Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1044/03
Nº Convencional: JTRC 05606
Relator: BARRETO DO CARMO
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
INIMPUTABILIDADE
Data do Acordão: 04/02/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Área Temática: DIREITO PENAL
Legislação Nacional: ARTS. 75º NºS 1, 2 E 4, 76º Nº1 E 172º Nº1 DO C.P.
Sumário: I - Para aquilatar da culpa do arguido importa verificar se as características gerais da personalidade do arguido entram em conflito com o direito penal por não dominarem os seus impulsos sexuais (cfr.. - Manual de Criminologia, Ernst Seelig, - traduzido por Guilherme de Oliveira e revisto por Eduardo Correia - Coimbra, 1957, 1º Vol., 168 e ss).
II - Nos crimes sexuais deve distinguir-se o indivíduo que pratica crime por não representar a realidade sexual, agindo por mero instinto animalesco, daquele que actua para satisfação do seu libido, encontrando no acto sexual criminoso satisfação sexual intelectualizada e claramente representada, pois que o primeiro reage a estímulo sexual externo, à manifestação física da excitação sexual, sendo o apetite sexual determinado por elementos puramente animalescos, que ele não representa, em regra por deficiências psíquicas, como acto sexual; o segundo, por outro lado, procura consciente e livremente a ocasião para agir de acordo com o seu apetite sexual, pratica todos os actos de sedução e estimulação sexual, em si mesmo e na vítima, tem consciência de que o acto sexual é proibido, e procura esconder-se para a sua prática.
III - Tendo em atenção de que toda a actividade sexual é compulsiva, porque o prazer sexual não se satisfaz num único acto sexual mas a própria prática sexual estimula a sua continuidade, o facto de o pedófilo agir compulsivamente para satisfação sexual com crianças, não é um comportamento que se distinga dos demais comportamentos sexuais; a questão está em o pedófilo ou abusador de crianças orientou voluntária e consciente (pelas mais variadas razões) a sua satisfação sexual para actos libidinosos com crianças; o sexo é intelectualizado, é querido, é procurado e até estimulado, como em qualquer outra situação, dita normal.
IV - O abusador de crianças, reveste a sua sexualidade de ritos, encenações e estimulantes verdadeiramente organizados para encontrar a excitação - assim é que procuram filmar os actos, fotografar as crianças em poses libidinosas, trocam, entre companheiros do mesmo prazer fotos e filmes, organizam bacanais e festas ... - tudo consciente e voluntariamente para obter prazer sexual.
V - A consciência da sua sexualidade proibida é tal, que procura esconder essa mesma sexualidade, de tal modo que, a mais das vezes, é capaz de representar para si mesmo, e para os outros, o papel de um bom pai de família, de um amigo das crianças, de alguém incapaz de molestar as crianças; as pessoas que com eles convivem em regra não lhe conhecem a tendência sexual.
VI - O traço referenciador do criminoso por falta de controle do domínio sexual é a conversão em realidade dos seus desejos sexuais libertos de inibições de carácter cultural, ética e jurídica, com plena consciência de que estão a violar normas culturais, éticas e jurídicas.
VII - Não se pode pois falar de ininputabilidade.
Decisão Texto Integral: