Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
232/12.9TBTCS-AJ.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
CADUCIDADE
Data do Acordão: 03/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA, TRANCOSO, JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 120.º, 121.º E 123.º DO CIRE
Sumário: 1. Nos termos do disposto no artigo 123.º do CIRE:
“1. A resolução pode ser efectuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de recepção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.

2. Enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a resolução ser declarada, sem dependência de prazo, por via de exceção”.

A articulação dos dois prazos mencionados faz-se do seguinte modo: o direito de resolução caduca com o decurso daquele que primeiro ocorrer”.

2. Apesar de haver decorrido o prazo de dois anos mencionado no n.º 1 do artigo 123.º do CIRE, não se pode concluir pela invocada caducidade do direito em causa, em face do disposto no n.º 2, do artigo em referência e acima já transcrito. No âmbito do CIRE, deve aplicar-se o artigo 287.º, n.º 2, do Código Civil por se verificarem as razões que o justificam: menor exigência da tutela da contraparte, e até de terceiros, decorrente do não cumprimento do contrato.

3. Ora, atento a que ainda não se verificou o pagamento da quantia equivalente aos créditos cedidos, o negócio ainda não está cumprido, em face do que, nos termos expostos, se mantém a validade da resolução, nem se exigindo que se trate de contrato de execução duradoura ou continuada, mas sim que ainda não esteja cumprido.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A... , por dependência do processo de insolvência, propôs acção declarativa de impugnação de resolução de ato em benefício da massa insolvente contra “Massa Insolvente de B..., S.A.” representada pela sua administradora da insolvência, peticionando, a final, que, na procedência da acção, a resolução do Sr. Administrador da Insolvência seja declarada a invalidade do acto resolutivo por falta de fundamentação de facto e de direito ou qualquer outra das causas nos termos alegados, nomeadamente por caducidade do direito à resolução.

Como fundamento da sua pretensão alega que da simples leitura da missiva recebida conducente à resolução do negócio em causa ressalta de imediato a sua nulidade uma vez que esta se limita a citar o art.º 120.º do CIRE e a afirmar a prejudicialidade do acto para a massa insolvente apenas se fundando na data em que o contrato foi realizado por contraponto com as datas do início do processo de insolvência e da declaração de insolvência, ali se afirmando que o autor agiu de má-fé sem alegar qualquer facto que permita tal conclusão.

Ademais invoca a caducidade do direito pois à data do envio da missiva da resolução há muito se encontrava prescrito o direito à resolução do negócio.

Citada a massa insolvente, contestou nos termos da peça constante de fls. 28 ss, nela tendo refutado a invocada nulidade/ineficácia da declaração resolutiva, por terem sido observados todos os requisitos legais, reafirmando que a resolução operou ao abrigo dos art.ºs 120.º e 119.º, n.º 3 do CIRE, tal como consta da missiva enviada aos demandantes e por estes recebida.

Mais alegou as circunstâncias em que tomou conhecimento do contrato em apreço, pugnando pela validade e eficácia da resolução atentando nas datas em que dele teve conhecimento e a data da resolução. No mais defendeu-se por impugnação, concluindo pela improcedência da acção. Juntou documentos.

Respondeu o autor impugnando os documentos juntos e reiterando o já alegado na petição inicial, relativamente à caducidade e inexistência de má fé da sua parte.

Teve lugar a audiência prévia elaborando-se despacho saneador e nele se relegou para momento posterior o conhecimento das questões prévias suscitadas quanto à validade da declaração de resolução e no que à matéria da excepção de caducidade respeita, considerando que ainda se mostrava possível alcançar uma solução consensual ditada pelas partes.

Foi fixado o objecto do litígio e dispensada a fixação de temas de prova tudo conforme decorre de fls. 90 e 91, designando-se dia para a realização da audiência de discussão e julgamento.

Aberta a audiência de discussão e julgamento, não se tendo logrado alcançar o acordo nos termos pretendidos pelas partes, foram as mesmas prevenidas para a possibilidade de conhecimento do mérito da causa de imediato, tendo-lhes sido permitido discutir de facto e de direito os termos do litígio. Nessa sequência, os Ilustres Mandatários do Autor e da Ré prescindiram da produção da prova arrolada e bem assim das alegações por terem considerado que as questões em apreço se mostram já suficientemente documentadas e debatidas nos autos.

Após o que foi proferida a sentença de fl.s 102 a 109 v.º, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva motivação e a final se decidiu o seguinte:

“Cremos pois que atenta a parca alegação fáctica que consubstanciou a carta de resolução assiste razão ao Autor e nessa medida pelos motivos acima apontados, julga-se a acção procedente e, consequentemente, declara-se nula a resolução em benefício da Massa Insolvente praticada pelo Sr. Administrador de Insolvência.

Custas a cargo da Ré massa insolvente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia – n.ºs 1 e 2 do art.º 527.º do Código de Processo Civil.”.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a ré, massa insolvente, na sequência do que veio a ser proferido o Acórdão que antecede, de fl.s 124 a 135, no qual se determinou a anulação da decisão recorrida, a fim de ser produzida prova, quanto à má fé do ora autor.

Após a baixa dos autos ao Tribunal recorrido, realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo e com recurso à gravação dos depoimentos prestados, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 177 a 185 v.º, na qual se seleccionou a matéria de facto dada como provada e não provada e respectiva fundamentação e a final se decidiu o seguinte:

“Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo procedente a presente acção e, consequentemente, declaro inválida, e sem nenhum efeito, a declaração de resolução do contrato de cessão de créditos celebrado entre o autor A... e B... , SA, mantendo-se válida e eficaz a referida cessão de créditos.

Custas pela ré massa insolvente, que se encontra dispensada do seu pagamento por beneficiar de apoio judiciário.”.

De novo, inconformada com a mesma, interpôs recurso a ré, “Massa Insolvente de B... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 203), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

A) Vem o presente Recurso interposto da decisão proferida nos autos por se entender que a sentença recorrida ao declarar inválida e, sem nenhum efeito, a resolução em benefício da Massa Insolvente exercida pelo Sr. Administrador de Insolvência, não se conforma com as regras da experiência comum e da prova careada para os autos, devendo o facto nº 10 dos factos provados deve ter a seguinte redacção: “O autor, na data da cessão de créditos, sabia que a B... , S.A. se encontrava em situação de insolvência”

B) Quanto ao requisito da má fé, o A.I. refere, na missiva de resolução, remetida ao A., refere, o seguinte:

“(…)

8. (…)Subjacente à outorga do contrato em causa, existe não só da parte da sociedade insolvente, como, também, da parte de V. Excia, má fé, dado que o alegado documento foi elaborado e assinado na pendência do Processo de Insolvência, bem sabendo a real situação económica e financeira da sociedade.

12.Por outro lado, como já referimos, entendemos existir má-fé por parte de V.Excia, porquanto tinha conhecimento de que se a Sociedade B... há muito que apresentava numa situação de pré-insolvência (sendo do conhecimento que o processo de insolvência se encontrava pendente em Tribunal) e de que a outorga do contrato de cessão de créditos em referencia iria, única e simplesmente, ter como beneficiários as pessoas identificadas no mesmo, existindo claro favorecimento de credores.(…)

13.Em face do circunstancialismo descrito, V.Excia não podia deixar de ignorar a prejudicialidade do acto em apreço, por este afectar, necessariamente, os direitos dos credores da insolvência (designadamente os trabalhadores), o que aliado, ao seu necessário conhecimento da situação económica em que se encontrava a Sociedade B... , S.A como próxima do limiar da insolvência, acarreta que se tenha de concluir que se verifica má-fé.

(…)”

C) O A.I., na carta de resolução em beneficio da massa insolvente, salvo melhor entendimento em sentido contrário, enunciou e alegou os factos concretos pelos quais entende ter havido prejudicialidade e má fé na outorga do contrato de cessão de créditos em referência.

D) O direito potestativo do A. para poder impugnar os factos foi garantido na missiva de resolução em benefício da massa insolvente que foi dirigida.

E) Com o devido respeito, não pode o A. vir invocar a falta de fundamentação, quando na realidade, percebeu o alcance dos concretos factos alegados e enunciados pelo A.I., na missiva de resolução, impugnando-os de forma especificada.

F) A carta de resolução remetida pelo A.I. ao A. contém, salvo o devido respeito o quantum satis para o cabal exercício do direito potestativo, tanto mais que este foi exercido de forma plena pelo A.

G) O próprio autor admite ter tido conhecimento da situação financeira débil da insolvente.

H) Do depoimento do autor, conjugado com os documentos juntos aos autos pela massa insolvente, constantes de fls. 21/2 (cópia do anúncio da declaração de insolvência de B... , S.A.); fls. 46 (cópia do anúncio intitulado “mau pagador” datado de 11.10.2012); fls. 47/49 (cópia do anúncio datado de 02.01.2013 intitulado “2012 em retrospectiva”); fls. 50/2 (cópia do anúncio datado de 07.03.2013 intitulado “assembleia municipal autoriza extinção da empresa Mais Ourém”), é necessário retirar a conclusão de que o autor, na data da cessão de créditos, sabia que a B... , S.A. se encontrava em situação económica difícil, tudo fazendo antever a sua insolvência (facto que, aliás, já era do conhecimento geral).

I) O primitivo contrato de cessão de créditos foi assinado na pendência do processo de insolvência e cedência a favor do A. ocorreu a título gratuito (já após a declaração de insolvência da Sociedade B... , SA, facto que foi do conhecimento público e que o A., na qualidade de ex-trabalhador não poderia ignorar)

J) A situação económica e financeira da Sociedade B... , SA era do conhecimento público (e, de forma muito mais clarividente, dos seus trabalhadores ou ex-trabalhadores – bem como dos cessionários dos créditos).

K) A declaração de resolução encontra-se devidamente fundamentada, no que concerne à prejudicialidade do acto que foi objecto da resolução e no que concerne ao requisito da má fé, não podendo, salvo o devido respeito, a sentença recorrida concluir que “Ademais e como vimos, encontramo-nos limitados aos factos constantes da missiva – a fundamentar o direito de resolução do contrato de cessão de créditos - enviada pelo Sr. Administrador de Insolvência ao autor, nos termos do artigo 123.º do CIRE, sob pena de se concluir pela nulidade do direito de resolução por ausência dos factos onsubstanciadores do requisito da má fé. Ora, compreende-se que assim seja, sob pena de se coarctar a garantia do impugnante que tem de ter conhecimento dos factos e apreender o alcance dos fundamentos resolutivos.”

L) A má-fé, quer do primitivo cessionário, quer do autor é patente, não existindo margem para dúvidas de que, por um lado, a declaração de resolução contém a fundamentação devida, nomeadamente quanto ao requisito da má fé e, por outro lado, resultou provado da prova documental junta aos autos e da testemunhal (declarações de parte) a existência de má fé.

M) A sentença recorrida viola as normas constantes dos artigos 120º, 123º, 125º do CIRE e artigo 342º e 343º do C. Civil.

Nestes termos e mais de direito deverá dar-se provimento ao presente recurso, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere válida a resolução em benefício da Massa Insolvente exercida pelo Sr. Administrador de Insolvência

E, assim, Vossas Excelências, como sempre, farão, JUSTIÇA

Por sua vez, o autor A... , interpôs recurso subordinado, recurso, esse, igualmente, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 203), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

B1. O A. interpõe o presente recurso dado entender que a sentença ora posta em crise não valorou correctamente a prova constante dos autos, designadamente o acervo documental junto, o que teve repercussões ao nível da apreciação da invocada excepção de caducidade, como se passará a demonstrar:

B2. O recorrente entende que o Tribunal a quo considerou erradamente julgados, salvo o devido respeito, o seguinte facto: 14. Por carta registada expedida a 10.01.2016, o autor foi notificado pelo Sr. Administrador de Insolvência, em representação da ré Massa Insolvente, da decisão de resolver o contrato de cessão de créditos, celebrado entre A... e B... , S.A. e referido em 2.

B3. O A. juntou aos autos, a fls., carta resolutiva (e respectivo sobrescrito), remetida pelo Sr. AI ao aqui A., donde consta a informação oficial dos CTT de que a mesma foi expedida no dia 01.03.2016, documento esse que não mereceu qualquer oposição / impugnação por banda dos demais intervenientes.

B4. Destarte, mal andou o Tribunal a quo ao dar como provado que o A. foi notificado da carta de resolução expedida pelo Sr. AI em 10.01.2016, pelo que deve o referido facto 14. ser dado como não provado e, em sua substituição, deve ser aditado um facto dado como provado com o seguinte teor: Por carta registada expedida a 01.03.2016, o autor foi notificado pelo Sr. Administrador de Insolvência, em representação da ré Massa Insolvente, da decisão de resolver o contrato de cessão de créditos, celebrado entre A... e B... , S.A., em 27 de Fevereiro de 2013, através da qual a insolvente reconheceu, à data, ser devedora, aquele da quantia de € 13.584,70, decorrente da sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho da Guarda, nos autos n.º 209/13.7TTGRD.

B5. Neste conspecto, deve a sentença sob escrutínio ser revogada e substituída por outra que altere a matéria de facto nos termos supra descritos.

B6. Face à alteração da matéria de facto, logo se conclui que o direito de resolução do contrato de cessão operado pelo AI pela carta expedida em 01.03.2016, foi exercido mais de dois anos após a data da declaração de insolvência, em 03.01.2014 e transitada a 27.01.2014 (vide facto 7.º constante da sentença), ou seja, verifica-se, in casu, a caducidade do direito de resolução operado pelo Sr. AI.

B7. Donde a sentença recorrida ao assim não julgar, violou o disposto no art. 123º do CIRE, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue verificada a excepção de caducidade do direito de resolução operado pelo AI, em virtude de o mesmo ter sido exercido decorridos mais de dois anos após a data da declaração de insolvência, com as legais consequências.

Termos em que, na procedência do presente recurso, deve a matéria de facto ser alterada nos termos explanados e, ainda, ser julgada procedente a excepção de caducidade do direito de resolução operado pelo Sr. AI, tudo com as legais consequências e nos termos supra referidos,

assim se fazendo a COSTUMADA JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

Recurso subordinado do autor (iniciando-se a decisão do recurso, apreciando a questão da caducidade, uma vez que, procedendo esta, se tornaria despicienda a decisão das demais):

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova, relativamente ao item 14.º dos factos considerados como provados e, em sua substituição, aditar-se como provado, o facto referido na 4.ª conclusão, com a redacção dela constante e;

B. Se se verifica a caducidade do direito a que se arroga a ré.

Recurso interposto pela ré, massa insolvente:

C. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente ao item 10.º dos factos considerados como provados, que deve passar a ter a redacção que consta da conclusão A) e;

D. Se a resolução efectuada pelo Administrador da Insolvência é inoponível ao ora recorrente, com fundamento em a mesma não ter sido efectuada nos moldes legalmente previstos, o que se traduz, a assim ser, na procedência da acção.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. O processo de insolvência da B... , S.A. deu entrada em juízo a 31.08.2012.

2. Por sentença judicial proferida em 14 de Novembro de 2013, no processo com o n.º 73335/10.2YIPRT que correu termos no Tribunal de Trancoso, a B... , S.A., foi declarada titular de um crédito no montante de €195.265,57 sobre a H... , Lda., NIPC (...) , com sede na Rua (...) .

3. Por decisão proferida no processo com o n.º 212/13.7TTGRD, que correu termos no Tribunal de Trabalho da Guarda, foi reconhecido a A... um crédito de natureza laboral, para compensação de resolução do contrato de trabalho, no valor de €23.729,20 sobre B... , S.A..

4. A B... , S.A. e o autor subscreveram documento denominado por cessão de créditos, em 27 de novembro de 2013.

5. Do referido documento consta: “Cláusula 1.ª 1.A 1.ª outorgante é dona e legítima possuidora de um crédito no montante capital de 195.265,57€ (cento e noventa e cinco mil duzentos e sessenta e cinco euros e cinquenta e sete cêntimos) titulado sobre a “ H... , Lda.”, contribuinte fiscal n.º (...) , com sede na Rua (...) , e devido por esta. 2. O crédito em causa encontra-se titulado e definido por sentença judicial proferida pelo Tribunal da Comarca de Trancoso, no processo judicial ordinário n.º 73335/10.2YIPRT, daquela comarca com sentença proferida em 14 de Novembro de 2013, que aqui se dá por reproduzida. Cláusula 2.ª 1. O 2.º, 3.º e 4.º Outorgantes foram todos trabalhadores da 1.ª Outorgante, tendo cessado os respectivos contratos, conforme decisão proferida pelo tribunal de Trabalho da Guarda nos processos n.ºs 209/13.7TTGRD, 212/13.7TTGRD e 207/13.0TTGRD, respectivamente. 2. No quadro desses processos, foi reconhecido ao 2.º, 3.º e 4.º Outorgantes, respectivamente, um crédito de 13.584,70€ (treze mil quinhentos e oitenta e quatro euros e setenta cêntimos), 23.729,20€ (vinte e três mil setecentos e vinte e nove euros e vinte cêntimos) e 38.840,92 (trinta e oito mil oitocentos e quarenta euros e noventa e dois cêntimos) respeitante a direitos laborais, devidos pela 1.ª Outorgante. Clausula 3.ª 1.Pelo presente contrato, a 1.ª Outorgante cede ao 2.º, 3.º e 4.º outorgantes, na proporção do montante do seu crédito, e para pagamento dos mesmos, o crédito que detém sobre “ H... , Lda.”, referido no n.º 1 supra. 2.O crédito é cedido com todos os direitos e garantias que o mesmo possua, incluindo o direito a juros moratórios vencidos e vincendos. 3.Com a presente cessão de créditos, as partes declaram, reciprocamente, nada mais ser devido entre si, seja a que título for, considerando-se definitiva e reciprocamente quitadas, para todos os efeitos legais.”

6. No dia 24 de novembro de 2013, H... , Lda. foi notificada do teor do referido documento.

7. O autor foi empreiteiro da B... , S.A..

8. As suas funções consistiam em acompanhar a obra antes dos inícios dos trabalhos ou durante eles.

9. O autor não tinha qualquer contacto com a parte financeira da B... , S.A..

10. O autor desconhecia a deficitária situação económico-financeira da B... , S.A..

11. O autor, quando celebrou a cessão de créditos, desconhecia a existência do processo referido em 1.

12. O autor, após cessação do contrato de trabalho, sentiu-se deprimido por mais de um ano, o que o fez afastar de tudo o que o rodeava.

13. A insolvência foi decretada por sentença datada de 03.01.2014, transitada em julgado em 27.01.2014.

14. Por carta registada expedida a 10.01.2016, o autor foi notificado pelo Sr. Administrador de Insolvência, em representação da ré Massa Insolvente, da decisão de resolver o contrato de cessão de créditos, celebrado entre A... e B... , S.A. e referido em 2.

15. Consta da aludida missiva: “(…) 1. A sociedade B... S.A foi declarada insolvente por sentença de 06.01.2014, a qual transitou em julgado em 27.01.2014 (proc. 232/12.9 TBTCS e apensos do Tribunal de Trancoso) 2. O início do processo de insolvência teve lugar em 31.08.2012. 3. Em 27 de Novembro de 2013 (ou seja, na pendência do processo de Insolvência), a sociedade insolvente, B... , S.A cedeu a favor de V.excia um crédito no valor global de 23.729,20 € – (…) (resultante do processo n.º 212/13.7TTGRD, que correu termos no Tribunal do Trabalho da Guarda), proveniente do processo n.º 73335/10.2yiprt, que correu termos no Tribunal Judicial de Trancoso 4. O administrador de Insolvência apenas agora teve conhecimento da presente cessão de créditos, cujo contrato lhe foi remetido pelo Ilustre mandatário da H... , na sequência das sentenças proferidas no âmbito do processo n.º 73337/10.9YIPRT e processo n.º 73525/10.8YIPRT. Acresce que: 5. No âmbito do processo de insolvência reclamaram créditos os trabalhadores constantes do quadro anexo. Os créditos dos trabalhadores, devidamente reconhecidos como créditos privilegiados, ascendem ao montante de 1.762.192,07€. 6. Os créditos laborais que beneficiem de privilégio imobiliário especial (sobre os bens do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade e mobiliário geral, designadamente sobre os valores emergentes de prestação de serviços, no âmbito da sua actividade, de que a insolvente é credora) prevalecem ou têm prioridade de graduação sobre outros créditos. 7. Para o efeito de satisfação dos direitos dos credores, o art.º 120.º do CIRE atribui ao administrador da insolvente o poder de, uma vez verificados os requisitos gerais nele enunciados, fazer operar a resolução “ dos actos prejudiciais à massa praticados (…) dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo.” 8. Consideram-se prejudiciais à massa Insolvente os actos que diminuam, dificultem ou retardem a satisfação dos credores da insolvência. No caso em apreço, o contrato de cessão de créditos é um acto prejudicial (art.º120 n.2 do CIRE) dado que, com o mesmo, existe claro favorecimento dos credores. Subjacente à outorga do contrato em causa, existe não só da parte da sociedade insolvente, como, também, da parte de V.excia, má-fé, dado que o referido documento foi elaborado e assinado na pendencia do processo de insolvência, bem sabendo a real situação económica e financeira da sociedade. (…) 12.Por outro lado, como já referimos, entendemos existir má-fé por parte de V.Excia, porquanto tinha conhecimento de que se a Sociedade B... há muito que apresentava numa situação de pré-insolvência (sendo do conhecimento que o processo de insolvência se encontrava pendente em Tribunal) e de que a outorga do contrato de cessão de créditos em referencia iria, única e simplesmente, ter como beneficiários as pessoas identificadas no mesmo, existindo claro favorecimento de credores. 13. Em face do circunstancialismo descrito, V.Excia não podia deixar de ignorar a prejudicialidade do acto em apreço, por este afectar, necessariamente, os direitos dos credores da insolvência (designadamente os trabalhadores), o que aliado, ao seu necessário conhecimento da situação económica em que se encontrava a Sociedade B... , S.A como próxima do limiar da insolvência, acarreta que se tenha de concluir que se verifica má-fé. (…).”

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Factos não provados

Não se provou, designadamente, que:

a. o autor, quando celebrou a cessão de créditos, pensava que B... , S.A.. tinha créditos vencidos sobre municípios superiores a €1.000.000,00.

b. o autor tenha recebido a carta referida no facto provado n.º 13, em 02.03.2016.

Recurso subordinado do autor:

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova, relativamente ao item 14.º dos factos considerados como provados e, em sua substituição, aditar-se como provado, o facto referido na 4.ª conclusão, com a redacção dela constante.

No que a esta questão respeita, entende o autor, aqui recorrente, que o Tribunal não deveria ter dado como provado o que consta do item 14.º dos factos provados, designadamente que a carta ali referida tenha sido enviada no dia 10 de Janeiro de 2016, mas sim que o foi apenas, no dia 01 de Março de 2016, com o fundamento em que juntou o doc. n.º 3 que acompanha a petição inicial, que corporiza a carta que lhe foi enviada pelo Sr. Administrador da Insolvência e respectivo subscrito, que comprova que a mesma foi enviada, cf. vinheta emitida pelos CTT, em 01 de Março de 2016.

É o seguinte o teor do referido item:

“14. Por carta registada expedida a 10.01.2016, o autor foi notificado pelo Sr. Administrador de Insolvência, em representação da ré Massa Insolvente, da decisão de resolver o contrato de cessão de créditos, celebrado entre A... e B... , S.A. e referido em 2.”.

Como consta de fl.s 180, a M.ma Juiz considerou tal facto como provado, com base na carta remetida pelo AI ao autor, que se encontra junta de fl.s 20 a 23.

A fl.s 24 encontra-se junto o sobrescrito que a capeava, já que dele consta o número de registo referido no artigo 5.º da p.i. e da mesma consta como data de emissão o dia 10 de Janeiro de 2016, constando da vinheta dos CTT, como data de envio, o dia 01 de Março de 2016.

Depois de para tal notificado, os CTT vieram informar que, dado o lapso de tempo entretanto já decorrido, já não possuíam em registo a informação tendente a informar a data em que a carta em questão foi entregue – cf. fl.s 161.

Assim, impõe-se concluir que em face do doc. de fl.s 24, subscrito acima referido, tem de ter-se por assente que a carta referida no item 14.º dos factos provados, foi enviada no dia 01 de Março de 2016, face ao que se impõe a alteração, no sentido proposto da redacção a dar ao item 12.º, que passa a ter a seguinte redacção:

“14. Por carta registada expedida a 01.03.2016, o autor foi notificado pelo Sr. Administrador de Insolvência, em representação da ré Massa Insolvente, da decisão de resolver o contrato de cessão de créditos, celebrado entre A... e B... , S.A. e referido em 2.”.

Pelo que, quanto a esta questão, procede o recurso, passando o item 14.º dos factos provados, a ter a redacção que antecede.

B. Se se verifica a caducidade do direito a que se arroga a ré.

Alega o recorrente que assim é, com o fundamento em que a carta de resolução enviada pelo AI o foi já depois de decorrido o prazo de dois anos fixado no artigo 123.º do CIRE.

Nos termos do disposto no artigo 123.º do CIRE:

“1. A resolução pode ser efectuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de recepção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.

2. Enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a resolução ser declarada, sem dependência de prazo, por via de exceção”.

Ora, independentemente do que o AI alegou relativamente à data em que teve conhecimento da resolução (e que se veio a provar, em face do que consta do item 15.º), o certo é que a sentença que declarou a insolvência da B... transitou em julgado no dia 27 de Janeiro de 2014 (item 7.º) e a carta de resolução foi enviada no dia 01 de Março de 2016 (item 14.º); ou seja, já depois de decorrido o prazo de dois anos sobre a data da declaração de insolvência.

Por outro lado, como resulta do item 15.4, o AI só soube da cessão de créditos em apreço, mediante comunicação que, nesse sentido, lhe foi enviada pelo Mandatário da H... , em 12 de Outubro de 2015 (cf. doc. de fl.s 68 e 69), pelo que o envio da carta de resolução, respeita o prazo de seis meses mencionado no artigo 123.º, n.º 1, do CIRE.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2013, pág. 536, “a articulação destes dois prazos faz-se do seguinte modo: o direito de resolução caduca com o decurso daquele que primeiro ocorrer”.

Por tudo isto, resulta patente que já havia decorrido o prazo de dois anos mencionado no n.º 1 do artigo 123.º do CIRE.

No entanto, ainda assim, não se pode concluir pela invocada caducidade do direito em causa, em face do disposto no n.º 2, do artigo em referência e acima já transcrito.

Efectivamente, como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2013, a pág. 537, consagra-se neste preceito uma situação semelhante á prevista no artigo 287.º, n.º 2, do Código Civil, mas, por contraponto a este regime, no âmbito do CIRE, deve aplicar-se o mesmo, ainda que por via de acção ou por declaração à contraparte, com o fundamento em que valem para “a resolução as razões que justificam o n.º 2 do artigo 287.º: menor exigência da tutela da contraparte, e até de terceiros, decorrente do não cumprimento do contrato”.

Ora, atento a que ainda não se verificou o pagamento da quantia equivalente aos créditos cedidos, o negócio ainda não está cumprido, em face do que, nos termos expostos, se mantém a validade da resolução, nem se exigindo que se trate de contrato de execução duradoura ou continuada, mas sim que ainda não esteja cumprido – neste sentido, veja-se P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição Revista E Actualizada, Coimbra Editora, 1982, a pág. 262, que ali dão como exemplo a entrega da coisa vendida ou do preço, num contrato de compra e venda anulável.

Consequentemente, também, quanto a esta questão, improcede o recurso subordinado, ora em análise.

Recurso interposto pela ré, massa insolvente:

C. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente ao item 10.º dos factos considerados como provados, que deve passar a ter a redacção que consta da conclusão A).

Alega a ré, ora recorrente, que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao dar como provados os factos ora referidos, devendo, na sua óptica, os mesmos serem dados como provados, com a redacção que propõe na conclusão A), ou seja:

“O autor, na data da cessão de créditos, sabia que a B... , SA, se encontrava em situação de insolvência”.

Estribando-se, para tal no depoimento de parte prestado pelo autor A... , conjugado com os documentos que juntou: cópia do anúncio da declaração de insolvência e recortes de notícias publicadas na imprensa regional e local, juntos a fl.s 21, 46, 47 a 49 e 50 (como consta da conclusão G).

Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que, em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662.º, do CPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, a factualidade posta em causa pelo ora recorrente, nas respectivas alegações de recurso.

C. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente ao item 10º dos factos considerados como provados, que deve passar a ter a redacção que consta da conclusão A).

Para melhor esclarecimento e facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o teor de tal factualidade:

“10. O autor desconhecia a deficitária situação económico-financeira da B... , S.A.”.

Como acima já referido e consta da sentença recorrida, a matéria de facto em causa foi considerada como provada, conforme ora se transcreveu.

É a seguinte a respectiva motivação (cf. fl.s 179 v.º e 180):

“A prova efectuada nos sobreditos termos assentou, essencialmente, nos documentos juntos aos autos, designadamente fls. 11/2 (cópia da sentença proferida no âmbito do processo com o n.º 212/13.7TTGRD que correu termos no Tribunal de Trabalho da Guarda); fls. 13/5 (cópia do contrato de cessão de créditos celebrado entre B... , S.A., C... , A... e G... ); fls. 20/3 (cópia da missiva do Sr. Administrador de Insolvência dirigida ao autor e datada de 10.01.2016); fls. 41 (cópia do anúncio intitulado “mau pagador” datado de 11.10.2012); fls. 42/44 (cópia do anúncio datado de 02.01.2013 intitulado “2012 em retrospectiva”); fls. 45/7 (cópia do anúncio datado de 07.03.2013 intitulado “assembleia municipal autoriza extinção da empresa E... ”); fls. 70/1 (cópia da missiva de F... , G... e A... dirigida a H... , Lda., datada de 02.12.2013); fls. 75 (cópia do envelope emitido por G... e dirigido a H... , Lda.); fls. 77 (cópia da missiva do autor e A... dirigida a H... , Lda., datada de 19.02.2014); fls. 78 (cópia da missiva de G... e I... dirigida a H... , Lda., datada de 19.02.2014).

Considerou-se ainda o depoimento de parte do autor, ao esclarecer que foi despedido em Maio de 2013 e que, nessa altura, o Eng. K... (responsável pela insolvente) lhe transmitiu que ia haver uma retoma/recuperação da sociedade e que os créditos do autor, inerentes ao despedimento, iam ser pagos, por meio de cessão de créditos.

Ainda referiu que, em face do incumprimento do acordo em prestações, determinado pelo Tribunal de Trabalho, aceitou por ser a única solução para receber o seu dinheiro.

Por fim, referiu que nessa altura desconhecia a existência do processo de insolvência da entidade empregadora ou da sua iminência.

Quanto aos factos dados como não provados, nenhuma prova foi pelo autor indicada passível de corroborar a alegação, o que conduziu à não prova dos factos.

No mais, nenhuma prova se produziu com relevo para a formação da convicção do Tribunal, que efectuou o julgamento da matéria de facto em conformidade com as regras legais de repartição do ónus da prova (artigo 414.º do Código de Processo Civil e 342.º do Código Civil).”.

Vejamos, então, se do depoimento invocado pela recorrente e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que a supra mencionada resposta seja modificada ou alterada.

Ora, ouvido, na íntegra, o depoimento prestado, a título de declarações de parte, como autor, por A... , o mesmo referiu que trabalhou por conta da insolvente, desde Julho de 2001 a Maio de 2013, altura em que foi despedido, por salários em atraso, referindo “não me pagaram quando fui despedido, fiz a carta de despedimento e recorri ao Tribunal da Guarda”.

Mais disse que soube em 2014 que a empresa tinha encerrado “de vez” por “boatos em cafés e conversas aqui e ali”, mas que nada “sabia de processos em tribunal contra a empresa”.

Reiterou que a insolvente não lhe pagou e mais tarde, em fins de 2013, “o Eng.º K... propôs pagar em cessão de créditos de uma firma, a H... e aceitei, era a única forma de tentar receber os direitos, mas não sabia que a B... tinha encerrado de vez”.

Mais referiu que “o K... disse-me, quando fui despedido, que iam dar a volta à situação e possivelmente contratar mais tarde, mas não aconteceu”.

Os doc.s de fl.s 41 a 44, reproduzem artigos publicados no “Interior”, de 11 de Outubro de 2012, sob o título de “Mau pagador”, em que se refere que a B... estava a “rescindir contratos com os seus trabalhadores, a quem já não paga há três meses e pode encerrar, enquanto a Câmara da (...) lhe deve um milhão e meio de euros” (fl.s 41).

A fl.s 42/44, artigo do mesmo jornal, edição de 02 de Janeiro de 2013, em que se refere “A crise fez mais vítimas no distrito, pois os trabalhadores rescindiram contratos na B... por ordenados em atraso”.

E a fl.s 45/47, cópia de artigo no jornal (...) , edição de 07 de Março de 2013, em que se refere que a referida empresa “entrou em insolvência”.

Analisados o depoimento em causa e a prova documental ora referida, pensamos que a conclusão a extrair é a oposta daquela a que se chegou na sentença recorrida.

Efectivamente, dos artigos publicados na imprensa regional/local já resulta que era conhecida a má situação económica da insolvente.

Pode objectar-se que o autor não leu tais jornais e por isso nada sabia acerca disso.

No entanto, do seu próprio depoimento, salvo o devido respeito por opinião em contrário, resulta que o autor sabia da situação em que a empresa em causa se encontrava e que estava iminente a declaração da sua insolvência.

O autor é ex-funcionário da insolvente, onde exerceu funções desde Julho de 2001 a Maio de 2013, tendo procedido à resolução do seu contrato de trabalho, com recurso ao Tribunal, por falta de pagamento de salários e subsídios de férias, razão pela qual se tem de concluir que conhecia a má situação económica em que a mesma se encontrava.

Não sendo, por isso crível que disso apenas tenha tido conhecimento por “boatos e conversas”.

Como o próprio autor referiu, quando foi despedido, não lhe pagaram os salários e demais quantias a que tinha direito e só após o recurso ao tribunal é que lhe foi proposta a solução da cessão de créditos.

Outro elemento que inculca a ideia de que o autor sabia da situação de insolvência da sua entidade patronal é o de lhe ter sido referido que “iam dar a volta à situação e possivelmente contratar mais tarde”, o que reforça a ideia de que o autor sabia da má situação financeira da empresa.

Ou seja, o autor, na qualidade de trabalhador da insolvente, necessariamente, sabia da situação da empresa, até porque tinha recorrido a tribunal para obter a resolução do seu contrato de trabalho, cf. itens 2.º e 3.º, na sequência de que foi celebrado entre eles a referida cessão de créditos.

Relevante, ainda, o facto de o processo de insolvência ter entrado em juízo no dia 31 de Agosto de 2012 e a insolvência ter sido decretada por sentença transitada em julgado no dia 27 de Janeiro de 2014 e a cedência de créditos aqui em causa foi feita em 27 de Novembro de 2013.

Ou seja, estamos em presença de uma cessão de créditos celebrada já depois de instaurado o processo de insolvência e já depois de o autor ter recorrido ao Tribunal de Trabalho da Guarda, com vista ao reconhecimento dos seus direitos (cf. acta de audiência de partes, de fl.s 11 e 12), pelo que bem sabia da situação da empresa, dado que o meio normal para o pagamento de salários não é através da cessão de créditos.

Note-se que a insolvente apenas cedeu créditos a alguns, poucos, dos seus trabalhadores, os quais, assim, ficariam em posição privilegiada relativamente à esmagadora maioria dos demais e restantes credores.

Em suma, atento o facto de o autor ter a haver salários e subsídios de férias em atraso, que a insolvente não lhe pagou, aquando do seu despedimento, motivando que recorresse à figura da resolução do contrato de trabalho e recurso a tribunal e só depois de aqui proferida a sentença a reconhecer-lhe tais direitos é que foi feita a cessão de créditos em causa, que não pode considerar-se como o meio normal de pagamento de salários e outras retribuições de índole laboral, vindo a insolvência a ser declarada menos de dois meses volvidos, temos de concluir que o autor, quando celebrou com a sua ex-entidade patronal a cessão de créditos em apreço, necessariamente, sabia que a mesma se encontrava em situação de insolvência.

Em face do que, se altera a redacção do item 10.º dos factos provados, que passa a ser a seguinte:

10.º. O autor, na data da cessão de créditos, sabia que a B... , SA, se encontrava em situação de insolvência.

Consequentemente, nesta parte, procede o recurso em apreço, passando o item 10.º dos factos provados, a ter a redacção que antecede.

D. Se a resolução efectuada pelo Administrador da Insolvência é inoponível ao ora recorrente, com fundamento em a mesma não ter sido efectuada nos moldes legalmente previstos, o que se traduz, a assim ser, na procedência da acção.

Alega a ré, ora recorrente, que deve julgar-se a presente acção como improcedente, porque do teor da carta de resolução enviada pelo AI resultam evidentes os fundamentos para tal invocados, em termos tais que o seu destinatário bem os compreendeu e se defendeu convenientemente, pugnando pela inexistência dos pressupostos nela invocados com vista à pretendida resolução.

Acrescenta que a lei não exige que se descrevam pormenorizadamente os factos em que assenta a resolução, bastando-se com a descrição sucinta dos factos e razões em que fundamenta a resolução o que, na sua óptica, a carta de resolução cumpre.

Na sentença recorrida, depois de se fazer uma análise dos fundamentos e pressupostos legalmente exigíveis para a resolução em benefício da massa insolvente, decidiu-se pela procedência da acção, resumidamente, por se considerar que na carta de resolução enviada ao autor não está alegada, nem dos autos resulta a má fé do autor nem do G... , pelo que falece um dos pressupostos necessários à resolução do negócio em benefício da massa insolvente, para além de que o julgador se encontra limitado aos factos constantes da missiva enviada pelo AI ao autor, que não consubstanciam o requisito da má fé.

Ou seja, considerou-se não constarem da carta de resolução, factos que consubstanciem nem a prejudicialidade do acto relativamente à massa insolvente, nem a má-fé.

Dispõe o artigo 120.º, n.º 1, do CIRE que:

“Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.”.

Acrescentando-se no seu n.º 2, que se consideram prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.

Nos dizeres de Fernando de Gravato Morais, in Resolução Em Benefício Da Massa Insolvente, Almedina, 2008, a pág. 47, com a figura em causa tem-se em vista dar prevalência aos interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, com sacrifício dos interesses de quem negoceia ou contrata com o insolvente, visando reintegrar no património da massa insolvente bens ou direitos que assim não fora seriam atribuídos a alguns credores do insolvente, em detrimento de outros, o que conduziria a um empobrecimento do património da massa, os quais (bens ou direitos), assim, passam a satisfazer os direitos de todos os credores, em obediência ao carácter de “execução geral” dos bens do insolvente.

Decorre do n.º 1 do preceito acima citado que se exige, para que se possa lançar mão da figura da resolução em benefício da massa insolvente que se esteja perante a prática de actos prejudiciais à massa, cuja definição nos é dada pelo seu n.º 2, desde logo aparecendo em 1.º lugar os actos que diminuam ou frustrem a satisfação dos credores da insolvência.

Nos dizeres de Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2013, a pág. 526, por actos prejudiciais devem entender-se os que, por algum dos modos aí referidos, afectam o interesse dos credores na satisfação dos seus créditos, ali se incluindo todos os que implicam a diminuição do valor da massa insolvente, bem como todos os demais que tornem a satisfação do interesse dos credores mais difícil ou mais demorada, isto sem prejuízo da presunção a que se alude no n.º 3 do mesmo preceito.

O mesmo entendimento é o perfilhado por Gravato Morais, ob. cit., a pág. 50, quando ali refere que nesta categoria se enquadra “qualquer acto que enfraqueça (qualitativa ou quantitativamente) a garantia patrimonial” e que, por isso, pode e deve ser atacado.

Ali acrescentando que, relativamente ao “acto que diminui” se considera “A redução que o acto em causa faz operar nos direitos dos credores da insolvência, o facto de se tornar menor, menos numeroso ou até de fazer baixar o valor de tais créditos, é o primeiro elemento em destaque.”.

Mas para que o acto levado a cabo possa ser objecto de resolução em benefício da massa insolvente, exige-se, ainda, a má-fé do terceiro, a qual, nos termos do n.º 5 do citado artigo 120.º do CIRE, radica na verificação de qualquer uma das circunstâncias ali referidas, a saber:

a) conhecimento, à data do acto, de que o devedor se encontra em situação de insolvência;

b) do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;

c) do início do processo de insolvência.

Este conhecimento por parte do terceiro de uma das circunstâncias ali mencionadas, basta-se com um entendimento amplo, por ser o que melhor se coaduna com a intenção de protecção dos credores da insolvência, pois que e seguindo mais uma vez F. Gravato Morais, ob. cit., a pág.s 65 e 66, “o terceiro que se relaciona com um determinado sujeito, sobretudo na área comercial, deve ter uma particular prudência, uma justificada cautela na contratação, sem ser, portanto, demasiado ingénuo. Deve procurar apreciar, em termos gerais, o estado patrimonial daquele com quem estabelece negociações, sob pena de suportar na sua esfera jurídica o risco da resolução do acto em benefício da massa insolvente.”.

E a fl.s 67, refere-se que a circunstância da alínea a), se basta com a cognoscibilidade pelo devedor de alguma das hipóteses consagradas no artigo 20.º, n.º 1, do CIRE.

E a da alínea b), com o conhecimento por parte do terceiro do carácter prejudicial do acto e do conhecimento por esse sujeito da situação de insolvência iminente do devedor.

No caso desta alínea, como o referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in Colectânea de Estudos sobre a Insolvência, Quid Juris, 2009, a pág. 205, trata-se de uma situação de facto, em que se verificam os requisitos para a declaração de insolvência, mas ainda não verificada judicialmente, mediante a correspondente sentença declarativa.

Por outro lado, como resulta do artigo 123º do CIRE, a resolução pode ser efectuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de recepção, nada se dizendo na lei sobre o conteúdo e as formalidades a observar nessa carta/comunicação resolutiva, sendo certo, no entanto, que, como decorre dos seus arts. 120º e 121º, tal resolução não poderá ter lugar por mera vontade do administrador da insolvência e independentemente da verificação de qualquer facto, requisito ou circunstância, sendo que, conforme ali se determina, ela apenas poderá ocorrer caso se verifique alguma das circunstâncias ali mencionadas.

Daí que – e ainda que a lei não o diga expressamente – aquela comunicação tenha que indicar os concretos motivos ou fundamentos da resolução e a indicação desses fundamentos não poderá, pelo menos, por regra, ser efectuada pela mera indicação das normas legais correspondentes e tão pouco pelo uso das expressões jurídicas e conclusivas que nelas são utilizadas; tal fundamentação deverá reportar-se aos factos concretos que, pelo menos na perspectiva do administrador, têm aptidão para integrar a previsão legal e justificar a resolução do acto. E, embora possa estar dispensado de alegar os factos que integram um determinado requisito da resolução, em virtude de a lei presumir a sua existência, o administrador de insolvência terá sempre que alegar, pelo menos, os factos concretos que servem de base a tal presunção.

A indicação dos factos concretos que determinaram a resolução é essencial para que a pessoa prejudicada ou afectada por tal resolução possa exercer o direito de impugnação que lhe é facultado pelo art. 125º do CIRE, importando notar que hão-de ser esses factos que vão ser apreciados e discutidos na acção que se interponha com vista à impugnação da resolução, quer no sentido de confirmar a sua existência (mediante a produção de prova que seja necessária), quer no sentido de decidir se os mesmos se integram ou não na previsão legal e se, como tal, têm a aptidão necessária para determinar a resolução do acto.

Tem sido, aliás, neste sentido que se tem pronunciado a nossa jurisprudência[1], podendo ver-se ainda Gravato Morais[2].

Não obstante este sentido a dar ao grau de exigência de fundamentação da carta a efectuar a resolução, não tem vindo a ser considerado de forma unânime, sem que, contudo, se exija que na mesma se indiquem os factos concretos essenciais que revelem as razões invocadas para a destruição do negócio e permitam ao destinatário da declaração a sua posterior impugnação.

Como se dá nota, entre outros, no Acórdão do STJ, de 29 de Abril de 2014, Processo n.º 251/09.2TYVNG-R.P1.S1, disponível no respectivo sítio do itij, divisam-se na jurisprudência, quanto a esta problemática, duas orientações:

- uma, designada como mais rigorosa, que segue o Ac. do STJ, de 17/09/2009, acima já citado, que defende que o administrador da insolvência tem de indicar  os concretos factos fundamento da resolução, considerando-se que, só dessa forma está o impugnante em condições de impugnar a resolução, vedando-se a possibilidade da deficiência de fundamentação ser suprida em sede de contestação à acção de impugnação e;

- outra, apelidada de mais moderada que se basta com a indicação genérica e sintética dos pressupostos que fundamentam a resolução, da qual se depreenda o porquê da decisão tomada e que é a posição adoptada no supra citado Aresto de 29/04/14.

Aqui se refere que “a Lei embora não impondo que aquela (carta resolutiva) seja exaustiva quanto à explanação dos fundamentos que consubstanciam a resolução, a mesma tem de conter o quantum satis para o cabal exercício daquele direito potestativo.

Assim, sem embargo de não se exigir para a respectiva efectivação abundantes justificações, não nos podemos bastar com uma mera alegação de prejudicialidade.

(…)

Conclui-se assim que a resolução do contrato pelo AI, embora não exija para a sua plena eficácia uma justificação completa que esgote todos os fundamentos, deverá contudo, conter os elementos fácticos suficientes que permitam ao destinatário saber o porquê da resolução, e essa suficiência deverá ser objecto de análise casuística.”.

Ali se acrescentando que “Parece excessivo que se exija que a declaração de resolução contenha uma exaustiva indicação de todos os factos que a justificam. Todavia, essa declaração há-de integrar os factos concretos essenciais que revelem as razões invocadas para a destruição do negócio e permitam ao destinatário da declaração a sua posterior impugnação. Só nesta medida, conhecedor desses factos e razões, este terceiro fica em condições de os poder impugnar como a lei lho permite.”.

Assente, portanto, que a declaração de resolução tem que ser fundamentada com a indicação dos factos concretos que a motivaram, embora, pensamos nós, sem que se exija a exaustiva indicação de todos os factos que a justificam, nos termos acima reproduzidos, a inexistência de tal fundamentação implicará, naturalmente, a procedência da impugnação que lhe venha a ser deduzida.

É que, conforme referimos, são os factos invocados na declaração como fundamento para a resolução que irão determinar e delimitar o objecto da acção de impugnação que lhe venha a ser deduzida, sendo que o que importa apurar, no âmbito desta acção, é a efectiva existência dos factos que ali foram invocados (caso sejam impugnados) e a sua relevância ou aptidão legal para operar aquela resolução, sem prejuízo, naturalmente, da análise de outros factos que venham a ser invocados pelo impugnante e que possam ter relevância para afastar os fundamentos da resolução.

A acção de impugnação da resolução destina-se a atacar os fundamentos que, para tanto, foram invocados pelo administrador e comunicados ao impugnante, não podendo este ser aqui surpreendido com novos factos e novos fundamentos. Daí que, os factos que, enquanto fundamento da resolução, relevam para o desfecho da acção são apenas aqueles que foram invocados na carta de resolução e não quaisquer outros.

Assim, a validade ou eficácia da resolução efectuada pelo administrador de insolvência terá que ser aferida – no âmbito da acção de impugnação que lhe seja deduzida – apenas em face dos factos que foram invocados na carta de resolução e, portanto, o que interessa apurar é apenas se esses factos (ali invocados) existem ou não e se têm ou não aptidão para determinar a resolução.

Nestes termos, se a carta de resolução não indica os factos em que se baseou, tal significará que não existem factos ou fundamentos cuja bondade ou relevância o Tribunal possa confirmar e, não podendo validar/confirmar a resolução do acto, terá que se limitar a julgar procedente a impugnação deduzida.

Analisemos, então, a carta de resolução em causa e os fundamentos que nela foram invocados, já que, como referimos, é em face desses fundamentos (e apenas desses) que terá que ser apreciada e decidida a validade/eficácia da resolução.

Na citada carta, o Sr. Administrador, fez constar o seguinte cf. item 15.º:

“ (…) 1. A sociedade B... S.A foi declarada insolvente por sentença de 06.01.2014, a qual transitou em julgado em 27.01.2014 (proc. 232/12.9 TBTCS e apensos do Tribunal de Trancoso)

2. O início do processo de insolvência teve lugar em 31.08.2012.

3. Em 27 de Novembro de 2013 (ou seja, na pendência do processo de Insolvência), a sociedade insolvente, B... , S.A cedeu a favor de V.a Ex.a um crédito no valor global de 23.729,20 € (…)(resultante do processo n.º 212/13.7TTGRD, que correu termos no Tribunal do Trabalho da Guarda), proveniente do processo n.º 73335/10.2yiprt, que correu termos no Tribunal Judicial de Trancoso

4. O administrador de Insolvência apenas agora teve conhecimento da presente cessão de créditos, cujo contrato lhe foi remetido pelo Ilustre mandatário da H... , na sequência das sentenças proferidas no âmbito do processo n.º 73337/10.9YIPRT e processo n.º 73525/10.8YIPRT.

Acresce que:

5. No âmbito do processo de insolvência reclamaram créditos os trabalhadores constantes do quadro anexo. Os créditos dos trabalhadores, devidamente reconhecidos como créditos privilegiados, ascendem ao montante de 1.762.192,07€.

6. Os créditos laborais que beneficiem de privilégio imobiliário especial (sobre os bens do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade e mobiliário geral, designadamente sobre os valores emergentes de prestação de serviços, no âmbito da sua actividade, de que a insolvente é credora) prevalecem ou têm prioridade de graduação sobre outros créditos.

7. Para o efeito de satisfação dos direitos dos credores, o art.º 120.º do CIRE atribui ao administrador da insolvente o poder de, uma vez verificados os requisitos gerais nele enunciados, fazer operar a resolução “ dos actos prejudiciais à massa praticados (…) dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo.”

8. Consideram-se prejudiciais à massa Insolvente os actos que diminuam, dificultem ou retardem a satisfação dos credores da insolvência. No caso em apreço, o contrato de cessão de créditos é um acto prejudicial (art.º120 n.2 do CIRE) dado que, com o mesmo, existe claro favorecimento dos credores. Subjacente à outorga do contrato em causa, existe não só da parte da sociedade insolvente, como, também, da parte de V.Excia, má-fé, dado que o referido documento foi elaborado e assinado na pendencia do processo de insolvência, bem sabendo a real situação económica e financeira da sociedade. (…)

12.Por outro lado, como já referimos, entendemos existir má-fé por parte de V.Excia, porquanto tinha conhecimento de que se a Sociedade B... há muito que apresentava numa situação de pré-insolvência (sendo do conhecimento que o processo de insolvência se encontrava pendente em Tribunal) e de que a outorga do contrato de cessão de créditos em referência iria, única e simplesmente, ter como beneficiários as pessoas identificadas no mesmo, existindo claro favorecimento de credores.

13.Em face do circunstancialismo descrito, V.Excia não podia deixar de ignorar a prejudicialidade do acto em apreço, por este afectar, necessariamente, os direitos dos credores da insolvência (designadamente os trabalhadores), o que aliado, ao seu necessário conhecimento da situação económica em que se encontrava a Sociedade B... , S.A como próxima do limiar da insolvência, acarreta que se tenha de concluir que se verifica má-fé. (…)” .

No início de tal missiva, faz-se referência ao disposto nos artigos 120.º e 121.º do CIRE e aos contratos de cessão de créditos mencionados nos autos, após o que se segue o ora transcrito. O ora referido artigo 121º enumera uma série de actos que são resolúveis em benefício da massa, sem dependência de quaisquer outros requisitos. Está aqui em causa a resolução que a própria lei qualifica como incondicional, na medida em que não está dependente de quaisquer outras condições além de o acto em causa se integrar numa das situações descritas nas diversas alíneas da referida norma.

Assim, estando em causa uma resolução incondicional, o administrador de insolvência apenas terá que alegar – na fundamentação da resolução – que o acto ao qual se dirige se enquadra nalguma das situações previstas no art. 121º, alegando os factos que, eventualmente, sejam necessários para concluir que assim é efectivamente (importando notar que, neste caso e na nossa perspectiva, poderá, eventualmente, bastar a alegação de que o acto – devidamente identificado – se integra em determinada categoria, na medida em que estará em causa uma mera conclusão a extrair do próprio teor do acto em causa). De qualquer forma, ainda que se admita que, em algumas situações, a resolução incondicional não depende da verificação de quaisquer outros factos além daqueles que já emergem do próprio acto, o administrador sempre deverá deixar claro qual é a natureza e categoria que atribui ao acto que está a resolver para que não subsistam dúvidas sobre o motivo ou fundamento da resolução.

Ora, no caso que estamos a analisar, o Sr. Administrador alude a uma resolução incondicional, mas nada mais diz a esse propósito; apenas aludindo de modo vago e genérico à norma legal e não faz sequer qualquer consideração sobre a natureza do acto e, portanto, não sabemos em qual das alíneas do citado art. 121º se teria baseado para considerar ter fundamento legal para a resolução, pelo que, tal como na sentença recorrida, se terá em conta que se tem em vista a resolução condicional, prevista no artigo 120.º do CIRE.

De facto, fora das situações previstas no art. 121º (que já vimos não terem sido invocadas pelo Sr. Administrador como fundamento da resolução do acto), o acto só poderá ser resolvido – como preceitua o art. 120º - se tiver sido praticado dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, desde que o acto em causa seja prejudicial à massa e desde que exista má fé do terceiro. Está aqui em causa, portanto, aquilo que normalmente se designa por resolução condicional, por contraposição à resolução que a própria lei qualifica como incondicional.

Como acima já referido, de acordo com o disposto no nº 5 da citada norma, entende-se por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer uma das seguintes circunstâncias: de que o devedor se encontrava em situação de insolvência; do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente ou do início do processo de insolvência.

Tal como dissemos supra, a necessidade de fundamentação da declaração de resolução reporta-se, essencialmente, à indicação dos factos concretos que lhe estão subjacentes e não à indicação das normas jurídicas ou a juízos conclusivos, sejam eles de facto ou de direito. Com efeito, é com base nesses factos concretos que o Tribunal irá extrair as suas próprias conclusões e aplicar as normas jurídicas com vista a concluir se tais factos são ou não bastantes, perante a lei, para determinar a resolução do contrato.

Mas, a necessidade de indicação desses factos supõe que eles existam e que neles se tenha baseado a resolução. Com efeito, é de admitir como possível que o administrador tenha fundado o seu juízo conclusivo de prejudicialidade para a massa com base (apenas) no conteúdo do acto que identifica na sua declaração e, nessas circunstâncias, porque o acto é do conhecimento do destinatário, não nos parece que seja exigível que o administrador tenha que reproduzir os termos do acto e os direitos e obrigações dele emergentes e que tenha que efectuar considerações ou fazer alegações e juízos conclusivos para justificar a resolução.

Ora, na carta de resolução, refere o AI que no âmbito do processo de insolvência, existem créditos reclamados por trabalhadores, que ascendem ao montante de 1.762.192,70 €, os quais, são créditos privilegiados e, nessa qualidade, prevalecem sobre os demais.

Acrescenta que se considera a cessão de crédito como prejudicial à massa insolvente, por a mesma potenciar um claro favorecimento dos credores que dela beneficiam, em detrimento dos demais, designadamente, dos trabalhadores e afectando os direitos dos demais credores da insolvência.

Atendendo ao critério acima enunciado acerca do que deva entender-se por acto prejudicial à massa, sem margem para dúvidas, integra-se a cessão de créditos em causa no disposto no n.º 2 do artigo 120.º do CIRE, uma vez que a quantia monetária equivalente aos créditos cedidos deixa de fazer parte da massa insolvente, deixa de responder pelas dívidas da insolvente; faz baixar o valor dos créditos da insolvente, do que resulta uma diminuição do montante de capital que satisfaça o pagamento aos seus credores.

De resto, não se pode entender a celebração do contrato de cessão de créditos em causa, como integrando a actividade normal da insolvente, que se dedicava à construção de obras públicas. Sobre a mesma incumbia a obrigação de pagar o salário a todos os trabalhadores, por igual, não se justificando que o fizesse, ou manifestasse a intenção de o fazer, pela forma como o fez, e apenas relativamente a alguns.

À luz do escopo societário, não fica minimamente justificada tal cessão de créditos, caso em que se poderiam levantar dúvidas acerca da sua prejudicialidade, relativamente à massa insolvente.

Assim, salvo devido respeito, foi alegado o necessário e suficiente, para que se possa concluir ter sido alegado o requisito da prejudicialidade em relação à massa insolvente, no que respeita à cessão de créditos em causa.

Por outro lado, no que respeita à má fé, refere-se na aludida carta que o ora autor sabia que a cessão de créditos foi celebrada na pendência do processo de insolvência, bem sabendo a real situação económica e financeira da sociedade, de pré-insolvência, acrescentando-se, ser, ainda, do conhecimento do autor, que o processo de insolvência já se encontrava pendente em Tribunal.

Quanto a esta questão, em virtude da alteração da redacção que foi dada ao item 10.º dos actos provados, como acima referido, isto é; provando-se, como se provou, que o autor, na data da cessão de créditos em referência sabia que a B... , se encontrava em situação de insolvência, tem de se ter por provada/existente a má fé do ora autor, como resulta do disposto no artigo 120.º, n.º 5, do CIRE.

No Acórdão do STJ, de 20/03/2014, Processo n.º 251/09.2, disponível no mesmo sítio do anterior e em que se defende a tese mais rigorista a que acima já se fez referência, salvaguarda-se, mesmo assim, para dar como verificado o requisito da má fé, a hipótese de alegação de que o terceiro tinha conhecimento que o devedor se encontrava em situação iminente de insolvência.

Ora, in casu, está demonstrado tal conhecimento da situação de insolvência, em face do que se tem de ter por demonstrada a sua má fé, nos termos expostos, o que implica não poder manter-se a sentença recorrida, sendo de considerar como válida e eficaz a resolução em benefício da massa insolvente exercida pelo Sr. Administrador da Insolvência.

Assim, também, quanto a esta questão procede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o recurso subordinado, interposto pelo autor A... , mantendo-se a decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente a excepção de caducidade por si invocada e;

Procedente o recurso de apelação interposto pela ré Massa Insolvente de B... , SA e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se a acção improcedente, por não provada, declarando-se como válida e eficaz a resolução em benefício da massa insolvente efectuada pelo Administrador da Insolvência.

Custas, a cargo do autor, apelado.

Coimbra, 20 de Março de 2018.


[1] Cfr. o Acórdão do STJ de 17-09-2009 (processo n.º 307/09.1YFLSB); os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 18-02-2013 (processo n.º 462/10.8TBVFR), de 11-03-2013 (processo n.º 2756/09.6TBOAZ), de 07/10/2013 (proc. nº 251/09.2TYVNG-I.P1) de 01/10/2013 (proc. nº 251/09.2TYVNG-H.P1), de 27/11/2012 (proc. nº 4694/08.0TBSTS-O.P1) e o Acórdão da Relação de Coimbra 04/06/2013 (proc. nº 354/12.6TBFND.K.C1), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt

[2] Resolução em Benefício da Massa Insolvente, pág. 164.