Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2228/07.3TXCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
AUDIÇÃO DO CONDENADO
Data do Acordão: 05/06/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 119º,122º E 485º CPP, 94º D.L. 783/76-29/10
Sumário: 1. Se nos casos de concessão da liberdade condicional obrigatória se pode aceitar o simples documento de consentimento, sobretudo em situações de alguma urgência, como dando plena execução ao direito de audiência, já a mesma conclusão não pode ser extraída relativamente aos casos de concessão de liberdade condicional não obrigatória pois que aqui não está apenas em questão o consentimento do condenado mas também a verificação ou não de outros pressupostos materiais.
2. A inobservância do disposto no art. 485º, nº 2, do C. Processo Penal no que respeita à falta de audição presencial do condenado, face ao disposto nos arts. 118º, nº 2 e 123º, do C. Processo Penal, constitui uma mera irregularidade
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO


No Tribunal de Execução de Penas de Coimbra corre termos o processo gracioso de concessão da liberdade condicional nº 2228/07.3TXCBR, relativo ao recluso J..., no qual, em 23 de Setembro de 2008, foi proferido o seguinte despacho (transcrição):
“ (…).
Nos presentes autos de Processo Gracioso para concessão de Liberdade Condicional, é apreciada a situação do arguido, J..., melhor identificado nos autos.
O arguido encontra-se em reclusão, presentemente, no Estabelecimento Prisional Regional da Covilhã, e já viu a sua situação apreciada em 30/03/08, tendo sido a decisão negativa, conforme consta da respectiva sentença.
O Processo seguiu a normal tramitação, mostra-se devidamente instruído e foram observadas as legais formalidades.
Foram juntos aos autos, os Relatórios e Parecer, exigidos pelo artigo 484º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal.
Nos termos do disposto no artigo 485º, nº 1 do mesmo diploma legal, o Ministério Público, emitiu Parecer favorável, à concessão de Liberdade Condicional ao arguido.
O Conselho Técnico reunido em 23/09/08, prestou os necessários esclarecimentos e emitiu Parecer favorável, por maioria, à concessão da Liberdade Condicional do arguido.
Não foi ouvido o arguido, que se encontra "deslocado", temporariamente, em Aveiro, sendo certo que deixou o Consentimento expresso, conforme consta da respectiva acta, aqui dada por reproduzida.
O Tribunal é competente.
O Processo é o próprio.
Não há nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito.
*
Cumpre pois, apreciar e decidir:
A concessão da Liberdade Condicional assenta num Juízo de prognose, decorrente da análise de vida anterior do arguido, da sua personalidade, a evolução da mesma no decurso da execução da pena de prisão, de tal modo que possibilite concluir que o arguido, em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, sendo que a execução da pena de prisão, se deve orientar no sentido da reintegração social do recluso. (artigos 61º e 42º, do CP).
Medida de excepção no cumprimento da pena, a Liberdade Condicional visa a suspensão da reclusão, por forma a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, assim permitindo que o recluso ganhe o sentido de orientação social que, necessariamente, o período de encarceramento enfraqueceu.
Implica pois, toda uma simultaneidade de circunstancialismos, necessariamente verificáveis, e que são, no fundo, o alcance da finalidade da execução da própria pena, ou seja, esta, por si própria, terá de revelar a capacidade ressocializadora do sistema, com vista a prevenir a prática de futuros crimes.
No que aqui nos interessa, e sendo esta apreciação, a correspondente aos 2/3 do cumprimento da pena, há que atentar no que dispõe o artigo 61º nºs1 e 3 do C.P., que referem:
"-A aplicação da liberdade condicional, depende sempre do consentimento do condenado.
-O tribunal coloca o condenado a prisão, em liberdade condicional, quando se encontrem cumpridos dois terços da pena, e no mínimo seis meses, se for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta, durante a pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes".
Verificados que se encontrem os legais requisitos, é poder-dever do Tribunal, no fundo, um poder vinculado, colocar o condenado em liberdade condicional.
Apreciando:
Resulta dos autos que o arguido se encontra a cumprir, no âmbito do processo nº. 25/05.0TAAVR, a pena de, 1 ano e 6 meses de prisão, por crimes de ameaça e extorsão, cujos 2/3 ocorreram em, 28/05/08, e termina a pena em 28/11/08, de acordo com a liquidação, do tribunal da condenação, de folhas 13, que aqui se dá por reproduzida.
Tem pendentes os processos nºs 718/07.7PBAVR e, 988/07.0PBAVR.
Da anterior apreciação constava o seguinte:
"Dos elementos colhidos no processo, sustentados nos factos que constam dos pareceres e informações, bem como da audição do Conselho Técnico e do arguido, resulta que este, não interiorizou, ainda, devidamente a censurabilidade da sua actuação criminosa, nem parece suficientemente intimidado, sendo, por isso, prematura a sua libertação antecipada, tanto mais que é reincidente, não tendo sabido aproveitar anterior oportunidade.
Trata-se de recluso, que já cumpriu pena de prisão, por factos de idêntica natureza, sem que a anterior condenação, tenha almejado, afastá-lo da criminalidade;
Neste EPR, pela 2ª vez, e não obstante alguma instabilidade comportamental, esforça-se por ter, um percurso prisional normativo;
Frequenta a escola, ao nível do 6º ano, considerando as aquisições feitas, uma mais valia para o futuro;
Com diminuta capacidade de autocrítica, tende a desculpabilizar-se, em relação à sua postura social, a qual, conduziu à prática dos crimes pelos quais cumpre pena;
Não obstante, verbaliza disposição para inverter o seu percurso de vida;
No exterior, dispõe de apoio da família, de origem, constituída e alargada, os quais residem num Bairro Social, em Aveiro, conotado, com problemáticas sociais complexas, constituindo, no entanto, um grupo solidário, relativamente aos elementos do seu grupo étnico;
Beneficiou de 1 saída precária, pelo Natal, que decorreu dentro da normalidade, cumprindo a pena, em regime fechado;
Ao nível laboral, perspectiva dedicar-se à venda ambulante;
No meio comunitário de residência, goza de uma imagem negativa, associada a comportamentos agressivos;
Importa pois, que dê mostras claras de querer inverter o seu percurso delinquente, e consolide o percurso que vem já fazendo."
De então para cá, consolidou o percurso que vinha fazendo, evidenciando postura mais humilde e responsável, bem como verbaliza vontade e capacidade de inverter o seu percurso de vida;
Completou o 6º ano de escolaridade e perspectiva dar continuidade aos estudos, no exterior;
Continuou a usufruir de Saídas Precárias Prolongadas, que decorreram sem incidentes e as quais vem aproveitando para reforçar os laços afectivos no seio familiar e preparar o seu regresso a casa;
Mantém-se o apoio familiar, próprio da etnia a que pertence e perspectiva voltar à venda ambulante (artigos de vestuário), sendo embora certo que verbaliza poder vir a conseguir um emprego, numa unidade fabril local;
No meio, não se conhecem problemas de inserção, nem a sua libertação antecipada se mostra incompatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.

Do que acima se expôs, podemos concluir que o arguido teve uma evolução positiva da sua personalidade e postura que nos permitem esperar que, uma vez em liberdade, conduza a sua vida de modo socialmente responsável.
Constata-se, por isso uma prognose positiva de que se verificam as condições, que permitem antever uma aprendizagem da liberdade com sucesso, de molde a que não volte a delinquir.
Considera-se também relevante, a tutela que ainda poderá ser exercida pela DGRS, no tempo que falta para o fim da pena.
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Por tudo o exposto, em conformidade com os normativos citados, decide-se conceder ao arguido, a Liberdade Condicional, desde já, e até ao fim da pena sujeita às seguintes condições:
1 – Fixar residência no Bairro da Cova do Ouro, nº 7, Santa Joana, 3810-140, Aveiro, de onde não se poderá ausentar, por mais de oito dias, sem autorização do Tribunal;
2 – Manter boa conduta e dedicar-se ao trabalho, com regularidade;
3 – Aceitar a tutela da Direcção Geral de Reinserção Social, comparecendo às entrevistas de acompanhamento e aderindo às orientações que lhe forem sugeridas, devendo apresentar-se aos respectivos técnicos, da Equipa da DGRS, de Baixo Vouga, cujos serviços se situam na Praceta Marquês de Pombal, nº 4/2°, 3810-133 Aveiro, no prazo de oito dias, após a Libertação;

Passe mandado de libertação imediato.
Notifique, sendo o arguido com cópia desta decisão, a realizar antes da libertação.
Será advertido de que:
1º - a falta de cumprimento das condições e regras de conduta impostas, pode acarretar as consequências previstas nas alíneas a) a c) do artigo 55º do Código Penal, (por força do artigo 64º nº 1, do mesmo diploma);
2º - A liberdade condicional será revogada se, no seu decurso, o libertado condicionalmente:
a) - infringir, grosseira ou repetidamente, as condições impostas; ou
b) - cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que fundamentam a presente liberdade condicional, não puderam ser alcançadas por essa via, o que determinará a execução da pena de prisão ainda não cumprida – artigo 56º nºs 1 e 2, do Código Penal -.
Comunique ao EP onde o arguido se encontra.
Remetam-se cópias aos serviços Prisionais e Sociais. (artigo 485º nº 5 do CPP).
Remeta Boletim à DGSIC e certidão ao Tribunal da condenação.
Os Serviços de Reinserção Social deverão apresentar Relatórios de acompanhamento, sempre que entendam necessário.
(…)”

Notificada da decisão, a Digna Magistrada do Ministério Público veio arguir nulidade insanável nos termos dos arts. 119º, c) e 122º, nº 1, do C. Processo Penal, por não se ter procedido à audição do recluso, em violação do disposto nos arts. 94º, do Dec. Lei nº 783/76, de 29 de Outubro e 485º, do C. Processo Penal, e concluiu, pedindo o reconhecimento da invocada nulidade.
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No dia 4 de Novembro de 2008, a Mma. Juíza proferiu o seguinte despacho (transcrição):
“ (…).
Quanto à nulidade arguida entendemos, com o devido respeito por opinião contrária, que a mesma não se verifica.
É certo que o Art. 485º nº. 2, do CPP (de acordo com o estipulado no Art. 61º nº. 1 do CP) refere que " … o Tribunal ouve o condenado, nomeadamente, para obter o seu consentimento", já que de acordo com o disposto no supra aludido Art. 61º, nº. 1, do C.P., a concessão da Liberdade Condicional "depende sempre do consentimento do arguido".
Contudo, cremos que, tal visa respeitar a vontade do arguido (de querer ou não ir em liberdade condicional), e não de lhe restringir direitos.
Estando tal vontade expressa nos autos, e sendo que a decisão foi no sentido de lhe conceder a liberdade condicional (ou seja, de desagravamento da sua situação e não da restrição de direitos), não cremos que o não ter "ouvido presencialmente" o arguido (que não se encontrava, à data, no Estabelecimento Prisional), preencha a nulidade arguida que, se tem por não verificada.
Notificação e D.N.
(…)”.
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Inconformada com a decisão dela recorre a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da sua motivação as conclusões que se transcrevem:
“ (…).
1. A concessão da liberdade condicional tem de ser precedida da audição do condenado, nomeadamente para nela consentir.
2. Constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.
3. As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.
4. O condenado não foi ouvido antes de apreciar a liberdade condicional, nada podendo referir sobre a concessão da liberdade condicional, limitando-se a entregar um documento a autorizar e agradecer a libertação.
5. A audição de condenado não pode ser substituída por um documento.
6. O condenado, que tem o direito de consentir ou não na liberdade condicional, tem de ser ouvido para apresentar todas as razões que entender e bem assim, se quiser, elementos de prova.
7. Foi violada a norma do artigo 485º nº 2 do Código do Processo Penal e cometida a nulidade dos artigos 119º alíneas c) e nº 1 do artigo 122º do CPP.
Termos em que, com os do douto suprimento de V.Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se a invocada nulidade e ordenando-se a audição do condenado com as devidas formalidades, pois assim é de DIREITO e só assim se fará JUSTIÇA!
(…)”.
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O recluso não respondeu ao recurso.
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A Mma. Juíza recorrida sustentou tabelarmente o despacho recorrido.

Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Foi cumprido ao disposto no art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO.


Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).
Assim, atentas as conclusões formuladas pela Digna Magistrada recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se, no procedimento de colocação do recluso em liberdade condicional, este tem que ser pessoalmente ouvido pelo juiz de execução das penas, não podendo tal audição ser substituída por um documento, sob pena de cometimento de nulidade insanável, por violação do art. 485º, nº 2, do C. Processo Penal e nos termos dos arts. 119º, c) e 122º, do mesmo código.

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1. A liberdade condicional radica em razões de prevenção especial positiva ou de socialização, face do efeito criminógeno da pena de prisão que aumenta a dificuldade do condenado em regressar ao seio da comunidade a que pertence, findo o seu cumprimento (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 528 e 542).
A este respeito pode ler-se no ponto 9 do Preâmbulo do C. Penal (1982), «Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a liberdade condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.».
Através do instituto da liberdade condicional incentiva-se e auxilia-se o condenado a, uma vez colocado em meio livre, não recair na prática de novos delitos, permitindo-lhe uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais.

2. A colocação do condenado em liberdade condicional depende da verificação, em cada caso concreto, dos pressupostos previstos no art. 61º, do C. Penal.
A concessão da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado (nº 1, do artigo citado).

A liberdade condicional não obrigatória é concedida quando:
a) O condenado tiver cumprido metade da pena de prisão e no mínimo de seis meses, se:
- Atentas as circunstâncias do caso, a sua personalidade e a evolução desta ao longo do cumprimento da pena, existiram fundadas razões para crer que, posto em liberdade, conduzirá a sua vida de forma socialmente responsável; e
- A libertação for compatível com a defesa da ordem e da paz social (nº 2 do artigo citado);
b) O condenado tiver cumprido dois terços da pena de prisão e no mínimo de seis meses, desde que, atentas as circunstâncias do caso, a sua personalidade e a evolução desta ao longo do cumprimento da pena, existiram fundadas razões para crer que, posto em liberdade, conduzirá a sua vida de forma socialmente responsável (nº 3 do artigo citado).

A liberdade condicional obrigatória é concedida logo que o condenado cumpra cinco sextos das penas de prisão superiores a seis anos (nº 4, do artigo citado).

Como se alcança do despacho que concedeu a liberdade condicional ao recluso J..., este iniciou o cumprimento da pena de 1 ano e 6 meses de prisão, à ordem do processo nº 25/05.0TAAVR, pela prática de crime de ameaça e de crime de extorsão.
O recluso viu indeferida a concessão de liberdade condicional ao meio da pena [ocorrido a 28 de Fevereiro de 2008], por despacho de 30 de Março de 2008.
Os 2/3 da pena ocorreram a 28 de Maio de 2008 e o termo do seu cumprimento a 28 de Novembro de 2008.

Na mesma decisão considerou-se que, tendo o condenado, por se encontrar deslocado temporariamente em Aveiro, deixado o consentimento expresso na concessão da liberdade condicional, como consta da acta respectiva, e tendo o mesmo tido uma evolução positiva da sua personalidade e postura que permitem esperar que, posto em liberdade conduza a sua vida de forma responsável, assim se constatando uma prognose positiva de que se verificam as condições propícias e uma bem sucedida aprendizagem da liberdade, e recusa da reincidência, manifestando vontade em se corrigir, e não existindo eco de perturbação da ordem social com o seu regresso a casa, era admissível concluir pela aprendizagem da liberdade com sucesso, foi por estas razões colocado em liberdade condicional.
Entendeu-se pois, estarem verificados os pressupostos da concessão da liberdade condicional não obrigatória, previstos no art. 61º, nºs 1 e 3, do C. Penal.
No recurso apenas vem questionado o primeiro pressuposto ou seja, o procedimento a observar na audição do recluso e seu consentimento.

3. Entende a Digna Magistrada recorrente que o recluso tem que ser ouvido pelo juiz não podendo tal audição ser substituída por um documento escrito a autorizar e a agradecer a liberdade.

Dispõe o art. 61º, nº 1, do C. Penal que, a aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
No campo adjectivo, dispõe o art. 485º, nº 2, do C. Processo Penal que, antes de proferir despacho sobre a concessão da liberdade condicional, o Tribunal de Execução das Penas ouve o condenado, nomeadamente para obter o seu consentimento.

É certo, como se disse, que o condenado não foi ouvido pessoalmente pela Mma. Juíza de Execução das Penas, como consta da acta de fls. 40 destes autos, que se bastou com o documento de fls. 41 destes autos, que tem o seguinte teor:
Eu J… outoriso a minha liverdade condicional. O meu muito obrigado.
Assinado J…
Data 16 – Setembro – 2008”.

Não se colocando dúvidas sobre a genuinidade do documento, evidente se torna que o recluso deu o seu consentimento escrito à concessão da liberdade condicional. Mas é também evidente que não foi observada a audição pessoal pressuposta no art. 485º, nº 2, do C. Processo Penal.

O direito de audiência que se encontra genericamente previsto no art. 61º, nº 1, b), do C. Processo Penal, e que tem manifestações particulares em diversas normas do mesmo código, é decorrência do princípio do contraditório.
Embora se trate de direito conferido ao arguido a fim de assegurar as suas garantias de defesa, ele não deixa também de ter aplicação quando passa à condição de condenado, como claramente decorre do referido nº 2, do art. 485º, do C. Processo Penal [que é maus uma manifestação particular daquele direito].
Acontece que o direito de audiência apresenta diversas gradações, não se confundindo com o direito de presença, isto é, o direito de audiência não significa sempre o direito de audiência presencial, comportando outras formas de exercício do contraditório, como seja através da forma escrita (Ac. R. de Coimbra de 21 de Janeiro de 2009, proc. nº 3027/07.8TXCBR, in http://www.dgsi.pt).

O âmbito da norma do nº 1, do art. 485º, do C. Processo Penal é mais amplo do que o da norma do nº 1, do art. 61º, do C. Penal. Neste apenas se exige o consentimento, sem indicação de qualquer formalidade, pressupondo apenas uma declaração de vontade livre e esclarecida. Naquele a audição do condenado visa a obtenção do consentimento, mas não só pois que pode este apresentar a sua argumentação quanto à concessão ou não da liberdade condicional indicando provas a produzir.
Ora, se nos casos de concessão da liberdade condicional obrigatória se pode aceitar o simples documento de consentimento, sobretudo em situações de alguma urgência [como sucedeu no caso objecto do Acórdão desta Relação acima citado], como dando plena execução ao direito de audiência, já a mesma conclusão não pode ser extraída relativamente aos casos de concessão de liberdade condicional não obrigatória pois que aqui não está apenas em questão o consentimento do condenado mas também a verificação ou não de outros pressupostos materiais.
É que, nestes casos, a simples prestação do consentimento, mesmo que por escrito, não tem como consequência necessária – como acontece na liberdade condicional obrigatória – a concessão da liberdade condicional e por isso a sua audição continua a ter como fundamento o exercício do direito de defesa.

Foi pois desrespeitado o art. 485º, nº, 2, do C. Processo Penal.

4. Porém, a inobservância do disposto no art. 485º, nº 2, do C. Processo Penal no que respeita à falta de audição presencial do condenado não tem as consequências jurídicas apontadas pela Digna Magistrada recorrente ou seja, a nulidade do art. 119º, nº 1, c), do C. Processo Penal.
Vejamos.

O art. 118º, nº 1, do C. Processo Penal dispõe que, a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
No nosso processo penal as nulidades processuais são pois, taxativas. Quando a lei não comina a nulidade, estamos perante uma irregularidade (nº 2 do mesmo artigo).

As nulidades insanáveis previstas no art. 119º, do C. Processo Penal correspondem a violações da lei que abalam a própria estrutura do processo penal, garantido pela Lei Fundamental, como acontece com as garantias de defesa e o princípio do contraditório, com assento no art. 32º da Constituição da República Portuguesa.
Nesta perspectiva, o direito de audição tem fundamental importância nas situações em que a decisão a ser tomada possa consistir na privação da liberdade.
Mas não é seguramente esta a situação que ocorre nos autos pois aqui a audição do condenado nada tem a ver com a possibilidade de vir a ficar privado da sua liberdade mas antes, a de saber se dela vai ficar privado até ao fim da pena em que já foi condenado.
A liberdade condicional significa sempre a possibilidade de um desagravamento da situação do recluso e nessa medida, como se escreveu no Acórdão desta Relação de 21 de Janeiro de 2009, citado, «o alcance garantístico contido no art. 61º, nº 1, al. b) e reforçada com a cominação de nulidade dita insanável estabelecida na al. c) do art. 119º, ambos do CPP, nunca abarcaria o acto omitido pelo Tribunal a quo.»
Não se trata pois de nulidade insanável.

E também não é nulidade sanável pela simples razão de que não se encontra prevista nas diversas alíneas do nº 1, do art. 120º, do C. Processo Penal, nem como tal é cominada no art. 485º, do mesmo código.

Estamos assim, face ao disposto nos arts. 118º, nº 2 e 123º, do C. Processo Penal, perante uma mera irregularidade.

Esta irregularidade apenas poderia ser invocada pelo interessado afectado que no caso é apenas o condenado (art. 123º, nº 1, do C. Processo Penal). Com efeito, apenas o seu interesse em ser ouvido pessoalmente para assegurar, eventualmente, a sua defesa, foi postergado.

E é seguro que a Digna Magistrada do Ministério Público, no recurso interposto, não visa assegurar o interesse do recluso. Com efeito, sem questionar a verificação do pressuposto material de concessão da liberdade condicional [no parecer que emitiu, a fls. 38 destes autos, datado de 3 de Setembro de 2008, pronunciou-se favoravelmente à concessão da liberdade condicional por entender estarem verificados os seus requisitos], a Digna Magistrada recorrente apenas sindica, por via do recurso, um vício de forma relativamente ao consentimento do condenado, que, efectivamente, se mostra dado. Ao pretender que se ordene «a audição do condenado com as devidas formalidades» está implicitamente a ser pedida a anulação do despacho que concedeu a liberdade condicional com o consequente regresso do condenado à prisão.

Em conclusão do que antecede, considera-se sanada a irregularidade verificada com a inobservância do disposto no art. 485º, nº 2, do C. Processo Penal, ao não ter sido o recluso ouvido presencialmente pela Mma. Juíza.



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III. DECISÃO


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso, e em consequência, confirmam o despacho recorrido.

Sem tributação.
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Coimbra, 6 de Maio de 2009


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(Heitor Vasques Osório)

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(Jorge Baptista Gonçalves)