi declarada insolvente, reconhecendo embora serem prédios valiosos.
Informou ainda o Tribunal das suas condições pessoais, relatando os frutos do seu rendimento vincando que não consegue levar a cabo a sua actividade de venda de veículos automóveis estando preso no estabelecimento prisional.
MJ…, actual companheira do arguido fez referência aos alimentos que o arguido tem de prestar aos filhos, bem como as dificuldades encontradas na própria entrega, de géneros alimentício: que os filhos lhe pedem. Confirmou ainda que o arguido tem carros à venda em locais diversos.
JR…, no seu depoimento, afirmou que os problemas do arguido com a Justiça se deveram um período conturbado da sua vida, por razões ligadas à sua separação da esposa, mas que estabilizou. Aludiu ainda ao facto de a esposa do arguido ter os armazéns vazios.
Da ponderação de toda a prova produzida, pese embora pelo menos uma das testemunhas haja referido que os armazéns da esposa do arguido estarem vazios, o próprio arguido apenas firmou que um desses armazéns se encontra vago.
De todo o modo, tendo em consideração o teor do relatório junto aos autos, e sendo que, seja as declarações do arguido, seja o depoimento da testemunha JR… se afirmaram vagos, não revelando a concreta fonte desse conhecimento, antes indiciando tratar-se de informações que vão sendo ouvidas aqui e ali, e ante o teor do relatório junto, foram dados como provados os rendimentos da esposa do arguido.
No demais, a matéria de facto apurada resultou de um consenso da prova produzida.
No tocante à matéria de facto dada como não provada, resultou, na essência, de uma falta de prova nesse sentido.
Em primeiro lugar, o arguido apenas fez alusão ao facto de os filhos lhe telefonarem a pedir bens, bem como ao facto de experienciar dificuldades na entrega de géneros alimentícios aos mesmos.
Ainda que a testemunha MJ…. tenha ido no mesmo sentido, em primeiro lugar, e mesmo colocando a hipótese de haver alguma insistência da mãe dos menores, tal não significa que os menores e a esposa estejam dependentes do arguido e mesmo que passem dificuldades por não prestar auxílio.
Não é de todo incomum que haja dissídios entre cônjuges ou ex-cônjuges no tocante aos alimentos, sendo que o progenitor guardião por vezes faz pressão no sentido de obter ajuda monetária e material no sustento do ou dos filhos, mais a mais quando é recorrente o comportamento de muitos progenitores, que se alheiam dos seus deveres parentais.
Por outro lado, o facto de os filhos alegadamente pediram bens ao pai pelo telefone não significa necessariamente que tenham uma necessidade iminente de alimentação, não deixando de causar alguma estranheza o próprio exemplo dado pela companheira do arguido, ao aludir ao pedido de um "frango de churrasco".
Entendeu assim o Tribunal que, em face dos elementos probatórios constantes dos autos, a prova produzida não foi bastante para revelar uma situação de absoluta dependência do arguido ou mesmo de precariedade da esposa e dos menores (e muito menos em termos escolares ou médicos, nem sequer referidos...), antes até pelo contrário, considerando o teor do relatório ínsito nos autos, pelo que, na falta de meio probatório acrescido, foi a factualidade dada como não provada.

Da aplicação da lei nova
De acordo com o n° 1 do art. 2° do Código Penal, "as penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem".
Por sua vez, estatui o art. 30 do mesmo diploma legal que "o facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido".
Havendo sucessão de leis penais no tempo, estabelece o art. 40 do art. 2° do Código Penal, na sua redacção actual, que "quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior".
Na medida em que se mantenha inalterado o tipo legal, bem como qualificação da infracção penal, mas é modificada a responsabilidade penal dela emergente (pena e /ou efeitos penais) estamos em face de uma situação de sucessão de leis penal stricto sensu AMÉRICO A. TAIPA DE CARVALHO, Sucessão de Leis Penais, 21 edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pág. 112
3 JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral, tomo 1, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, pág. 189, ou, nas palavras do Profes: Doutor Figueiredo Dias, as consequências jurídicas que ao facto se ligam.
O facto de a decisão ter já trânsito em julgado não impede que o processo seja reaberto com vista a, mantendo-se a factualidade apurada (que não pode, obviamente, ser colocada em causa determinar quais os efeitos jurídico-penais quando a responsabilidade penal (pena principal, acessória ou efeitos da condenação) não se tenha ainda extinguido, assim o impondo, desde logo, o princípio igualdade.
Se o podia ter feito anteriormente, nada obsta, pois, a que o faça neste momento processual considerando a eliminação do limite do caso julgado (com a Lei n.° 59/2007 de 04 de Setembro), tem o legislador ainda esclarecido (com a entrada em vigor da Lei n.° 48/2007 de 29 de Agosto), que reabertura da audiência ou "reactivação do processo", nas palavras da Professora Doutora Mal Fernanda Palma MARIA FERNANDA PALMA, A Aplicação da Lei no Tempo: a proibição da retroactividade in pejus, in Jornadas Sobre a Revisão do Cód Penal, AAFDL, Lisboa, 1998, pág. 421
5 No sentido da impossibilidade, na medida em que um Tribunal Superior se pronuncie já no domínio da lei nova, vide Ac. RP 14.01.20 www. dgsi. pt
, depende de um seu impulso (art. 371°-A do Código de Processo Penal).
In casu, os factos apreciados na sentença condenatória remontam a Setembro de 2003 e Maio de 2004, sendo que era aplicável, à data, o Código Penal na redacção anterior à Lei n° 59/2007 de 04 de Setembro (n° 1 do art. 2° e art. 3° do Código Penal).
Pretende o arguido, uma vez mais, que seja apreciado o regime em concreto mais favorável face à entrada em vigor do Código Penal na redacção da Lei n° 59/2007.
Ainda que, ante o nosso despacho de fls. 759 e ss., indeferindo a reabertura da audiência com vista à aplicação da aplicação lei nova com vista à suspensão da pena de prisão na sua execução, o Tribunal da Relação de Coimbra se haja pronunciado no sentido da confirmação do decidido (vide fls. 114 e ss. do Apenso B), o certo é que, considerados os concretos factos invocados pelo arguido, ainda assim se entende não ter sido precludida a possibilidade de reabertura da audiência.
Com a redacção introduzida pela Lei n° 59/2007 veio a estabelecer-se no art. 44° do Código Penal que "se o condenado consentir podem ser executados em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sempre que o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição:
a) a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano;
b) o remanescente não superior a um ano da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação".
E o seu n° 2 estabelece, por seu turno, que: "o limite máximo previsto no número anterior pode ser elevado para dois anos quando se verifiquem, à data da condenação, circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional, nomeadamente:
a) gravidez;
b) idade inferior a 21 anos ou superior a 65 anos; c) doença ou deficiência graves;
d) existência de menor a seu cargo;
e) existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado".
O conteúdo desta pena e substituição consiste na manutenção do arguido na sua habitação ou de terceiro, sujeito a vigilância electrónica, podendo o tribunal (da condenação), em casos especialmente justificados, permitir saídas da habitação desde que a sua periodicidade e duração sejam compatíveis com as finalidades preventivas, nos termos do n° 2 do art. 3° da Lei n° 122/99 de 20 de Agosto, aplicável por força do artigo 9° da Lei n° 59/2007 de 4 de Setembro.
Pressupostos formais da sua aplicação são a condenação em pena concreta de prisão até um ano, nos termos da al. a) do n° 1 do art. 44º ou a existência de um remanescente não superior a um ano de prisão (face a medidas processuais de privação da liberdade, nos termos do n° 1 do art. 80° do Código Penal), nos termos da al. b) do n° 1 do mesmo preceito legal, desde que o arguido já tenha sofrido prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação; e o consentimento do condenado (art. 2° da Lei n° 122/99).
O pressuposto material de aplicação desta pena de substituição é o da sua adequação às finalidades da punição, sendo que a escolha desta pena de substituição é determinada exclusivamente por considerações de natureza preventiva, quer de prevenção geral quer especial.
Para os casos do n° 2 do art. 44° do Código Penal exige-se uma situação pessoal ou familiar de especial fragilidade, termos em que é dilatado o prazo da pena de prisão ou do remanescente para dois anos.
Na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n° 98/X refere-se, nesta matéria, que "a prisão passa a poder ser executada em regime de permanência na habitação quando não exceder um ano e, em casos excepcionais (gravidez, idade, doença, deficiência, menor a cargo ou familiar ao cuidado dois anos".
Tratar-se-á, para a Professora Doutora, Maria João Antunes, não uma pena de substituição stricto sensu (tal como prevista no n° 1 do art. 44º do Código Penal), mas antes uma regra de execução de prisão, semelhante ao regime de adaptação à liberdade condicional introduzido no art. 62° d Código Penal. MARIA JOÂO ANTUNES, Alteração ao Regime Sancionatório, Revista do CEJ, n° 1, 1° semestre de 2008 (especial), pág. 7 e ss.

No caso dos autos, o arguido foi condenado na pena de um ano e oito meses de prisão, o que desde logo, exclui a possibilidade de aplicação do n° 1 do art. 44° do Código Penal.
O arguido tem 38 anos de idade, desconhecendo-se possuir qualquer deficiência ou padecer de doença grave.
Relativamente aos filhos, os dois menores residem com a mãe, esposa do arguido, aos quais paga € 250,00 mensais a título de alimentos, não os tendo a seu cargo.
O arguido tem um novo núcleo familiar constituído, residindo com a companheira, tendo ambos fontes de rendimentos distintas, tal como o tem, de igual modo, a esposa, não havendo qualquer familiar exclusivamente ao cuidado do arguido.
Em face desta matéria factual apurada e do já exposto, logo se torna evidente não este preenchida a hipótese legal do n° 2 do art. 44° do Código Penal, inexistindo qualquer situação de facto excepcional à data da condenação e, de resto, hodiernamente, que permita a aplicação do regime de permanência na habitação ao arguido.
Se é certo que o facto de estar a cumprir a pena de prisão lhe acarreta problemas em termo laborais, considerado ter como fonte de rendimentos a venda de veículos automóveis, em si mesma não constitui fundamento para a aplicação da pretendida pena de substituição.
E isto, seja porque entendimento diverso implicaria uma frontal violação do princípio da legalidade (art. 18° da Lei Fundamental e art. 1° do Código Penal), ante a letra do n° 2 do art. 44º do Código Penal, seja porque embateria igualmente com o princípio da igualdade (art. 13° da Constituição da República Portuguesa), não se vislumbrando destrinça face aos demais reclusos que, quando em liberdade, tinham um trabalho, dependente ou não.
Qualquer pena implica um sacrifício para o condenado, sendo em função das exigências de prevenção geral positiva, cujo limiar mínimo tem de ser respeitado, bem como das exigências de prevenção especial positiva que, respeitando o limite máximo traçado pela culpa, o julgador tem de fixar a pena e, se assim entendido, aplicar uma pena de substituição.
Ora, para além de as exigências de prevenção geral e especial serem sensíveis no caso em apreço, o que ao julgador está vedado, desde logo, é aquilatar da aplicação de uma pena de substituição (mesmo que não legalmente prevista aquando da prática dos factos e ulterior condenação) se a mesma não tem cabimento no caso.
Assim, por não se encontrar preenchida, ante a prova produzida, a hipótese legal do n° 2 do art. 44° do Código Penal, não tem este Tribunal de proceder a qualquer ponderação, seja quanto à virtualidade de assegurar as finalidades da punição, seja, em concreto, do regime mais favorável.
De igual jeito, não obstante a posição sufragada pelo arguido a fls. 838, queda-se sem aplicação o disposto no art. 45° do Código Penal na redacção actual.
Dispunha o Código Penal, na redacção anterior à Lei n° 59/2007 de 04 de Setembro, no n° 1 do art. 45° que "a pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 meses, que não deva sei substituída por multa ou por outra pena não privativa da liberdade, é cumprida em dias livres sempre que o tribunal concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
Com a entrada em vigor da Lei n° 59/2007 passou a estabelecer-se que "a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie, é cumprida em dias livres sempre que o tribunal concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
Tratando-se de pena de substituição consagrada como efeito de obviar aos efeitos indesejáveis de penas curtas de prisão, permitindo adaptar a pena às necessidades da vida familiar e profissional do arguido, com a Lei n° 59/2007 passou a ser aplicada a penas até um ano de prisão.
Uma vez que a pena em que o arguido foi condenado é superior a um ano de prisão, também aqui, por não preenchimento da hipótese normativa, não tem o Tribunal, pese embora a alteração legislativa operada, de proceder a qualquer ponderação da norma em concreto mais favorável.
***
III. Apreciação do Recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação (cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal) as questões suscitadas são as seguintes:
1. Se após o trânsito em julgado de decisão condenatória em pena de prisão pode o condenado requerer a aplicação do regime fixado no artigo 44º ou no artigo 45º do Código Penal e se tal pretensão deve ser apreciada independentemente do disposto no artigo 2º, nº 4 do Código Penal, não seguindo a tramitação prevista no artigo 371º-A do Código de Processo Penal;
2. Se a pena em que o recorrente foi condenado, de um ano e oito meses de prisão, deve ser executada em regime de permanência na habitação por verificação dos pressupostos do artigo 44º, nº 2, alínea d) do Código Penal e porque o arguido se prontifica a cumprir prisão por dias livres.

Apreciando:
1. Da oportunidade processual de requerer/aplicar penas de substituição, nomeadamente as previstas nos artigos 44º e 45º do Código Penal.
Importa, em primeiro lugar, salientar que, aquando do requerimento indeferido pela decisão em recurso, o arguido e ora recorrente se encontrava já condenado com trânsito em julgado na pena de um ano e oito meses de prisão (cuja execução, aliás, já se encontrava iniciada).
Como resulta do disposto nos artigos 44º e 45º do Código Penal, as penas de prisão podem, nos termos ai previstos, ser substituídas por regime de permanência na habitação ou prisão por dias livres. Mas importa equacionar em que momento tal pode ocorrer.
E confrontando o disposto no artigo 368º, 369º, nº 2 e 374º do Código de Processo Penal bem como o disposto nos citados normativos do Código Penal não oferece, a nosso ver, dúvidas que a decisão sobre a medida e espécie da pena tem lugar no dispositivo que se segue ao julgamento, a sentença, podendo ser reapreciada em recurso que da mesma seja interposto.
A decisão proferida nos autos sobre a espécie e medida da pena transitou há muito em julgado, não sendo, por isso, susceptível de recurso, não prevendo a lei que possa ser objecto de reapreciação fora do âmbito de recurso, que, aliás, foi interposto.
No sentido de que o regime de permanência na habitação e a prisão por dias livres são verdadeiras penas de substituição da pena de prisão e não formas de execução desta, tratando-se de matéria a decidir exclusivamente na sentença (conceitos que o recorrente parece confundir porque os emprega em paralelo como se tivessem o mesmo significado) poderá confrontar-se Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, em anotação aos artigos 44º e 45º.
Relativamente ao regime de permanência na habitação que poderia oferecer maior controvérsia porque no nº 1 do preceito vem designada a palavra "execução" logo o nº 2 desfaz qualquer dúvida porque expressamente remete tal decisão para o momento da condenação "data da condenação".
O trânsito em julgado tem como efeito que a decisão passe a ter força obrigatória dentro do processo (672º do Código de Processo Civil) não podendo ser contrariada por outra decisão posterior, caso em que se deverá cumprir a que transitou em julgado em primeiro lugar (artigo 675º do Código de Processo Civil, como o anterior aplicáveis por força do artigo 4º do Código de Processo Penal).
A única excepção à força do caso julgado vem prevista no artigo 2º, nº 4 do Código Penal, estabelecendo o regime substantivo de aplicação do regime penal mais favorável, preceito que veio dar expressão integral ao que constava do artigo 29º, nº 4 da Constituição da República.
Assim o artigo 29º, nº 4 da Constituição preceitua que «ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido».
Como constatamos, o texto constitucional determina a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável sem qualquer restrição; sem restrição do caso julgado.
Porém, o artigo 2º, nº 4 do Código Penal na redacção anterior às alterações produzidas pela Lei nº 59/2007 de 4 de Setembro estipulava que «quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, será sempre aplicado o regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente, salvo se já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado».
Porque no Código Penal se excepcionava a aplicação da lei nova mais favorável no caso de condenação por sentença transitada em julgado, ressalva não consignada no texto constitucional, vozes se levantaram invocando a inconstitucionalidade desse segmento da norma inserta no Código Penal, como os constitucionalistas Jorge Miranda e Rui Medeiros ou Gomes Canotilho e Vital Moreira nas suas "Constituição Anotada" e ainda os penalistas Fernanda Palma nas suas lições de Direito Penal ou Taipa de Carvalho na sua obra "Sucessão de Leis Penais".
Foi no sentido de eliminar essa invocada inconstitucionalidade que o legislador, nas alterações introduzidas ao Código Penal pela Lei nº 57/2007, eliminou do texto actual do artigo 2º, nº 4 a dita ressalva do caso julgado e na exposição efectuada na respectiva proposta de lei consignou a pretensão de reforçar a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável em cumprimento do preceito constitucional e, relativamente ao conteúdo aditado justificou «assim, mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória, cessarão a execução e os efeitos penais quando o arguido já tiver cumprido uma pena concreta igual ou superior ao limite máximo da pena prevista (artigo 2º, nº 4)» mais se acrescentando «esta solução é materialmente análoga à contemplada no nº 2 do artigo 2º para a hipótese da lei nova descriminalizadora ou despenalizante e a sua efectivação prescinde de uma reponderação da responsabilidade do agente do crime à luz do novo regime sancionatório mais favorável» (sublinhado nosso).
A redacção actual do artigo 2º, nº 4 é a seguinte:
"Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior."
Como vemos o normativo tem segmentos distintos. No primeiro segmento estabelece-se o princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável sem qualquer excepção (sem a excepção do caso julgado anteriormente existente) e no segundo segmento estabelecem-se as consequências de um caso particular de aplicação retroactiva da lei penal mais favorável; cessação da execução da pena quando atinja o limite máximo previsto na lei posterior.
Por seu turno, o Código de Processo Penal, alterado em simultâneo, passou a conter uma disposição destinada a regular os termos processuais da aplicação do regime novo mais favorável nos seguintes termos:
"Se após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime."
A este propósito consignou-se na proposta de lei que deu origem à Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto que produziu alterações ao Código de Processo Penal, entre as quais a mencionada, que a reabertura da audiência para aplicar novo regime mais favorável se justifica «sempre que a lei penal mais favorável não tenha determinado a cessação da execução da pena» (sublinhado nosso).
Do exposto que nos revela o pensamento do legislador e a filosofia de que informou a lei, parece-nos que, com meridiana clareza, resulta que a reabertura da audiência se destina aos casos de aplicação da lei nova mais favorável, após o trânsito em julgado da condenação, com base na primeira parte do artigo 2º, nº 4 do Código Penal que imponham a aplicação de uma nova pena e que, por isso, impliquem reavaliação dos fundamentos de facto da decisão.
Mas significará a reavaliação dos fundamentos de facto mais do que a simples ponderação dos factos constantes da sentença condenatória à luz da lei nova por forma a determinar a eventual aplicação da pena/regime eventualmente mais favorável ou será admissível a prova de novos factos e mormente a prova de factos de ocorrência posterior à condenação em primeira instância.
O simples facto de se ter estatuído a necessidade de realização de audiência para esse efeito não pode responder cabalmente à questão porque a necessidade de audiência pode, tão só, ser justificada em função do exercício do contraditório e de se entender que melhor se realizará em debate oral perante o tribunal que irá decidir.
Para responder à questão importará novamente analisar o texto constitucional.
Paralelamente com a previsão da aplicação retroactiva do regime penal mais favorável, sem a restrição do caso julgado, o nº 4 do artigo 29º da CRP estatui "ninguém pode ser julgado mais de uma vez pela prática do mesmo crime".
Trata-se da consagração do principio "ne bis in idem" que tem como dimensão subjectiva a garantia do cidadão de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto e como dimensão objectiva a conformação do direito processual à definição do caso julgado de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto ainda que em benefício do arguido (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República, anotada, 1º a 107º, pag. 497).
E se o condenado não tem, à face do princípio da intangibilidade do caso julgado, o direito de requerer novo julgamento para apuramento de circunstâncias mais favoráveis que permitam a aplicação de pena menos gravosa, igualmente não o tem função da entrada em vigor da lei nova.
Aliás, a conclusão contrária faria equacionar grave violação do princípio constitucional da igualdade (artigo 13º da CRP) em face de situações idênticas em que os arguidos, após a sua condenação, vissem alterada a sua situação pessoal de forma a justificar a aplicação de pena menos grave.
Mas, porque coexistem na constituição o princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável e o princípio da intangibilidade do caso julgado, apenas com a excepção do primeiro, entendimento normativo do artigo 371º-A do Código de Processo Penal que, para além da reavaliação dos fundamentos de facto da decisão proferida ao abrigo da lei antiga, permita a produção de prova de factos novos de ocorrência posterior à condenação em primeira instância viola frontalmente o disposto no artigo 29º, nº 5 da CRP.
E nesse sentido se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque no seu Comentário do Código de Processo Penal, 2ª edição em anotação ao artigo 371º-A, citando, aliás, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 164/2008 que conheceu da constitucionalidade do artigo 371º-A do Código de Processo Penal, e decidiu não julgar inconstitucional tal norma quando interpretada no sentido de permitir a reabertura da audiência para aplicação de nova lei penal que aumenta o limite máximo das penas a considerar para efeitos de suspensão de execução de pena privativa da liberdade. Com efeito, da fundamentação expressa em tal acórdão resulta que a reabertura da audiência não violará a constituição enquanto não implicar a realização de novo julgamento, deixando transparecer também o entendimento de que haverá novo julgamento sempre na operação de aplicação de regime mais favorável ocorra alteração dos factos dados como provados na decisão condenatória.

Pelas razões expostas ter-se-á de assentar que, ao contrário do que o recorrente alega, o seu requerimento no sentido de a pena de prisão em que foi condenado ser executada em regime de permanência na habitação, apenas pode ser apreciado, sem ofensa do caso julgado, no âmbito da previsão substantiva do artigo 2º, nº 4 do Código Penal e da previsão adjectiva do artigo 371º-A do Código de Processo Penal, única previsão legal que permite alteração de pena aplicada por decisão já transitada em julgado.
E é nesta perspectiva que este Tribunal pode sindicar a decisão recorrida.

2. Da aplicabilidade do regime de permanência na habitação e/ou do regime de prisão por dias livres
Invoca o recorrente que lhe deve ser aplicado o regime do artigo 44º do Código Penal (cumprimento da pena de prisão em que foi condenado de um ano de oito meses de prisão em regime de permanência na habitação) porque está obrigado a contribuir com pensão de alimentos para os seus filhos menores e de estes manifestarem grande preocupação com o facto de o pai estar preso, mostrando-se preenchida a previsão do artigo 44º, nº 2, alínea d).
Na sua perspectiva por maioria de razão há-de resultar aplicável tal regime se o condenado, concomitantemente com essa pena de substituição, se propõe cumprir pena de prisão por dias livres, não sendo necessário neste caso a verificação do requisito temporal a que alude o artigo 45º do Código Penal.
Como bem se menciona na decisão recorrida são pressupostos formais da aplicação do regime estatuído no artigo 44º, nº 1 do Código Penal (regime penal novo não existente à data da condenação e, por isso, ponderável nos termos do artigo 2º, nº 4 do Código Penal) a condenação em pena concreta de prisão até um ano, nos termos do seu nº 1, alínea a) ou a existência de um remanescente não superior a um ano de prisão, descontada que seja detenção, prisão preventiva ou medida de coacção de permanência na habitação (medidas processuais de privação da liberdade a que se refere o artigo 80° do Código Penal) nos termos do seu nº 1, alínea b), para além do consentimento do condenado.
Quanto ao pressuposto material da aplicação desta de substituição ele consiste na sua adequação e suficiência para dar satisfação às finalidades da punição.
Já no nº 2 do preceito, mantendo-se o mesmo pressuposto material de que essa pena de substituição apenas será aplicada se o tribunal concluir que dessa forma se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, prevê-se que o limite da pena estatuído no nº 1 possa ser elevado para dois anos nos seguintes termos:
2. O limite máximo previsto no número anterior pode ser elevado para dois anos quando se verifiquem, à data da condenação, circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselhem a privação da liberdade, nomeadamente:
a) Gravidez;
b) Idade inferior a 21 anos ou superior a 65 anos;
c) Doença ou deficiência graves;
d) Existência de menor a seu cargo;
e) Existência de familiar exclusivamente a seu cargo.
Como se consignou na decisão recorrida, o arguido tem 38 anos de idade, desconhecendo-se possuir qualquer deficiência ou padecer de doença grave, os seus dois filhos dois menores residem com a mãe, esposa do arguido, pagando-lhes € 250,00 mensais a título de alimentos, não os tendo a seu cargo, o arguido tem um novo núcleo familiar constituído, residindo com a companheira, tendo ambos fontes de rendimentos distintas, tal como o tem, de igual modo, a esposa, não havendo qualquer familiar exclusivamente ao cuidado do arguido (alguns destes factos foram apurados na audiência realizada ao abrigo do artigo 371º-A sem que se consiga alcançar se são contemporâneos da condenação ou de ocorrência posterior e, sendo de ocorrência posterior, não poderiam ser considerados como se consignou no ponto anterior).
Esta factualidade não integra a previsão de qualquer das mencionadas alíneas do artigo 44º, nº 2 e, nomeadamente, da invocada alínea d) em que se refere a existência de menor a cargo do condenado, o que não tem coincidência com a vinculação a prestação de alimentos, única realidade provada, não resultando sequer que a satisfação das necessidades básicas dos menores, filhos do recorrente, esteja em risco por força da situação de reclusão.
Sendo certo que a enumeração das referidas alíneas não é taxativa, ela fornece exemplos padrão de situações graves e excepcionais que justificam que a pena de prisão possa ser substituída por permanência na habitação quando a pena em que o arguido foi condenado seja superior a um ano mas não exceda dois anos, se essa forma de cumprimento puder realizar as finalidades da punição.
Ora a apurada situação pessoal do arguido (admitindo-se que fosse contemporânea da condenação) não comunga da gravidade das situações descritas nas referidas alíneas, como é argumento extra factual e legal o invocado de os filhos manifestarem grande preocupação com o facto de o pai estar preso.
Assim, tal como se concluiu no decisão recorrida, quer porque não é aplicável o disposto no nº 1 do artigo 44º do Código Penal, desde logo porque o recorrente está condenado em pena superior a um ano de prisão, quer porque não é aplicável o disposto no nº 2 do mesmo artigo por não ocorrer circunstancialismo que o justifique, não pode a pena de prisão em que foi condenado ser substituída por regime de permanência na habitação.
Escapa, aliás, à nossa compreensão o alegado pelo recorrente no sentido de que, por maioria de razão, o regime de permanência na habitação é aplicável se o condenado requerer simultaneamente a aplicação do regime de prisão por dias livres, não sendo nesse caso aplicável o requisito temporal do artigo 45º do Código Penal que prevê esta última pena de substituição.
Com efeito, cada uma das penas de substituição da pena de prisão previstas no Código Penal está dotada de autonomia, sem que possa haver cumulação entre elas, não só porque tal não se encontra previsto e no domínio das penas, como do direito penal em geral, vigora em toda a sua plenitude o princípio da legalidade (artigo 29º, nºs 1 e 3 da CRP) como também porque incompatível com o pressuposto material de aplicação das penas de substituição que corresponde a diferentes graus das exigências de prevenção. Ou seja, se a determinada pena de prisão for cabível a aplicação de duas ou mais penas de substituição, o tribunal está obrigado a aplicar a que no caso concreto realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, excluindo a aplicação das restantes.
Em síntese, não se encontram verificados os pressupostos de que dependeria a aplicação ao arguido de regime penal mais favorável nos termos do artigo 2º, nº 4 do Código Penal e que consistiria na substituição da pena de prisão em que foi condenado por regime de permanência na habitação.

Embora a pretensão recursiva não pareça dirigir-se à substituição da pena de prisão por prisão por dias livres (o recorrente apenas alude nas conclusões IV e V a cumulação entre esta pena de substituição e o regime de permanência na habitação que, como já vimos, não é legalmente equacionável) sempre se dirá o seguinte.
No que concerne à prisão por dias livres, dispunha o artigo 45º, nº 1 na redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei n° 59/2007 de 4 de Setembro:
A pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 meses, que não deva sei substituída por multa ou por outra pena não privativa da liberdade, é cumprida em dias livres sempre que o tribunal concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Com a redacção que lhe foi conferida pela Lei n° 59/2007 passou o mesmo artigo a ter a seguinte redacção:
A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie, é cumprida em dias livres sempre que o tribunal concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Porque a pena em que o arguido foi condenado é superior a um ano de prisão não admitindo quer no regime vigente à data dos factos, quer no regime actualmente vigente, substituição por prisão por dias livres não podia o Tribunal a quo efectuar qualquer ponderação sobre o regime mais favorável. Aliás, mesmo na hipótese afastada de a aplicação de uma pena de substituição poder ocorrer depois do trânsito em julgado da sentença condenatória, ainda assim nunca a pena em que o recorrente foi condenado podia ser substituída por prisão por dias livres.
E tendo em consideração os limites impostos pelo já citado princípio da legalidade, bem como, desde logo, as regras que presidem à interpretação da lei consignadas no artigo 9º do Código Civil, não tem cabimento conclusão de que o referido limite temporal da pena de prisão substituível por prisão por dias livres possa em qualquer circunstância ser postergado.

Pelo exposto se conclui que a decisão recorrida não merece censura, devendo ser mantida, o que implica que o recurso não mereça provimento.
***
IV. Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos acordam em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Pelo seu decaimento condena-se o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça devida em 3 UC (cfr. artigo 513º, nº 1 do Código de Processo Penal e 8º, nº 5 do Regulamento das Custas Processuais).
***
Coimbra,
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora).
____________________________________
(Maria Pilar Pereira de Oliveira)

____________________________________

(José Eduardo Fernandes Martins)